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Keynesianas
Mario Gómez Olivares

 

 

J. M. Keynes: o fim do laissez faire e a determinação do desemprego involuntário

 

 

 

Introdução

Neste artigo, propomos ilustrar a relação que existe entre a crença de J.M. Keynes no fim da existência de mecanismos automáticos que determinam o equilíbrio de uma economia capitalista e a formação de uma economia que produz de modo massivo e persistente desemprego de caracter involuntário. Num primeiro ponto ilustramos o significado da sua crença no fim do laissez faire num sentido mais vasto, a seguir ilustramos pronunciamentos prévios à Teoria Geral sobre a falta de mecanismos automáticos na economia e, por último, através da crítica ao mercado de trabalho neoclássico, mostra-se o significado do conceito de desemprego involuntário como a ilustração teórica mais significativa do fim de laissez faire. A conclusão que retiramos para a história das ideias de Keynes é que, da visão da inexistência de mecanismos automáticos e de forças naturais re-equilibrantes do sistema resulta um alento muito importante e positivo para o desenvolvimento da teoria de Keynes. Esta visão permite-lhe avançar para o estudo da capaci­dade inerente ao sistema económico de produzir, em condições de laissez faire, um desemprego de modo permanente como uma característica substantiva e inerente do capitalismo.

Keynes elabora a suas hipóteses como resultado da sua mudança de opinião relativa­mente à doutrina ortodoxa, nomeadamente a sua apreciação contrária  à possibilidade da descida dos salários monetários e à eficácia da política monetária. Keynes formula a teoria do emprego consid­erando que eficácia marginal do capital determina o investimento, variável fundamental que juntamente com a propensão ao consumo determinam a procura efectiva. O desem­prego resulta de uma falta de procura efectiva num mundo de incerteza, em que se conjugam a obstinação da taxa de juro de longo prazo, a desconfiança  do mundo dos negócios juntamente com a ineficácia da política monetária.

1. O Fim do laissez-faire

Keynes descreve a Europa emer­gente da Primeira Grande Guerra, como uma Europa da desorganização económica e social, da penúria e miséria dos povos. O fim do laissez faire aparece sobretudo como resultado do processo de involução da civilização contemporânea. Os políticos dos países vencedores que negociavam o futuro dos países vencidos, no fim da primeira grande guerra, não mostravam preocupação com a vida económica, mas quase exclusivamente com as indemnizações reparatórias e o botim de guer­ra. A guerra tinha desorganizado a frágil e complexa organização económica europeia, desarticulado as finanças públicas, o comércio entre as nações e sobretudo retirado a base de sustentação da vida nos territórios atingidos pela guerra. Os seus alicerces: o carvão, o aço, os transportes, o comércio com produtos têxteis e matérias primas, deixavam de ser a base de um nível de vida próspero para uma boa parte dos cidadãos(Keynes, 1918). Europa regredia em vez de progredir, sendo o problema da fome e do emprego o que de maneira mais urgente se colocava (Skidelsky,1986)[1]. Os novos fenómenos como o desemprego, não encontravam resposta nem teórica, nem prática, deixando a sociedade capitalista sem flexibilidade e prestes a sucumbir às hordas irracionais. Mas numa situação de nova crise os trabalhadores estariam prontos para o assalto revolucionário antes que perecer de fome. A existência de um princípio válido que garantisse a regulação automática do sistema económico, gerando desse modo coordenação dos mecanismos económicos tem o seu  mais claro desmentido no vasto e massivo desemprego que afectou a Inglaterra nos anos 20‘s(Keynes, 1925).

Keynes, desde muito cedo, estava convencido que da mudança de século tinham resultado novos comportamentos dos agentes económicos, pelo que as velhas receitas do laissez faire estavam caducas e as velhas instituições paralisavam a actividade económica. Em segundo lugar, servindo-se do exemplo da deflação Keynes argumenta que os mecanismos automáticos não tinham a supremacia reguladora anteriormente atribuída pelos políticos, economistas e empresários. A discussão sobre a re-introdução do padrão ouro põe em relevo que Keynes associava a falta de mecanismos automáticos com as consequências económicas e sociais que o preocupavam: a ordem social e o desemprego. Este era um problema britânico, derivado das condições de Inglaterra como praça financeira mundial, que ao optar por uma libra forte, condenava a industria exportadora  à recessão e os trabalhadores ao desemprego.

A política económica de Keynes punha em causa teoricamente o laissez faire, pois admitindo que os ajustamentos no sentido do equilíbrio seriam muito lentos, a intervenção externa ao sistema seria inevitável. Por exemplo, uma redução dos salários monetários iria nesse sentido, mas “Men will not always die quietly”. A situação política na Inglaterra agravou-se com a queda do governo Laborista em Setembro de 1931, face a impossibi­lidade política de realizar eficazmente qualquer medida e com o desemprego subindo acima dos 20%. Com a substituição do governo Laborista por um governo de Unidade Nacional encabeçado por R. MacDonald em 1931, Inglaterra saiu do padrão internacional (Kaldor, 1982). As tarifas não se justificavam e a taxa de juro não estava limitada às exigências do padrão ouro, pelo que uma política de obras públicas não era aplicável nos termos do Libro amarelo de 1928. Em tais circunstâncias Keynes conti­nua um curso na direcção de uma nova teoria, em que a intervenção do estado surge como garante do incentivo ao investi­mento, não como caso especial mas como condição necessária para estabilidade do sistema capitalista. 

Resulta deste modo inevitável implementar uma crítica às hipótese que auxiliavam a aceitação dos tipos de ajustamentos consentidos como válidos, no pressuposto que persistem forças que equilibrariam os mercados. Essa urgência crítica permite o fabrico de um novo modelo teórico posto de pé no lugar da velha teoria. Mas é preciso deixar claro quais alicerces estão podres para que depois a nova arquitectura seja colocada em evidência.

2. Não existem mecanismos automáticos de longo prazo que regulem a economia capitalista

A visão económica de Keynes sobre o capitalismo sustenta-se na precariedade da acção de mecanismos reguladores que garantam uma tendência re-equilibradora das forças indutoras do investimento no sentido de um óptimo de produção e emprego.

Keynes admite que existem forças de reequilibro, mas contesta o seu carácter automático e duvida que sem a utilização deliberada de mecanismos de intervenção colectiva se consigam situações de equilíbrio, distinguindo entre situações de equilíbrio e situações óptimas de equilíbrio. Contesta também que os teóricos do laissez faire tenham dado uma correcta visão do modo como essas forças actuam.

No artigo ‘Historical Retrospect‘, escrito em 1932( Keynes, 1932), na fase inicial de preparação da Teoria Geral, Keynes  nega o carácter natural das forças do reequilibro e contesta a justeza dos conselhos baseados na não intervenção. Numa esplêndida alocução radial para a BBC, intitulada “Poverty in Plenty”, Keynes delineia o mesmo argumento, não existem forças autoreguladoras no longo prazo que reequilibrem o sistema económico.

Keynes desmente a tendência inerente, natural ao reequilibro do sistema serva como  uma justificação apenas para os erros e omissões do sistema no longo prazo. Na Teoria Geral esta visão manifesta-se na demonstração de que no mundo capitalista as decisões dos agentes económicos são inevitavelmente tomadas na base de expectativas sobre o futuro económico em condições de incerteza, que a instabili­dade do capitalismo reside na variabilidade da taxa de inves­timento, o que provoca em última instância a variabilidade do nível do emprego. A existência de um nível de equilíbrio com subemprego é uma característica do capitalismo (Keynes, 1936).

Associada a esta situação de persistência do desemprego está a impossibilidade da taxa de juro descer o suficiente, quando a eficácia marginal do capital tende a zero. Se por alguma razão, sublinha Keynes, a taxa de juro não pudesse descer mais rapidamente que a eficiência marginal do capital, de modo que a acumulação de riqueza correspondesse àquela que coincide com a quantidade de poupança da comuni­dade à taxa de juro que iguala a eficiência marginal do capital, o pleno emprego não pode ser atingido. Sendo o capital escasso, o estado deve intervir de modo assegurar que o equipamento produtivo atinja o ponto de saturação, e a taxa de juro deverá ser aquela que assegure o investimento de pleno emprego, em tal situação.    

Mas esta posição intermédia abaixo da posição de pleno emprego não está determinada por tendências naturais nem existem princípios que impeçam que não se tomem medidas a fim corrigir as falhas do sistema. Neste sentido, em consonância com a sua previsão, Keynes propõe-se na Teoria Geral, não apenas estudar as determinantes do nível do equilíbrio do output e do emprego, como elucidar porque a teoria dita clássica ancorada nas ideias de laissez faire não consegue ser uma teoria geral, i.e., porque o salário monetário é rígido à baixa, o que invalida a política de redução dos salários nominais para conseguir mais emprego e, porque a taxa de juro é recalcitrante, quando a eficiência marginal do capital desce, o que reduz ou elimina as virtudes da política monetária.

Bem no início da Teoria Geral Keynes sublinha que a teoria ‘clássica‘ constitui um ‘caso especial‘ que não têm como substrato a sociedade em que actualmente vivemos, pelo que o seu ensino é desacertado e desastroso quando se procura aplica-lo aos factos de post-guerra. Por isso a crítica à teoria do mercado de trabalho representam um aspecto fulcral para demostrar o fim do laissez faire, se a teoria clássica não funciona é necessário uma outra teoria.

1.     A teoria neoclássica não reconhece a existência do desemprego involuntário

 

Na período de preparação da Teoria Geral Keynes (Keynes, 1932-35) critica a teoria clássica do mercado de trabalho de maneira enérgica, colocando em evidência o carácter desacertado de determinados postulados quer subjazem a essa teoria[1].

Os argumentos clássicos sobre as forças que determinam o volume de emprego assentavam em dois postulados: primeiro, o salário é igual ao produto marginal. O salário de uma pessoa empregada é, em qualquer tipo de equilíbrio, curto ou longo, igual ao produto que seria perdido se o emprego fosse reduzido em uma unidade; segundo, em equilíbrio a utilidade do salário, quando é dado o volume de trabalho empregado, é igual a utilidade marginal desse volume empregado (Keynes, 1932). O primeiro postulado dá-nos a função procura de tra­balho, o segundo a oferta. Quando a oferta Ns iguala a procura Nd o emprego da teoria clássica é determinado.

O primeiro postulado significa que, dada uma técnica, existe uma correlação única entre salários reais e o volume de emprego, de modo que um incremento no emprego pode apenas resultar de uma descida da taxa de salário real. Isto não significa que para reduzir o salário real se reduz o salário monetário e que por essa via se aumente o emprego.

A teoria clássica da determinação do volume dos recursos disponíveis empregáveis não foi desenvolvida mais ela é óbvia, consequentemente o aumento do emprego apenas é possível se a) aumenta a produtividade marginal do trabalho, b) se diminui a desutilidade do trabalho e c) se aumentam os preços dos bens não-salariais em relação aos preços dos bens salariais do que resulta um aumento da procura das pessoas não-assalariadas de bens não-salariais em relação aos bens salariais. Certos tipos de desemprego são compatíveis com estes postulados o desemprego friccional, desemprego voluntário e também o sazonal ou casual. O desemprego é voluntário devido à recusa de uma unidade de trabalho em aceitar uma recompensa inferior ao seu produto margin­al.

A explicação da teoria clássica sobre o desemprego é baseada na suposição de que uma redução do salário monetário é a mesma coisa que uma redução do salário real (Pigou, 1932). Keynes nega que o salário real seja determinado pelo salário monetário, alias ambos estão determinados por outras forças[2]. O verdadeiro teste não é saber se os trabalhadores aceitam um salário monetário inferior, mas se abandonam o trabalho quando o salário monetário é inferior ao seu produto marginal, considerando que no mundo actual os salários são salários monetários. Os trabalhadores não abandonam o seu serviço quando o produto real dos seus salários é inferior,  uma redução dos salários não provoca uma descida da oferta de trabalho existindo então  desemprego involuntário.

Keynes não nega que uma diminuição dos salários reais afecte positivamente o emprego, o que afirma é que os salários reais vem determinados por outras forças e que essas forças determinam o volume de emprego apenas se os trabalhadores aceitam os concomitantes salários reais.

Como a teoria clássica assume que a recusa em aceitar um salário monetário mais baixo é a mesma coisa que a recusa em aceitar um salário real mais baixo, o trabalho como um tudo pode fazer com que os salários reais desçam, comprimindo suficientemente os salários monetários. Se não é o caso, argumenta Keynes, o volume do emprego não depende do nível dos salários monetários.

O problema é que quando os lucros e os preços caem na mesma proporção que os salários monetários, a menos que os empresários gastem mais dos seus rendimentos ou que as condições no mercado monetário façam descer a taxa de juro( se os preços caem e a taxa de juro desce, menos dinheiro é necessário para as transacções),  acontece  que o valor do dinheiro muda sem nenhum cambio no salário real. Mas se o artifício de uma queda dos salário monetários não resulta, o argumento formal de que uma queda nos salários monetários é associado com uma queda dos salários reais não se mantêm .

A luta pêlos salários monetários é realmente uma luta pela distribuição do montante total dos salários entre os assalariados. Os sindicatos opõem-se a uma descida dos salários monetários, mas não se opõem a pequenas reduções nos salários reais através de um aumento dos preços.

O argumento clássico pressupõe que os factores são remunerados em termos de uma predeterminada parte do produto total da indústria, e não como sumas de dinheiro,  a teoria clássica pressupõe uma economia cooperativa(Keynes,1933). Numa economia cooperativa existe uma tendência para uma recompensa óptima, as desviações são causa da intervenção dos sindicatos o falhas nos governos. Os economistas pensam em CÞMÞC1 enquanto que os negociantes pensam MÞCÞM1, isto é como M1- M tende para ser negativo, existirá uma tendência para a deflação e o desemprego. Para a teoria clássica M1= M.

As flutuações na relação entre rendimentos obtidos através do output corrente e rendimentos gastos em consumo pode-se chamar flutuações na procura efectiva. Um maior gasto provoca um excesso de procura efectiva(inflação), um gasto menor gera um déficit de procura efectiva(deflação). Se os factores são pagos em moeda e gastam todo o seu rendimento monetário comprando o output cor­rente a economia é neutral. A essência de uma economia neutral é de que os rendimentos que resultam do output corrente são complemente gastos no output corrente. Numa economia neutral, não existe nem excesso nem déficit, pelo que os preços, o emprego e os salários reais  são estáveis.. Que a oferta cria a sua própria procura é verdade, no pressuposto de uma procura efectiva constante O problema está na flutuação da procura efectiva. Keynes emite a sentença: a despesa cria o seu próprio rendimento

A teoria clássica apenas pode admitir que as não reduções do salário real são fruto das acções combinadas dos sindicatos. Keynes rechaça que os trabalhadores possam determinar o salário real através da negociação de diferentes salários nomi­nais e por essa via mudar o salário, admite pelo contrário que as pessoas se mantém a trabalhar aos salários actuais A evidência da situação de 1932 nos EUA, onde proce­deu-se a reduzir os salários monetários, permite concluir que por essa via não se reduz o desemprego(Keynes, 1934).

Keynes rejeita que os trabalhadores possam determinar o salário real através da negociação de diferentes salários nominais e por essa via mudar o salário real. Os assalariados como um todo não podem fazer isso porque eles decidem do seu salário nominal, e se os salários descem, descem os lucros e os preços,  deixando a salário real inalterado. Não existe nenhuma força no mercado de trabalho que faça com que os salários reais igualem a desutilidade marginal do trabalho[3].

Quando Keynes escreve posteriormente a Teoria Geral(Keynes, 1936) reelabora a sua crítica sem porém mudar o essencial. Aceita sem grandes reparos o primeiro postulado dessa teoria: o salário deve ser igual ao produto marginal do trabalho. A aceitação do primeiro postulado, no sentido que se reconhece que numa situação em que os equipamentos, técnica, organização são conhecidos o salário real que recompensa uma unidade de trabalho está unicamente correlacionado com o volume de ocupação, pelo que se este aumenta. Se tal acontecer deverão os salários reais  descer de modo a permitir o aumento do emprego. O salário deve descer, medido em unidades de bens salariais, permitindo os lucros subir no curto prazo. Isto implica que o produto marginal das indústrias de bens de consumo se reduz a medida que cresce o emprego.

A existência deste postulado é o que permite explicar o desemprego segundo os autores clássicos, como sendo voluntário ou friccional, excluindo  desse modo a existência do desemprego involuntário. Isto pode interpretar-se como  aceitação e aplicação da análise marshalliana de curto prazo, em que as condições técnicas e a quantidade de meios de produção não mudam e, em que o produto marginal diminui com o aumento do emprego

Mas Keynes rejeita de maneira definitiva a validade do segundo postulado, segundo o qual a utilidade do salário, quando se usa um determinado volume de trabalho, é igual à desutilidade marginal desse mesmo volume de empre­go. Segundo a teoria clássica, o trabalhador arbitra entre aceitar um salário que aumenta a sua utilidade marginal ou dedicar mais tempo ao lazer se essa utilidade é inferior ao salário recompensado, em concordância com a hipótese de agente maximiza­dor. A existência deste postulado é o que permite explicar o desemprego segundo os autores clássicos, como sendo voluntário, excluindo  desse modo a existência do desemprego involuntário, assim somente existe desemprego voluntário.

Keynes rejeita que uma descida do salário real, pelo aumento dos preços quando os salários monetários permanecem inalterados, iria forçar uma descida da oferta de trabalho disponível ao nível de salário cor­rente, abaixo do volume de emprego anterior à subida dos preços. O postulado clássico sobre a conduta dos trabalhadores  equivale a dizer que aqueles desejosos de trabalhar ao salário corrente se retiram do mercado se o custo de vida se eleva ligeiramente Para além de que pressupõe que os trabalhadores dispõem de meios de vida acumulados que lhes permite essa conduta ou de um sistema de segurança que lhes garanta um mesmo nível de vida no desemprego.

Ele sublinha que no caso de descida dos salários nem os empregados nem os desempregados diminuem a sua oferta de trabalho. O salário monetário equivalente na forma de bens de consumo não repre­senta a desutilidade do trabalho, pois os trabalhadores estariam dispostos a trabalhar por um salário mais baixo. Esta ideia de Keynes é atribuída geralmente como o reconheci­mento da chamada ilusão monetária, o que não é caso, pois como veremos Keynes atribui aos diferencias relativos dos salários reais  o motivo da conduta dos trabalhadores (Patinkin, 1976).

Keynes objecta fundamentalmente que os contratos e negociações entre empresários e trabalhadores determinem o nível do salário real. Os trabalhadores não estariam contra a redução do salário real, não fazem oposição à descida do seu salário real quando existe um aumento do volume total da ocupação, a menos que exista uma ameaça extrema de uma descida do salário real abaixo da desutilidade do trabalho do volume de emprego existente. Isto implica que o sindicatos resistem à descida dos salários reais, mais que podem aceita-los se isto con­tribuir para aumentar o emprego. Alias tem vindo a ser prática do movimento sindical actual­mente não apenas em assegurar que os salários mantenham o custo de vida como o elevem, ressalvando as condições do emprego.

Este pressuposto não é consistente com a própria teoria clássica, que faz depender os preços do custo primo marginal medido em dinheiro e do facto dos salários nominais influenciarem esse custo. Se os salários monetários mudam, mudam também os preços, deixando os salários reais no mesmo nível anterior, o que os clássicos não assentem, em parte porque pressupõem que os trabalhadores fixam o nível de salário real compatível com o pleno emprego nas negociações colectivas e em parte porque acreditam que os preços são determinados pela quantidade de moeda.

Seja dito que aqui Keynes esquece na Teoria Geral de dizer que os lucros devem descer juntamente com os preços, apenas assim faz sentido a sua afirmação de que quando descem os salário monetários e os preços, os salários reais se mantém inalterados. Esta falsa confusão criada por Keynes deixa inalterado o facto que uma descida do salário nominal tem efeitos sobre as expectativas do consumo e por essa via sobre a procura efectiva. Não existe um mecanismo que diminuindo os salários reais aumente a procura efectiva, pois uma diminuição dos salários reais deveria provocar uma descida da taxa de juro e incentivar o investimento. Keynes sabia da rigidez dos salários monetários, admite que uma descida da unidade salarial aliviaria os custos primos marginais, mas contesta que esse alívio levaria a taxa de juro a descer, pelo qual considera a rigidez dos salários nominais menos importante que a rigidez da taxa de juro.

A primeira objecção é mais fundamental que a por Keynes chamada fundamental: os trabalhadores não abandonam o seu emprego cada vez que o salário real diminui, i.e., quando a desutilidade do trabalho é maior que o salário. A objecção ao 2º postulado clássico, mais teórica e fundamen­tal, de que o nível dos salários está directamente determi­nado pelas negociações colectivas, obrigará Keynes  a uma explicação teórica sobre as forças que determinam esse nível.

A atenção dos trabalhadores estaria mais centrada na manutenção dos seus salários reais relativos ao salário de outras categorias profissionais. A razão é que não existe mobilidade perfeita do trabalho que faça com que os níveis de salários se igualem, o que é por si razão sufi­ciente para opor-se à descida dos salários monetários.

Keynes pretendeu sobre tudo demonstrar a existência do desemprego involuntário, que os clássicos não admitiam A definição de desemprego involuntária coloca em relevo que tanto a oferta agregada de trabalho como a procura agregada de trabalho aos níveis de salário corrente, estão acima do volume de emprego. A conservação do segundo postulado implica que existe apenas desemprego voluntário e friccional, o que é consistente com uma teoria da distribuição dos recursos em condições de ocupação plena. Se rejeita-se o segundo postulado, é necessária uma teoria dos salários.

Para Keynes a teoria clássica representa um caso especial;  os trabalhadores se comportam de tal modo que um crescimento dos preços dos bens salários não induz uma queda do desemprego. O paradoxo está em que os trabalhadores actuariam correctamente ao abandonar transitoriamente o mercado de trabalho, contudo do abandono do trabalho resultam enormes problemas, pelo que aplicar a teoria clássica às situações de desemprego involuntário é um artifício.

Como corolário da existência do desemprego involuntário, Keynes rejeita a validez universal do principio de Say, o qual se define como o axioma das paralelas clássico, de que os custos de produção se cobrem  exac­tamente com as vendas derivadas da procura, que para um volume de produção considerado, o preço da oferta global é sempre igual ao preço da procura global. Se existe desemprego involuntário a procura será menor que a oferta, os rendimento do trabalho diminuem, o consumo diminui e nem todo acto de poupança individual favorece um acto de investimento.

É  necessário primeiro introduzir um elemento  teórico  vital   para  compreender a lei Say. Esta ideia  chave  que  encontramos em Say é a ideia  da neutralidade da moeda.  Say   pensa  que a moeda é procurada pelo desejo de adquirir   um  bem.   O conceito de moeda em Say é o  de   moeda  que facilita a circulação, moeda como meio de  circulação. Deste  modo  a  moeda  é procurada com algum fim,  i.e., a  sua   procura não se processa pelo  motivo de ser a moeda um bem em  si   próprio. O que conta é a economia real, a moeda só conduz  a  obter os valores comprados aos outros o que se segue a   venda  dos  próprios  produtos. O dinheiro  representa  a transformação  transitória  de  uma  soma de valor, entre um acto  de  compra  e   venda. Não existe então nenhum motivo para procura de moeda  para  além  desse e nenhum motivo que impeça a troca, e  nenhum  motivo  para reter a moeda. Os  excedentes  de moeda ocasionam mas ofertas  desta  ou  aquela   mercadoria  que  a sua procura, depreciando o  valor  da  oferta. Quanto  maior  seja o excedente, maior resulta  um  encorajamento   poderoso  a  fim de tirar partido dessa situação,  com  benefício   para  todo o mundo. O dinheiro não   oficia  senão como intermediário desta troca dupla;  acabadas  as   trocas encontra‑se sempre alguém que pague produtos com produtos. É preciso remarcar que um produto terminado oferece nesse instan­te um mercado aos outros produtos pelo montante do seu valor.  Em   efeito  assim  que  o produtor acaba um seu  produto,  seu  maior   desejo  e  o de vende‑lo, para que o valor desse produto  não  se   paralise  nas  suas mãos. Também não está menos  interessado  em   desfazer‑se  do dinheiro obtido na sua procura, de modo a  que  o   valor não se paralise.. Vê-se pois, que só o facto  de  formar‑se um produto, mesmo no instante, mediatiza‑se (débouché) em  outros   produtos.  A produção de um novo bem é criar um valor e assim  o   poder de adquirir o poder de comprar um produto de valor  equiva­lente.  A ideia base de esta chamada lei de Say é que o valor  de   todo produto se transforma em rendimento para todos os que parti­ciparam  no acto da sua produção. O dinheiro que  circula  sempre   será despendido automaticamente. Assim o valor total da  produção   será  igual ao valor total dos rendimentos distribuídos,  a  qual   provocará  despesas em bens de consumo e bens de  produção.  Dito   brevemente  todo o que é produto, será comprado por um  valor  de   compra equivalente a valor a ser distribuído. A  procura  é derivada, elemento subordinado à  oferta,  dito  de   outro modo os consumidores nunca faltam; o dinheiro  não se ente­soura  e  revêem sempre aos produtores os quais  o  utilizam  num   novo ciclo produtivo. O  problema não é a falta de dinheiro mas sim a falta  de  outros   produtos.  Se existe falta de dinheiro,  é porque  faltam  produtos  que  se transformem em dinheiro.. A riqueza  provem  do   facto  que exista mas riqueza para trocar, onde o dinheiro  adoce   os movimentos dos seres humanos. Assim a procura não tem senão  a  função de orientar a actividade na direcção dos sectores onde  se   produz  de  maneira  útil, de mais forte crescimento,  e  com  os   máximos de rendimentos. É que se a lei de Say existe, isto significa que não existe nenhum obstáculo para o pleno emprego. O resto da história clássica também se mantém: a parcimónia privada e nacional têm vantagens sociais, a atitude tradicional relativamente á taxa de juro é correcta, as vantagens do laissez-faire em matéria de comércio livre é considerável, etc. Mas se o princípio não for verdadeiro, existirá a necessidade de desenvolver devidamente a teoria do emprego e reconsiderar as doutrinas sobre a taxa de juro.

Se o mercado de trabalho no sentido neoclássico explica apenas o desemprego voluntário numa situação de desemprego massivo e persistente, tal implicará  a adopção de outras hipóteses sobre a conduta dos indivíduos e sobretudo discutir as causas do desemprego e as forças que determinam o nível do emprego.

A Teoria Geral é uma teoria do emprego de todos os factores de produção, enquanto que a teoria clássica analisa apenas um caso particular: o pleno emprego. Nesse sentido a Teoria Geral é uma teoria que põe em evidência a relação entre teoria e política económica, pelo que é um repto às concepções políticas ortodoxas.

A abordagem teórica de Keynes considera para além dos factores dados, as três leis psicológicas fundamen­tais: a propensão psicológica a consumir, a atitude psicológica referente à liquidez e a expectativa psicológica dos rendimentos futuros dos bens de capital( a eficiência marginal do capital), a unidade salário, tal como se deter­mina nos convénios colectivos e, a quantidade de moeda, fixada pela acção do banco central. Estes factores determi­nam o rendimento nacional e o volume de emprego. No capítulo “A Teoria Geral do Emprego ´Re-stated´”, Keynes procedeu a uma reconstituição de  todos os blocos constituintes, estes factores constituem as determinantes do sistema económico. Isto não significa senão que o objecto a descobrir, o volume de emprego, em cada instante de tempo, depende do estudo de um complexo de factores nos quais se destacam aqueles que principalmente mudam no tempo de análise, seleccionando finalmente aqueles e as variáveis que se possam deliberada­mente controlar ou regular por uma autoridade central.

A Teoria Geral responde a um problema para o qual a teoria económica não encon­trava uma resposta: o desemprego involuntário; formula um quadro teórico: uma teoria do output e do emprego, e, um modelo que capta no essencial os princípios que pautam as condutas dos indivíduos, grupos sociais numa economia monetária. Numa outra circunstância, a relação entre as variáveis é determinada em consonância com o objecto a estudar. A determinação do nível do output e do emprego como um todo é o objectivo da Teoria Geral. O modo como se determina é independente da afirmação que esse nível  pode manter-se.


 

[1] Keynes escreve em Novembro de 1934 a G.B. Shaw: " To understand  my stand of mine, however, you have to know that I believe myself to be writing a book on economic theory which largely revolutionise, -not, I suppose, at once but in the course of the next ten years- the way the world thinks about economic problems, when my new theory has been duly assimi­lated and mixed with politics and feeling and passions, I can predict what the final upshot will be in its effect on action and affairs. But there will be a great change, and, in particular, The Ricardian foundations of Marxism will be knocked away. Keynes J.M. ," To a letter to George Bernard Shaw, 1 January 1935", in CWJMK , vol. XIII, pp. 492-493.

[2] Keynes discute a posição clássica na base do livro de A. Pigou, " The Theory of Unemployment"; sobre a relação salários reais, monetários e emprego ver capítulo 10, parte II. Existe no vol. XIII das CWJMK , pp. 311-326, um epistolário sobre este livro entre Keynes, Robertson e Shove. A resposta de Pigou à crítica de Keynes encontra-se no livro de Pigou " Full Emploument and equi­librium".

[3] A evidência da  situação de 1932 nos EEUU, onde procedeu‑se a reduzir os salários  monetários, permite concluir que por essa via não  se reduz o desemprego.


 

[1] Estas ideias se encontram no seu primeiro livro de consagração pública "The Economic Consequences of the Peace". Keynes J.M., CWJMK,  vol. II. Tais factos estão bem relatados em R. Harrod, The Life of Keynes J.M., MacMillan, London , 1963 e também em R. Skidelsky, John Maynard Keynes: Esperanças Fustradas 1883-1920, Alianza Editori­al, 1986.