Mesmo que seja enganoso dizer que toda política pública é uma política social, deve-se relevar que toda política empreendida por um governo tem consequências para o pleito social. Embora nem todas carreguem consigo aspectos essencialmente “públicos” e nem sempre seus fins busquem ações positivas para a maioria da população. Considerando-se a análise anterior, que teve o interesse de demonstrar como as políticas sociais no Brasil foram geridas a partir do embate de forças entre as necessidades das massas e as conveniências aos interesses privados, convém considerar também mais um aspecto ligado a gestão pública no Brasil: a concepção de desenvolvimento que se primou ao longo da modernização do Estado brasileiro durante o século passado.
O complexo conceito de desenvolvimento foi e é largamente utilizado no sentido de alcançar a estruturação produtiva do país. Este conceito, de certa forma, absorveu o sentido evolutivo de progresso “representado pela incorporação dos modos de produção, padrão de consumo e estilo de vida dos países centrais do capitalismo” (ORTEGA, 2008, p.23). Na realidade brasileira o crescimento econômico passou a ser expressão reflexa ao conceito de desenvolvimento, e cujo princípio se assentou na superação dos entraves econômicos vividos no Brasil. Até “o início dos anos de 1960, não se sentiu muito a necessidade de distinguir desenvolvimento de crescimento econômico, pois as poucas nações desenvolvidas eram as que se haviam tornado ricas pela industrialização” (VEIGA, 2008, p.18). “Até o final do século XX, os manuais que servem para transmitir às novas gerações o paradigma da ciência econômica convencional […] tratavam despudoradamente desenvolvimento e crescimento econômico como simples sinônimos” (VEIGA, 2008, p. 19). Por assim ser, é compreensível que as políticas implementadas no território nacional foram direcionadas aos interesses da expansão produtiva, visto que outrora esta era a posição tomada pelo modelo tecnocrático como resposta à superação das desigualdades nacionais.
Faz-se questão, aqui, de mencionar o termo tecnocrático porque o mesmo pressupõe um modelo de implementação de políticas do tipo top down. Isto é, de cima para baixo, de modo que as políticas públicas são elaboradas e implementadas a partir de uma racionalidade hierárquica, cujas decisões não são debatidas, mas impostas à sociedade (FGV, 2010). Tal formato se ajustou bem à estrutura das políticas sociais nacionais pois sua forma e expansão consideravam menos os anseios dos movimentos populares do que os interesses privados que poderiam lucrar e usufruir desta mesma expansão. A lógica governista se desenhava sobre este formato, e se amparou no fomento aos grandes projetos econômicos nacionais na crença de que o desenvolvimento social seria decorrência natural do desenvolvimento econômico.
Todavia foram surgindo evidências de que o intenso crescimento econômico ocorrido durante a década de 1950 em diversos países semi-industrializados (entre os quais o Brasil) não se traduziu necessariamente em maior acesso de populações pobres a bens materiais e culturais, como ocorrera nos países considerados desenvolvidos. A começar pelo acesso à saúde e à educação. Foi assim que surgiu o intenso debate internacional sobre o sentido do vocábulo desenvolvimento. Uma controvérsia que ainda não terminou, mas que sofreu um óbvio abalo esclarecedor desde que a ONU 1 passou a divulgar anualmente um índice de desenvolvimento que não se resume à renda per capita ou à renda por trabalhador (VEIGA, 2008 p.19).
Com a criação e paulatina afirmação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – que incorpora como variáveis outros indicadores sociais como educação, saúde e longevidade – tornou-se mais contundente o questionamento sobre a qualidade social das políticas de crescimento econômico. Tratava-se exatamente do ponto em que o milagre econômico teria sua falha esgarçada. Até então, a teoria do desenvolvimento ficou circunscrita à lógica dos meios, tendendo a se confundir com a explicação do sistema produtivo que emergiu com a civilização industrial (VEIGA, 2008). “No entanto, o desenvolvimento deve ser entendido como processo de transformação da sociedade ‘não só em relação aos meios, mas também aos fins’” (VEIGA, 2008, p.31).
O modelo tecnocrático gestor do Estado nacional, que carregou a bandeira do desenvolvimento utilizado nas políticas públicas brasileiras, acabou mantendo as estruturas da desigualdade presentes no país ainda que tivesse o intuito de servir a maioria. A corrosão das políticas pelos interesses particulares, como já fora enunciado, não se deixou passar. Em sua “Fantasia Desfeita”, Furtado (1989) explicita a dificuldade de lidar com tais interesses durante a saga de criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Em uma de suas estórias coloca:
Em plena seca, eu tivera a oportunidade de visitar as áreas em que se ensaiavam projetos de irrigação com recursos do governo federal. Era total a promiscuidade entre patrimônios público e privado, em benefício de alguns fazendeiros. Fornecia-se água praticamente de graça, e os canais, financiados a fundo perdido, eram mantidos pelo governo. Plantava-se de preferência banana, que pouca mão-de-obra exige e em nada contribuía para a oferta local de alimentos. E também se plantava arroz, cultura muito exigente em água. […] As terras irrigadas estavam em mãos de um pequeno número de proprietários, e os trabalhadores empregados não viviam em melhores condições do que os seus vizinhos dos latifúndios tradicionais. Os privilegiados da irrigação financiada pelo governo federal eram conhecidos em certas cidades sertanejas pelas luxuosas residências que ostentavam […] (FURTADO, 1989, p.63)
Mas mesmo sujeitos como Furtado, crítico e visionário, circunscreveram a visão tecnocrática do desenvolvimento ao sobrevalorizar o progresso técnico dos processos produtivos que aumentariam “a eficiência na utilização de recursos escassos e/ou a introdução de novos produtos capazes de ser incorporados à cesta de bens e serviços de consumo […]” (FURTADO, s.d., p.98). Mas se tratava de serem sujeitos de seu tempo. Ao fim, a própria SUDENE, que batia de frente com os interesses latifundistas, acabou sendo surrupiada pelo particularismo, posto que após o regime militar suas ações acabaram sendo direcionadas para a valorização do grande capital (RODRIGUES, 2000).
Como já fora mencionado, o domínio do crescimento econômico como modelo de desenvolvimento começou a ser reavaliado diante dos resultados do IDH. Além disto, a perspectiva ecodesenvolvimentista surgida a partir de fins da década de 1980 tem proporcionado um novo debate acerca do desenvolvimento, considerando-o a partir da necessidade da população presente ponderar sobre o uso dos recursos naturais para assegurar a qualidade de acesso da gente futura (CMSMAD, 1991). E, paulatinamente, esta concepção de desenvolvimento a partir do uso sustentável dos recursos naturais tem sido adotada no Brasil e tem aberto espaço para uma análise que pressupõe a interação entre o local-global 2 como estratégia do desenvolvimento. A perspectiva, de certa forma, traria a possibilidade de arrefecer o predomínio do grande capital sobre as políticas públicas no país e, quiçá considerar a superação do “estágio” tecnocrático de gestão pública. Mas este fenômeno talvez não fosse possível se não intermediado por todo o processo de descentralização e instauração de um novo projeto político participativo que vem sendo engrenado desde o fim do século XX.
1 Organização das Nações Unidas.
2 Tal interação está amparada pelas propostas da Agenda 21, plano de ação internacional que se esperava ser passo para um novo padrão de desenvolvimento. A expectativa é que se proporia uma análise mais complexa da relação entre o homem e o planeta, concebendo o lema “pensar global, agir local”. Isto implicaria que, a partir da ciência sobre como os acontecimentos globais são desencadeados a partir da ação local, a mudança de atitude no espaço local repercutiria no global de forma menos agressora do que como se deu o modelo desenvolvimentista de até então. Cada país tem a liberdade de propor sua própria Agenda 21 assentada sobre o plano internacional.
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