Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A INSERÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE NO PROCESSO DE FORMAÇÃO EM ODONTOLOGIA

Autores e infomación del artículo

Ana Claudia Freitas*

Geovana Vicente da Rosa**

Lucia Ceccato de Lima***

Anelise Viapiana Masiero****

Universidade do Planalto Catarinense, Brasil

klaudinha.freitas@hotmail.com


RESUMO
A interdisciplinaridade tem sido considerada um progresso na formação dos profissionais da Odontologia, contribuindo para modificação dos currículos tradicionais de ensino. O presente manuscrito se propõe, por meio de uma revisão sistemática, identificar indícios da inserção da interdisciplinaridade nos processos de formação profissional em Odontologia. A busca foi realizada nas bases Science Direct, PubMed e Portal de Periódicos Capes, utilizando os descritores: “Recursos Humanos em Odontologia; Educação Odontológica; Interdisciplinaridade; Education, Dental and Dental staff and interdisciplinary”. Foram selecionados os artigos científicos que abordassem o tema entre os anos de 2008 a 2018, escritos em idioma português, espanhol e inglês e, com acesso online. A busca identificou 810 artigos potencialmente elegíveis. Destes, após a leitura na integra, 26 foram selecionados. Os pesquisadores brasileiros são os autores da maioria das publicações. As reorientações das Diretrizes Curriculares Brasileiras foram fundamentais para o aperfeiçoamento curricular da Odontologia. Entretanto, ainda existem dificuldades para que a Interdisciplinaridade aconteça, por vezes, pela dificuldade do corpo docente, formado no modelo tradicional e fragmentado. Contudo, a literatura respalda que a interdisciplinaridade é uma ferramenta importante para desenvolver nos cirurgiões-dentistas, competências, habilidades e atitudes para atuar em equipe interprofissionais.
Palavras-Chave: Interdisciplinaridade. Formação em odontologia. Integração ensino-serviços de saúde. Educação interprofissional, Cuidado humanizado.

ABSTRACT
Interdisciplinarity has been considered a progress in the training of dental professionals, contributing to the modification of traditional teaching curricula. The present manuscript proposes, through a systematic review, to identify indications of the insertion of interdisciplinarity in the professional training processes in Dentistry. The search was performed at the bases Science Direct, PubMed and Portal de Capes Journals, using the descriptors: "Human Resources in Dentistry; Dental Education; Interdisciplinarity; Education, Dental and Dental staff and interdisciplinary. Scientific articles were selected that addressed the theme between the years 2008 and 2018, written in Portuguese, Spanish and English, and with online access. The search identified 810 potentially eligible. Of these, 26 were selected after reading the full text. Brazilian researchers are the authors of most publications. The reorientations of the Brazilian Curricular Guidelines were fundamental for the curricular improvement of Dentistry. However, there are still difficulties for Interdisciplinarity to happen, sometimes due to the difficulty of the te, formed in the traditional and fragmented model. However, the literature supports that interdisciplinarity is an important tool to develop in dental surgeons, skills, abilities and attitude to work in interprofessional teams.
Keywords: Interdisciplinarity. Training in dentistry. Health education-services integration. Interprofessional education. Humanized care.

RESUMEN
La interdisciplinariedad ha sido considerada un progreso en la formación de los profesionales de la Odontología, contribuyendo a la modificación de los currículos tradicionales de enseñanza. El presente manuscrito se propone, por medio de una revisión sistemática, identificar indicios de la inserción de la interdisciplinariedad en los procesos de formación profesional en Odontología. La búsqueda de fue realizada en las bases Science Direct, PubMed y Portal de Periódicos Capes, utilizando los descriptores: "Recursos Humanos en Odontología; Educación Odontológica; interdisciplinariedad; Educación, Dental y Dental personal e interdisciplinario. Se seleccionaron los artículos científicos que se abordó el tema entre los años 2008 y 2018, escrito en idioma portugués, español e Inglés, y el acceso en línea. La búsqueda identificó 810 potencialmente elegibles. De estas, después de la lectura en la integra, 26 fueron seleccionadas. Los investigadores brasileños son los autores de la mayoría de las publicaciones. Las reorientaciones de las Directrices Curriculares Brasileñas fueron fundamentales para el perfeccionamiento curricular de la Odontología. Sin embargo, todavía existen dificultades para que la Interdisciplinariedad ocurra, a veces, por la dificultad del cuerpo docente, formado en el modelo tradicional y fragmentado. Sin embargo, la literatura respalda que la interdisciplinaridad es una herramienta importante para desarrollar en los cirujanos-dentistas, competencias, habilidades y actitudes para actuar en equipo interprofesional.
Palabras clave: Interdisciplinariedad. Formación en odontología. Integración enseñanza-servicios de salud. Educación interprofesional. Cuidado humanizado.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Ana Claudia Freitas, Geovana Vicente da Rosa, Lucia Ceccato de Lima y Anelise Viapiana Masiero (2019): “Reflexões teóricas sobre a inserção da interdisciplinaridade no processo de formação em odontologia”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (marzo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/03/processo-formacao-odontologia.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1903processo-formacao-odontologia


1 INTRODUÇÃO

A preocupação com o bem-estar físico, mental, social e ambiental do ser humano é percebida por profissionais da saúde e levam a reflexão acerca da construção de novos saberes. Modelos de formação na área da saúde, especialmente técnicos, já não atendem as necessidades da comunidade, visto que, formações pouco críticas e simplistas não dão conta de responder aos fenômenos atuais, suscitando dúvidas nos profissionais em cenários cada vez mais complexos (BRAGNATO; MONTEIRO, 2006).
O paradigma científico baseado no modelo positivista, por muito tempo formou profissionais que costumavam olhar e “separar as partes”, sem se preocupar com as relações existentes entre elas (SANTOS et al., 2015). Com isso, a educação interprofissional em Odontologia torna-se uma alternativa para a mudança de paradigmas, porém algumas fragilidades estão presentes na implementação desta prática no currículo odontológico (FURGESON et al., 2015). Tal fato acontece pela dificuldade na comunicação com profissionais de diferentes áreas (FURGESON et al., 2015). Ainda, a educação interprofissional é uma importante ferramenta na integração do odontólogo com outras profissões (J.M. DAVIS; et al., 2018).
A educação odontológica possui característica de educação vocacional, diretiva e concentra a atenção dos estudantes em torno de questões práticas, meramente mecanizadas, com atuação isolada, característica do próprio ambiente de trabalho (FRANCO et al., 2015; SECCO; PEREIRA, 2004). As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de Odontologia no Brasil, orientam para a construção de um novo cenário na área da educação, preparando o egresso para o trabalho em equipes multiprofissionais (BRASIL, 2002). O perfil do egresso propõe “formar um profissional generalista, humanista, crítico e reflexivo, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e científico” (BRASIL, 2002). Isso é possível por meio de uma comunicação integrada e interdisciplinar formada entre profissionais de diferentes áreas e a comunidade, exercitando o planejamento em conjunto e a integralidade no cuidado (NUTO et al., 2017; SILVEIRA; GARCIA, 2015).
Assim, a abordagem interdisciplinar em Odontologia pode ser considerada um avanço no desenvolvimento de profissionais com senso crítico, pois permite superar conhecimentos fragmentados,  que tornam o cuidado em saúde mais humanizado do que tecnicista (MAFI et al., 2017). A interdisciplinaridade propõe uma reflexão acerca de pensamentos simplistas, pois aponta para outra perspectiva referente a percepção dos aspectos socioambientais e culturais dos seres humanos (TOLEDO; GIATTI; JACOBI, 2014). Ainda aproxima teoria e prática profissional, facilita a construção de saberes e possibilita compreender a realidade em que vivemos (TOLEDO; GIATTI; JACOBI, 2014). Na formação Odontológica permite que o cuidado com o paciente seja mais criterioso, generoso e confiável (JIVĂNESCU et al., 2012; RAFTER M.E. et al., 2006).

2. INTERDISCIPLINARIDADE: REFLEXÃO TEÓRICA PARA COMPREENDER SUA RELAÇÃO NA FORMAÇAO DO CIRURGIÃO-DENTISTA

O conceito de Interdisciplinaridade surge em meados do século XX, porém, somente na década de 60, ganhou ênfase a partir da necessidade de substituir um conhecimento fragmentado, para superar uma visão estritamente disciplinar de entender as coisas (VILELA; MENDES, 2003). Para compreender a interdisciplinaridade é preciso significar o que é disciplinaridade, esta pode ser entendida como termo derivado da palavra disciplina, que explora sua própria metodologia, possui caráter específico e homogêneo (ALCARÃO; RUA, 2005). Segundo (MORIN, 2003) as disciplinas surgiram da sociologia das ciências e do conhecimento. É intrínseca na história da universidade e da sociedade, fruto de reflexões internas e externas, deve ser ao mesmo tempo aberta e fechada e contextualizar condições culturais e sociais (MORIN, 2003). As disciplinas possuem linguagens, técnicas e teorias próprias, o que por sua vez, estabelece autonomia e delimitação de fronteiras (MORIN, 2003).  Em consequência corre-se o risco da hiperespecialização, fazendo com que o pesquisador ou profissional, negligencie os objetivos investigados por outras disciplinas, julgando-se autossuficente (MORIN, 2003).
Entretanto, o prefixo “inter”, juntamente com a palavra “disciplinaridade”, constituí o termo interdisciplinaridade, que por sua vez, envolve a relação entre diversas áreas disciplinares, permitindo a análise de diferentes níveis e modalidades, reorganizando conhecimentos (ALCARÃO; RUA, 2005). Refere-se à busca de várias alternativas para a solução de problemas complexos (FOUREZ, 1995). Ainda pode ser considerada como uma análise especializada e ao mesmo tempo abrangente e generalista, para entender a particularidade e a complexidade (DEMO, 1999).
Assim, o pensamento complexo deve compreender que é imprescindível para o conhecimento das partes para que se conheça o todo e vice-versa, que se analisem os fenômenos por multidimensões e que as diferenças sejam respeitadas, substituindo um pensamento que separa por um pensamento que una (MORIN, 2003).
Falando ainda em conceitos, é fundamental distinguir a interdisciplinaridade da multidisciplinaridade e transdisciplinaridade, embora essa distinção possa não parecer tão precisa (MORIN, 2003). A multidisciplinaridade pode ser considerada a simples justaposição de várias disciplinas, troca de informações, sem estabelecer uma relação que modifique ou enriqueças as disciplinas envolvidas (JAPIASSU, 1976; MENDES; LEWGOY; SILVEIRA, 2008). Ainda pode ser uma associação de disciplinas em torno de um objeto em comum (MORIN, 2003).  No entanto, a interdisciplinaridade diferencia-se pela transformação da fragmentação buscando a interação, caracterizando-se num sistema de copropriedade e diálogo entre os envolvidos (FAZENDA, 1994).
Por sua vez, a transdisciplinaridade propicia a criação de um campo teórico e operacional, novo e amplo(FILHO, 1997). Pode ser compreendida como uma epistemologia, como aquilo que “está ao mesmo tempo entre–através–além das disciplinas”, como um  transatravessar as fronteiras do conhecimento formal e tácito, acadêmico e não acadêmico (DE MELLO; DE BARROS, 2012). Se caracteriza um sistema de ensino inovador, com a presença de níveis e objetivos múltiplos (IRIBARRY, 2003).

3. FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM ODONTOLOGIA

Formar profissionais da saúde que atendam as exigências do mundo atual constitui um desafio para o ensino superior. Neste contexto, a interdisciplinaridade se apresenta como ferramenta que visa aprimorar o trabalho em equipe (PEREIRA et al., 2015). A fragmentação do conhecimento entre disciplinas dificulta uma visão ampliada durante a formação profissional, nesse sentido, compreender práticas interdisciplinares por meio da reorientação das DCN e dos PPCs da saúde são estratégias que buscam mudanças importantes (BRAGNATO; MONTEIRO, 2006).
Quando se discute DCN, o principal objetivo é promover uma reflexão dos atores envolvidos no processo de formação, para que estes desenvolvam capacidade para lidar com problemas e desafios sociais da população brasileira (FURLANETTO et al., 2014a).Um importante avanço nos currículos atuais em busca de superar abordagens tradicionais, encontra-se a interdisciplinaridade (FEUERWERKER; ALMEIDA, 2003). 
A fim de refletir possibilidades de mudança nos processos de formação em Odontologia, se destacam algumas particularidades da formação tradicional, a profissão de Cirurgião-dentista é reconhecida e regulamentada desde 1966 no Brasil, sendo inicialmente o curso de Odontologia instituído em conjunto com o curso de Medicina nas cidades do Rio de Janeiro e Bahia (MORITA; HADDAD; ARAÚJO, 2010).

3.1 Diretrizes Curriculares no Brasil e a Interdisciplinaridade no processo de formação em Odontologia

As DCN preveem a “multiprofissionalmente, interdisciplinarmente e transdisciplinarmente com extrema produtividade na promoção da saúde baseado na convicção científica, de cidadania e ética” (BRASIL, 2002).
Para atender os objetivos propostos pelas DCN, os cursos de Odontologia devem apresentar em seus PPCs, a coletividade do ensino (FERRAZ JÚNIOR et al., 2016). O PPC fundamenta-se numa proposta de trabalho em equipe que descreve as capacidades que podem ser desenvolvidas com os acadêmicos ao longo da sua jornada de formação profissional (CARVALHO, 2003). A reestruturação dos PPCs reflete o acompanhamento da articulação entre indivíduos e o coletivo, pois, trazem espaços adequados para debates e reflexões críticas (FEUERWERKER; ALMEIDA, 2003).
São observados indícios de mudanças no ensino odontológico brasileiro (BELL; LEADDBEATTER, 2018; FORMICOLA, 2017), desde a publicação das DCN, mas são encontradas algumas limitações neste percurso, como: visão fora de contexto da realidade atual; fragmentação das disciplinas e conteúdos; desmotivação entre membros do corpo docente; conhecimento limitado referente às novas legislações e tendências que modificam o ensino superior, entre outras(SILVEIRA; GARCIA, 2015).
A interdisciplinaridade é reconhecida como importante avanço à superação dos currículos odontológicos (FEUERWERKER; ALMEIDA, 2003)  e facilitadora de relacionamentos colaborativos promovendo ligações interprofissionais (FORMICOLA, 2017).  Entretanto, as propostas interdisciplinares na prática pedagógica são desafiadoras e algumas dificuldades neste processo podem residir na formação profissional fragmentada e positivista do educador e algumas situações de trabalho no qual está submetido (FRIGOTTO, 2008).  Ainda, a proposta da integração de currículos entre cursos diversos, também aparece como ferramenta inovadora para superação dos currículos tradicionais (FREITAS; CALVO; LACERDA, 2012).
Neste contexto é importante destacar ainda que as atividades interdisciplinares no ensino odontológico contribuem para modificar a assistência à saúde e permitem que os discentes de vários cursos interajam entre si, valorizando a comunicação (ARAUJO et al., 2012). Por meio da responsabilização compartilhada, permitem ao aluno a busca completa do conhecimento, que garante a concretização dos princípios da integralidade e humanização (GARCIA et al., 2006). Aproximam teoria e prática profissional, facilitam a construção de saberes e possibilitam compreender a realidade em que vivemos (TOLEDO; GIATTI; JACOBI, 2014).  Desta forma, o cuidado com o paciente torna-se mais criterioso, generoso e confiável (JIVĂNESCU et al., 2012; RAFTER M.E. et al., 2006).
Índicios da prática interdisciplinar são evidenciados na Política Nacional Brasil Sorridente, efetivada no ano de 2004, que traz subsídios para o trabalho do cirurgião-dentista dentro da Estratégia de Saúde da Família no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (FERREIRA et al., 2015). A integração entre atividades acadêmicas no âmbito do SUS apontam para os principais eixos de mudanças curriculares na Odontologia, com grande potencial na integração teoria-prática que se desenvolve mais colaborativa e interprofissional (LAMERS et al., 2016). Notam-se mudanças no sistema assistencialista de atendimento, que agora se preocupa com medidas que garantam a promoção e proteção de saúde da comunidade (BOTAZZO; OLIVEIRA, 2010).
Quanto maiores às possibilidades que envolvam a interdisciplinaridade, e maiores forem os espaços interinstitucionais, melhores serão as chances de praticar a integralidade na atenção à saúde (CASOTTIL; NESPOLI; RIBEIRO, 2010).
Planejar, dividir tarefas e ser colaborativo, faz toda diferença na atuação Odontológica, a interação do discente e comunidade, por meio da troca de conhecimentos com outras áreas profissionais, deve ocorrer desde o início da formação profissional, para que possam assumir responsabilidades crescentes ao longo de seus percursos (MORITA et al., 2007). Os benefícios das trocas de experiências entre alunos proporciona um aprimoramento de seus conhecimentos, que levam a concretização da integração multiprofissional (MORAES et al., 2014). A percepção de acadêmicos de cursos de Odontologia sobre a capacidade de atuarem multiprofissionalmente, assim como, analisarem a compreensão de aspectos ligados à interdisciplinaridade e experiências consideradas transdiciplinares, são positivas (FADEL; BALDANI, 2013).
O fortalecimento de políticas públicas e integração ensino-serviços de saúde configuram uma forma de manifestar troca mútua de saberes entre discentes, docentes e comunidade, superando currículos tradicionais (PINHEIRO et al., 2009). Currículos que incentivam os alunos a participar de pesquisas cientificas a partir da abordagem de questões multidisciplinares e interdisciplinares, levam a formação de profissionais mais críticos (MALTAGLIATI; GOLDENBERG, 2007).  A integração entre instituição de ensino e serviço público, permite aos estudantes atuação multidisciplinar nos estágios extra-curriculares, onde a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade acontecem simultaneamente (MORITA; HADDAD; ARAÚJO, 2010).
As atividades “extra-murais” são reconhecidas como ferramentas importantes na construção de experiências práticas que aproximam universidade, SUS, comunidade e profissionais de saúde de distintas e importantes áreas de conhecimento (DOMINGUES et al., 2016). O Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e o PET-Saúde sinalizam na direção de uma reforma curricular nos cursos da saúde, pois permitem o desenvolvimento de ações interdisciplinares, envolvendo setores distintos, com a própria instituição, caminhando em direção ao SUS, inserindo os alunos nas equipes de saúde (DE SOUZA; CARCERERI, 2011).
As atividades desenvolvidas nestes Programas estão ligadas as ações de educação e prevenção em saúde, e a projetos de extensão sociais que contribuem para o aperfeiçoamento e amadurecimento profissional, permitem construir novos conceitos no coletivo e favorecem os relacionamentos interpessoais (DOMINGUES et al., 2016; FURLANETTO et al., 2014b; GONÇALVES; SANTOS; CARVALHO, 2011).
Outros espaços de inserção da interdisciplinaridade nos processos de formação em Odontologia podem ser encontrados nas metodologias pedagógicas eficazes, as quais permitem uma integração multiprofissional, interdisciplinar e transdisciplinar, e faz com que o discente amplie a possibilidade de novos caminhos (ROCHA et al., 2017). Ainda, sua inserção nas disciplinas de Atenção à saúde proporcionam aos acadêmicos, vivências interprofissionais, firmando o conceito de trabalho em equipes de saúde (ROCHA et al., 2017). 
Considerando o exposto, objetivou-se por meio de uma revisão sistemática da literatura identificar indícios da inserção da interdisciplinaridade nos processos de formação profissional em Odontologia. 

4. PERCURSO METODOLÓGICO

A revisão de literatura foi realizada por meio dos Principais Itens para Análises Sistemáticas e Meta-análises (PRISMA Statement) (SANTOS; PIMENTA; NOBRE 2007). Para a busca dos artigos científicos utilizou-se o acrônimo PICO, em que: “P”- especifica qual a população envolvida, “I”- define qual o tipo de intervenção está sendo testada, “C”- Comparison, mostra os grupos a serem comparados e “O”- se refere aos desfechos que foram avaliados.
Na presente busca o valor (P) foi representado pelos cursos de graduação em Odontologia, (I) representa o ensino da Odontologia, o fator (C) não foi considerado, pois, dependendo do método de revisão utilizado, nem todos os elementos da PICO são aplicados. O quarto fator de desfecho (O), refere-se à identificação de indícios da inserção da interdisciplinaridade nos processos de formação profissional em Odontologia. 
A busca de dados foi realizada nas bases Science Direct, PubMed e Portal de Periódicos Capes, entre os meses de Agosto a Dezembro de 2018. Foram utilizados os descritores: “Recursos Humanos em Odontologia; Educação Odontológica; Iinterdisciplinaridade; Education, Dental and Dental staff and interdisciplinary”.
Considerou-se como critérios de inclusão: artigos científicos que abordassem a interdisciplinaridade nos processos de formação profissional em Odontologia. Utilizou-se como intervalo de tempo artigos publicados nos últimos dez anos, entre os anos de 2008 a 2018, escritos em idioma português, espanhol e inglês, os quais possuíssem acesso online. Livros, teses, dissertações e notas editorais foram excluídas da pesquisa. Foram respeitados os princípios éticos durante a busca dos dados, bem como, os direitos autorais e referências.
Inicialmente os artigos foram selecionados pelo título e resumo, posteriormente foram avaliados na íntegra por todos os autores do estudo para uma análise completa daqueles que atendiam os critérios de inclusão. O processo de análise dos artigos considerou os Principais Itens para Análises Sistemáticas e Meta-análises (PRISMA Statement) (SANTOS; PIMENTA; NOBRE 2007).

5. RESULTADOS

Durante a primeira fase deste estudo foram encontrados 810 artigos potencialmente elegíveis. Destes no Portal de Periódicos Capes foram identificadas 447 publicações, no Science Direct totalizou 339 publicações e no Pubmed encontrou-se 24 publicações. A pré-seleção considerou a leitura de título e resumo dos artigos e classificou 29 publicações. Após análise na íntegra dos documentos encontrados 26 atendiam aos critérios de inclusão para este estudo, sendo 21 publicações no Portal de Periódicos Capes.

6. DISCUSSÃO

A interdisciplinaridade tem sido reconhecida no sistema de ensino Brasileiro como estratégia para  modificar hábitos pré-estabelecidos na produção do conhecimento e trazer benefícios aos processos de formação (FAZENDA, 2011). Formar profissionais na área da saúde que atendam às exigências do mundo atual constitui um desafio para o ensino superior e neste contexto, a interdisciplinaridade se apresenta como importante ferramenta para aprimorar o trabalho em equipe, na busca pela humanização do cuidado com a superação de conhecimentos fragmentados (PEREIRA et al., 2015).
Considerando os resultados do presente estudo observou-se que apesar da interdisciplinaridade ser reconhecida como componente importante para a formação em saúde, a produção científica que discute e avalia a sua inserção nos currículos dos cursos da saúde, em especial da Odontologia, se concentra principalmente no Brasil, seguido dos países europeus, principalmente Inglaterra.  Possivelmente, a inserção da multiprofissionalidade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2002) contribuiu para este resultado.
Desta forma, a ênfase dada para a educação e prática interprofissional no Brasil, contribuem para o crescimento desta atividade no mundo (FREIRE FILHO et al., 2017). A reorientação da prática odontológica na Nova Zelândia consiste na introdução da educação interprofissional, promovendo interação dos alunos com outros profissionais, representando soluções que buscam a eficácia no ensino e aprendizagem (PAGE et al., 2016). Da mesma forma acontece com as escolas Norte Americanas, onde a educação interprofissional e práticas colaborativas são metodologias em construção, mas que já aparentam progresso na sua aplicação (GORDON; DONOFF, 2016).
Entretanto, apesar das reorientações das DCN para a prática interdisciplinar por meio da coletividade do ensino e reconstrução de modelos tradicionais de aprendizagem  (FERRAZ JÚNIOR et al., 2016), em algumas situações, ainda se encontra um currículo oculto e fragmentado, contraditório ao oficialmente exposto, se concentrando no treinamento clínico, reabilitação, produtividade e manutenção da saúde bucal (LEMOS; DE FONSECA, 2009).
Por outro lado, a literatura tem apontado que esta nova proposta de matriz curricular com o desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes para o trabalho interprofissional, contribui para a integração ensino, serviço e comunidade (FREIRE FILHO et al., 2017) bem como, para a superação das barreiras tradicionais na formação odontológica, oportunizando novos cenários de aprendizagem (FIELD et al., 2017).Entretanto, esta integração é incipiente, com lacunas na articulação (FINKLER; CAETANO; RAMOS, 2011).
Ao se analisar os indícios da interdisciplinaridade no processo de formação em Odontologia, observou-se que esta se concretiza pela inserção na matriz curricular, pelos métodos de ensino, aprendizagem e avaliação. Na prática pode ser efetiva na articulação entre disciplinas básicas e clínicas (CRADDOCK; CARRY; KELLY, 2009; LAGE et al., 2017). A disciplina de clínica integrada pode ser considerada um dos principais eixos que facilitam a formação de perfis generalistas e aponta para uma “possibilidade real de interdisciplinaridade”(LEMOS; DE FONSECA, 2009).
Ainda se consolida em atividades extramuros (EMMI; DA SILVA; BARROSO, 2018; FADEL; BALDANI, 2013). As atividades extramuros contribuem para a formação de profissionais mais humanos, éticos e reflexivos (EMMI; DA SILVA; BARROSO, 2018). No Brasil, Programas como PET-Saúde, PRÓ-Saúde são considerados uma inovação exitosa na Atenção Básica e um contexto favorável para a Educação Interprofissional (CAMARA; GROSSEMAN; PINHO, 2015; DA SILVA et al., 2012; FÔNSECA et al., 2014) e propiciam um diferencial na formação acadêmica, a extensão universidade-serviços permite práticas integradas em diversas áreas do conhecimento (PEREIRA et al., 2015) e contribuem para a formação voltado para o SUS (FREITAS; CALVO; LACERDA, 2012).
Os estudantes percebem diferentes processos de trabalho em saúde e o SUS como um espaço significativo de aprendizagem (BULGARELLI et al., 2014). Essas experiências contribuem para minimizar as limitações do ensino fragmentado e para colocar em prática a interdisciplinaridade (PEREIRA et al. 2015; SILVEIRA; GARCIA, 2015). A inclusão da saúde bucal em conferências de atendimento interdisciplinar também pode se configurar em uma estratégia para a efetivação da interdisciplinaridade (HUYNH; DONNELLY; BRONDANI, 2017).
Estas experiências e práticas interdisciplinares, por fim, contribuem para a educação interprofissional. Esta objetiva reunir grupos profissionais em um único ambiente educacional, permitindo a colaboração entre profissões (HAMIL, 2017). Experiências interprofissionais entre, por exemplo, estudantes de Medicina, Enfermagem, Odontologia, Farmácia, Fisioterapia e Serviço Social, resultam em práticas colaborativas na educação em saúde (HABER et al., 2017), proporcionam comunicação interprofissional e uma maior confiança entre acadêmicos, na elaboração de planos de tratamento e estudos de casos clínicos (O’ROURKE; BLASÉ, 2017). Ainda colaboram para um cuidado interdisciplinar completo, pois considera o paciente em todo o seu contexto biopsicossocial (DA SILVA; CANTO, 2014). A participação dos acadêmicos em atividades com grupos em equipes multiprofissionais torna o envolvimento com a comunidade atendida mais especial, necessário para o amadurecimento do cuidado e fortalecimento dos vínculos (TOASSI et al., 2013).
Neste contexto, a transformação curricular na Odontologia  depende  do diálogo, do  convívio e da troca de experiências em diferentes cenários de prática (TOASSI; LEWGOY, 2016). Percebe-se uma formação diferenciada aos profissionais odontólogos, quando estes são apresentados durante a graduação, às atividades extramuros, as quais proporcionam aos alunos um melhor detalhamento das estruturas encontradas nos serviços públicos de saúde, instigando-os a uma participação efetiva no atendimento a comunidade (GONÇALVES; SANTOS; CARVALHO, 2011).
Frente às mudanças expressas no mercado de trabalho para os cirurgiões-dentistas, encontra-se a crescente busca de empregos no sistema público, e neste sentido, torna-se importante a inserção de disciplinas e conteúdos que preservem o cunho humanístico (LUCIETTO; AMÂNCIO FILHO; VASCONCELLOS, 2016). A integração ensino-serviço é reconhecida pelos alunos como relevante para o processo de formação profissional (EMMI; DA SILVA; BARROSO, 2018) e permitem a construção de um ambiente de saúde com qualidade, pois, capacita os profissionais para a resolução de problemas (DA SILVA et al., 2012). (FÔNSECA et al., 2014) destacam que “a aproximação com os cenários de prática e com a comunidade é capaz de auxiliar no processo formativo, oferecendo benefícios na esfera profissional propriamente dita e no âmbito da cidadania e humanização”.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das reflexões realizadas ao longo deste manuscrito e com base nos resultados encontrados na revisão sistemática, pode-se afirmar que a interdisciplinaridade é um avanço em relação aos modelos de ensino tradicionais e contribui para formar profissionais mais críticos, comunicativos, responsáveis e éticos.
Os pesquisadores brasileiros se destacam na produção científica em relação ao tema. Diversos fatores podem ter contribuído para este resultado, mas acredita-se que a inserção da multiprofissionalidade, da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade nas Diretrizes Curriculares Nacionais foi fundamental para o avanço no processo de aprimoramento curricular da Odontologia.
E neste sentido, três eixos principais da inserção da interdisciplinaridade foram identificados: (a) na DCN e matriz curricular dos cursos de Odontologia; (b) nos métodos de ensino, aprendizagem e avaliação e; (c) nos programas de extensão. Nestes últimos, destacam-se os Programas Nacionais Brasileiros de Formação PRÓ-Saúde e PET-Saúde.
Por fim, diante do exposto, espera-se que a formação em Odontologia propicie formar profissionais com competências, habilidades e atitudes interdisciplinares para atuar em equipe interprofissionais, a fim de promover assistência qualificada e humanizada.

AGRADECIMENTOS

Os pesquisadores agradecem ao Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (Fumdes) do Estado de Santa Catarina, pelo apoio financeiro, por meio de uma bolsa de iniciação científica do Artigo 171.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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*Cirurgiã-Dentista, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Saúde da Universidade do Planalto Catarinense.
**Acadêmica do curso de Odontoloiga da Universidade do Planalto Catarinense, Bolsista do Art. 171 do Estado de Santa Catarina
*** Bióloga, Doutora em Engenharia Ambiental (UFSC), Docente e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Saúde da Universidade do Planalto Catarinense.
**** Cirurgiã-Dentista, Doutora em Odontologia (USP), Docente e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Saúde da Universidade do Planalto Catarinense.

Recibido: 18/03/2019 Aceptado: 30/03/2019 Publicado: Marzo de 2019

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