A consolidação do mercado interno possibilitou a criação de uma infra-estrutura, especialmente de transportes e de comunicações, que interligou todas as regiões brasileiras, facilitando não apenas a instalação de empresas capitalistas em novos espaços, como também, abrindo fronteiras para fluxos migratórios em busca de terra, recursos minerais, oportunidades de trabalho e melhores condições de subsistência (ARAÚJO, 2000a).
Segundo Ablas, Muller e Smith (1985), os movimentos migratórios são importantes porque fornecem indicadores das características assumidas pelo território num processo de desenvolvimento, ao tentarem refletir a atração exercida por determinados centros dinâmicos e o papel desempenhado pela expulsão provocada pela desorganização da produção em algumas áreas.
Como ressalta Cano (1998b), até a década de 1940, os fluxos migratórios seriam relativamente pequenos, agravando-se a partir dos anos 1950, cujos fluxos predominantes seriam no sentido “rural-rural” e “rural-urbano”, decorrentes, sobretudo, dos problemas da estrutura agrária brasileira, como a dificuldade de acesso à propriedade da terra por pequenos e médios produtores; a expansão do número de minifúndios e seu fracionamento; a introdução de máquinas na agricultura; a queda da fertilidade natural do solo; as secas nordestinas e a maior taxa de natalidade da população rural. Apesar da predominância apontada acima, não se deve deixar de considerar os fluxos “urbano-urbano”, que estariam relacionados a questões como o desemprego, os subempregos urbanos e os baixos salários urbanos locais.
Historicamente, a região Nordeste caracterizou-se pela condição de expulsadora líquida da população (exclusive Maranhão, inicialmente) por conta de fenômenos como as secas1 , a estrutura agrária da região e a incapacidade das suas cidades em abrigar o contingente da força de trabalho proveniente de áreas rurais (Tabela 4.92 ). Dessa forma, o crescimento da população das cidades nordestinas deveu-se, em grande medida, ao afluxo de pessoas provenientes de outras áreas, sobretudo do campo, devido à decomposição das relações “coloniais” de produção, sem que isso significasse uma expansão correspondente da economia industrial urbana.
Observando mais detidamente a Tabela 4.9, observa-se que os estados nordestinos, com exceção do Maranhão, foram expulsadores de elevados contingentes populacionais, entre 1960 e 1970, que se dirigiam para o Sudeste (São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente), devido à pujança do setor industrial paulista e a elevada urbanização dessas duas cidades, e para as áreas de expansão agrícola, seja no Sul (Paraná, principalmente), Centro-Oeste e alguns estados da região Norte.
No caso de Sergipe, observou-se que o estado foi um expulsador líquido de população, representando 5,2% do saldo emigratório líquido nordestino, entre 1960 e 1970. No que diz respeito à dinâmica especifica do estado, constatou-se que o maior volume de imigrantes seria proveniente do próprio Nordeste, que representou no período intercensitário de 1960 a 1970, um contingente populacional de 22.865 pessoas, ou 84,6% do número de pessoas que entraram no estado durante este período (ver Tabela 4.10, abaixo). Destacaram-se, por sua vez, os estados de Alagoas (42% do total de entradas) e Bahia (28,7% do total de entradas). Em terceiro lugar apareceu o estado de Pernambuco, com 9,4% do total de imigrantes de Sergipe. Uma das explicações para o elevado volume de entradas populacionais provenientes de Alagoas e Bahia poderia estar relacionada à proximidade que esses estados apresentam em relação a Sergipe.
Dos estados que não faziam parte da Região Nordeste, merece referência o estado de São Paulo, com uma contribuição de 7,2% para a imigração sergipana e o Rio de Janeiro, com 4,6%, figurando como quarto e quinto lugares, respectivamente, no total de entradas em Sergipe. Cabe enfatizar que não obstante o Estado de São Paulo fosse um dos maiores receptores líquidos da população migrante brasileira, este também se caracterizava pelo elevado contingente de expulsão populacional 3.
A emigração sergipana, entre 1960 e 1970, ocorreu principalmente para o estado de São Paulo, com 37,8% das saídas totais, e da Bahia, com 26,2% do total de saídas. Em seguida apareceram os estados do Rio de Janeiro (18,5% do total de saídas), Paraná (5,5%) e Alagoas, com 3,6% do total. As possíveis razões para a atração da população sergipana para esses estados, que juntos, totalizavam 91,6% da emigração estadual, poderiam estar relacionadas a dois fatores mencionados anteriormente: no caso do Rio de Janeiro e São Paulo, a elevada industrialização e urbanização desses estados se constituíam grande fator de atração também para a população sergipana; o Paraná estava relacionado ao fato da expansão da fronteira agrícola; no caso de Bahia e Alagoas, a explicação mais plausível seria a contigüidade com o território sergipano.
Tabela 4.10 |
||||||
SERGIPE |
||||||
Movimentos Migratórios Interestaduais |
||||||
1960 - 1980 |
||||||
Estados |
Períodos |
|||||
1960-1970 |
1970-1980 |
|||||
Entradas |
Saídas |
Saldo |
Entradas |
Saídas |
Saldo |
|
Alagoas |
11.342 |
3.275 |
8.067 |
16.816 |
4.195 |
12.621 |
Bahia |
7.757 |
23.548 |
-15.791 |
16.097 |
20.722 |
-4.625 |
Ceará |
280 |
153 |
127 |
1.922 |
486 |
1.436 |
Maranhão |
121 |
197 |
-76 |
660 |
1.188 |
-528 |
Paraíba |
455 |
268 |
187 |
859 |
310 |
549 |
Pernambuco |
2.534 |
1.115 |
1.419 |
5.350 |
1.397 |
3.953 |
Piauí |
96 |
106 |
-10 |
227 |
0 |
227 |
Rio Grande do Norte |
280 |
76 |
204 |
932 |
126 |
806 |
Nordeste |
22.865 |
28.738 |
-5.873 |
42.863 |
28.424 |
14.439 |
Acre |
0 |
4 |
-4 |
0 |
50 |
-50 |
Amapá |
4 |
0 |
4 |
0 |
50 |
-50 |
Amazonas |
74 |
59 |
15 |
38 |
103 |
-65 |
Pará |
15 |
85 |
-70 |
561 |
256 |
305 |
Rondônia |
0 |
57 |
-57 |
0 |
50 |
-50 |
Roraima |
0 |
0 |
0 |
0 |
50 |
-50 |
Norte |
93 |
205 |
-112 |
599 |
559 |
40 |
Distrito Federal |
48 |
1.657 |
-1.609 |
187 |
2.091 |
-1.904 |
Goiás |
7 |
334 |
-327 |
112 |
381 |
-269 |
Mato Grosso |
81 |
1.783 |
-1.702 |
34 |
326 |
-292 |
Mato Grosso do Sul |
0 |
0 |
0 |
379 |
556 |
-177 |
Centro-Oeste |
136 |
3.774 |
-3.638 |
712 |
3.354 |
-2.642 |
Espírito Santo |
142 |
581 |
-439 |
38 |
236 |
-198 |
Minas Gerais |
100 |
918 |
-818 |
699 |
0 |
699 |
Rio de Janeiro |
1.246 |
16.603 |
-15.357 |
4.405 |
11.983 |
-7.578 |
São Paulo |
1.955 |
33.893 |
-31.938 |
7.277 |
29.920 |
-22.643 |
Sudeste |
3.443 |
51.995 |
-48.552 |
12.419 |
42.139 |
-29.720 |
Paraná |
256 |
4.972 |
-4.716 |
1.037 |
191 |
846 |
Rio Grande do Sul |
120 |
30 |
90 |
189 |
0 |
189 |
Santa Catarina |
98 |
17 |
81 |
338 |
0 |
338 |
Sul |
474 |
5.019 |
-4.545 |
1.564 |
191 |
1.373 |
Ajuste Estatístico |
83 |
83 |
0 |
0 |
-86 |
0 |
Total |
27.011 |
89.731 |
-62.720 |
58.157 |
74.581 |
-16.424 |
Fonte: Ablas, Muller e Smith (1985) |
||||||
Nota: Segundo os autores, os dados necessitam de ajuste estatístico dada a imprecisão de informações de alguns estados |
No entanto, deve-se atentar para o fato de que a relação entre Sergipe e Alagoas resultava num saldo migratório positivo, ou seja, entraram mais alagoanos em Sergipe, no período de referência, do que o inverso. Segundo Oliveira, K. (2003) a maior imigração de alagoanos em Sergipe estaria relacionada, também, ao fato de que em Alagoas teria predominado a agroindústria açucareira de forma mais intensa, contribuindo para a expulsão de um maior contingente de pessoas daquele estado, dada a maior rigidez da estrutura agrária. No caso da Bahia verificou-se situação distinta, isto é, Sergipe foi um expulsador líquido de pessoas para o território baiano, decorrente, sobretudo, da atração que o Pólo Petroquímico de Camaçari exerceu sobre boa parte da população nordestina. Ademais, a migração intra-estadual foi da ordem de 2.100 pessoas 4.
No decênio seguinte, a Região Nordeste aumentaria o volume de emigração líquida em 548.650 pessoas, o que representava um aumento de 45,3% ao longo de toda a década, ao passo que Sergipe, não obstante continuasse como expulsador líquido da população, apresentaria redução no número de pessoas que emigraram do estado. A Tabela 4.10 mostra que houve uma diminuição no saldo emigratório líquido de Sergipe, no volume de 51.296 pessoas, o que representou uma diminuição da expulsão líquida de sergipanos para outros estados da ordem de 81,8%.
Contudo, o que se observou mesmo foi que Sergipe passou a receber um contingente populacional maior, mais que o dobro em relação ao período anterior (aumento de 115,3%), do que o número de pessoas que saíram do estado (redução de 16,9%). Esse aumento da corrente de migrantes para Sergipe estava relacionado, dentre outros fatores, ao processo de industrialização do estado, bem como à maior urbanização daí derivada.
No período compreendido entre 1970 e 1980, mais uma vez, os estados nordestinos apresentariam preeminência no total de imigrantes que se destinaram a Sergipe, com um aumento de pessoas, em termos absolutos (19.998 pessoas), porém, com uma redução de participação percentual (73,7% contra 84,6% do período anterior).
Os estados de Alagoas e Bahia permaneceram como principais expulsadores para o estado de Sergipe, seguidos de Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro (Tabela 4.10). Apesar da manutenção das mesmas posições dos estados antes referidos, verificou-se alteração no volume de pessoas que saíram dos seus estados de origem (ou de última residência) para residirem em Sergipe. A Bahia e Pernambuco mais que duplicaram o número de imigrantes para Sergipe. Rio de Janeiro e São Paulo aumentaram, pelo menos, em duas vezes e meia o número de pessoas que se deslocaram para o território sergipano.
Outra mudança significativa na matriz de migrações interestaduais sergipana foi a alteração da condição de expulsador líquido para todas as regiões brasileira, no período anterior, para se tornar receptor líquido das regiões Nordeste, Norte e Sul. As regiões Sudeste e Centro-Oeste continuariam exercendo forte poder de atração para a população sergipana pelos motivos já explicitados, quais sejam, grande concentração industrial e expansão da fronteira agrícola. A emigração de sergipanos também continuou sendo direcionada, nesta ordem de importância, para os estados de São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Alagoas.
Um dos fatores que poderiam explicar a maior entrada de migrantes em Sergipe seria a consolidação da sua indústria, bem como os investimentos associados ao II PND (ou o processo de desconcentração industrial brasileiro) que requereu um elevado contingente de mão-de-obra, como pode ser verificado na Tabela 4.4, na qual a população ocupada no setor industrial saltou de 11.031 empregados, em 1970, para 21.137 pessoas em 1980. Vale lembrar que a desconcentração industrial proporcionou um redirecionamento do fluxo de migrantes para os estados beneficiados com as novas indústrias, bem como reteve uma população que potencialmente migraria destas áreas (BAENINGER, 2000).
A partir dos anos 1980, as mudanças econômicas tiveram rebatimentos importantes no fluxo migratório interestadual. Além da desconcentração industrial iniciada nos anos 1970 e do esgotamento da fronteira agrícola, observou-se um menor dinamismo das economias mais industrializadas do país, notadamente São Paulo, e maior urbanização de todos os estados nacionais, gerando um fluxo de retorno de migrantes para os seus estados de origem, contribuindo para a elevação dos estados “ganhadores” de população. No caso sergipano, as migrações de retorno entre 1970 e 1980 foram de 1.574 pessoas, saltando, entre 1981 e 1991 para 3.861 pessoas (BAENINGER, 2000).
Com o desenvolvimento industrial sergipano e o aumento da urbanização do estado, a partir dos anos 1980, Sergipe deixou de ser expulsador líquido de população para se tornar receptor líquido, mantendo-se nesta condição até o Censo de 2000. Destaca-se que no período 1982-1991 Sergipe foi o único estado do Nordeste na condição de receptor líquido, seguido, no período seguinte, pelo Rio Grande do Norte.
Contudo, no período 1990-2000 verificou-se um recrudescimento da emigração sergipana em termos absolutos de 22.994 pessoas, diminuindo, assim o saldo líquido positivo de entrada de migrantes no estado (Tabela 4.11). A elevação da emigração sergipana serviria de indicativo para o fato de que, diante das mudanças pelas quais passava a economia brasileira, ao longo da década de 1990, poderia haver uma retomada à posição de expulsador líquido de população, uma vez que as atividades produtivas do estado mostravam-se incapazes de absorver o contingente populacional que entrava no mercado de trabalho a cada ano. Ao contrário, o que se observou na economia sergipana, durante a década de 1990, foi um significativo crescimento do setor de serviços e, concomitantemente, aumento do desemprego, do subemprego urbano e redução dos níveis de salários, fatores que caracterizam a expulsão populacional de determinada região.
Corroborando tal hipótese, a PNAD de 2005 aponta Sergipe como expulsador líquido populacional, retomando à posição que exercia antes da década de 1980 (Tabela 4.12). Mais uma vez, os estados que exerceram maior atração para a população sergipana foram: São Paulo (176.353 pessoas), Bahia (102.429 pessoas), Rio de Janeiro (60.779 pessoas) e Alagoas (18.211 pessoas).
Tabela 4.12 |
|||
SERGIPE |
|||
Movimentos Migratórios Interestaduais |
|||
2005 |
|||
Estados |
Entradas |
Saídas |
Saldo |
Alagoas |
75.980 |
18.211 |
57.769 |
Bahia |
67.060 |
102.429 |
-35.369 |
Ceará |
7.598 |
2.238 |
5.360 |
Maranhão |
331 |
1.607 |
-1.276 |
Paraíba |
3.965 |
2.659 |
1.306 |
Pernambuco |
16.515 |
4.955 |
11.560 |
Piauí |
1.321 |
0 |
1.321 |
Rio Grande do Norte |
1.652 |
885 |
767 |
Sergipe |
(1.748.706) |
(1.748.706) |
0 |
Nordeste |
174.422 |
132.984 |
41.438 |
Amapá |
330 |
221 |
109 |
Amazonas |
1.321 |
642 |
679 |
Pará |
0 |
1.054 |
-1.054 |
Rondônia |
661 |
2.850 |
-2.189 |
Roraima |
0 |
582 |
-582 |
Tocantins |
0 |
218 |
-218 |
Norte |
2.312 |
5.567 |
-3.255 |
Distrito Federal |
991 |
5.259 |
-4.268 |
Goiás |
0 |
4.389 |
-4.389 |
Mato Grosso |
0 |
4.634 |
-4.634 |
Mato Grosso do Sul |
1.652 |
8.019 |
-6.367 |
Centro-Oeste |
2.643 |
22.301 |
-19.658 |
Espírito Santo |
662 |
2.344 |
-1.682 |
Minas Gerais |
2.310 |
10.268 |
-7.958 |
Rio de Janeiro |
10.902 |
60.779 |
-49.877 |
São Paulo |
23.457 |
176.353 |
-152.896 |
Sudeste |
37.331 |
249.744 |
-212.413 |
Paraná |
3.304 |
13.063 |
-9.759 |
Rio Grande do Sul |
0 |
1.159 |
-1.159 |
Santa Catarina |
0 |
1.755 |
-1.755 |
Sul |
3.304 |
15.977 |
-12.673 |
Exterior |
1.653 |
0 |
0 |
Total |
221.665 |
426.573 |
-204.908 |
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005. |
As principais hipóteses para a atração desses estados seriam: no caso de São Paulo, a idéia de que no centro econômico-financeiro nacional, as oportunidades de emprego e renda seriam mais elevadas que no estado de origem; no caso da Bahia, além da contigüidade do território, elevados investimentos no âmbito da guerra fiscal, que atraíram algumas empresas de grande porte para aquela região, além da importância que exerce o Pólo Petroquímico de Camaçari. O Rio de Janeiro pela condição histórica que exerce no ideário nacional de grande centro metropolitano e Alagoas também estaria relacionado à proximidade territorial. No que diz respeito às pessoas que fixaram residência em Sergipe, seus principais estados de origem foram: Alagoas (34,3%), Bahia (30,3), São Paulo (10,6%) e Pernambuco (7,5%).
Desse modo, o que se verificou foi que, independente do período de análise, São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Alagoas foram os estados que historicamente exerceram poder de atração para a população sergipana. Por outro lado, esses mesmos estados, com exceção do Rio de Janeiro e adição de Pernambuco, foram aqueles que mais contribuíram com o contingente populacional que imigrou para Sergipe. O que se coloca, neste momento, é se essas migrações não teriam um forte componente de migrações de retorno, cabendo aos estudiosos da área maiores pesquisas acerca do tema.
1 Cano (1998b) ressalta que as secas têm importância crucial para os fluxos migratórios do Nordeste. No entanto, dado que não são um fenômeno contínuo, não podem explicar a totalidades dos fluxos migratórios da região.
2 Para verificar o fluxo migratório de todos os estados brasileiros ver Tabelas 4.9.1 e 4.9.2, no anexo estatístico.
3 A esse respeito ver maiores informações em Cano (1998b).
4 Para uma análise mais detalhada sobre a migração intra-estadual, ver trabalho de Oliveira, Kleber (2003).
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