No início dos anos 1990, a economia brasileira ainda enfrentava as graves conseqüências da crise fiscal e financeira que assolou o país na década anterior quando avançaram as concepções liberalizantes (neoliberais), com concomitante tendência à redução do poder de ação do Estado e à busca de estímulo do setor privado e, portanto, das iniciativas do “mercado” (ARAÚJO, 2000b).
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Como a crise do modelo de desenvolvimento era uma crise fiscal e financeira, onde o padrão de financiamento do Estado mostrava sinais de esgotamento, as medidas para combatê-la iriam se concentrar na elevação da taxa de juros e nos cortes no gasto público, retraindo o investimento produtivo e reduzindo a intervenção estatal, notadamente na formulação de políticas de desenvolvimento regional (CANO & MOTA, 2006).
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O fracasso dos sucessivos planos implementados ao longo da década de 1980, que visavam reduzir a inflação e estabilizar a economia fez com que o início da década de 1990, além de mais um plano de estabilização, contemplasse um Plano Nacional de Desestatização, cujos objetivos eram a venda das estatais, a redução da dívida pública e o saneamento das finanças (GUIMARÃES, 2004).
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A retração das idéias desenvolvimentistas, segundo Bielschowsky e Mussi (2002) ocorreu em função de fatores como a necessidade de voltar-se para problemas de curto prazo devido às altas taxas de inflação, a perda gradativa de credibilidade do Estado em solucionar os problemas de instabilidade macroeconômica, e a crescente hegemonia do pensamento neoliberal no plano internacional.
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Segundo Guimarães Neto (1999), os anos 1990 representaram, de certa forma, a continuidade dos anos 1980, no que diz respeito à ausência de dinamismo, instabilidade e a acelerada acumulação da dívida externa, que resultou na intensificação da crise fiscal e financeira do Estado brasileiro. Por outro lado, essa década representou, também, a ruptura das políticas e estratégias de desenvolvimento implementadas em décadas anteriores, com forte presença do setor estatal.
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A trajetória da economia nacional ao longo da década de 1990 pode ser divida, segundo Caiado (2002) em dois períodos análogos: o primeiro, que vai de 1989 a 1994, quando teve início a implantação das “novas regras”, com exposição da economia nacional, início das privatizações, persistência da crise econômica e baixo nível de investimento; e o segundo momento, a partir de 1994, que foi marcado, sobretudo, pelo processo de estabilização da economia brasileira, não obstante se verificasse a mesma orientação política do período anterior, em que as privatizações deveriam servir para transferir os custos da modernização e ampliação da infra-estrutura do setor público para o setor privado. Além disso, visavam não só o equilíbrio fiscal como também o enxugamento do setor público, que deveria concentrar-se apenas nas áreas essenciais: educação, saúde, segurança, justiça etc.
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Deste modo, a partir de 1994 intensificaram-se as medidas liberalizantes, seguindo o receituário do “Consenso de Washington”, centrado pela dominação das finanças internacionais e no avanço da desregulamentação dos mercados (incluindo o mercado financeiro doméstico; o mercado de trabalho, o mercado de produção e consumo); reformando o Estado, através das privatizações dos serviços de utilidade pública, do setor produtivo estatal e dos sistemas nacionais de infra-estrutura; consolidando a liberação da conta capital e ampliando a exposição da economia nacional as crises internacionais, além do aprofundamento da abertura comercial; e, por fim, desarticulando os mecanismos de apoio ao desenvolvimento regional (CAIADO, 2002; BRANDÃO, 2003).
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Segundo Monteiro Neto (2006), a política governamental brasileira dos anos 1990 resultou no enfraquecimento e imposição de restrições à intervenção estatal sobre o desenvolvimento econômico do país. De um lado, foi destruída a capacidade estatal de coordenação e implementação de trajetórias autônomas de desenvolvimento. De outro, e em função do primeiro, o Estado não conseguiu criar e/ou restabelecer meios, recursos e instrumentos necessários para o desenvolvimento regional.
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Os cortes permanentes dos gastos públicos implicaram na gradativa retirada do Estado da economia nacional e regional, principalmente nas regiões menos desenvolvidas, nas quais atuava como agente econômico indutor de grande parte do seu dinamismo e das transformações e mudanças que ocorreram (GUIMARÃES NETO, 1999).
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Ao mesmo tempo em que o Estado reduzia sua participação na economia, através do corte nos gastos e investimentos públicos, ocorreu um processo de descentralização das receitas públicas, a partir da Constituição de 1988, com os governos estaduais e municipais ganhando participação maior – através do aumento do repasse de recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM), bem como das transferências inter-governamentais, em detrimento da esfera federal
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Outro fator que trouxe impactos significativos para a lógica do Planejamento e Desenvolvimento Nacional foi a crescente internacionalização dos circuitos econômicos, financeiros e tecnológicos do capital mundializado, negando a hierarquia da geração de riquezas e, com isso, eliminando as escala intermediárias entre o local e o global (BRANDÃO, 2003).
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Essas medidas, ao conferirem maior poder às esferas subnacionais (na ausência da atuação efetiva do Estado Nacional), fizeram surgir um “novo” agente na definição e implantação de políticas e programas governamentais, baseados, sobretudo, nas teorias de desenvolvimento local
2 . Dados esses fatores, os agentes subnacionais passaram a praticar uma disputa por investimentos produtivos, como alternativa à ausência de uma política industrial de longo prazo ou de desenvolvimento regional.
Ademais, a instauração das reformas e políticas de corte neoliberal eliminou as políticas que buscavam a diminuição das disparidades regionais. A palavra de ordem passou a ser “eficiência”, em detrimento da “equidade” entre as regiões, desencadeando uma guerra de lugares por investimento produtivos. Os objetivos na condução da política industrial voltaram-se para as instâncias locais, sem uma maior preocupação com o planejamento regional. Assim, pode-se dizer que foi a partir da ausência de uma Política Nacional de Desenvolvimento, que agregasse as diversas regiões em prol da redução das disparidades regionais, e na crença de que as regiões possuíam poder indiscriminado de atração de investimento, que estados e municípios lançaram-se na empreitada da “guerra fiscal”, submetendo-se a verdadeiros leilões de localização industrial (CANO, 2002). Com isso, “a prática do planejamento [foi] abandonada e as políticas regionais esquecidas. Os órgãos de política regional [perderam] importância e [ficaram] completamente à margem. O Estado [passou] a se preocupar apenas em administrar a estabilização e realizar suas reformas”, deixando ao sabor do “mercado” a busca pelo crescimento e desenvolvimento econômico do país (CARVALHO, 2001, p. 103).