DESENVOLVIMENTO RURAL

DESENVOLVIMENTO RURAL

Paulo Carvalho (CV)

POPULAÇÃO, TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO RURAL

Resumo

A população é hoje reconhecida como elemento chave no quadro renovado do desenvolvimento territorial (das teorias às iniciativas de intervenção).
No caso dos espaços rurais periféricos a dinâmica dos últimos anos tem, regra geral, acentuado os processos de abandono e a degradação das estruturas edificadas e das paisagens rurais. Mas, alguns desses territórios são agora organizados e apropriados por populações urbanas que valorizam os elementos da paisagem outrora entendidos como sinal de arcaísmo, retrocesso e atraso de desenvolvimento, em resultado de processos espontâneos ou de linhas estratégicas de orientação e de instrumentos de política regional que enfatizam ações e medidas com o objetivo de requalificar esses territórios e promover as suas potencialidades.
A par da territorizalização das políticas públicas, a organização em rede assume também crescente visibilidade como o demonstra o propósito de criar uma “Rede de Aldeias do Xisto” (Cordilheira Central Portuguesa).

1. População e desenvolvimento rural: uma perspetiva territorial

            Os processos de reestruturação produtiva e globalização socioeconómica estão associados a importantes transformações que definem uma nova lógica territorial, na qual os distintos âmbitos espaciais procuram ativar os seus recursos para não ficar à margem, ou poder competir com êxito, num mundo cada vez mais interconectado (Porter, 1991, cit. em Pérez, 2002: 456). Por isso começam a revalorizar e a identificar recursos alternativos, generalizando-se cada vez mais a tese de que todo o processo de desenvolvimento requer a utilização imaginativa, racional, equilibrada, dinâmica e sustentável de todos os bens patrimoniais, sejam estes de caráter monetário, humano, físico-ambiental, cultural ou territorial (Pérez, op. cit.).
Isto quer dizer que o território deixa de ser considerado um agente passivo ou mero suporte físico dos processos de desenvolvimento para constituir um agente ativo e dinâmico que contribui, além disso, para gerar vantagens competitivas.
Neste contexto, também marcado pelo incremento da especialização funcional, os espaços rurais dos países desenvolvidos foram obrigados, uma vez que o processo (globalização) é essencialmente exógeno, a abandonar a sua tradicional função de abastecedores de alimentos para reconverter-se em espaços multifuncionais ao serviço da satisfação das necessidades da população urbana, como principal estratégia para sair da crise em que muitos se encontram mergulhados (Valverde et al., 2002: 182).
Leonor de la Puente Fernández (2002: 234) afirma que “En las últimas décadas, y consubstancial al desarrollo del capitalismo en el sector agrario, en el mundo rural europeo se está profundizando en un doble proceso territorial de signo contrario, iniciado anteriormente, que la Comisión Europea denomina con los términos de concentración, especialización e intensificación por un lado, y de marginalización por outro (...)”. Ainda segundo a geógrafa da Universidade de Santander, os processos de abandono dominam as áreas marginais, e são acompanhados da destruição de infraestruturas, do património, da paisagem, enfim, de investimentos acumulados que todavia poderiam contribuir para a formação de riqueza no mundo rural mediante a sua reutilização em outras iniciativas socioeconómicas. Por outro lado, os espaços marginais são cada vez mais procurados por uma população urbana em busca de natureza, cuja presença, cada vez mais intensa, acelera o processo de destruição dos elementos diferenciadores e originais, e gera necessidades de equipamentos e serviços cuja exigência se reclama ao setor público e, em definitivo, à sociedade em geral.
Esta perceção territorial teve reflexo na Política Agrícola Comum fundamentalmente a partir da consideração do desenvolvimento rural como o segundo pilar da PAC, quer dizer, entendendo a agricultura como elemento chave para o (novo) desenvolvimento rural. O discurso territorial repercute-se na nova forma de entender a agricultura (e o mundo rural): de uma agricultura produtivista, orientada por critérios meramente económicos (crescimento dos rendimentos, formação de economias de escala, competitividade das explorações, liberalização dos mercados) para uma agricultura multifuncional, termo que indica que, além de abastecer de produtos agrícolas, “a agricultura produz bens públicos (cria natureza e paisagem, preserva o ambiente e facilita a gestão do território), pelos quais o cidadão contribuinte deverá pagar” (Férnandez, op. cit., 233).
Isto significa que a nova política para o mundo rural deve ser orientada para o desenvolvimento rural integrado, unindo a dimensão socio-rural e ambiental, assumindo que é necessária a diversificação das atividades produtivas nos espaços rurais, e determinando novos objetivos para a agricultura em função da perspetiva de ordenamento dos espaços rurais (Carrasco, 2000: 177). De igual modo há importantes modificações no plano social e cultural, nomeadamente a extensão dos modelos culturais urbanos ao meio rural e, de forma paralela, a revalorização dos modos de vida e das culturas rurais; a consciencialização dos cidadãos sobre a necessidade de conservar o ambiente e preservar a paisagem; a cada vez maior procura de natureza e “espaços naturais” por parte da sociedade de ócio que se generalizou nos países mais desenvolvidos.
  Assim, nos últimos anos, nas áreas rurais abriu-se caminho a diferentes opções de desenvolvimento, dando lugar a uma nova articulação territorial entre áreas rurais, e entre estas e o espaço urbano. Para as áreas mais deprimidas favoreceu-se uma nova lógica, não de crescimento sectorial agrícola mas de desenvolvimento rural: a pluriatividade é a via que se impõe como solução para a crise agrícola, e uma das principais opções de desenvolvimento é o turismo rural (Carrasco, op. cit., 182).
Trata-se de um modelo emergente, em consequência de mudanças culturais e sociais, alicerçado numa diversificação da oferta turística, ao contrário do (seu antecessor) turismo costeiro, de sol e praia, massificado e capaz de gerar fluxos realmente extraordinários de visitantes. Como reflexo da crescente variedade de estilos de vida, o turista mais culto deixou de ser um objeto dirigido pela oferta, manipulado pela propaganda, para alcançar uma maturidade na eleição mais seletiva do espaço de destino e do tipo de oferta. Tem recebido o mais alto interesse por parte das entidades políticas (nacionais, regionais e locais) que em certos casos legislaram sobre o seu desenvolvimento e controlo e é objeto de importantes investimentos (por exemplo os projetos apoiados pelo LEADER), com o objetivo de orientar a diversificação produtiva dos meios rurais tradicionais, com o incremento de uma atividade turística, que pode basear-se na qualidade natural (é o caso da promoção de espaços naturais protegidos), ou os valores culturais do seu património, ou na sua potencialidade como uso recreativo e desportivo. A diversidade de termos como turismo rural, agroturismo, turismo de natureza, ecoturismo, sugerem fórmulas diferentes, que originam transformações espaciais e implicações variadas nas estruturas sociais (Manrique, 2000: 43).
A avaliação da transformação territorial (e da paisagem) que decorre do progressivo desenvolvimento de formas de ocupação e uso do espaço rural vinculadas ao turismo, leva a considerar a existência (ou não) de políticas urbanas e turísticas consistentes durante o processo de criação do espaço turístico, afinal uma das causas fundamentais de certas descontinuidades e problemas. Por isso o “êxito” social da atividade em termos de conservação e valorização da paisagem não pode desvincular-se de medidas concretas derivadas da intervenção pública, nomeadamente planos de intervenção ancorados a matrizes físicas (de ordenamento) e suportes financeiros essenciais para impulsionar e consolidar a execução das medidas.
            Mas este caminho (de revitalização económica e social) que se define para o desenvolvimento dos territórios rurais, coloca em evidência o papel estrutural de um outro pilar, a população, considerada segundo uma dupla perspetiva: a população residente que exerce um papel inquestionável ao manter, preservar e valorizar a paisagem, e todos aqueles que passam aí algum do seu tempo livre, sobretudo aquelas situações de criação de vínculos e produção de impactos territoriais mais visíveis.