Capital social é um conceito que tem ganhado grande disseminação nos últimos anos. Saído do universo acadêmico e ganhando espaço cada vez maior nos setores administrativos o conceito não é tão novo quanto se espera. Segundo Portes (2000), a primeira aplicação do conceito como tal parte da análise de Pierre Bourdieu, ainda na década de 1980.
No seu artigo “As formas do capital”, Bourdieu (1986) lembra que capital é trabalho acumulado, que é a força inscrita nas estruturas objetivas e subjetivas da sociedade e também o princípio que subjaz as regularidades do mundo social. O capital pode, na percepção do autor, ser objetivado ou incorporado em diferentes formas e tem a capacidade potencial de produzir ganhos e se reproduzir de forma idêntica ou expandida; mas para que se possa compreender o mundo social não basta ver o capital apenas como meio econômico (BOURDIEU, 1986). O capital teria, dependendo do campo em que se aplica e das suas modificações no mesmo, três formas fundamentais: o capital econômico, que é imediatamente conversível em dinheiro ou direitos de propriedade; capital cultural que é conversível em capital econômico e pode ser institucionalizado na forma de qualificações profissionais; e o capital social, composto por obrigações sociais, conexões/relações, que em certas condições podem ser conversíveis em capital econômico e institucionalizado em formas de reputação/reconhecimento social1 (BOURDIEU, 1986). Nas palavras do autor, o capital social é o agregado de recursos, disponíveis ou potenciais, que estão ligados a posse de uma rede de relações duráveis, mais ou menos institucionalizada, de conhecimento e reconhecimento mútuo (ou, em outras palavras, ao pertencimento a grupos); que dota cada um dos membros com o apoio do capital coletivo2 (BOURDIEU, 1986). O “volume” de capital social a se possuir depende do tamanho da rede de relações que se pode mobilizar e o volume de capital, tanto econômico como cultural ou simbólico, daqueles que são partícipes destas relações (BOURDIEU, 1986).
Conforme Bourdieu (1986), os benefícios que se podem obter na pertença a um grupo se baseia na solidariedade que nele se estabelece; sendo que a existência de redes de relações se inicia por parte de um ato institucional, sendo o primeiro deles representado pela relação familiar, mas não se resumindo a ela. Nas palavras do autor, as redes de relações são produto de investimentos e estratégias conscientes ou inconscientes, sejam individuais ou coletivas, com a finalidade de estabelecer ou reproduzir relações que sejam úteis a curto ou longo prazo3 , e a sua reprodução exige esforços contínuos de sociabilidade (BOURDIEU, 1986).
A essência do conceito já estava no âmbito das ciências humanas há muito tempo, como assinala Portes (2000) ao mencionar os estudos sobre coesão social de Durkheim e a análise sobre classe “em si” atomizada e “para si” mobilizada de Marx; ou na idéia de auto-organização das sociedades em Tocqueville, como coloca Muls (2008); ou ainda nos estudos sobre as relações baseadas na dádiva voluntária, mas obrigatória de Marcel Mauss (2003). Mas teria sido a partir da construção conceitual de Bourdieu que a noção de capital social passara a ser apropriado e expandido academicamente. Autores como Coleman, Jane Jacob, North, Olson entre outros (SANTOS, 2003) se apropriaram do conceito e o tonificaram com as cores de suas análises. Mas pode-se dizer que foi com a obra de Putnan intitulada “Comunidade e Democracia” que o conceito passou a ser popularizado extra-academicamente pois, como avalia Muls (2008), o trabalho de Putnan valeu pelo pioneirismo de trabalhar o capital social de maneira aplicada, a partir das diferenciações existentes no mundo real.
No seu estudo, uma das conclusões a que Putnan (1996) chega é que o desempenho institucional se beneficia do contexto em que as instituições se inserem. Onde haja cooperação voluntária herdada a partir do estoque de regras de reciprocidade e sistemas de participação cívica o desempenho é melhor; e tal estoque é, na concepção do autor (PUTNAN, 1996), uma das formas do capital social. Na variação analítica do autor o capital social corresponde a “características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (PUTNAN, 1996, p.177) ou, conforme outra explanação, o “‘capital social’ se refere a elementos de organização social como as redes, normas e confiança social que facilitam a coordenação e a cooperação em benefício recíproco” (PUTNAN apud FREY, 2003, p.176).
Putnan (1996) coloca que a cooperação existe por sua importância recíproca, e que os laços de confiança que são estabelecidos são muito importantes posto que a sociedade empresta confiança mútua aos seus membros. Isto é, o capital social tratar-se-ia de um altruísmo de curto prazo com interesse próprio a longo prazo, uma ação cuja retribuição está em aberto. Quanto mais os sujeitos confiam entre si, maior é a rede de confiança e cooperação, gerando um círculo virtuoso; e, por ser assim, Putnan (1996) considera o capital social como fator produtivo e específico por se tratar de um “bem” abstrato e público, diferentemente das outras formas do capital.
Putnan (1996) também considera que os sistemas de participação cívica, como associações comunitárias, cooperativas etc., usualmente representam uma interação horizontal e são essenciais na formação do capital social. Destarte, quanto mais desenvolvidos os sistemas de participação, maior a probabilidade de se estimular a cooperação mútua: os sistemas de participação cívica aumentariam a interação e interconexão, diminuindo a possibilidade dos riscos do oportunismo, além de promover sólidas regras de reciprocidade reforçadas pela cadeia de relacionamentos e reputação (PUTNAN, 1996). Um sistema organizacional verticalizado, como as estruturas clientelistas, jamais seria capaz de sustentar confiança e cooperação, na opinião do autor, pois suas relações são assimétricas. Ainda, o capital social não se baseia nas relações horizontais consanguíneas, necessariamente, pois sistemas horizontais isolados sustentam a cooperação dentro de cada grupo, mas não promove a cooperação estendida; portanto é importante que se supere tais relações e nisto valem os sistemas de participação cívica, posto que eles têm “mais possibilidades de abranger amplos segmentos da sociedade, fortalecendo assim a colaboração no plano comunitário” (PUTNAN, 1996, p. 185).
Putnan (s.d) é claro ao apontar que há diferenças marginais no termo sobre como definir exatamente o capital social. Mas, segundo ele, há uma definição convergente conquanto ao fato de que a ideia central do capital social é que redes e normas associativas de reciprocidade produzem ganhos, frutos para as pessoas que participam, com retornos tanto no âmbito público como privado. Porém, como outros autores, Putnan (1996) lembra que o capital social pode ter efeitos negativos.
Portes (2000), analisando o capital social no nível da sociabilidade, aborda de forma sumária o que poderiam ser as suas consequências perversas. Segundo ele, nos vínculos relacionais pode ocorrer “a exclusão dos não membros, exigências excessivas a membros do grupo, restrições à liberdade individual e normas de nivelação descendente” (PORTES, 2000 p. 146). Entre alguns dos aspectos elencados, o autor lembra a conspiração dos comerciantes contra o público nos estudos de Adam Smith, (a partir do estabelecimento de relações que desencadeiam, hoje, trustes e cartéis), ou o nível exacerbado de controle social que limita a liberdade individual, ou o fato de que o sucesso de determinados indivíduos pode levar ao solapamento da coesão grupal etc. (PORTES, 2000), sendo assim, a sociabilidade se faz “faca de dois gumes”. Por análise semelhante é que Durston (2001) considera como sendo útil definir o capital social em termos mais neutros, como recursos que podem ser utilizados em empreendimentos que geram benefícios para alguns, ou que causam dano ao resto. Assim, resumidamente e sob esta ótica neutra, o capital social seria um ativo e todos que o tem o utilizam em suas estratégias (DURSTON, 2001).
Embora critique a utilização desmedida do conceito, Portes (2000) coloca que uma das fontes da originalidade e o poder heurístico da noção de capital social dizem respeito ao fato de atentar para o fato de que formas não monetárias podem ser importantes como fonte de poder e influência, como as demais formas de capital. Segundo Muls (2008), o conceito passou a ser utilizado pelos economistas quando perceberam que fatores extraeconômicos poderiam ajudar a explicar melhor os diferentes níveis de desenvolvimento. Afinal, como foi visto, o desenvolvimento limitado à ideia de crescimento econômico tal como fora propagado no século passado não trouxe consigo todas as benesses que se esperava, e nisto se encaixam os 30 anos de estudos de Putnan acerca das diferenciações regionais do desenvolvimento italiano. Motta (S.D) analisa que o quadro de crises e tensões internacionais existentes no fim do século passado estimularam encontros de setores políticos e econômicos, como no encontro da “Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social”, de 1995 à “Cúpula do Milênio da Organização das Nações Unidas”, em 2000. Nesta última definiram-se as Políticas de Desenvolvimento do Milênio, cuja base de orientação se acerca na idéia da promoção do capital social (MOTTA, s.d); e entre os organismos internacionais que buscam fomentar tal aspecto se encontra o Banco Mundial, financiador do PCPR.
Antes de voltar à análise institucional cabe pontuar alguns outros aspectos sobre o capital social. Primeiramente cabe denotar que é quase consensual que o capital social partilha, para sua existência, da correlação entre confiança, reciprocidade e cooperação. No que tange à confiança, Durston (2001) esclarece de forma coesa que se trata de uma atitude (e não um sentimento) baseado na expectativa do comportamento alheio, e a presença ou ausência da confiança é produto da interação social e da experiência que se acumula a partir daí. Sendo assim, confiança parte de um sentido prático. Já a reciprocidade, e aqui Durston (2001) recorre à Mauss, é um princípio que rege as relações institucionais formais e informais no nível comunitário. Tais relações se dão através de um intercâmbio não necessariamente monetário visto que se trata de fazer a compensação de favores; não apenas não imediatos como, também, não da mesma equivalência. É a lógica do dar e receber... Não na mesma medida, tão pouco no mesmo momento, mas quando necessário ou interessante: o que move as relações é a sua “voluntariedade obrigatória”. Por fim, a cooperação Durston (2001) categoriza como sendo “a ação complementar orientada para conseguir objetivos compartilhados num empreendimento comum”4 . Não se trata de colaboração, uma vez que este termo corresponde ao intercâmbio de subsídios entre atores aliados que têm empreendimentos e objetivos diferentes (mesmo que sejam compatíveis). A cooperação pressupõe a interação de estratégias individuais visando um objetivo comum. Assim, para que haja o estoque de capital social numa localidade as pessoas envolvidas devem aceitar o risco de confiar no próximo, estar disposto a dar e receber continuamente e ter como estratégia de ação um objetivo compartilhado.
Durston (2001) também esclarece que assim como existem formas diferentes de capital social, ele também não é encontrado disseminado na mesma magnitude entre todos os grupos. Há, segundo ele, seis formas de capital social: 1) o capital social individual, que se estabelece a partir de contrato informal entre duas partes; 2) o capital social grupal, que é a extensão da primeira em grupos; 3) o capital social comunitário, que concerne às comunidades e cujos participantes não são “recrutados” como no caso do grupal, posto que corresponde a ser integrante da comunidade; 4) o capital social de ponte, que se trata de estabelecer alianças, vínculos horizontais com pessoas e instituições distantes; 5) o capital social de escada, onde a relação de confiança é assimétrica, ou seja, um confia mais que o outro, ou ainda, em contextos democráticos os vínculos podem ser de conexão entre atores de pouco poder com de alto poder, como a relação comunidade - Estado; 6) e por fim o capital social societal, que são práticas difundidas no território nacional (DURSTON, 2001).
1 Do original “social capital, made up of social obligations (‘connections’), which is convertible, in certain conditions, into economic capital and may be institutionalized in the forms of a title of nobility”. (BOURDIEU, 1986 p.1)
2 Do original “Social capital is the aggregate of the actual or potential resources which are linked to possession of a durable network of more or less institutionalized relationships of mutual acquaintance and recognition – or in other words, to membership in a group – which provides each of its members with the backing of the collectivity-owned capital” (BOURDIEU, 1986, p.1)
3 Do original “the network of relationships is the product of investment strategies, individual or collective, consciously or unconsciously aimed at establishing or reproducing social relationships that are directly usable in the short or long term” (Bourdieu, 1986 p.4)
4 Do original “La cooperación es la acción complementaria orientada al logro de los objetivos compartidos de un empreendimiento común”(DURSTON, 2001, p. 158)
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1647 - Investigaciones socioambientales, educativas y humanísticas para el medio rural Por: Miguel Ángel Sámano Rentería y Ramón Rivera Espinosa. (Coordinadores) Este libro es producto del trabajo desarrollado por un grupo interdisciplinario de investigadores integrantes del Instituto de Investigaciones Socioambientales, Educativas y Humanísticas para el Medio Rural (IISEHMER). Libro gratis |
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