AS NUANCES DO ATUAL PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL: RELAÇÃO DE FORÇAS DO ESTADO E ENTRE OS ESTADOS

Roberto Mauro da Silva Fernandes
Adauto de Oliveira Souza

2.2 AS CONSTRIÇÕES NO AMBIENTE MERCOSULINO: entre a autonomia e a dependência 

A inexistência no MERCOSUL de um processo de integração pautado pela coordenação de políticas estatais no início desse século XXI ensejou a interferências dos Estados Unidos no Bloco na tentativa de desarticulá-lo. É preciso ressaltar que a forma como o Bloco fora criado, com o viés somente “comercialista”, conferiu-lhe alguns fatores de alto risco, visto que a integração entre nações somente pelo comércio, sem coordenar políticas no plano doméstico para então criar processos de integração, pode causar fluxos ainda maiores de dependência. No caso dos Estados Sul-Americanos, ficariam cada vez mais dependentes do mercado norte-americano.
Dessa forma, acordos bilaterais por parte de um Estado economicamente mais forte pode ser um grande atrativo para as nações que dependem do mercado consumidor do mesmo, sobretudo, se forem membros de um Bloco econômico que lhes proporciona desvantagens comerciais. Por exemplo, durante a gestão Bush (2001-2008) as assimetrias econômicas dos Estados-membros do MERCOSUL deram margem para algumas constrições no interior do bloco, fato que deu ensejo para maiores aproximações do governo norte-americano com o Paraguai, Uruguai, como também, na conjuntura anterior aos engajamentos Sul-Americanos para protelar a ALCA, na ocasião da chamada “Crise do MERCOSUL”, com a Argentina.
Conjunturas que por pouco encaminhou esses Estados para a esfera de influência norte-americana de forma mais concisa. Durante o governo Bush (2001-2008) os Estados Unidos adotaram uma política de acordos bilaterais de livre-comércio, revertendo uma longa tradição de negociações multilaterais. De acordo com Silva (2010):
Com o fracasso da ALCA, evidenciado na Cúpula de Mar Del Plata em 2005, os Estados unidos intensificaram a estratégia de minar o projeto de integração Latino-Americana, oferecendo tratados de livre-comércio bilaterais. Na América do Sul, esta estratégia seduziu alguns países, como Chile, Colômbia e Peru (SILVA, 2010 (b), p.379). 
  
Entretanto, é preciso frisar que os três Estados citados já há algum tempo possuíam certo grau de relacionamento com os Estados Unidos, principalmente, ao que se referia às políticas neoliberais e militares, não sendo uma surpresa tal estreitamento.
A grande tensão estava circunscrita à esfera mercosulina. Paraguai e Uruguai nesses primeiros anos de século XXI expressaram seu descontentamento com as políticas do MERCOSUL aproximando-se dos Estados Unidos em detrimento aos mecanismos ensejados por Brasil e Argentina na tentativa de intensificar os estreitamentos estatais no continente sul-americano, Batista Jr. (2008) afirma:
Washington tem acenando com a possibilidade de assinar tratados bilaterais de livre comércio com Assunção e Montevidéu. Esses acenos encontram receptividade, particularmente no Uruguai. Evidentemente, se assinarem acordos bilaterais de livre comércio com os Estados Unidos, Paraguai e Uruguai terão que se retirar da união aduaneira do Mercosul (Batista Jr., 2008, p.234).

O que realmente preocupava em relação a essas medidas por parte dos Estados Unidos em promover acordos bilaterais com o Uruguai e Paraguai era a possibilidade do MERCOSUL perder esses Estados-membros. Para o ambiente político da integração tal acontecimento poderia acarretar alguns prejuízos, sobretudo, para o Brasil que pautava seus discursos oposicionistas à ALCA utilizando a propaganda do Bloco Platino como o melhor produto para o continente. É preciso esclarecer que nesta conjuntura não existia o lado “certo” e/ou “errado”, tratava-se de uma situação em que os Estados envolvidos tentavam garantir sua soberania e autonomia num determinado contexto, levados a agir conforme a agenda de seus interesses, a partir de suas necessidades e capacidades.
Dessa forma, vamos abrir um parêntese, apesar dos Estados paraguaio e uruguaio pertencerem a uma organização intergovernamental, no caso o MERCOSUL, os mesmos possuíam todo o direito de fazerem uso de justificativas de interesse nacional para não seguirem as regras da Organização a que pertencem, mesmo que isso significasse a diminuição de sua autonomia no interior do bloco e de parte de sua soberania. As Organizações Intergovernamentais abrigam uma realidade ambígua de autonomia versus dependência, principalmente porque os Estados que as compõem atuam em busca do interesses da organização e dos próprios interesses, ou seja, os mesmos transitam entre sua ação no contexto macro em que está inserido e a necessidade de atender as forças sociais internas que representa.
A busca por melhoras do plano econômico dos Estados Paraguaio e Uruguaio orientava-os para uma provável inclinação à esfera de influência norte-americana, o que ensejaria o desligamento dos mesmos do MERCOSUL (ou provavelmente não). As ações do governo norte-americano ensejando tratados bilaterais possuíam a deliberada intenção bloquear o processo de integração dos países sul-americanos? É evidente que sim. Entretanto, o que também estava em jogo era saber o que o governo brasileiro tinha (e tem) a oferecer ao Paraguai e ao Uruguai, afinal as retóricas políticas sobre a integração, na qual o MERCOSUL possui papel fundamental, tinham como objetivo (e ainda tem), acima de tudo, favorecer o Estado brasileiro, por isso o engajamento político do mesmo, como liderança do continente.
Mas, é fato que assim como os Estados platinos buscavam seus interesses, temos que compreender que o mesmo acontecia por parte dos Estados Unidos, os temores de adesão dos sócios menores as políticas norte-americanas são explicáveis, afinal o peso político dos Estados Unidos é maior, e a sua economia, ainda que abalada, era um grande atrativo para os Estados paraguaio e uruguaio (descontentes com o MERCOSUL) e, sobretudo, a não existência da coordenação de políticas estatais no Bloco Sul-Americano facilitava tal avanço do governo norte-americano.
 De acordo com o Silva (2010), nesse início de século XXI, a política internacional do Uruguai oscila entre a integração regional via MERCOSUL e a busca de uma posição privilegiada frente aos Estados Unidos, e segundo alguns setores do seu governo, o MERCOSUL tem sido governado bilateralmente pelos seus sócios majoritários (Brasil e Argentina) em detrimento dos sócios menores. Esse contexto ensejou nos últimos anos diversos contenciosos com Brasil e Argentina, assim “[...] o Uruguai vem buscando parcerias com os Estados Unidos, como forma de aumentar sua capacidade de barganha dentro do Mercosul” (SILVA, 2010 (b), p.345).
O estreitamento de relações do Paraguai com os Estados Unidos ocorria concomitantemente ao evento que circundou o plano político e econômico de Brasil e Paraguai nas discussões sobre Itaipu.  Segundo Blanco (2009), as queixas paraguaias surgem com o discurso de não usufruírem de maneira justa a exploração dos recursos hidroelétricos produzidos em Itaipu. Laino (1979) apresenta-nos algumas cláusulas do primeiro acordo entre Brasil e Paraguai, nota-se algumas desvantagens para o governo paraguaio:
Na cláusula 3º do contrato é estabelecido que Itaipu pagará a Eletrobrás pela abertura do crédito, 2% sobre a quantia total do empréstimo, equivalente a 3.5000.000.000 de dólares. Isto significa que serão pagos 2% sobre 2.139.550.000 de dólares e também 2% sobre os juros que somam 1.360.450.000 de dólares. De fato, Itaipu estará abonando juros sobre juros e este total sobe a 70 milhões de dólares (LAINO, 1979, p.33-34).

Essas quantias eram consideradas exorbitantes para o governo paraguaio, Domingo Laino ainda menciona que a Eletrobrás, cobraria a Itaipu Binacional toda e qualquer despesa que fizesse para o amparo em juízo de seus direitos creditícios, estabeleceu-se também que o contrato havia sido regido de acordo com a legislação brasileira, sendo jurisdição e língua oficial do Brasil. E mais: “por cada dólar de empréstimo real a Itaipu deverá devolver a Eletrobrás cerca de 8 dólares” (Laino, 1979,p.34). Verificam-se realmente algumas imposições unilaterais por parte do governo brasileiro na época, e que tinham que ser revistas.
Não queremos nos aprofundar na questão da utilização da energia de Itaipu, mas o novo acordo entre os governos brasileiro e paraguaio serviu para revigorar as relações entre os pares. Uma não renegociação do acordo por parte governo brasileiro poderia causar alguns transtornos para as relações no MERCOSUL, nas palavras de Blanco (2009):
[...] o novo acordo, assinado em 25 de julho de 2009 (após a realização da Cúpula de Presidentes dos Estados Partes do Mercosul e Estados Associados, um dia antes, também em Assunção) demonstra a importância da usina de Itaipu como um elemento fundamental das relações bilaterais Brasil-Paraguai que novamente é instrumentalizado como solução para a discordância entre as partes (BLANCO, 2009, p.3).

Para o ex-ministro Celso Amorim o impacto do aumento da remuneração paga pela compra de energia paraguaia de Itaipu será mínimo, “é preciso compreender que Itaipu é uma das principais fontes de receita daquele país” (PORTARI & GARCIA, 2010, p.19).
Blanco (2009) ressalta que “a insatisfação paraguaia com o Brasil, e também com o processo de integração mercosulino, não é recente” (alusão aos acordos com os Estados Unidos), além do descontentamento com o antigo Tratado de Itaipu havia a insatisfação com as ações ineficazes dos sócios maiores (Brasil e Argentina) para diminuir as assimetrias econômicas do Paraguai em relação aos outros países da Bacia Platina: “Essas iniciativas não foram suficientes, contudo, para que os sócios ‘menores’ pudessem estar satisfeitos com os resultados obtidos com o projeto de integração mercosulino”.
Em relação a essa atuação mais contundente dos Estados Unidos no seio do MERCOSUL, é preciso ressaltar que a mesma não se resumiu a tratados bilaterais de comércio. Mamigonian (2006) afirma que os Estados Unidos, entre outras coisas, nos últimos anos aumentaram o número de seus agentes secretos (FBI e CIA) na América do Sul de maneira descomunal e implantaram bases militares, mesmo sem autorização, como as que existem no Paraguai.
Segundo Blanco (2009) é nesse contexto que o Uruguai anunciou em 2005 negociações de um tratado que viabilizava a proteção de seus investimentos com os Estados Unidos e que o governo paraguaio assinou um acordo de cooperação militar e ameaçou iniciar negociações de um tratado de livre-comércio com os mesmos, iniciativas que divergiam do ideal de integração no âmbito do MERCOSUL (BLANCO, 2009, p.4).
Em 2001, sob os efeitos da chamada “Crise do MERCOSUL” e ante aos impasses nas negociações da ALCA, o Ministro argentino Domingo Cavallo cogitou a possibilidade de seu país se afastar do MERCOSUL para estabelecer negociação comercial bilateral com os Estados Unidos e também com a União Européia. De acordo com Silva (2010 (b)): “Para o ministro, todas as alternativas de negociação deviam ser utilizadas, inclusive a multilateral, envolvendo o Mercosul, mas não poderia ser descartada uma relação direta com os Estados Unidos” (SILVA, 2010 (b), p. 353).
Todas essas conjunturas que dizem respeito às relações MERCOSUL/Estados Unidos são desdobramentos do contexto de instabilidade financeira global durante a década de 90, sendo o Brasil um dos protagonistas desse quadro sistêmico em 1999, que no início do século XXI leva o governo brasileiro a estabelecer novas diretrizes para sua política externa e para a América do Sul. Dessa forma, o cenário intra-regional, especialmente no que diz respeito às relações bilaterais Brasil-Argentina, ganha novos rumos. Assim, a desvalorização do Real condiciona um grau de interdependência crescente entre as economias do MERCOSUL que passou a aumentar a vulnerabilidade de toda região aos choques externos, ou seja, o contexto global que afetou o ambiente interno dos Estados mercosulinos também afeta o ambiente estatal norte-americano, levando o seu governo a tomar iniciativas para materializar a ALCA (idealizada no governo Bush (sênior)).
Não há como dissociar os acontecimentos intra-regionais, como a “Crise do MERCOSUL”, a ascensão de governos de esquerda na América do Sul, os projetos de integração via MERCOSUL e ALBA, das políticas governamentais norte-americanas. Por exemplo, a preocupação do governo Bush (filho) com o Oriente Médio após o 11 de setembro, gerou margem para maiores manobras aos países da América do Sul que nesse período vivenciou a ascensão de governos de esquerda. Como também é fato que a gestão Bush (2001-2008) possuía em sua agenda a integração continental (América Latina) como prioridade, que concomitantemente a “Crise do MERCOSUL”, levou os principais parceiros do Bloco platino, Brasil e Argentina a reverem suas prioridades em relação à integração sul-americana (ALBUQUERQUE, 2007 (a), p.133).
Assim, mediante a esse contexto, durante a gestão Lula (2003-2010), concomitante ao governo Bush (filho), os Estados Unidos vão alterando a sua estratégia para a América do Sul, que tinha “como pontos fundamentais o Plano Colômbia e, com a crise das negociações da Alca, o estabelecimento de tratados de livre-comércio bilaterais com os países da região” (SILVA, 2010 (a), p. 362).
A rápida análise que ensejamos sobre as relações MERCOSUL/ALCA nessa primeira década do século XXI, envolvendo Brasil, Venezuela, ALBA, Estados Unidos, e os Estados-membros do MERCOSUL, não é somente para evidenciar que o processo de integração do continente sul-americano está sendo construído em contradições. Acima de tudo, estamos querendo enfatizar que, da mesma forma, que o contexto global está passando por um processo de transição, a estrutura sul-americana também se encontra na mesma situação.
Assim, no projeto integracionista daqui em diante estarão inseridos elementos inerentes ao processo de transnacionalização, até porque o atual contexto integracionista do continente ganha força a partir dos eventos desse fenômeno. E mediante a aglutinação de fatores externos as necessidades internas dos Estados sul-americanos é que devemos, também, passar a analisar o quadro conjuntural no qual as reciprocidades estatais sul-americanas estão em pauta.  
As contradições políticas, ideológicas, econômicas num contexto integracionista sempre estarão presentes, assim como as celeumas com os Estados Unidos, por parte das nações Sul-Americanas serão comuns, como já afirmamos, é impossível a dissociação das políticas intra-regionais em relação a esse sujeito. Assim, é necessário o fortalecimento dos vetores que contribuam para a convergência dos Estados da região, somente dessa forma ensejarão mecanismos que favoreçam os últimos nas relações como o seu parceiro de maior recurso de poder (Estados Unidos). Os contenciosos internos e externos somente apresentam periculosidade se não forem discutidos, se forem relegados, e pautadas pelas relevâncias históricas, que na maioria das vezes são alicerçadas por retóricas anacrônicas.

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