Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


DA EXCLUSÃO PARA A INCLUSÃO

Autores e infomación del artículo

Frederico Melo*

Maria Cristina Abreu Domingos Reis**

UFMG, Brasil

crisabreis@hotmail.com


RESUMO

Este estudo analisou o processo da gestão social e atuação de um fórum participativo. Para tal, pesquisou um fórum intersetorial, não instituído por lei, que visa promover um processo que garanta o cumprimento da Lei de Cotas referente ao emprego de pessoas com deficiência (PCDs) no mercado de trabalho, o Fórum Pró-Trabalho das Pessoas com Deficiência e Reabilitadas (FPT), com atuação na região metropolitana de Belo Horizonte. O objetivo do trabalho constituiu-se em analisar a dinâmica da gestão social, em particular a forma de participação de seus integrantes, indicando possibilidades e limites de sua atuação no contexto da inserção produtiva das PCDs. Utilizou-se a abordagem qualitativa, realizando observação participante,, análise documental do regimento e das atas (de 2008 a 2010), por meio do software Atlas TI, e entrevista semiestruturada com seis participantes e um egresso do fórum.  Os representantes das empresas apresentaram menor participação ativa, dedicando-se mais a colher informações úteis ao cumprimento da Lei de Cotas. Da análise das entrevistas, constatou-se que existem visões diferenciadas sobre os princípios e a finalidade do FPT, mas que ele representa importante lugar de promoção, aprendizagem e instrumentalização para seus participantes. Os participantes compartilham o interesse em defendê-lo como espaço democrático e de articulação de redes, ainda que vejam dificuldades no seu funcioidnto (coordenação autoritária para uns, comunicação manipulada para outros, a excessiva dedicação à constituição do Portal da Inclusão e a absorção do Fórum pelo Estado ainda para outros). Como resultado, foi produzido um instrumento de avaliação da gestão social e da participação em grupos, fóruns, conselhos e colegiados por meio de indicadores.

Palavras-chave: Gestão Social. Participação. Inclusão Produtiva. PCD. Lei de Cotas.

RESUMEN

Este estudio analizó el proceso de la gestión social y la actuación de un foro participativo. Para ello, investigó un foro intersectorial, no instituido por ley, que busca promover un proceso que garantice el cumplimiento de la Ley de Cuotas referente al empleo de personas con discapacidad (PCDs) en el mercado de trabajo, el Foro Pro-Trabajo de las Personas con discapacidad y Rehabilitadas (FPT), con actuación en la región metropolitana de Belo Horizonte. El objetivo del trabajo se constituyó en analizar la dinámica de la gestión social, en particular la forma de participación de sus integrantes, indicando posibilidades y límites de su actuación en el contexto de la inserción productiva de las PCD. Se utilizó el abordaje cualitativo, realizando observación participante, análisis documental del regimiento y de las actas (de 2008 a 2010), a través del software Atlas TI, y entrevista semiestructurada con seis participantes y un egresado del foro. Los representantes de las empresas presentaron menor participación activa, dedicándose más a recoger informaciones útiles al cumplimiento de la Ley de Cuotas. En el análisis de las entrevistas, se constató que existen visiones diferenciadas sobre los principios y la finalidad del FPT, pero que representa un importante lugar de promoción, aprendizaje e instrumentalización para sus participantes. Los participantes comparten el interés en defenderlo como espacio democrático y de articulación de redes, aunque vean dificultades en su funcionamiento (coordinación autoritaria para unos, comunicación manipulada para otros, la excesiva dedicación a la constitución del Portal de la Inclusión y la absorción del Foro por el Estado todavía para otros). Como resultado, se produjo un instrumento de evaluación de la gestión social y de la participación en grupos, foros, consejos y colegios a través de indicadores.

Palabras clave: Gestión Social. Participación. Inclusión Productiva. PCD. Ley de cuotas.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Frederico Melo y Maria Cristina Abreu Domingos Reis (2018): “Da exclusão para a inclusão”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (octubre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2018/10/exclusao-inclusao.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1810exclusao-inclusao


A inclusisão social , como descreve Sassaki (1999),  das PCDs (Pessoa com Deficiência)   é um movimento mundial que se intensificou no Brasil e no mundo a partir da década de 90, tendo a ver com a mudança de entendimento do ponto de vista social, legal, ético, educacional, cultural e dos direitos humanos sobre a diferença e a deficiência.
No Brasil, esse processo se materializa com os movimentos organizados “de” e “para” PCDs que buscam a defesa dos seus direitos nos mais diferentes setores da sociedade.
Ressalta-se, também, que a “imagem social positiva”1 que se constrói quanto à condição de vida dessas pessoas, o avanço das “ajudas técnicas ou tecnologias assistivas”2 , os marcos legais e a democracia participativa instituída no país foram pontos fortes nessa ressignificação.
A trajetória histórica dessa temática permite identificar quatro estágios diferenciados em relação à forma como as PCDs eram vistas e tratadas na sociedade. Nesse contexto, Sassaki (1999, p. 16) explica que:

A sociedade, em todas as culturas atravessou diversas fases no que se refere às práticas sociais. Ela começou praticando a exclusão social de pessoas que – por causa das condições atípicas – não lhe pareciam pertencer à maioria da população. Em seguida, desenvolveu o atendimento segregado dentro das instituições, passou para a prática da integração social e, recentemente, adotou a filosofia da inclusão social para modificar os sistemas sociais gerais.

Embora se tenha certa clareza de que a história não seja linear e evidencie retrocessos, recuos e avanços, pode-se falar de momentos diferenciados, que vão desde a inclusão marginal (MARTINS, 1997) ou abandono dessas pessoas, até diferentes tentativas de inserção social e cidadã. Assim, durante longo período predominou o padrão da exclusão. De acordo com Sawaia et al. (1999, p. 9), a exclusão apresenta:

[...] processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É um processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou estado, é processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única forma e não é uma falha do sistema, devendo ser combatida como algo que perturba a ordem social, ao contrário, ela é produto do funcioidnto do sistema.

Em determinadas culturas “arcaicas”, era comum o hábito de abandonar idosos, doentes e deficientes, como uma prática que eliminava pessoas com deficiências físicas e mentais para que não acompanhassem o grupo na luta.
Outra atitude verificada diante dessas pessoas foi o cuidado e a proteção, caracterizado como fase da segregação. Nesse aspecto, Aranha (2003, p. 15-16) apresenta os seguintes comentários relativos à segregação:

Esse paradigma constituiu prática corrente e corriqueira, em nossa realidade, até a década de 1980, momento em que se iniciou a crítica à instituição e a rejeição da exclusão de minorias diversas. Os efeitos das mudanças nas políticas de saúde após 1964 começaram a se fazer visíveis, abrindo caminho para o paradigma de serviços. A mudança de valores e de ação passou a se manifestar pela quase segregação, representada pela mudança de natureza das instituições já existentes ou pela criação de novas entidades, agora de prestação de serviços.

Em seguida, do ponto de vista analítico, emerge a fase nomeada de integração social, na qual imperava o tratamento por meio de centros de reabilitação, procurando prepará-las para se integrar à comunidade.
Esse padrão, então, caracteriza-se como modelo médico de caráter funcionalista. E nesse sentido e âmbito, Sassaki (1999, p. 43) esclarece que:

Algumas pessoas utilizam as palavras integração e inclusão, já em conformidade com a moderna terminologia da inclusão social, ou seja, com sentidos distintos – a integração significando “inserção da pessoa deficiente preparada para conviver na sociedade” e a inclusão significado “modificação da sociedade como pré-requisito para a pessoa com necessidades especiais buscar seu desenvolvimento e exercer a cidadania”.

Contudo, pelo menos como ideal a ser alcançado, na última década vem se consolidando o quarto modelo, o dainclusão social e da garantia de direitos, indicando principalmente a superação das dificuldades que cercam as pessoas com deficiência. Nesse sentido, o mesmo autor conceitua o quarto modelo como [...] “a inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade” (SASSAKI, 1999, p. 41).
Ressalta-se que o modelo da sociedade inclusiva foi lançado em 1981 pela ONU, quando realizou o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência. Nessa época oficializou-se o reconhecimento dos direitos das PCDs.
Na sequência, destacam-se a proposta da Década das Nações Unidas para as Pessoas Portadoras de Deficiência (1983-1992), a Declaração de Salamanca (1994) e, em 1997, a Conferência Internacional Uma Sociedade para Todos: Inclusão – Participação, realizada na Noruega.
Por outro lado, mesmo no que se refere às denominações apostas às PCDs, podem-se observar formas de segregação. Em distintas culturas se verificam várias denominações em relação à PCD. Em geral, foram nomeados por termos desqualificantes, tais como: mancos, pernetas, ceguinhos, descapacitados, pessoa especial, minorado, deficiente, inválidos e excepcionais, inclusive no meio acadêmico, contribuindo negativamente para a imagem e a representação desses sujeitos.
A busca dos significados, dos conceitos e a discordância da terminologia faziam com que os movimentos sociais indicassem, claramente, como a visão da sociedade era permeada de conceitos baseados no senso comum.
A partir de 22 de fevereiro de 2011, entretanto, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), por meio da Resolução nº 1, de 15 de outubro de 2010, publicada em 22 de fevereiro de 2011 (BRASIL, 2011c), recomendou oficialmente a substituição da expressão "pessoas portadoras de deficiência" por "pessoas com deficiência", consagrando uma decisão que já vinha sendo consolidada desde o final da década de 1990.
Apesar dos conceitos de normalidade e anormalidade frequentemente utilizados, poucas pessoas conseguem claramente indicar os limites do que é normal ou anormal, em distintas culturas. Telford e Sawrey (1988, p. 24) fazem uma importante explanação sobre esses conceitos e destacam os seguintes pontos:

O que é normal e o que é anormal no comportamento e desenvolvimento humano? O que determina se um indivíduo é comum ou incomum, normal ou excepcional? Excepcionalidade e anormalidade são conceitos populares, com significados variáveis. Exceto enquanto definidos operacionalmente para alguns fins administrativos ou de pesquisa, terão sempre que ser compreendidos no contexto social específico em que são empregados.

Entretanto, com a Constituição de 1988 e com o processo democrático que ocorreu no país, paulatiidnte os movimentos sociais e a disposição da sociedade foram direcionados para a construção de uma sociedade igualitária, equânime e mais justa para todos.
No processo de inserção da PCD na sociedade, modelos integrativos – em que apenas a pessoa se esforça para ser inserida na sociedade – não contemplam satisfatoriamente os direitos das PCDs, uma vez que a integração pouco ou nada exige da sociedade quanto à mudança de atitudes, de espaços físicos e de objetos, ou mesmo de práticas sociais.
Segundo Sassaki (1999), essa integração resulta de esforços de indivíduos, não de transformações sociais, pois ocorrem:

Pela inserção pura e simples daquelas pessoas com deficiência que conseguiram ou conseguem, por méritos pessoais e profissionais próprios, utilizar os espaços físicos e sociais, bem como seus programas e serviços, sem nenhuma modificação por parte da sociedade, ou seja, da escola comum, da empresa comum, do clube comum, etc. (SASSAKI, 1999, p. 34).

Nesse modelo, a sociedade não se propõe como parceira da PCD, no sentido de acolhê-la e de criar-lhe condições, tendo em vista suas características, necessidades e especificidades. Parte-se de uma visão isolacionista (MORIN, 1996) que concebe o indivíduo desconexo da sociedade.
Assim, o conceito de PCDs se ressignifica à luz da inclusão e da diversidade como processo social. Mostra que a deficiência não está na pessoa, mas, sobretudo, nas relações sociais e na capacidade de a sociedade se preparar para acolher essas pessoas e principalmente proporcionar-lhes acessibilidade para a construção de uma sociedade para todos, independentemente da identidade de gênero, orientação sexual, raça, etnia, origem, religião, condição de saúde física, mental, condição econômica e de classe social. Conforme a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, versão comentada (BRASIL, 2008, p. 47), todo tipo de preconceito deve ser erradicado:

É urgente a erradicação tanto do preconceito quanto do tratamento especial existente para essa parte da população, devendo prevalecer à igualdade. Para isso, é preciso discutir, apresentar e combater os estereótipos, as práticas nocivas em relação às pessoas com deficiência, em todos os espaços da vida. Para ilustrar, em muitos casos é preciso reafirmar que o problema é a porta estreita, a presença da escada, a falta de audiodescrição ou legenda oculta e não a presença daquela pessoa com deficiência.

Conforme Lafer (1998 apud CORRÊA, 2002), na abordagem de Arendt, “a condição humana básica – o direito a ter direitos – significa pertencer, pelo vínculo da cidadania, a algum tipo de comunidade juridicamente organizada e viver numa estrutura em que se é julgado por ações e opiniões, por obra do princípio da legalidade” (LAFER, 1998 apud CORRÊA, 2002, p. 219).
Essas reflexões e reivindicações indicam que as pessoas realmente devem ter direito a ter direitos. Embora muitos deles ainda não tenham sido garantidos, caminhos estão sendo trilhados e conquistados, sinalizando a promoção, a garantia e mesmo a prospecção desses mesmos direitos a: saúde, educação, trabalho e emprego, lazer, cultura, padrão de vida, proteção social, esporte, acessibilidade, habitação, transporte, privacidade, acesso à justiça, à segurança e à informação, enfim, às condições de igualdade e não discriminação e qualidade de vida independente para uma sobrevivência digna, decente e, sobretudo, inclusiva. Nessa perspectiva, faz-se necessário um novo modelo que, conforme Sassaki (1999, p. 17), corresponde ao:
[...] modelo social da deficiência, segundo o qual os problemas da pessoa com deficiência não estão nela tanto quanto estão na sociedade, pois é na sociedade que existem os verdadeiros problemas como, por exemplo: os preconceitos que rejeitam a minoria e todas as formas de diferenças, os ambientes físicos restritivos, os discutíveis padrões de normalidade, os objetos e outros bens fisicamente inacessíveis, os pré-requisitos destinados apenas à maioria aparentemente homogênea, a quase total desinformação sobre as deficiências e sobre os direitos e as práticas discriminatórias em praticamente todos os setores da atividade humana.

Contudo, a prática social da autora tem demonstrado obstáculos na implementação dessa percepção do problema e é, nesse sentido, que nesta pesquisa se propôs a discutir os limites e as possibilidades de um fórum de entidades públicas e privadas dedicado a subsidiar o emprego de PCD, portanto, com atuação relacionada à política de cotas.
Levando em consideração esses padrões ou estágios da abordagem social das PCDs, brevemente assinalados, remete-se à discussão para a legislação nacional recente, lembrando que tais normas legais assentam-se nos modelos de integração e de inclusão social, da classificação de Sassaki (1999). A estrutura legal e normativa condiciona e, no caso de alguns atores, até mesmo impulsiona à participação no FPT. Daí a necessidade de se conhecer minimamente o arcabouço legal do Brasil no que se refere à PCD.

 Alguns aspectos da legislação nacional

Muitas foram as leis e normas que demarcaram os direitos, as garantias e a visibilidade das PCDs. Entretanto, destaca-se entre elas a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989 (BRASIL, 1989), denominada Política Nacional para as Pessoas com Deficiência. Ela foi o principal documento orientador da “integração social” desse grupo no Brasil e importante ponto de partida na defesa dos direitos das PCDs. Nesse documento são estabelecidas as normas que asseguram os direitos individuais e sociais, reconhecimento da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social e do respeito à dignidade da pessoa humana. Esses valores, questões contundentes para a garantia de cidadania plena das PCDs, passam a ser asseguradas em Lei.
Do ponto de vista legal, possibilita-se a instalação de um novo paradigma, alçando as PCDs de incapacitados e desprovidos de direitos para o patamar de sujeitos de direitos. Além disso, por essa lei, a Coordenadoria Nacional para a Integração de Pessoas Portadoras de Deficiência (CORDE) institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público (MP) e define crimes. Abordando as diversas políticas públicas necessárias para o segmento, destaca-se que essa foi a lei que reconheceu, às pessoas deficientes, o possível e tão almejado status de cidadão.
Tal legislação apresenta as possibilidades de apoio às PCDs e sua integração social, ainda que hoje esse conceito esteja ultrapassado e não mais seja válido. Tal razão justifica-se por ter esse modelo vigorado durante as décadas em que se trabalhava em uma perspectiva de inclusão marginal ou precária.
No contexto da legislação nacional, outra lei que também foi um divisor de águas na política das PCDs no Brasil foi o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1989 (BRASIL, 1999), que regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989 (BRASIL, 1989), e expõe sobre a Política Nacional de Integração da Pessoa com Deficiência, bem como consolida as normas de proteção.
Esse decreto de fato contribuiu para impulsionar as ações de colocação profissional da PCD no país e, como consequência, pressionou os órgãos competentes de fiscalização a assumirem de forma mais contundente a responsabilidade fiscalizadora de suas ações. Todavia, a prática social tem demonstrado lacunas na efetivação desses direitos, como se pretende discutir neste trabalho.
Já o artigo 93 da Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991 (BRASIL, 1991a) estabelece que:

“A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.
§ 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados” (BRASIL, 1991a).

Apesar de datar de 1991, a chamada “Lei de Cotas” permaneceu em larga medida letra morta até a edição do Decreto nº 3.298/1999.
O Benefício de Prestação Continuada, denominado BPC, foi instituído por meio da Lei nº 8.742/93 (BRASIL, 1993) e disciplinou a assistência social às pessoas idosas e às pessoas com deficiência. Segundo Sposati (2004, p. 79-80):

A Lei nº 8.742/93 disciplinou a assistência social e, em especial, o denominado Benefício de Prestação Continuda, destinado às pessoas idosas e às portadoras de deficiência, na forma que especifica. A natureza jurídica de benefício assistencial impõe que aquele que o recebe não tenha direito a nenhum outro benefício previdenciário, e, em caso de seu falecimento, não haverá direitos à pensão por morte ou auxílio-funeral, prestações que têm natureza previdenciária. E mais, sua natureza jurídica não impede o beneficiário de receber assistência médica no âmbito da seguridade social. A própria Lei nº 8.742/93 e o decreto que regulamentou definem o que seja família, bem como pessoa portadora de deficiência, famílias incapazes de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa. O artigo 20 da referida lei criou duas condições para o recebimento do benefício: para as pessoas com deficiência exigiu que comprovassem a incapacidade para a vida independente e para o trabalho. E para ambos – idosos e portadores de deficiência – estipulou que só tem direito aquele que comprovar renda per capita familiar inferior a um quarto do salário mínimo. A comprovação da idade não acarreta grandes dificuldades. Já com relação à prova da deficiência, a Lei nº 8.742/93 e o decreto que a regulamentou fixaram que o interessado será submetido a uma avaliação por equipe médica, da qual deverá resultar um laudo, que será o documento comprobatório da deficiência.

A autora também afirma que “[...] sua natureza jurídica não impede o beneficiário de receber assistência médica no âmbito da seguridade social” (SPOSATI, 2004, p. 80). Ainda ressalta que, no artigo 20, a mesma lei criou condições para o recebimento do benefício por parte das PCDs, exigindo que seja comprovada a incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Tanto para os idosos quanto para as PCDs, foi estipulado comprovar renda per capita familiar inferior a um quarto do salário mínimo.
Tal legislação deixa claro quem é de fato o beneficiário da assistência, que, a nosso ver, estabeleceu um patamar mínimo de cobertura. Por outro lado, depara-se com certa tensão entre a questão de receber ou não o BPC, uma vez que, caso a PCD volte a trabalhar e ser produtiva, tal benefício deve ser cessado, mesmo sem a garantia de que o emprego perdurará ou que outra relação de emprego possa ser conquistada. Alguns empregadores argumentam que esse benefício diminui ainda mais o grupo de trabalhadores disponíveis para a inclusão produtiva.
Em 26 de janeiro de 2001, foi regulamentada a Instrução Normativa nº 20, sobre os procedimentos a serem adotados pela fiscalização do trabalho das PCDs, dando finalmente competência aos Auditores Fiscais do Trabalho (AFT) e orientação necessária para a fiscalização do cumprimento da Lei nº 8.213/91 (BRASIL, 1991a).
Ainda vinculada à questão da inserção laboral das PCDs, o Decreto nº 3.956 de outubro de 2001 (BRASIL, 2001) promulga a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência. Esse documento representa importante instrumento que possibilita medidas de proteção contra as mais variadas formas de preconceito e discriminação vivenciadas por esse segmento.
Além disso, no que se refere ao princípio de reconhecer o cenário social da deficiência e a sua especificidade, outro aparato legal relevante é o Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004 (BRASIL, 2004), que regulamenta a Lei 10.048, de 8 de novembro de 2000 (BRASIL, 2000a), a qual dá prioridade de atendimento às PCDs. Junto a isso, a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (BRASIL, 2000b), estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das PCDs ou com mobilidade reduzida.
O decreto de acessibilidade emancipa a PCD porque, por meio da acessibilidade, o direito de ir e vir lhe é assegurado. Portanto, esse decreto tornou-se a principal ferramenta de efetivação do proposto na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – versão comentada (2008), que ressalta a importância de meios.

[...] para que as pessoas com deficiência atinjam sua autonomia em todos os aspectos da vida, o que demonstra uma visão atualizada das especificidades dessas pessoas, que buscam participar dos meios mais usuais que a sociedade em geral utiliza para funcionar pleidnte nos dias de hoje, não se reduzindo apenas ao meio físico (BRASIL, 2008, p. 50).

A Convenção sobre os Direitos das PCDs - fruto da mobilização dos movimentos sociais desse grupo social, apoiados pela Rede Latino-Americana de ONGs de PCD e suas famílias – traz a cabo um novo tratado temático de direitos humanos que inclui esses sujeitos. Durante a Conferência sobre racismo em Durban, 2001, o México adotou esses princípios de enfrentamento a ações discriminatórias contra esse público.
Essa convenção foi incorporada no ordeidnto jurídico brasileiro como norma constitucional, publicada no Diário Oficial da União de 10/07/2008, por meio do Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009b), o qual determina que seja cumprida, e traz como propósitos: “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito à dignidade inerente”. A Convenção (BRASIL, 2010, p. 22) traz também um novo conceito de quem são esses sujeitos:

[...] aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2010, p. 22).

Nesses parâmetros, observa-se que esse instrumento traz alguns avanços nas características pertinentes à vida participativa desse segmento social. Segundo a Convenção:

  •  O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;
  • A não discriminação;
  • A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
  • O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade;
  • A igualdade de oportunidades;
  • A acessibilidade;
  • A igualdade entre homem e a mulher;
  • O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo seu direito de preservar a sua identidade. (BRASIL, 2010, p. 22).

Esses princípios balizarão a formatação de políticas públicas no país, contribuindo para uma visão mais responsável da sociedade que irá receber e acolher as PCDs. Esses mesmos princípios também oferecem referências para o debate e a construção da proposta de inclusão produtiva de PCD.
O breve percurso histórico apresentado até aqui revela que o Brasil tornou-se signatário de uma legislação atual que não só cria novos direitos, mas, sobretudo, reconhece o panorama social da deficiência e sua particularidade, conferindo materialidade a um arcabouço de direitos até então negados às PCDs.
O modelo social da deficiência, no qual a Convenção se apoia, representa um conceito em evolução e resulta da interação entre PCDs e as barreiras encontradas na vida social, as quais impedem a possibilidade e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
É importante ressaltar que o processo de inclusão social das PCDs depende de corresponsabilidade da sociedade na criação de mecanismos que facilitem a vida da PCD em suas mais diversas características.
No entanto, a realidade se confirma de maneira distinta, já que esses sujeitos encontram formas de “inclusão marginal” 3 quanto à inserção no mundo do trabalho.

 Alguns outros obstáculos à inclusão

O processo de crescente inclusão social das PCDs não ocorre sem percalços. No caso da inserção laboral, constata-se que existem ofertas de emprego para as PCDs das mais diversas categorias profissionais, e que não são preenchidas.
Presencia-se, dessa maneira, acentuada exigência das empresas quanto ao nível de escolaridade desse segmento, que viveu, e vive, a exclusão educacional devido às mais variadas barreiras. Conforme afirma Clemente (2003, p. 61):

Todas as barreiras para atingir o mercado são formadas por fatores externos. A mais grave delas é também a que está mais diretamente envolvida com o próprio portador de deficiência: a falta de escolaridade. Grande parte das empresas exige, em seu processo de seleção, que os candidatos a qualquer cargo tenham, no mínimo, o Ensino Médio, condição que ainda não foi alcançada pela maioria das pessoas portadoras de deficiência (PPDs).
É corrente a cobrança dos empregadores quanto à qualificação desses trabalhadores, conforme Batista (2004, p. 74) assinala:

No entanto, a inclusão no trabalho da pessoa portadora de deficiência possui um agravante, que é a falta de qualificação adequada. Os cursos de profissionalização, em sua maioria, foram ofertados pelas organizações da sociedade civil (OSCs) especializadas, mais uma vez para atender à demanda e à falta destes serviços pelo Estado ou pelo mercado.

O quadro histórico evidencia que os ambientes segregativos dificultaram e, em certa medida, comprometeram a capacitação profissional desse público.
A escola, na perspectiva inclusiva, pode contribuir para a qualificação profissional das PCDs, uma vez que o mercado se configura em quadros de competitividade acentuada. Oliveira (2000) também destaca que:

Nesse atual contexto da globalização mundial e suas relações planetárias, em que as mudanças na base tecnológica e do processo produtivo ocorreram numa velocidade astronômica, a educação consolida-se como um vetor estratégico para o desenvolvimento dos povos. A educação torna-se, portanto, como o maior recurso que se dispõe para enfrentar essa nova estruturação mundial. Só através de uma educação de qualidade para todos poder-se-á construir uma sociedade de cidadãos produtivos, participativos e responsáveis, capazes de responder e refletir de maneira autônoma em relação à mudança dessa sociedade contemporânea (OLIVEIRA, 2000, p. 65).
Entretanto, a baixa escolaridade representa uma realidade não só das PCDs. Assim, oportunizar cursos de qualificação e capacitação para essa população constitui uma perspectiva favorável para a profissionalização das PCDs. Por outro lado, deve-se considerar Pastore (2000), quando afirma que:

A educação sozinha não é garantia de emprego. Mas ela ajuda as pessoas a se empregarem, manterem-se empregadas e a mudarem de emprego. Na grande massa de desempregados da região da Grande São Paulo, onde o desemprego ultrapassou a casa dos 20% no final da década de 1990, pela metodologia do [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] DIEESE-SEADE, que leva em conta também a informalidade, havia apenas 3,5% de pessoas formadas em faculdade. Nessa massa, quase 50% dos desempregados não tinham completado o primeiro grau (PASTORE, 2000, p. 79).

Todavia, essa realidade de exigências de qualificação às PCDs não se apresenta de maneira linear. Algumas empresas vêm respondendo a esse desafio e realizam com sucesso alguns programas específicos, fazendo coro às práticas de responsabilidade social empresarial 4.

Segundo Lyth (1973 apud PASTORE, 2000, p. 61), “os empregadores inclinados a contratar portadores costumam recuar quando têm de enfrentar as despesas e os problemas gerados pelo seu emprego em ambientes de não portadores de deficiência, e que nem sempre aceitam bem o trabalho daqueles”.
Aqui se verifica uma tensão entre o prescrito na lei e a realidade apresentada. Na verdade, a inclusão produtiva de PCD poderá aliviar as contas da Previdência Social, com a volta de trabalhadores acidentados reabilitados à atividade econômica remunerada, assim como as da assistência que vem oferecendo BPCs a cidadãos que possuem potencial para o trabalho. Em vez de serem classificados na categoria de pessoas incapacitadas para o trabalho, e superado o receio de perder a garantia do benefício de um salário mínimo, a PCD passaria à condição de empregado, auferindo rendimento do trabalho.
Tais dados e análises ajudam a entender, em certa medida, como esse problema necessita ser mais debatido e pesquisado no âmbito das políticas públicas. No próximo item, tentar-se-á abordar a relação das ações afirmativas e da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência com o trabalho e a inserção produtiva.

As ações afirmativas, a Convenção da ONU e o trabalho

O movimento internacional pela promoção dos Direitos Humanos vem envidando esforços no sentido de criar novas condutas e incentivar o fim da discriminação. Prática utilizada no contexto mundial, a ação afirmativa tem origem nos Estados Unidos, nos anos 60, como tema principal na questão da igualdade com vistas à promoção da equidade.
Também se encontram na literatura pesquisada designações semelhantes e afins, tais como política de cotas, discriminação positiva, reserva de vagas, ação compensatória, entre outros.
Nesse curso, com processo de redemocratização no Brasil, a expressão “ação afirmativa” entra no cenário de discussões como forma de enfrentamento às desigualdades de determinados segmentos, em consonância com os objetivos constitucionais. Para Gugel (2007, p. 46; 47), “[...] o direito à igualdade correlaciona a igualdade e a discriminação: ‘veda a discriminação’ quando o resultado do ato gera tratamento desigual; ‘indica a discriminação’ para compensar desigualdades de oportunidade e tratamento”.
Nesse sentido, Gugel (2007, p. 55) define ação afirmativa como “[...] a adoção de medidas legais e de políticas públicas que objetivam eliminar as formas e tipos de discriminação que limitam oportunidades de determinados grupos sociais”. Essa definição indica a possibilidade de devolver, ou pelo menos resgatar, a condição de igualdade inerente à pessoa humana.
No tocante às PCDs, as políticas de ações afirmativas vêm permitindo o acesso a bens e serviços da comunidade, dos quais foram habitualmente alijadas ao longo da história.
Uma primeira norma legal de “discriminação positiva” para o mercado de trabalho, responsável pela reserva de vagas de postos de trabalho na administração pública e privada, destinada às PCDs está prevista na Lei n° 7.853/89 (BRASIL, 1989), conhecida como a Lei da CORDE que estabelece, em seu art.2º.

“Ao poder público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercícios de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação e à saúde, ao trabalho, ao lazer, à Previdência Social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar, social e econômico. [...]
d) a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da administração pública e do setor privado, e que regulamente a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas, das pessoas portadoras de deficiência”.

Ainda que a referida lei tenha seu atributo compensatório para as PCDs e sua inserção produtiva, Ragazzi (2008) comenta que as normas adotadas tiveram tímidas respostas do mercado de trabalho. Acredita-se que tal situação tenha sido decorrente da ausência de fiscalização e de estímulos a instituições que viabilizassem, de forma efetiva, a habilitação, reabilitação e inserção desses indivíduos no mercado de trabalho.
Também estava pouco elucidado o conceito legal de quem era esse sujeito com deficiência a ser inserido no mercado de trabalho. Posteriormente, o Decreto nº 3.298/99 (BRASIL, 1999), em seu artigo 4º, especifica quem é a pessoa considerada com deficiência.

“Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:
I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;
II - deficiência auditiva - perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte:
a) de 25 a 40 decibéis (DB) - surdez leve;
b) de 41 a 55 DB - surdez moderada;
c) de 56 a 70 DB - surdez acentuada;
d) de 71 a 90 DB - surdez severa;
e) acima de 91 DB - surdez profunda; e f) anacusia;
III - deficiência visual - acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º (tabela de Snellen), ou ocorrência simultânea de ambas as situações;
IV - deficiência mental - funcioidnto intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização da comunidade;
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer; e
h) trabalho;
V - deficiência múltipla - associação de duas ou mais deficiências”.

Ragazzi (2008, p. 7885) ainda descreve que:

Ao auditor fiscal incumbe a tarefa de fiscalizar o cumprimento do referido termo. Em não cumprido, deverá encaminhar relatório ao delegado regional do trabalho para remessa ao Ministério Publico do Trabalho e esse passará a um processo investigatório, no que a empresa é convidada a firmar termo de ajuste de conduta com prazo razoável de 1 (um) a 2 (dois), anos para cumprimento de preenchimento de vagas sob pena de multa que será revertida ao fundo de amparo ao trabalhador, fundo este previsto na Lei nº 7.853/89.

Na atualidade, no caso da inserção laboral das PCDs, a política de ações afirmativas se materializa por meio da Lei de Cotas, que desde 1991 faz parte de nosso arcabouço legal. No entanto, somente com a implementação da norma regulamentadora em 1999, pelo Decreto nº 3.298 (BRASIL, 1999), passou a ser instituído um forte instrumento de fiscalização para aplicação dessa lei, que vem ampliando espaços para a valorização profissional das PCDs.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2010) traz elementos importantes para se pensar a inclusão produtiva das PCDs.

1. Os Estados-Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados-Partes salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros:
a) Proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho;
b) Proteger os direitos das pessoas com deficiência, em condições de igualdade com as demais pessoas, às condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo iguais oportunidades e igual remuneração por trabalho de igual valor, condições seguras e salubres de trabalho, além de reparação de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho;
c) Assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seus direitos trabalhistas e sindicais, em condições de igualdade com as demais pessoas;
d) Possibilitar às pessoas com deficiência o acesso efetivo a programas de orientação técnica e profissional e a serviços de colocação no trabalho e de treiidnto profissional e continuado;
e) Promover oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, bem como assistência na procura, obtenção e manutenção do emprego e no retorno ao emprego;
(f) Promover oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo, desenvolvimento de cooperativas e estabelecimento de negócio próprio;
g) Empregar pessoas com deficiência no setor público;
h) Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas;
i) Assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho;
j) Promover a aquisição de experiência de trabalho por pessoas com deficiência no mercado aberto de trabalho;
k) Promover reabilitação profissional, manutenção do emprego e programas de retorno ao trabalho para pessoas com deficiência.
2. Os Estados-Partes assegurarão que as pessoas com deficiência não serão mantidas em escravidão ou servidão e que serão protegidas, em igualdade de condições com as demais pessoas, contra o trabalho forçado ou compulsório (BRASIL, 2010, p. 37).

Para a construção do conceito de inclusão produtiva, devem-se considerar pontos relevantes na convenção, destacados não como privilégios, mas afirmação e proteção de direito ao trabalho para a melhoria da qualidade de vida das PCDs.
A Convenção reconhece o direito em igualdade de oportunidades das PCDs ao trabalho. Isso quer dizer trabalhos em ambiente aberto inclusivo e acessível levando-se em consideração a não discriminação, a permanência no emprego, a ascensão profissional, as condições seguras e salubres de trabalho com seus direitos trabalhistas e sindicais em condições de igualdade com as demais pessoas em remuneração com trabalhos de igual valor.
O trabalho em uma sociedade capitalista define a condição humana e coloca a pessoa no bojo das representações sociais, definindo o papel e a posição do sujeito nas relações de produção, nas relações sociais e na sociedade.
A imagem social das PCDs frente à sociedade passa por uma ressignificação, uma vez que eram consideradas pessoas improdutivas ou eram tuteladas em suas capacidades de escolhas, autossustento e participação, como ressalta Lopes (2005, p. 117):

Antes de se pensar no porquê de as empresas contratarem ou deixarem de contratar pessoas com deficiência, deve-se perceber que a questão é muito mais profunda, passando pela consciência das pessoas, que, na maioria das vezes, não tem uma postura inclusiva, não pensam o ambiente e as relações interpessoais com essa preocupação. A questão é muito mais ampla: existem barreiras invisíveis, de atitude, que fazem com que as pessoas com deficiências fiquem à margem de diversas coisas na sociedade, inclusive do mundo do trabalho. Espanta-me o quanto a gente não percebe a grandiosidade disso tudo.

Com o movimento da inclusão, novos conceitos são internalizados, dentro de um novo paradigma. Nessa perspectiva, a ideia de inclusão adota a diversidade como valor humano nas relações sociais, propiciando a criação de oportunidades iguais e respeito à dignidade como parte integrante da promoção da cidadania e dos direitos humanos, assim como a não discriminação, independentemente das características biológicas, culturais ou sociais do indivíduo.

 Quem são as pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro

Considerando que dados mais desagregados do Censo de 2010 ainda não foram divulgados, constata-se - pelos resultados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000 - que no Brasil aproximadamente 24,5 milhões de pessoas ou 14,5% da população total apresentam algum tipo de incapacidade ou deficiência (CLEMENTE, 2004). São pessoas com alguma dificuldade de enxergar, ouvir, locomover-se, entender o outro ou se expressar, isto é, com determinada condição física ou mental. Nesse grupo, 16,6 milhões de pessoas apresentam algum grau de deficiência visual, sendo que quase 150 mil declararam-se cegos. No que se refere ao grau de deficiência auditiva, foram encontrados 5,7 milhões de brasileiros. Dentre esses, 170 mil eram surdos.
Nos dados do IBGE, destaca-se que a proporção de PCD aumenta com a idade, passando de 4,3% nas crianças até 14 anos para 54% do total das pessoas com idade superior a 65 anos. À medida que a população se torna mais envelhecida, a proporção de PCDs aumenta, surgindo um novo elenco de demandas para atender às necessidades específicas desse grupo.
Os três dados registrados no censo de 2000 (IBGE) demonstram alguns aspectos relevantes que podem compor a análise dessa temática. No aspecto de relações de gênero, homens predominam em relação à deficiência mental, auditiva, física (especialmente com falta de membro ou parte dele). O resultado mostrou-se compatível com o tipo de atividade desenvolvida por sujeitos masculinos e com os riscos de exposição a acidentes de diversas causas.
Além disso, a predominância das mulheres com limitações motoras (incapacidade de caminhar ou subir escadas) ou visuais é coerente com a composição por sexo da população idosa, com predomínio de mulheres a partir dos 60 anos.
O conceito utilizado pelo censo para caracterizar as PCDs inclui diversos graus de gravidade na capacidade de enxergar, ouvir e locomover-se, mostrando-se compatível com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), divulgada em 2001 pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em relação à inserção das PCDs no mercado de trabalho, verifica-se proporção menor de pessoas ocupadas em relação ao número de PCDs. Segundo Batista (2004, p. 111), a atual conjuntura configura-se da seguinte forma:

No Brasil, segundo o censo realizado em 2000 pelo IBGE, existem 24,5 milhões de brasileiros portadores de algum tipo de deficiência; isto significa que 14,5% da população brasileira apresentam alguma deficiência física, mental ou dificuldade de enxergar, ouvir ou locomover-se. Em Minas Gerais são cerca de 2,6 milhões de PPD correspondendo ao mesmo percentual de 14,5% da população. Os dados do censo mostram também que, no total de casos declarados de PPD, 8,3% possuem deficiência mental; 4,1% deficiência física; 22,9% deficiência motora; 48,1% visual e 16,7% auditiva. Entre 16,5 milhões de pessoas com deficiência visual, 159.824 são incapazes de enxergar, e, entre os 5,7 milhões de brasileiros com deficiência auditiva, 176.067 não ouvem. Segundo dados divulgados pelo Instituto Ethos (2002), nove milhões de pessoas com deficiência estão em idade de trabalhar. E desses, um milhão (11,1%) exercem alguma atividade remunerada e 200 mil (2,2%) são empregados com registro em carteira de trabalho.

Esses dados são revelados 10 anos depois da lei de reserva de cotas, o que demonstra número relativamente baixo de pessoas contratadas, apesar da exigência legal. A presente pesquisa confirma o número proporcionalmente pequeno de PPD empregado nas empresas e ainda certo desconhecimento por parte do empresariado da legislação pertinente à reserva de cotas.

Os dados do Censo de 2000, para ocupação econômica de PCD, diferem dos apurados pelo Instituto Ethos em 2002, mas mostram que, entre os diferentes tipos de deficiência, a pessoa com deficiência mental é a que encontra mais dificuldades de inserção no mercado de trabalho.
Segundo Clemente (2003, p. 41), pelos dados do censo do IBGE de 2000, “o tipo de deficiência que mais dificulta a inserção no mercado de trabalho é a mental: somente 19,3% das pessoas que apresentam esse tipo de deficiência estão ocupadas”.
Esse dado, apesar de ser uma taxa baixa, assinala equívocos produzidos pelo senso comum quanto à compreensão da competência e da capacidade profissional no que se refere à condição de aprender e desenvolver atividades produtivas, mesmo no caso de pessoa com deficiência mental.
Registra-se taxa mais alta de inserção no mercado de trabalho de pessoas com outros tipos de deficiência física ou motora (24,1%), dificuldade na audição (34,0%) e dificuldade para enxergar (40,8%). Por sua vez, para quem não apresenta alguma dessas deficiências, a proporção das pessoas ocupadas sobe para 49,9%.
Dessa forma, é indispensável inventar, criar espaços de discussão e ferramentas e novos processos, uma vez que, conforme Paulo Freire (1996), os seres humanos apresentam essa possibilidade de serem cocriadores, a qual os libera de serem meros executores das programações sociais e de ficar subordinados a metodologias bancárias. E somos, sobretudo, capazes de criar novas metodologias, não só para o ensino, mas no conjunto da vida social.
No campo do trabalho, portanto, as leis de cotas tornam-se uma forma de enfrentar e superar as dificuldades de inserção produtiva, passando a cumprir o papel de conscientizar e promover o acesso à inclusão produtiva como medida de proteção, promoção e acesso à equiparação de oportunidades.
Outra consideração importante a se fazer é sobre a inclusão social que representa tema central na pauta da gestão social e na formulação das políticas sociais. O processo democrático pelo qual o país passou viabilizou a formulação de programas e propostas de promoção dos direitos humanos, de superação das desigualdades, da eliminação da discriminação e da promoção de melhores oportunidades para todos.

Nesse aspecto, destacam-se as habilidades práticas dos movimentos sociais para criar espaços de articulação, participação e diálogo, para acordar estratégias que visem efetivar políticas de inclusão, criando, para isso, processos democráticos de participação e avaliação frente aos desafios postos.
Seguindo esse pensamento, pode-se recorrer a Avritzer (2010) para melhor compreender que a teoria democrática deliberativa considera que a valorização dos processos de decisão coletiva possibilita diferentes reflexões e debates e, consequentemente, aumenta a qualidade das decisões.
As chamadas leis de cotas para o mercado de trabalho, instituídas em diversos países (GARCIA, 2010), correspondem a uma forma de induzir a superação das dificuldades de inserção produtiva como medida de proteção e promoção de oportunidades. Dessa maneira, as ações afirmativas são implementadas para cumprir papel na inclusão social.
A Lei nº 8.213/1991 (BRASIL, 1991a) prevê a contratação de PCDs e beneficiários reabilitados no mercado de trabalho e estabelece a contratação de PCDs pelas empresas por cotas, isto é, conforme o número de trabalhadores que possuem. Assim, empresas que possuem 100 a 200 empregados devem contratar 2% de PCDs; 201 a 500 empregados, 3%; entre 501 e 1.000 devem contratar 4%; e aquelas que possuem mais de 1.000 empregados devem contratar 5%.
Essa lei ficou conhecida como Lei de Cotas e está em vigor há cerca de 20 anos. Entretanto, apenas em 1999, por meio do Decreto nº 3.298/1999, ela foi regulamentada. Tempo, a nosso ver, suficiente para que as empresas se estruturassem para cumprir tal determinação.
Não obstante, apesar de todo esse período, ainda existem PCDs que desejam trabalhar e não são contratadas. Ainda existem muitas empresas que não cumprem a obrigação legal, conforme pode ser visto nos dados de 2009 da TAB. 1, referente ao Brasil, e da TAB. 2, a Minas Gerais.
Conforme observado na TAB. 1, pela análise da relação entre os pressupostos legais e os dados da realidade referentes ao ano de 2009 e fornecidos pelos auditores fiscais do Ministério do Trabalho, verifica-se que a inclusão produtiva das PCDs no Brasil mostra-se aquém do previsto na lei. Menos de 40% dos vínculos de emprego que seriam esperados pelas cotas estavam preenchidos em 2009 e, de modo surpreendente, o grau de cumprimento da exigência legal era relativamente mais alto nas menores empresas. Nas “empresas públicas e sociedades de economista mista” com 100 a 200 empregados e de 201 a 500 empregados, constatam-se os mais altos níveis de proporção de cumprimento da lei – de 77,69% no primeiro caso e de 71,73%, no segundo caso.
Também as “demais empresas”, categoria que inclui todas as empresas formalizadas do setor privado, as menores (de 100 a 200 e de 201 a 500 empregados) apresentavam mais altos indicadores de cumprimento da lei em relação às suas congêneres maiores.
Como se pode observar, as empresas que possuem maior potencial de ocupação das PCDs são as que apresentam mais baixo índice de desempenho quanto a essas prerrogativas legais.

Assim, uma questão que surge, mas que não será investigada neste estudo, seria: por que as empresas com mais capacidade de gerar empregos demonstram reduzidos níveis de inclusão produtiva para as PCDs?
Examinando a TAB. 2, também se constata o baixo cumprimento da lei em Minas Gerais, com taxas semelhantes às do Brasil. No conjunto das empresas com estabelecimentos em Minas Gerais, verifica-se o cumprimento de 38,57% das vagas esperadas pela lei, em comparação com a taxa de 39,51% no Brasil.

Da mesma forma, em Minas Gerais o cumprimento da lei tende a ser mais expressivo nas menores empresas, ainda que as “empresas públicas e sociedades de economia mista” com número de empregados entre 200 e 500 apresentem alta proporção de cumprimento da lei - 62,83%. Quando tais empresas têm entre 100 e 200 trabalhadores, a proporção de cumprimento cai, consideravelmente, para 24,19%.
Desse modo, pode-se concluir que o cumprimento da Lei de Cotas se apresenta distante da realidade, conforme dados pesquisados aqui citados. Mas, por outro lado, em 2009, quase 220 mil PCDs no Brasil e 20 mil em Minas Gerais se encontravam empregadas, assalariadas, com carteira assinada ou funcionárias públicas estatutárias (que é o universo pesquisado pela Relação Anual de Informações Sociais – RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego (MET), fonte dos dados das TAB. 1 e 2).
Desde a entrada da legislação em vigência, muitas foram as tentativas de burlar ou revogar a Lei. Entretanto, órgãos internacionais e nacionais estão atentos e tomando as medidas necessárias para que essa lei seja cumprida.
A matéria “multas por cota crescem seis vezes em cinco anos”, publicado no dia 5 de março de 2008 no Jornal Valor Econômico, enfatiza que:

A legislação determina a contratação entre 2% e 5% de portadores de deficiência no quadro das empresas com mais de 100 funcionários – acima de 500, o percentual é de 5% dos empregados. A multa, calculada de acordo com o número de deficientes não contratados, varia de R$ 1.195,13 a R$ 119.512,33. Apesar de a lei existir há mais de 10 anos, o rigor do Ministério na fiscalização da norma é mais recente – em 2006, foram 606 multas, 420 a mais do que em 2005. Porém, estes números são bem maiores, já que nem todas as empresas são fiscalizadas pelo Ministério, bem como nem todas as multas são reportadas ao órgão (JORNAL VALOR ECONÔMICO, 2008).

Muito se tem debatido a respeito e até mesmo rebatido, no sentido de alterar a referida legislação. Em 2008, o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), instituição integrante do Sistema FIEMG, concluiu estudo buscando contribuir para o aprimoramento da Lei 8.213/91.
Nela, explicita a necessidade de adequações na legislação e apresenta propostas de revisão dos percentuais de cotas por ela estabelecidos; alteração do conceito de PCDs, de forma a ampliar o número de trabalhadores potenciais; inclusão do trabalhador aprendiz na cota legal (o que, na prática, já vem ocorrendo), assegurando-se a preferência de contratação daqueles que se destacarem; estabelecimento de critérios de regionalização para facilitar a contratação nas proximidades das empresas; mapeamento de risco em áreas nas quais a contratação de PCD não é recomendada, utilizando-se metodologia do próprio Ministério do Trabalho; manutenção dos dispositivos incluídos em projeto de lei de autoria do Senador José Sarney, especialmente nos aspectos ligados à terceirização, programas de profissionalização e contratação das chamadas oficinas protegidas. Esse estudo foi publicado no Jornal Estado de Minas, em 7 de fevereiro de 2008, indicando a intenção da FIEMG de convencer a sociedade para revisão ou ajuste da lei (ESTADO DE MINAS, 2008).
Para evitar-se que a inclusão de PCD por meio do trabalho dependa exclusiva ou principalmente da vigência da Lei de Cotas e de sua correta interpretação e implementação é que se faz necessário apoiar a organização e mobilização da sociedade, inclusive em fórum de gestão social, em defesa da inclusão produtiva das PCDs. 

3 METODOLOGIA
A metodologia qualitativa tem contribuído para a compreensão de diversos fenômenos sociais. Portanto, acredita-se que nesta pesquisa científica tal relação de aproximação com os sujeitos foi utilizada como importante instrumento para a coleta de dados fidedignos.
Para isso, buscou-se conhecer o universo pesquisado com o levantamento de dados realizado em três etapas, da seguinte forma: a primeira diz respeito à observação participante não estruturada; a segunda à pesquisa documental; e na terceira foi utilizado outro procedimento metodológico, recorrendo-se à pesquisa qualitativa por meio da entrevista semiestruturada.
Essa escolha se deu a partir de experiências compartilhadas e da importância de se verificar os fatos além das aparências e, sobretudo, para estabelecer relação direta de acompanhamento em ambiente formal e informal, mantendo um diálogo com o fórum, local privilegiado de participação das entidades no acompanhamento das políticas afirmativas voltadas para as PCDs.

 Etapas do desenvolvimento da pesquisa

Na análise documental foram verificadas atas, regimento interno, listas de presenças, entre outros documentos que constituem a organização do FPT. Essa documentação ainda não foi analisada de maneira científica, assim como a atuação do FPT.
As atas foram examinadas pelo software nomeado Atlas-TI, que possibilita identificar elementos nos documentos por meio de codificação, executando a análise das falas e trechos desses documentos, realizando o cruzamento de diversas variáveis. O número de atas produzidas subsidiou informações acerca da organização e do número de plenárias realizadas por meio do cruzamento da quantidade de atas/ano que se encontram arquivadas.
A opção pelo período 2007, 2008, 2009 evidenciou-se por representar um período marcado por elevado número de produção de atas e constância nas reuniões, que poderão ser visualizadas por meio do GRÁF. 1:

Diante disso, foi feita a análise documental das atas das reuniões plenárias do fórum dos anos de 2008 a 2010, período em que se encontrou mais alto número de documentos (GRÁF. 1). Vale ressaltar que estão previstas 10 reuniões plenárias por ano no regimento do fórum, sendo que todas deveriam resultar em elaboração de ata.
Avritzer (2009, p. 271-272), que utilizou metodologia semelhante à deste estudo, destaca que:

Na análise documental, as atas das reuniões têm se apresentado como um importante recurso e fonte de dados. Por serem documentos que registram os atos de fala e os discursos políticos produzidos pelos atores no processo deliberativo, que sinalizam posições políticas, conflitos, consensos e propostas, as atas permitem analisar o processo argumentativo, central na teoria deliberativa. [...] Em relação às atas, uma fonte secundária dentro da análise documental, um dos grandes problemas é a incerteza sobre a abrangência de seu conteúdo, que pode muitas vezes não documentar acontecimentos, discussões e ideias que surgem no momento das reuniões. [...] Além disso, elas são documentos oficiais que registram o processo de deliberação e são devidamente aprovadas pelos seus participantes, o que indica que eles concordam com o registro e a forma como foi realizado.

As atas possuem formato resumido, apresentando registro pouco detalhado. As mesmas foram analisadas por um software denominado Atlas-TI, que permite a análise de documentos por meio da codificação que permite análise de tipos de participação e de temas das falas (AVRITZER, 2009).
Essa metodologia torna possível que se faça:

A análise das atas é baseada numa leitura qualitativa da fala de cada ator e codificação das mesmas. [...] Para processamento qualitativo dos dados e codificação, utilizamos um programa de análise qualitativa: Atlas.TI, versão 5.0, que nos auxilia na produção de relatórios estatísticos dos dados. [...] A técnica para o exame dos documentos fundamenta-se na análise de conteúdo, com ênfase na análise temática, que tem por objetivo descobrir os temas que compõem uma comunicação, cuja presença (ou ausência) e frequência de determinado conteúdo significam alguma coisa para os objetivos analíticos visados (AVRITZER, 2009, p. 271-272).

A análise específica das atas da entidade investigada teve como objetivo buscar identificar aspectos que possam ou não se relacionar às características da gestão social. Dessa maneira, analisaram-se os seguintes componentes:

  • A forma de participação dos sujeitos nas plenárias, por meio de sua capacidade de vocalização;
  • a capacidade de proposição do fórum; as decisões;  os assuntos e temática encaminhados pelo fórum.

Foi verificado o número de participantes ativos, entre os quais seis pessoas foram ouvidas. Considerando o interesse pelo estudo e também as condições de acesso e disponibilidade dos entrevistados, optou-se também por ouvir uma pessoa que já participou e hoje não mais participa, para se aproximar ao máximo do princípio da saturação.

Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada. Triviños (1995, p. 146 apud GONÇALVES, 2005, p. 72) descreve que a entrevista semiestruturada é direcionada para a pesquisa qualitativa, já que, “ao mesmo tempo em que valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação”.
A entrevista semiestruturada pode ser entendida como:

[...] aquela que parte de certos questioidntos básicos apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas dos informantes. Dessa maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa (TRIVIÑOS, 1995, p. 146, apud GONÇALVES, 2005, p. 72).

Além disso, a entrevista permitiu o aprofundamento do tema pesquisado oferecendo mais subsídios para entender-se o problema investigado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar uma organização de defesa dos direitos à ocupação remunerada das PCDs, denominado Fórum Pró-Trabalho das Pessoas com Deficiência e Reabilitadas (FPT), que se mobiliza em torno da defesa do direito ao trabalho por meio da Lei de Cotas, foi possível observar fatores, de sua práxis, relacionados à inserção produtiva e à gestão social, em especial quanto à participação dos sujeitos participantes.
A pesquisa evidenciou a capacidade do movimento social em se mobilizar por meio de um fórum baseado numa gestão compartilhada entre distintos setores sociais, de maneira democrática e dialógica, contribuindo para o alcance de seus objetivos, apesar das condições precárias de manutenção das estruturas que sustentam esse tipo de organização. Do ponto de vista da mobilização de atores sociais, foi possível perceber a contribuição desse espaço como local de controle social no acompanhamento da política pública, possibilitando o fomento em prol da real situação de emprego para as PCDs e de sua efetiva “inclusão social pelo trabalho”. O que se destaca nessa temática é a importância de se ocuparem arenas nas quais a sociedade civil tenha a capacidade de articulação e mobilização como estratégia de promoção da cidadania.
Como o FPT promove ações relacionadas à Lei de Cotas, foi necessário conhecer essa política afirmativa instituída para garantir direitos ainda não afirmados na sociedade e suas implicações do ponto de vista da maneira como vem sendo cumprida a legislação.
Foi constatado que o fórum apresenta limites em sua atuação. Ele não possui um processo de acompanhamento e monitoramento que possa dar a conhecer em profundidade os tipos de ocupação que estão sendo oferecidas às PCDs, ou mesmo um mapeamento, monitoramento e avaliação da qualidade de inserção realizada ou a própria consequência dessa inserção para a vida dos sujeitos com deficiência.
Destaca-se também a proteção ao direito trabalhista em igual condição aos demais trabalhadores, com seus devidos direitos e consequente deveres, com igual remuneração por trabalho de igual valor, além da reparação de injustiças e assédio moral. Às PCDs também deve-se garantir condições de acesso à orientação profissional técnica e profissional, reabilitação profissional, oportunidade de trabalho autônomo, empreendedorismo, oportunidade de emprego em órgãos públicos e privados. Ressalta-se assegurar as adaptações razoáveis, não se desprezando a importante e contundente implementação da acessibilidade, o que em nossa percepção deverá contemplar os aspectos arquitetônicos, programáticos, metodológicos e das comunicações, entre outros, colaborando com as condições ajustáveis para que o trabalhador com deficiência possa, portanto, ser incluído de maneira adequada nas suas especificidades.
Da análise das entrevistas realizadas neste estudo com os participantes, constatou-se que eles têm visões diferenciadas sobre os princípios e a finalidade do FPT. Por outro lado, ficou evidenciado que o FPT representa a possibilidade de ser  lugar de promoção, aprendizagem e instrumentalização para seus participantes. Os participantes compartilham o interesse em defendê-lo como espaço democrático e de articulação de redes, ainda que vejam dificuldades no seu funcioidnto (coordenação autoritária para uns, comunicação manipulada para outros, a excessiva dedicação à constituição do Portal da Inclusão e a absorção do Fórum pelo Estado ainda para outros).
A GS representa um “modo de fazer” complexo, em que se emaranham distintos fatores, atribuições, interesses e trajetórias. Mas a práxis do FPT se aproxima da caracterização do modelo inclusivo e sinaliza a convergência com os conceitos de GS do ponto de vista de suas características, finalidades e funções.
No caso das políticas públicas para as PCDs, justifica-se a criação de espaços sistemáticos de construção coletiva, com orientação teórico-prática entre a sociedade civil e o poder público, com características e valores teórico-conceituais da gestão social, necessários para propiciar espaço de participação, mobilização e diversidade, proposição, aprendizagem, promoção de valores, busca de finalidades, reflexão, comunicação e ações estratégicas de enfrentamento que, para além das cotas legais, desconstruam paradigmas, preconceitos e discriminações.

REFERÊNCIAS

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*Frederico Melo é economista (pela UFMG) e Doutor em Demografia (pelo Cedeplar da UFMG).
** Maria Cristina Abreu Domingos Reis- Assistente Social – Graduada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1982). Especialista em Educação Inclusiva e Serviço Social e Política Social. formada pela Mestranda em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local
Imagem social positiva: termo utilizado nos movimentos sociais.
Tecnologia assistiva ou ajudas técnicas: elementos que permitem compensar uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa com deficiência, com objetivo de lhe permitir superar as barreiras da comunicação e da mobilidade e de possibilitar sua plena inclusão social (BRASIL, 2009a).
Inclusão marginal: termo utilizado por José de Souza Martins (1997, p. 37)
Ver Garcia (2010), por exemplo.

Recibido: 20/09/2018 Aceptado: 23/10/2018 Publicado: Octubre de 2018

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