Google
En toda la web
En eumed·net






Keynesianas
Mario Gómez Olivares

 

 

As contribuições postkeynesianas  sobre as expectativas numa economia monetária

 

Introdução

 

Neste artigo propomo-nos estudar as contribuições que um conjunto de autores da corrente postkeynesiana tem feito para esclarecer o sentido e o significado da noção de expectativa seja no quadro teórico como também no quadro político. Esta corrente interpretativa do pensamento de J.M. Keynes tem como representantes proeminentes Shackle e Kregel, os quais, a partir de uma integração do trabalho de Keynes sobre a teoria das probabilidades na construção do edifício teórico keynesiano, enfatizam o papel das expectativas como a prin­cipal contribuição de Keynes ao pensamento económico. Davidson e Minsky têm, do mesmo modo, contribuído para dar sentido a uma interpretação do significado das expectativas na determinação da taxa de juro da moeda  num quadro de incerteza. O artigo divide-se em duas partes. Na primeira  examinamos a contribuição de Shackle para a interpretação do significado das expectativas num quadro de incerteza, complementada com as observações de Kregel sobre o papel da incerteza na política económica. Numa segunda parte consideramos as contribuições de Davidson para o significado dos motivos de procura de moeda num  quadro de incerteza, complementado com as apreciações de Minsky sobre a volatibilidade das expectativas num quadro de instabilidade financeira.

 

1.                  A  importância decisiva das  expectativas

 

                Para Shackle [1977] a teoria que surge com Keynes coloca-se numa perspectiva de renovação, procurando responder a um mundo em dissolução:

 

“ In the later 1920s and the 1930s, a great spasm of creative effort in economic theory respond­ed to the visible dissolution of the comparatively orderly Victorian world..and the theory of economic life which reflected it need to be transcended and even wholly subvert­ed. Not merely the detailed design of the economist`s ac­count of thing needed to be changed, but its fundamental assumptions, its purposes and ambitions, what it claimed to do had to be essentially reconsidered. Such a reorientation was hard to accept and is still mainly unaccepted” [1977, 37].

 

                Nesse sentido, de acordo a Shackle [1956], Keynes encontrou como ideia central da ciência da sua época a escassez, agregando como segunda ideia de igual importância da insegurança como elemento que mina o espirito das empresas nas economias ocidentais. Esta interpretação traduz a visão de Keynes numa forte versão da incerteza que caracteriza a tomada de decisão dos agentes. Mesmo que as condutas possam ser racionais, estas são tomadas num mundo de ignorância. O verdadeiro enigma reside nas características de uma economia monetária. É a través do uso da moeda que a nossa ignorância e desconfiança sobre o futuro dos nossos actos e escolhas pode ter lugar, simplesmente transferindo ou adian­do uma decisão. A troca tem por finalidade a satisfação de necessidades, mas um acto de troca requer a conversão em moeda para obter um outro bem. Numa economia monetária, o fim da produção é o lucro, como Shackle escreve:

 

 “ Keynes`s vision of the nature of money, as something which enables the individual person or firm to save without committing to specialised, concrete, vulnerable forms of wealth, and his understanding that the source of the desire to do so is a part of inescapable human condition, the conscious inability to know for sure the consequences of our far-reaching ac­tions, are beyond the reach of fashionable attempts to find faults with details of what is supposed to be his «system»” [ 1956, 330].

 

                Nesse sentido, a Teoria Geral apresenta uma teoria que enfatiza a insegurança da mente humana quanto os assuntos económicos e empresariais. Segundo Shackle, o método do equilíbrio permite demonstrar como o livre jogo dos interessados, quando reprimidos pela ignorância sobre o futuro, os leva a refugiar-se numa política defensiva que evite os riscos da empresa espe­cializar-se numa forma de riqueza da qual depende o futuro, seja porque se teme sobre o seu valor ou porque se obriga a adivinhar o futuro, pelo que é racional desejar possuir moeda antes que deter uma máquina.

Mas o que cria emprego é a construção de máquinas e não a possessão de dinheiro de modo que a preferência pela liquidez pode conduzir a um situação onde os interesses particulares se sobrepõem aos interesses da prosperidade geral e conduzem ao desequilíbrio com desemprego. Na transferência da despesa para o futuro destrui-se o emprego e aumenta-se o desemprego, pois não existe vínculo entre um acto de poupar e um acto de investir. A taxa de juro não equili­bra a parte não consumida do rendimento com o investimento, as pessoas preferem manter moeda:

O argumento, como é conhecido, é que apenas se a quantidade de rendimento fosse constante poderia ser aceite que a quanti­dade de poupança é determinada pela taxa de juro; mas não é correcto se o rendimento for variável, dependendo do consumo e do investi­mento. O juro é o preço do dinheiro.

                Shackle, consciente da crítica da indeterminação da taxa de juro clássica por parte de Keynes, baseava-se no análise do equilíbrio parcial, procura demonstrar a validade da teoria da preferência pela liquidez de uma forma mais con­vincente. Segundo este autor, Keynes teria distinguido na sua análise entre quantidades fluxo e quantidades stock. A poupança e o investimento são quantidades fluxo, i.e., são unidades de uma determinada espécie por unidade de tempo ( toneladas, dólares por unidade de tempo). Na determinação da taxa de juro, Keynes considera, o stock de moeda e o stock de títulos ( bonds), i.e., o recon­hecimento de dívidas. A quantidade de moeda, na posse do público, das empresas e dos bancos, perfaz o total de valores de pagamento que pode ser realizado simultanea­mente. Os indivíduos e as empresas manterão um determinado stock de moeda que utilizarão por vários motivos. Poderão manter dinheiro, também, para precaver-se de perdas monetárias de outras formas de riqueza. Uma forma de riqueza são os títulos, os que constituem uma promessa de pagamento de dividendos num plano estipulado[1]. Mas a taxa de juro genuína a receber pelos emprestadores, depende do valor que estes títulos adquirem nas transacções bolsistas. Se o preço dos títulos baixa, a taxa de juro sobe. Neste caso, ou no caso contrário, os emprestadores adquirem na compra de um título o direito a pagamentos diferidos no tempo, e se, quando fazem este empréstimo não estão seguros que não querem esse dinheiro antes da data, expõem-se à possibilidade de ter que vender esse título na bolsa a um preço que não podem conhecer de antemão. Um emprestador necessita ter garantias contra eventuais perdas, uma recompensa.

            Como a incerteza é uma desutilidade, os emprestadores req­uerem uma compensação. As oscilações nos preços dos títulos provocarão especulação. Existirão os que pensando que os preços dos títulos irão baixar,  procurarão desfazer-se destes; os que pensam que os preços continuarão a subir, procurarão adquiri-los, i.e., existem diferentes expectati­vas sobre o futuro dos preços de uma forma de riqueza, que provocará mudanças no stock de moeda. A taxa de juro depende assim das expectativas e assim:

 

“The whole demon-world of uncertainly enters in to baffle the calcula­tor of nice margins of profit and prevent price flexibility from restoring full-employment equilibrium” [idem, 339].

 

            É a incerteza que tem um maior e vasto canal que a taxa de juro através dos quais actuam as decisões de investimento. O investimento é uma ficção imaginada na procura do lucro,  não é portanto a contabilidade daquilo realizado no passado. O investimento é uma acção que foi preparada para o futuro. Ninguém pode antever como será o mercado para um produto de aqui a cinco anos, ninguém pode conjecturar de que modo as descobertas e as invenções farão desse produto um produto obsoleto, ninguém pode prever como vão evoluir os custos dos recursos utilizados para produzi-lo. Mas por simplicidade e consistência, alguma ideia deverá ser anunciada, caso contrário a maximização seria um exercício pleno de contradições. No quadro do método do equilíbrio, os empresários maximizarão um lucro, que resulta de comparar o valor esperado do produto vendido com os custos operati­vos, o que implica utilizar uma gama de recursos, considerados anualmente durante a vida útil do investimento, descontados no presente à taxa de juro de mercado, i.e. introduz-se a noção de eficiência marginal do capital, pelo que o investi­mento resulta precário, autónomo e sem prognóstico conhecido. Supõe-se que um valor esperado pode ser calculado. Mas esse valor não pode ser considerado como dado. As vendas corrigem os planos de produção, o que implica produzir para existências, se houver um excesso de produção. No recomeço do plano seguinte, os empresários reverão a produção e o nível de emprego requerido para o novo plano. Pressupõe-se que as vendas continuarão baixas, pelo que o nível de produção e o emprego oscilarão a um nível mais baixo de produção e de emprego:

 

“ As to the conditions whose fulfilment will ensure such an equilibrium we have seen two things: first, that the saving must be filled by investment or some other component of the multiplicand consisting of goods bought otherwise than for consumption in the home country; and secondly, that for a bigger gap will be bigger when aggregate income is bigger. It follows that for a bigger equilibrium income we must have a bigger planned and intended multiplicand, e.g. a bigger monthly or annual purchase of machinery for augmenting the productive power of firm, or for some other non-consumption purpose”[ idem].

 

            Por isso, relembrando o espírito mordaz de Keynes,  Shackle salienta que, quando as coisas não são escassas é absurdo reduzir o consumo e diminuir o investimento, lançando as pessoas para a rua e o desemprego.

            Desafiando a ideia de que a informação existente é completa, que os conhecimentos são suficientes, o problema é que as questões a serem estuda­das requerem um grau de crença para o qual existe falta de conhecimentos, sendo esta falta de conhecimentos dominante nos assuntos humanos:

“ No one can make plans guaranteed to be realised and successful, who cannot consult Fate itself concerning its intended mockery of human ambitions. Futures markets? They can reconcile, just conceivable, our present ideas, based on our present knowledge. What of tomorrow`s new knowledge, destroying the old or rendering it obsolete, What of tomorrow`s choices and decisions, tomorrow`s inven­tions, work of imagination, tomorrow`s output from the Cosmic Computer which may, after all be a computer but an Ernie”[1983, 5][2].

 

            Torna-se claro que esta interpretação recupera o papel das expectativas como o elemento revolucionário do pensamento keynesiano, considerando metodologicamente o papel que tem a informação na formulação e na base do conhecimento e da confiança que influen­ciam a tomada de decisões numa economia monetária, em que a motivação essencial dos empresários é o lucro, do qual dependem as decisões de investimento e em última instância o emprego. Para Shackle, a teoria de Keynes não é apenas criticada pela sua exposição formal,  ela é combatida por ter posto em causa os princípios morais em que assenta a teoria ortodoxa: a parcimónia dos agentes, a acumulação da riqueza e a desi­gualdade da distribuição. Embora a interpretação de Shackle [1977] se caracteri­ze por um certo niilismo sobre a real possibilidade dos agentes poderem dispor da informação requerida, esta retoma o pensamento de Keynes numa senda mais genuína, assumindo que estes tomam decisões num quadro de expectativas irracionais[3].

 

2. As expectativas e a economia monetária.

 

            J.A. Kregel [1983], seguindo Shackle, tem vindo a desenvolver numa perspectiva postkeynesiana a ideia de que o elemento mais revolucionário da “ “Teoria Geral” são as expectativas, as quais permitem enfatizar a diferência entre decisões ex ante e ex post num mundo incerto onde as expectativas podem ser fustrantes. Kregel considera vital para compreender Keynes lembrar a distinção que este realiza entre uma economia de trocas e uma economia monetária. Nesta última, a moeda não apenas tem o papel de vínculo neutral entre as transacções em coisas reais e activos reais:

“(...)money plays a part of its own and affects motives and decisions and is, in short, one of the operative factors in the situation, so that the course of events cannot be predicted, either in the long period or in the short, without a knowledge of the behaviour of money between the first state and the last” [ 1975, 408-409].

 

            É numa economia monetária que a procura efectiva adquire importância pela existência de incerteza e desconfiança. Segundo Kregel, a magni­tude correcta é o valor esperado ou antecipado das variáveis, i.e. as receitas esperadas da utilização de um volume de emprego. As variáveis nas suas relações devem ser interpretadas no contexto e em termos de expectativas[4].

            Keynes distingue na “ “Teoria Geral”,  entre expectativas de curto prazo e longo prazo, só quando as expectativas de longo prazo são dadas é que as funções são supostamente constantes. O método de Keynes, segundo Kregel, caracteriza-se por colocar hipóteses sobre as expectativas. Este método pressupõe que as expectativas estão sempre presentes ( e não criando um mundo com informação perfeita e plena certeza, relaxando essas hipóteses a seguir, como teria feito a teoria ortodoxa). Conce­bendo expectativas constantes, podem-se pôr diferentes hipóteses sobre essas expectativas e ver os efeitos que a sua alteração provoca sobre o sistema.

            Assumindo expectativas con­stantes, Keynes [1975] não pressupõe que o mundo é completamente previsível ou que existe plena certeza. Isto significa que, distin­guindo a diferença entre resultados actuais e esperados pode-se demonstrar como a procura efectiva afecta o emprego, de modo que o sistema pode atingir um equilíbrio de subemprego. Sendo assim, o equilíbrio de subemprego demonstrado na Teoria Geral, é o resultado da revisão das expectativas, que é coerente com a visão de que o emprego persis­tente é o resultado da ausência de forças re-equilibrantes, devido à incerteza dos agentes sobre a taxa de juro e ao facto que a política de salários flexíveis também não contribui para o restabelecimento do equilíbrio de pleno emprego numa economia fecha­da. O facto de Keynes [1978] não ter revelado com clareza em que situações estava a supor mudanças nas expectativas, levou-o a escrever:

“(...) if I were writing the book again I should begin by setting forth my theory on the assumption that short-period expectations are always fulfilled; and then have a subsequent chapter showing what differences between it make when short-period expectations are disappointed. For other economists, I find, lay the whole emphasis, and find the whole explanation in the differences between effective demand and income; and they are so convinced that this is the right course that they do not notice that my treatment this is not so”..“I should have distinguished more sharply between a theory based on ex-ante effective demand, however arrived at, and a psychological chapter indicating how the business world reached its ex ante decisions”[1978,180]

 

            Para Kregel, a Keynes apresenta na Teoria Geral um mundo em que as expectativas de longo prazo podem mover-se independentemente dos resultados económicos, onde as expectativas de curto prazo associadas a resultados particulares podem ser frustradas e afectar as expectativas de longo prazo. Nesse modelo Keynes pressupõe que as expectativas são constantes e que as expectativas de curto prazo frustradas não as afectam.

            Nos seus escritos de 1937 sugere uma terceira possibilidade, pressupondo que as expectativas de longo prazo são constantes e que as expectativas de curto prazo se realizam sempre, as expectativas tornam-se inelásticas e todo o ênfase é dado à procura efectiva. Isto permite a Kregel concluir que esta terceira possibilidade deu lugar a um modelo de equilíbrio estático, em que as expectativas não são frustradas nem provocam movimento das expectativas. Este modelo é o que Keynes utilizou para demonstrar que o desemprego não é um fenómeno de curto prazo, i.e. que o desemprego é persis­tente. Aqui Kregel distancia-se de certo modo de Shackle, pois não são as expectativas frustradas um requisito para a afirmação do desemprego.

            Por isso pode-se dizer, segundo Kregel, Keynes sugere três modelos de acordo com os pressu­postos que realiza sobre as expectativas. Primeiro, um modelo de equilíbrio estático, quando as expectativas são dadas e constantes, as quais não respondem às expectativas de curto prazo, mesmo que elas possa ser frustrantes para alguns indivíduos. Segundo, um modelo de equilíbrio estacionário, em que as expecta­tivas de longo prazo continuam constantes. Terceiro, um modelo em que são comparadas diferentes situações de expectativas de longo prazo dadas, permitindo que as expectativas de curto prazo possam ser frustradas. Os empresários revêem os seus planos de produção se as expectativas são frustrantes, mudam as suas expectativas até ao ponto em que a procura efectiva determine a quantidade de emprego, mudando a sua posição na curva de oferta sem que a curva propriamente dita se mova. Para Kregel este é o único modo que permitiu a Keynes enfatizar as expectativas como um prerequisito da teoria da procura efectiva permitindo movimentos na função sem provocar movimentos da própria função.

            Quando Keynes retirava conclusões políticas, utilizava constantemente um terceiro modelo: o modelo do equilíbrio móvel que explicita no capítulo 18 da Teoria Geral. Este modelo é o modelo dinâmico onde as frustrações correntes podem afectar o estado das expectativas em geral, de modo que as funções que integram as expectativas se movem livremente no tempo. Os movimentos não se dão apenas ao longo das curvas, mas as curvas de oferta e procura deslocam-se, de modo que todo o sistema reage às frustrações perante as expectativas.

            Keynes distingue entre um equilíbrio estacionário e um equilíbrio móvel,  sendo neste último que as visões sobre o futuro são capazes de influenciar a situação pre­sente. Nesse mundo as expectativas podem não se realizar, de modo que os resultados podem não ser os esperados. Os empresários observam os seus erros modificando as suas existências, mudando as suas ordens de compra, de modo que o estado das expectativas interactua com as realizações pre­sentes. O facto de Keynes utilizar nos primeiros 17 capítulos um modelo estático, explica Kreg­el, deve-se ao facto de pretender demonstrar a sua teoria da procura efectiva e ao facto de que as expectativas influenciam as três variáveis independentes: a propensão ao consumo, a eficiência marginal do capital e a preferência pela liqui­dez, pelo que:

“ On this view entrepreneurs take actions based regarding an uncertain future. If by chance, the actions of entrepreneur are compatible in the aggregate, the economy will be on the warranted or equilibrium path( but this not imply full employment). If, on the other hand, initial plans are disappointed then equilibrium can be obtained, after a period of historical time, only if it is assumed that despite entrepreneurial realisations, so that entrepreneurs persist in theirs beliefs until equilibrium is established by trial and error. This was a process which Keynes did not expect to occur naturally in any real econo­my, but which his stationary model allowed to occur for pedagogical purposes”[idem, 187].

 

             

            O desemprego involuntário, assim como a persistência do desemprego são assim o resultado do estado geral das expec­tativas frustradas, tanto dos consumidores e dos empresários, como dos investidores, dando obviamente a maior importância à relação entre a eficiência marginal do capital e a  preferência pela liquidez. O desemprego é um fenómeno de longo prazo que resulta de uma taxa de juro inadequada em relação a queda da eficiência marginal do capital. Keynes [1936], com certeza estaria de acordo com esta interpretação, mas colocaria a seguinte objecção:

 “(...)we should not conclude..that everything depends on waves of irrational psychology. On the contrary, the state of long term expecta­tions is often steady, even, when it is not, the other factors exert their compensating effect. We are merely reminding ourselves that human decisions affecting the future, whether personal or political or economic, cannot depend on strict mathematical expectation, since the basis for making such calculations does not exist; and that it is our innate urge rational to activity  which makes the wheels go round, our rational selves choosing between the alterna­tives as best we are able, calculating where we can, but often falling back for our motive on whim or sentiment or chance” [1936, 162-163].

 

             Pode ser isto uma expressão de arrependimento de Keynes, face ao desconcertante efeito de aspectos psicológicos na conduta económica? Esta nota está perfeitamente em concordância com a sua posição metodológica desenvolvida no Treatise on Proba­bility. O conhecimento sobre o conteúdo de verdade de uma proposição é incerto e a probabilidade que atribuímos a uma crença racional é subjectiva. Keynes opunha-se à ideia de que o cálculo de probabilidades permitisse realizar cálculos sobre acontecimentos futuros, como supunha o cálculo bentha­mita, mas não opunha-se ao uso parcial de conhecimentos de modo a tomar decisões racionais sobre acontecimentos futu­ros.

           

3. A corrente post  keynesiana da substituição total.

 

            O conceito de incerteza é essencial para explicar duas características de uma economia monetária. A primeira relaciona-se com o facto de que as pessoas pretendem manter dinheiro como um activo, o que implica considerar as consequências da decisão de manter riqueza sobre essa forma. Keynes explica na Teoria Geral que a manutenção de moeda como reserva de valor e stock de riqueza é um barómetro da confiança nos cálculos e nas convenções relativamente ao futuro. Na experiência de Keynes, sob o regime de padrão ouro, a procura intensa de ouro ou notas emitidas pelo governo pressionava as taxas de juro à alta, reduzia o investimento, reduzia o stock de capital e, por consequência, o rendimento per capita. A segunda relaciona-se com os efeitos de rápidas mudanças nas crenças. A influência, na tradição de Cambridge, de ondas de optimismo e pessimismo perpetua-se como explicação de situações de crise. Como as crenças das pessoas mudam, estas mudanças provocam mudanças na taxa de juro, nos preços dos activos de capital e na taxa de investimento. Como Meltzer [1988] apontou,  a curva de preferência pela liquidez podem ser estável ou muito elástica, a procura de moeda poderia ser nulo ou muito pequena, como um activo, e assim os recursos disponíveis poderiam ser empregues.

            O problema reside justamente na inexistência de um cálculo objectivo. Nesse sentido, a recuperação por parte dos postkeynesianos das expectativas como método ´revolucionário` de integrar o futuro nas decisões dos agentes é pertinente para uma economia monetária. Daí pode resultar um melhor conhecimento do funcionamento do sistema, interrelacionado com as decisões e a coordenação que representam uma economia de mercado, coadjuvado com instrumentos de decisão social que tendam a estabilizar e a dar confiança à tomada de decisões, dotando o Estado de um controlo económico.

Neste sentido a corrente que agrupa um conjunto heterogéneo de au­tores, que Coddington denomina de fundamentalista, repre­sentados por P. Davidson, enfatiza  as expectativas e a incerteza como os elementos mais significati­vos da teoria de Keynes, realçando simultaneamente a importância financeira do papel da moeda.

            Esta corrente  utiliza os trabalhos de preparação da Teoria Geral, sobretudo aqueles que se refer­em às características de uma economia monetária em contraposição à caracterização de uma economia de troca, que Keynes associa à teoria clássica, assim como trabalhos posteriores, nomeadamente a polémica de Keynes com Olhin sobre a taxa de juro. O texto essencial para a sua reflexão sobre o pensamento de Keynes é o capítulo 17 da Teoria Geral, "As propriedades essenciais da moeda e do juro". P. Davidson numa série de artigos, apoian­do-se no trabalho de Shackle, insiste que é na relação entre moeda e liquidez que se encontra o aspecto mais revolucionário da teoria de Keynes [ Davidson,1988].  A moeda produz uma corrente de rendimentos que Keynes denomina de prémios de liquidez, que nenhum outro activo produz. A moeda possui algumas propriedades essenciais, a saber, que a moeda tem um prémio de liquidez e tem elasticidade de produção e substituição zero ou quase nulas. Estas propriedades permitem esclarecer por que razão a moeda é o activo que os agentes preferem conservar como forma de riqueza; porque a taxa de juro da moeda é a taxa que determina as opções de produzir um activo em detrimento de outro; que, sendo esta taxa resistente à baixa, marca o passo das outras taxas específicas, de tal modo que, sendo a taxa de juro maior que a eficiência marginal dos outro activos, ao conservar dinhei­ro, a produção dos outros bens esperará até que a taxa de juro iguale a eficiência marginal do capital, sendo, entretanto, o desem­prego persistente e a política monetária ineficaz. Keynes [1975] clarifica posteriormente:

 

“ I am rather inclined to associate risk premium with probability strictly speaking, and liquidity premium with that in my Treatise on Probabili­ty I called «weight». An essential distinction is that risk premium is expected to be rewarded on the average by an increased return at the end of the period. A liquidity premium, on the other, is not even expected to be so reward­ed. It is a payment, not for the expectation of increased tangible income at the end but for an increased sense of comfort and confidence during the period” [1975, 293-294].

 

A teoria clássica ignora a procura de moeda destinada a satisfazer a preferência pela liquidez, que permite «o conforto da liqui­dez» e satisfazer a manutenção de moeda em vez de activos de risco. Keynes aceita que a teoria clássica possa incorpo­rar uma procura de moeda para encaixes inactivos (especulati­vos), mas esses encaixes são inelásticos relativamente à taxa de juro. Um declínio na procura para transacções tem o efeito de fazer descer a taxa de juro na extensão necessária para restaurar os encaixes inactivos no seu nível prévio.

Deste modo Keynes dá à procura da moeda uma clara e decisiva influência na posição que a economia alcança. Quando o grau de incerteza muda, a procura de moeda em unidades- salário muda, provocando um movimento na procura que muda a taxa de juro. Mantendo-se um grau de incerteza persistentemente, a taxa de juro esperada cresce, o investimento desce e o stock de capital é mais pequeno e o rendimento esperado é mais reduzido que antes. As propriedades essenciais da moeda impedem que, aumentando a quantidade de trabalho destinado à sua produção, se possa produzir mais moeda. No caso de um outro bem, excluindo o bem moeda, um aumento  na procura desse bem ou um aumento no seu valor, fará com que se destine mais trabalho à sua produção,  reduzindo assim a taxa de juro específica desse bem. Pelas suas propriedades, no caso da moeda, não será possível. Se a incerteza gera um aumento da preferência pelo dinheiro-liquidez, aumentando a sua procu­ra, uma taxa de juro superior não provoca o aumento da sua produção. Não existe outro bem que possa substituir  esta qualidade de liquidez.

A solução que Keynes apresenta para reduzir a preferência pela liquidez é tributar o encaixe monetário de modo a reduzir a manutenção da moeda, embora também se pronuncie por satisfazer a procura de moeda por motivo especulação até à saciedade, tal como recomendava no Treatise on Money.

É justamente esta qualidade da moeda como activo-liquidez e o juro como o prémio ao abandono dessa preferência, que Davidson procurou pôr em evidência. Ao enfatizar as peculiaridades da moeda, este autor critica as visões que associam a existência do desemprego à armadilha da liquidez, defendendo que, face a uma eficiência marginal instável, a taxa de juro resistente impede o ajustamento necessário ao pleno emprego.

            Adicionalmente à preferência pela liquidez, Davidson tem dado grande significado ao motivo financeiro, como um motivo adicional na procura de dinheiro. Segundo Davidson [1983], Keynes, na sua réplica às críticas de Ohlin, introduz um novo motivo de procura de moeda:  

 

“Keynes argues that if the level of investment was unchanged, the money held to «finance» new investments was a constant amount and could therefore be lumped under a subcategory of the transac­tions motive, where capital goods transactions are involved. In other words, entrepreneurs typically hold  some cash bal­ances to assure themselves that they will be able to carry out investment plans” [1983, 383].

 

            Assim, de acordo com Davidson, quando mudam as decisões sobre o nível do investimento, o motivo financeiro é uma componente adicional importante da função procura de dinheiro agregada. Se a curva de eficiência marginal se desloca, causando expectativas de lucro melhores, para um dado nível de produção e da taxa de juro, os empresários desejam aumentar as transacções em investimento. Em consequência disso surgirá uma procura adicional de moeda, que desaparece da literatura segundo Davidson.

Como prova da importância do motivo financeiro, Davidson cita uma carta de Keynes [Times, 18 April 1938]. A questão em causa era o financiamento dos programas de rearmamento. O significado disto é que, de um incremento nas despesas governamentais resultará um incremento na procura de moeda agregada, mesmo antes que a despesa seja realizada. Segundo Davidson, o motivo financeiro foi esquecido na litera­tura postkeynesiana, sendo cancelado nos sistemas macro-económicos desenvolvidos, nomeadamente aqueles como o diagrama IS-LM de Hicks e Hansen.

            A questão que se levanta é a de saber se a existência deste motivo provoca uma subida da taxa de juro, seja por aumento na despesa do governo, seja por uma acção de investimento planeada. Segundo Davidson, se o motivo financeiro fosse entendido, seria fácil demonstrar as vantagens do sistema de overdraft apontada por Keynes como um sistema ideal de mitigar os efeitos perversos no sistema bancário do incremento de uma maior procura de moeda. Pelo que, consequentemente, a extensão da utilização do siste­ma «overdraft», se não é ignorada pelo sistema bancário, não exercerá pressão de sobreposição, resultante da actividade planeada acima ou abaixo da pressão resultante da actividade actual. A ser assim, a transição de uma escala de actividade menor para uma maior não será acompanhada de maior pressão na procura de liquidez e sobre a taxa de juro.

Evidente­mente, o problema coloca-se quando o investimento planeado resulta de uma expectativa de maiores lucros, o que desloca a eficiência marginal do capital acima da taxa de juro. Se a expectativa é de que a taxa de juro vai subir, então a política monetária deverá actuar no sentido de aumentar a oferta monetária. É importante saber se o investimento tem lugar com recursos escassos ou abundantes. No caso da oferta agregada ser inelástica, quando aumentar a procura, um aumento do investimento provocará inflação, pelo que o aumento da procura deve provocar o aumento da poupança, via travagem do consumo.

Keynes[1975] utiliza o conceito de motivo financeiro como reforço para a compreensão da sua teoria do juro na polémica com seus opositores e não para desenvolver a sua teoria no sentido que Davidson interpreta posteriormente[5]:

 

“I do not consider  that the concept of finance makes any really significant change in my previous theory [finance] is no more that a type of active balance. I attached an importance to it in my article because..it provide a bridge between my way of talking and the way of those who discuss the supply of loans and credit etc...[finance is] one of the sources of demand for liquid funds arising out of an in­crease in activity. But, halas, I have only driven them into more tergiversations. I am really driving at something extreme­ly plain and simple” [1975, 282][6].

 

Para conter a inflação e manter o nível do emprego, uma política de rendi­mentos asseguraria a estabilidade dos salários e dos preços, o que se coloca também numa perspectiva propiciada por Keynes, tanto na Teoria Geral como anteriormente no Treatise. O motivo financeiro encontra suporte muito sólido em Keynes; as conclusões que se derivam para o emprego são correctas. Assim, o motivo financeiro não tem a importância que Davidson lhe atribui e que este utiliza para recomendar políticas de rendimentos. Não é essencial para a interpretação de Keynes, mas  pode ser considerado um ponto de partida para desenvolvimentos postkeynesianos.

 

4. A corrente post keynesiana II: a instabilidade financeira

 

H. Minsky serve-se dos argumentos contidos na resposta que Keynes dá a um artigo crítico de J. Viner sobre a  “Teoria Geral” como apoio da sua interpretação da teoria de Keynes. Na resposta a Viner, segundo Minsky [1983], surge uma teoria do motivo pelo qual o output e o emprego são liable to fluctuations, pelo que a interpretação de Keynes conduz a uma teoria que Minsky denomina the financial instability hypothesis. A legitimi­dade da hipótese de financiamento instável é importante, não apenas como interpretação de Keynes; ela é importante como hipótese do funcionamento da economia.

Segundo Minsky, a Teoria Geral constitui uma teoria do processo capitalista que explica a instabilidade financeira e da produção devido a incerteza, como resultado dos comportamentos dos agentes nos mercados. Na resposta de Keynes a Viner, este insiste em que as principais proposições da Teoria Geral se centram nas forças desequili­bradoras que operam nos mercados financeiros. Estas forças desequilibradoras afectam directamente as avaliações dos activos de capital relativamente aos preços do output cor­rente. É este ratio-preço, juntamente com as condições nos mercados financeiros, que determina o investi­mento. Na Teoria Geral, Keynes adopta um paradigma diferente do clássico,  passa da economia de troca de uma feira de aldeia para um City or Wall Street paradigm, em que a economia é vista como a sala principal de um banco de inves­timento. A teorização tem lugar pressupondo uma economia monetária com instituições financeiras sofisticadas.

            Segundo Keynes vivemos num mundo em que as mudanças de opinião sobre o futuro são capazes de afectar a quantidade de empre­go. As variáveis correntes mais afectadas pelas mudanças de opinião são as variáveis financeiras, tais como: a avaliação de mercado dos activos de capital, os preços dos activos financeiros e a conduta dos homens de negócios e dos ban­queiros relativamente às estruturas das dívidas e obrigações. O investimento e as decisões financeiras são realizadas em condições de incerteza. A incerteza implica que as mudanças de opinião sobre o futuro ocorrem em breve espaço de tempo, em particular afectando os preços relativos dos activos financeiros e os preços dos activos e do capital, assim como a relação do preço de um activo de capital relativamente ao output corrente.

            A conduta da economia continua a depender do ritmo do inves­timento. Na economia capitalista, a avaliação que é posta nos activos de capital determina em larga medida o investimento corrente. A capacidade da satisfazer compromissos relativamente aos contra­tos- o que determinada as possibilidades financeiras-, de­pende do ritmo dos lucros brutos. Os lucros brutos estão dependentes dos investimentos, pelo que a capacidade das dívidas financeiras dependem das expectativas serem sufi­cientemente vastas, de tal modo que o volume dos  futuros «cash flows» sejam suficientes para financiar as dívidas e refinanciá-las. Uma economia com dívidas privadas é espe­cialmente vulnerável às mudanças no ritmo de investimento, porquanto os investimentos determinam, seja a procura agrega­da, seja a viabilidade das estruturas de dívidas. Em Keynes o preço das acções e obrigações pode também reflec­tir o peso das convenções utilizadas na antecipação dos mercados dos títulos. Nisto viu Keynes um grande elemento de instabilidade do investimento. Nesse sentido fala da bolsa como uma actividade de casino e não de cálculo racional das actividades das empre­sas.

            A instabilidade para uma economia que resulta destas características deve-se justamente ao carácter subjectivo das expectativas sobre o curso futuro do investimento, assim como da determinação subjectiva por parte do sistema finan­ceiro ( bancos e sociedades de investimentos) da estrutura apropriada da dívida destinada a financiar diferentes tipos de activos de capital. Neste mundo com mercados financeiros, a incerteza é a maior determinante do curso do rendimento e do investimento. Daqui conclui Minsky:

 

“(...) stable growth is inconsistent with the manner in which investment is deter­mined in an economy in which debt-financed ownership of capital assets exists, and the extent to which debt financing can be carried is market determined. It follows that the fundamental instability of a capitalist  economy is upward. The tendency to transform doing well into a speculative investment boom is a basic instability in a capitalist economy”[idem, 288].

 

 

            A hipótese da instabilidade financeira reside na endogeneização da estrutura financeira das empre­sas como causa de crises financeiras, na medida em que assumem dívidas, que pretendem pagar utilizando elementos especulati­vos que os incapacitam de servir a dívida. A subida das taxas de juro, a queda dos preços dos activos relativamente à dívida, o insuficiente «cash flow» gerado para fazer face às dívidas, geram a instabilidade financeira. O desemprego será gerado, nestas condições, pela queda do rendimento das empresas que diminui o investimento.

            A interpretação de Minsky [1985, 24-55]deve ser entendida como a formulação de uma nova teoria em que se retomam os aspec­tos negligenciados da teoria de Keynes, nomeadamente aqueles em que se enfatiza o carácter instável do investimento, não tanto pela tendência para a eficiência marginal do capital cair, mas porque a eficiência marginal é susceptível de revisões provocadas por avaliações decorrentes da activi­dade especulativa que provoca a subida da taxa de juro, tornando pouco rentáveis determinados projectos de investi­mento. Nesta linha interpretativa privilegia-se o carácter cíclico do investimento como a principal causa da queda cíclica do rendimento e, portanto, do emprego. De certo modo Minsky tem razão ao preocupar-se com os prob­lemas cíclicos, e a pertinência é importante dada a situação de quase negação dos ciclos económicos que caracterizavam a teoria económica nos anos sessenta. Keynes não dera um destaque muito grande ao ciclo económico para além das notas do capítulo 22 na “Teoria Geral”, embora estivesse a pensar implicitamente sobre situações de crise de confiança que caracterizam o esgotar-se do «boom» económico. No Treatise on Money Keynes atribui o ciclo aos movimentos da taxa de juro em torno da taxa natural wickselliana, explicando os desequilíbrios como a variabilidade da poupança e do inves­timento, ou das remunerações dos factores referentes ao output. Na  Teoria Geral, o ciclo é devido às flutuações da eficiência marginal do capital, pelo que, aos elementos de regularidade do ciclo podem-se agregar os aspectos psicológicos da crise, caracterizados pela preferência pela liquidez em situação de incerteza que tornam o desemprego persistente. O desemprego pode acompanhar o ciclo, se o investimento se mantiver a nível baixo e, se a pro­pensão ao consumo gerada pela persistência do desemprego se mantiver baixa. A explicação teórica específica de Keynes é relativa à depressão como uma fase do ciclo. Nesse sentido, o longo período de pleno emprego é um facto que se explica pela existência de estruturas financeiras sólidas herdadas da grande depressão. É interessante a visão de Minsky no sentido de que o período posterior a segunda grande guerra caracterizou-se por uma estabilidade das estruturas financeiras, o que culmina com o «credit crunch» de 1966, pelo que a recente instabilidade financeira permite pensar as crises  financeiras como sistémicas e não como  casualidades.

            A ruptura de Keynes com as visões do ciclo ligadas às flutuações do nível da taxa de juro resulta da admissão da instabilidade do investimento e da volatilidade  da eficiência marginal do capital, que determinam a procura do capital de investimento. O investimento é em Keynes uma função do preço de oferta do capital, do juro e das expectativas a longo prazo. São estes três argumentos que explicam a variabilidade do investimen­to. Minsky refere exclusivamente a relação entre preço de oferta e o nível de juro. Para Keynes as causas que fazem variar a eficiência marginal do capital, caeteris paribus, são o colapso dos preços na bolsa e as expectativas de longo prazo, i.e. as vagas de confiança que são desvirtuadas pelas opiniões dos especuladores sobre o futuro da taxa de juro  e o preço dos títulos e a confiança dos empresários sobre os rendimentos futuros produzidos pela utilização de um determinado bem de capital. Estes influenciam a procura de bens de investimento e a oferta de capital. Embora um colapso dos preços na bolsa pode causar uma mudança de expectativas. Se esta mudança afecta as expectativas de rendimentos futuros pode dar-se uma crise e não necessariamente a partir dos  efeitos das variações da taxa de juro. Este é o ponto crucial da explicação de Keynes, que na minha opinião não é considerada por Minsky. Para além de que Minsky afasta totalmente o problema do desemprego crónico de longo prazo implícito na ideia de equilíbrio de subemprego, concentrando-se exclusivamente nos aspectos cíclicos. Minsky emfatiza um aspecto central da teoria de Keynes que é a situação de incerteza, característica da economia capitalista. A sua investigação sobre a importância dos mercados financeiros para o investimento, devia recuperar a doutrina social de Keynes, no sentido de atribuir maior importância a redistribuição do rendimento através da morte a longo prazo do rentier, assim como incorporar a possibilidade de esgotamento do sistema.

Concluindo, a influência das expectativas, a tomada de decisões em situação de incerteza e de ignorância não são problemas que Keynes trate exclusivamente na Teoria Geral, embora encontrem nesta um lugar central, sem a qual a teoria da procura efectiva e as leis psicológicas fundamentais não adquirem a dimensão de estrutura fundamental da nova teoria. ivas. Conduz, sobretudo em à possibilidade da total instabilidade do sistema. Keynes argumentava frequentemente de forma extrema quando pretendia enfatizar um determinado problema, mas pensava que o sistema capitalista era instável porque a teoria económica que sustentava a política económica era incapaz de conduzir à acção correcta e desejada. Em consequência, podemos dizer que estes autores não apenas pretendem interpretar Keynes, como procuram traçar uma via de modelização em que a metodologia de Keynes adquire todo o seu significado. Keynes propun­ha-se analisar uma economia monetária, onde não existe previsão perfeita nem certeza, em que o futuro não é conhe­cido, nem existe probabilidade matemática que permita prog­nosticar a existência de mercados com preços futuros. A corrente que Shackle, Kregel e outros representam tem a virtude de ter recolocado no lugar certo a importância das expectativas.


 

 


 

[1] O tipo de título que Keynes tinha em mente são as obrigações do tesouro de longo prazo, Consols, que pagavam um rendimento fixo perpétuo. Este dividendo pago anualmente, sobre o valor inicial,  constitui a taxa de juro dos títulos.

[2]  ERNIE: Electronic Random Number Indicating Equip­ment.

[3] Num outro artigo Shackle põe o problema de outro modo: " All problems are solvable, the characteristic stance of our civilisa­tion afflicts us with a terrible myopia. If all problems are to be solvable, we must be carefully tailored to fit our assumed omni-competence. The task which suits us, which we can do with astounding ingenuity and surprising effect, is that of analysis, the application of reason to the dismemberment of a body of information declared or assumed to be self-sufficient, and its re-constitution into a prescription for conduct. It is the self-sufficiency of such supposed bodies of information which removes them so immeasurably far from the harsh truth of things", G.L.S. Shackle, " Keynes and Today`s Establishment in Economic Theory: A View,  in John Cunningham Wood(ed.), " John Maynard Keynes: Critical Assessments", Croom Helm, London & Camberra, Vol. 4, pp.1-6, citado p. 1.

[4] Kregel tem razão a colocar isto em evidência. Na Teoria Geral, Keynes deixa claro nos capítulo 11 e 12 o papel das expectativas no incentivo ao investimento, não acontecendo o mesmo com a função consumo. Nos `drafts` de preparação da Teoria Geral e nas aulas de 1933, Keynes introduz as expectativas como um argumento da função consumo: C=f(E,Y). 

[5] Podemos desculpabilizar Davidson por não ter conhecido em 1965, quando escreveu o artigo em que começa a debater o proble­ma, a publicação dos trabalhos desconhecidos de Keynes, publica­dos no vol. XXIX. Minsky também incorpora o motivo de financia­mento na função de procura. Este escreve essa função como M=M1+M2+M3-M4 =L1(Y)+L2(r,Pk)+L3(F3)-L4(NM). Onde F é o argumento de L3 representando o motivo finanças. Minsky considera a existência dos preços dos activos de capital como argumento da função L2, pois segundo ele Keynes descura a sua importância, incorporando-os indirectamente através da taxa e juro r. A função L4 tem como argumentos os chamados «near money», que actuam como substitutos da moeda no curto prazo. Ver H. P. Minsky, John Maynard Keynes, Columbia University Press, 1975, pp. 75-76.

[6] Em carta a E. S. Shaw: J.M. Keynes, CWJMK, vol. XXIX, p. 282. Aliás, a mesma ideia encontra-se no artigo para The Economic Journal, June 1938, publica­do no vol. XIV, pp. 229-233: " It appears, unfortu­nately, that in endeavouring to build a bridge between my «demand for cash» approach and the «loanable funds» approach(which is some sort of hotch-potch between cash and saving), I have only managed to reinforce this confusion", p. 229. No Treatise Keynes trata o motivo finanças como circulação financeira, a ser financiada com os depósitos de poupança.