ENCUENTROS ACADÉMICOS INTERNACIONALES
organizados y realizados íntegramente a través de Internet



Economia social da adopção e novas formas de família: uma análise nomológico-deductiva das prácticas de solidariedade com crianças

Joám Evans Pim; Óscar Crespo Argibay
Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz
evans@igesip.org | argibay@igesip.org

Maria Ferreira; Mónica Rodrigues; Sónia Costa
Universidade do Minho (Portugal)
comonicar@hotmail.com



RESUMO

A grande motivação para a adopção e que abrange a maioria dos casos é a infertilidade do casal. Estes impossibilitados de formar uma família tradicional, constituída pelos progenitores e filhos biológicos, encontram na adopção a alternativa. Mas nem todos os casos têm este cenário familiar, há aqueles casais que tendo filhos biológicos abraçam a adopção com tanta determinação como os pais que só se vêm realizados por ela. Mas se o cenário destas famílias não é a infertilidade, qual é? Que tipo de motivações escondem estas famílias?
Partindo do pressuposto que existirá algo em comum entre as famílias que adoptam não pela impossibilidade de terem filhos, mas devido a outras motivações, neste artigo pretende-se ver porque estão dispostas a adoptar, o que as torna sensíveis à adopção e que características têm, que tipo de família constituíram. A família adoptiva é uma “Nova Forma de Família” por oposição à “Família Tradicional”, por isso mesmo que tipo de noção de família emerge, destas famílias que não procuram reconstituir a família tradicional, como no caso da infertilidade acontece, mas enveredam espontaneamente por um novo tipo de família, socialmente diferente do “natural” e “tradicional”.

 

Este texto fue presentado como ponencia al
SEGUNDO ENCUENTRO INTERNACIONAL SOBRE
Pobreza, desigualdad y convergencia
del 6 al 24 de marzo de 2006

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1. Introdução

O nosso trabalho envolve dois conceitos centrais: são eles o conceito de família e o conceito de adopção. No entanto o nosso trabalho pretende abranger os casos atípicos, tanto quando nos referimos à família, pois pretendemos estudar famílias que por definição se opõe à “Família Tradicional”, e também quando nos referimos à adopção, sendo o caso típico, a adopção por casais inferteis.
A família tradicional é constituída pelos progenitores e seus filhos biológicos, e a adopção pode ser um meio para construir a chamada família tradicional, devido à impossíbilidade de os casais terem filhos seus. Mas existem famílias que fogem a este padrão, quando pela adopção completam uma família tradicional. A adopção não é vista como uma alternativa, um modo de construir uma família à semelhança das outras famílias, mas um modo de construir uma família que se une além dos laços biológicos, por opção.
Numa sociedade ainda muito marcada pelo setting clássico da família tradicional nuclear e intacta, que tipo de noção de família, que dificuldades, que recompensas, têm estas famílias, que aura de “anormalidade” pesa sobre elas e, o que é que afinal as torna especiais. A nossa amostra foram duas famílias, que nos contaram a sua história e como surgiu a adopção na sua vida. Estas famílias encarnadas num protagonista, a mãe, com percursos e contextos muito diferentes, encararam uma realidade igual: a adopção de uma criança.
Foi através da análise de conteúdo que pretendemos analisar o seu discurso e tentar desvendar o que se esconde por detrás das suas palavras e o que nos revela acerca das suas vidas. Não ambicionamos verdades e com alguma reflexão tentamos retirar sentidos.

2. Conceitos centrais: família e adopção

É essencial para a compreensão do presente trabalho o esclarecimento de alguns conceitos chave. Assim, nos pontos seguintes iremos esclarecer como a sociedade entende a família e a adopção, do ponto de vista histórico, social e legal.

2.1.Família: conceito e transformações

O Dicionário de Sociologia define família como grupo social caracterizado pela residência comum, pela cooperação económica e pela reprodução. A família é constituída pelos pais e pelos filhos . Outra definição com que nos deparamos foi a seguinte: grupo social básico criado por vínculos de parentesco ou matrimónio presente em todas as sociedades. A família proporciona a seus membros protecção, companhia, segurança e sociabilização. A estrutura e o papel da família variam segundo a sociedade. A família nuclear (dois adultos com filhos) é a unidade principal das sociedades mais avançadas. Na família monoparental os filhos vivem só com o pai ou só com a mãe em situação de celibato, viuvez ou divórcio.
A família nuclear era a unidade mais comum na época pré-industrial e ainda é a unidade básica de organização social na maior parte das sociedades industrializadas modernas. Apesar disso, é necessário referir que as famílias também mudaram ao longo dos tempos. A família moderna tem-se transfigurado quanto à sua forma mais tradicional, assim como nas suas funções, composição, ciclo de vida e nos papéis da mãe e do pai.

2.2. Adopção: perspectiva histórica e legal

A prática da adopção esteve presente na maioria das sociedades humanas ao longo dos tempos. Como, por exemplo, nas sociedades indianas (leis de Manu); na Babilónia e Assíria (código de Hamurabi); no povo hebreu (Antigo e Novo Testamento); no povo egípcio (Documentos da XXVI dinastia); na Grécia ou ainda em Roma.
Podemos afirmar que a adopção no seu início foi, essencialmente, de tipo egoísta (satisfação dos interesses dos adoptantes); mas actualmente, visa o interesse da criança (interesses altruístas) e o da sociedade, na medida em que este e um processo que produz crianças bem desenvolvidas e adultos saudáveis. Foi neste sentido que a adopção foi introduzida no sistema jurídico português, no Código Civil de 1966 (Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966).
A adopção assume duas formas: plena e restrita. Segundo o art. 1977º (Decreto-Lei 496/77, de 25-11) a adopção é “plena ou restrita, consoante a extensão dos seus efeitos”. A adopção restrita “pode a todo o tempo, a requerimento dos adoptantes, ser convertida em adopção plena”.
A adopção plena caracteriza-se por substituir integramente (até a sua extinção) o vínculo de parentesco de sangue. Implica, em consequência, o reconhecimento dos mesmos direitos e obrigações que poderia ter um filho biológico. Pode-se dar em no caso de menores órfãos sem filiação acreditada, estado o estado de abandono declarado pelo juiz. Não se admite a possibilidade de reconhecimento posterior ou acção de filiação do adoptado pelos seus pais biológicos. O menor terá o sobrenome do adoptante, que pode ser composto.
No caso da adopção restrita, o adoptado ganha a posição de filho biológico respeito dos adoptantes. Mantêm-se, sem embargo, os direitos e obrigações do vínculo biológico, excluindo a potestade, que fica baixo a tutela dos pais adoptivos. O adoptado terá o sobrenome do adoptante, aliás possa optar por adicionar o biológico aos 18 anos.
É com o Decreto-Lei nº 190/92, de 3 de Setembro que o Acolhimento Familiar é institucionalizado legalmente em Portugal. O Acolhimento Familiar tem por objectivo “assegurar à criança ou jovem, um meio sócio-familiar adequado ao desenvolvimento da sua personalidade, em substituição da família natural, enquanto esta não disponha das devidas condições.” O artigo nº 1º, do mesmo Decreto-Lei, diz que as famílias de acolhimento destinam-se a “acolher, temporária e transitoriamente, crianças e jovens cuja família natural não esteja em condições de desempenhar a sua função educativa.”
A decisão de entregar uma criança a uma família de acolhimento prende-se com a necessidade de proteger a criança de situações de risco que podem assumir a forma de maus tratos físicos e/ou psicológicos, abuso sexual e qualquer forma de negligência ou desinteresse dos progenitores, quer episódicas ou permanentes.
As famílias de acolhimento dividem-se em duas modalidades: acolhimento familiar e colocação em família, cuja única diferença consiste na existência ou não de laços de parentesco entre a família que acolhe e a criança/jovem acolhido. Comum a estas duas formas de acolhimento familiar é a separação do grupo familiar de origem.
As famílias de acolhimento usufruem de uma compensação monetária, consubstanciada no subsídio de retribuição pelos serviços prestados e subsídio de manutenção (Artigo 14.º, ponto 2, alínea b). Despesas extraordinárias com saúde, transportes, equipamento escolar e outras, tais como educação, material escolar e de desgaste são também suportadas pelos serviços de enquadramento – Acção Social (Artigo 14.º, ponto 2, alínea d).

2.3. Adopção: perspectiva social e psicológica

É pedido às famílias adoptivas e por elas próprias desejado, o estabelecimento de vínculos e de um sentimento de pertença que se prolongue no tempo, mesmo através de gerações. Se bem que só se possa chamar família adoptiva após o adoptado estar adoptado, o período que antecede essa etapa é fulcral, e podemos dizer que antes de se ser uma família adoptiva já o era, devido aos vários momentos que ocorrem desde o primeiro contacto com a criança até à legalização da situação.
Dois aspectos são essenciais: a aceitação das diferenças por parte de todos os elementos da família nuclear e de origem, se for o caso; e o controlo extra-familiar, tal como o processo de avaliação e controlo sob a alçada dos Serviços de Acção Social. São contextos que com tais dificuldades e particularidades, são fontes de stress. Assim torna-se importante detectar as competências destas famílias, que suportes têm e utilizam para sustentar a dinâmica familiar. Assim mais importante do que detectar todas as etapas, fases e dificuldades e alegrias, é fundamental detectar como estas famílias reagem, como agem, como pensam, enfim, como são e o que têm em comum estas pessoas. Adivinhando alguns problemas das famílias adoptivas:
 O medo de um dia ser preterido em favor dos pais biológicos/ força do vínculo afectivo versus força do vínculo biológico
 Temor da herança biológica/ dúvidas relativas ao património genético
 Negação de dificuldades
 Medo de perderem a criança no período de pré-adopção
 Desejo de não voltarem a repetir a experiência

3. Considerações sobre o método de pesquisa

3.1. O tema e a pergunta inicial

A pergunta inicial da pesquisa poder-se-ia enunciar do seguinte jeito: Que características tem a família adoptante, com filhos biológicos, que a torna sensível e disponível para a adopção? A grande motivação para a adopção e que abrange a maioria dos casos é a infertilidade do casal. Estes impossibilitados de constituírem uma família tradicional, constituída pelos progenitores e filhos biológicos, encontram na adopção a alternativa. Mas nem todos os casos têm este cenário familiar, há aqueles casais que tendo filhos biológicos abraçam a adopção com tanta determinação como os pais que só se vêm realizados por ela.
Mas se o cenário destas famílias não é a infertilidade, qual é? Será que existem características comuns entre os adoptantes que já tinham filhos, assim como a característica da infertilidade unem os que por isso mesmo adoptam. Que tipo de motivações escondem estas famílias? Partindo do pressuposto que existirá algo em comum entre as famílias que adoptam não pela impossibilidade de terem filhos, mas devido a outras motivações, pretendemos saber porque estão dispostas a adoptar, o que as torna sensíveis à adopção e que características têm, que tipo de família constituíram. A família adoptiva é uma “Nova Forma de Família” por oposição à “Família Tradicional”, por isso mesmo que tipo de noção de família emerge, destas famílias que não procuram reconstituir a família tradicional, como no caso da infertilidade acontece, mas enveredam espontaneamente por um novo tipo de família, socialmente diferente do “natural” e “tradicional”.

3.2. Análise de Conteúdo: quadro de referência teórico

Após a delimitação do tema, houve que escolher os procedimentos a utilizar para o tratamento da informação recolhida. Neste sentido a análise de conteúdo semelhou ser o método idôneo, sendo como um conjunto de instrumentos metodológicos ampliados a discursos extremamente diversificados cujo fator comum é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução, isto é, a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois pólos do rigor e da objetividade e da fecundidade da subjetividade.
No plano metodológico poder-se-ia enveredar pela análise quantitativa ou pela análise qualitativa. Na primeira o que serve de informação é a freqüência com que surgem certas características do conteúdo. Na análise qualitativa ou temática, o que serve de informação é a presença ou a ausência, de uma dada característica ou um conjunto de características de conteúdo. A quantificação é sem dúvida uma estratégia cheia de virtualidades, diz Jorge Vala (1999), mas não há justificação para não reconhecer os sucessos das investigações de orientação qualitativa. “O rigor não é exclusivo da quantificação, nem tão pouco a quantificação garante por si a validade e fidedignidade que se procura”.
Enveredamos pela análise qualitativa uma vez que esta se adapta melhor ao tipo de informação a recolher. Isto porque se reveste de características particulares, com especial validade para a elaboração de deduções específicas. Pode funcionar sobre um corpus reduzido, sendo este o caso da nossa pesquisa, e estabelecer categorias mais descriminantes, que não dariam lugar a frequências suficientemente elevadas para que os cálculos de uma análise de frequência fossem possíveis. No entanto a análise qualitativa não implica a eliminação de qualquer forma de quantificação somente os índices são retirados de modo não frequencial, pelo que teremos em consideração a frequência de algum tipo de léxico

3.3. Método de recolha do material utilizado

Existem diversos modos de se abordar um tema, pensamos que a biografia directa através de entrevista, método por nós utilizado, é um dos mais interessantes. Em primeiro lugar porque dá liberdade ao entrevistado de falar abertamente, e por outro, porque permite a especialização do tema, através da condução da entrevista para questões pertinentes. Na história de vida pede-se a um indivíduo que descreva a sua história ou alguma experiência pessoal, e a técnica que serve de base à recolha deste tipo de informação é a entrevista semidirectiva. A fragilidade está no facto de poder existir um enviesamento devido à presença do entrevistador. Utilizamos um questionário e demos liberdade de palavra ao locutor, sem que no entanto não tenhamos tido a precaução que certos assuntos não fossem negligenciados. O questionário ou guião de entrevista, tal como a última denominação indica, foi um simples guia, útil é claro, mas que nunca foi rigoroso e constrangedor. Por isso mesmo constatamos que de duas entrevistas seguindo o mesmo guião surgiram assuntos muito diferentes e com questões que divergiram do guião, adaptando-se aos factos narrados pelo entrevistado. As entrevistas encontram-se na sua forma integral em anexo, tendo sido gravadas e posteriormente transcritas. Temos no entanto consciência que a passagem do oral para o escrito implica necessariamente uma desnaturalização, perdendo parte do seu sentido, pois na expressão oral o enunciado é tonalizado, gestualizado, informações como silêncios, entoações, por vezes muito importantes, perdem-se quando transformadas num conjunto de frases.
É de notar que após a recolha dos dados fornecidos pela entrevista não procedemos a qualquer tipo de verificação dos relatos, podendo ser considerado apenas como um testemunho. No entanto, é daí que advém o seu valor, pois é devido a esta característica, que este método de “história imediata” ou “história de vida” se diferencia das restantes ciências históricas.

4. Considerações sobre a recolha do material

A informação a analisar, sob a forma de discurso, foi recolhida através de entrevista. Esta é composta por várias etapas, desde a construção das perguntas ou assuntos chave, até ao tratamento do material para ser possível a análise. A entrevista é gravada e transcrita de modo a proceder-se à análise de conteúdo.

4. 1. O Guião de Entrevista

A primeira etapa para o trabalho de campo foi a elaboração do Guião de Entrevista. Tivemos em consideração que este deveria abranger uma quantidade de tópicos ou perguntas-chave, suficientemente alargado para se compreender o percurso de vida dos entrevistados. No entanto, tivemos de ter em atenção não nos dispersarmos em demasia do tema, pelo risco de no final termos muita informação, mas pouca de interesse para a nossa pergunta.

4.2. A Entrevista

Realizamos a entrevista a duas mulheres, representantes de duas famílias constituídas pelo casal (unidos pelo matrimónio), filhos biológicos (ambas com três filhos biológicos) e por um filho adoptivo. Entrevistamos o elemento feminino uma vez que a figura de mãe reveste-se de um importante papel, não descurando a importância da visão dos restantes elementos, no primeiro contacto, foi o elemento feminino que desde logo se prontificou a fazer a entrevista.
Na entrevista tentamos criar um ambiente de alguma familiaridade e confiança, de modo a evitar inibições. Fomos muito bem recebidos e os dois entrevistados mostraram a máxima disponibilidade. Na verdade pensamos que é um assunto de que gostam de falar e pensamos não ter havido razões de inibição ou falta de verdade nas entrevistas. As entrevistas foram realizadas seguindo o guião mas dando alguma liberdade ao entrevistado. Foram gravadas com autorização e posteriormente transcritas.
A primeira entrevista, retrata uma família da cidade de Braga, sob o testemunho de Fernanda com 44 anos. A segunda, retrata uma família da cidade de Vila Nova de Famalicão, sob o testemunho de Salete de 47 anos.

5. Análise de conteúdo

A análise de conteúdo passa por várias etapas. Numa primeira, realiza-se uma leitura “flutuante” das entrevistas em busca de significados. A leitura pouco a pouco vai-se tornando mais precisa em função de hipóteses emergentes. Assim a etapa que se segue é a elaboração das hipóteses.

5.1. Elaboração das hipóteses

As hipóteses são afirmações que nos propomos a infirmar ou afirmar, após a análise do conteúdo da nossa informação. São deduções sem carácter definitivo, realizadas pelo senso-comum ou leitura superficial. Após a análise iremos verificar se estas afirmações correspondem ou não, à realidade por nós estudada.
As nossas hipóteses são as seguintes:

 Estas famílias, encarnadas num protagonista (mãe), adoptaram porque entraram em contacto com as situações.
 Estas famílias não conseguem ser indiferentes à vida alheia, ao mundo que as rodeia, às crianças. São pessoas sensíveis.
 Estas famílias não adoptaram para seu bem-estar pessoal mas tendo em vista o bem-estar da criança.
 Nestas famílias já existiam práticas de solidariedade, nomeadamente a crianças.
 O facto de já terem filhos torna estas famílias mais sensíveis a situações particularmente relacionadas com crianças.
 O meio envolvente influi na sensibilidade ou iniciativa para a solidariedade e posteriormente a adopção.
 Estas famílias têm uma noção de família forte.
 Estas famílias provêm de famílias numerosas e constituíram por analogia famílias numerosas, tendo em conta o contexto histórico-social.

5.2. Categorização das entrevistas

A análise categorial é uma das práticas da análise de conteúdo mais antigas e também mais utilizada. Funciona por operações de desmenbramento do texto em categorias, segundo um agrupamento por temas, no caso de ser análise temática. É um modo fácil e eficaz de aplicação a discursos directos. A primeira etapa é a de construir a tabela de categorização, dividindo-se por temas de análise e referindo os indicadores possíveis, para categorizar o discurso. Utilizamos o seguinte quadro de categorização:

I - Contexto Familiar

a) Família de origem
Indicadores: relação pai/mãe; relação com outros familiares; tipo de educação.
Nesta categoria pretendíamos obter informações significativas acerca do seu passado, ou seja, era nosso objectivo saber até que ponto a educação que recebeu na sua infância contribuiu para a formação da sua identidade. Se teve uma educação conservadora, saber qual era a sua religião e se tinham práticas habituais. Procurámos saber como era constituído o seu núcleo familiar de origem: com quem viviam, número de irmãos, como era vivido o dia a dia, a relação dos pais, como era ocupado o seu tempo, o percurso escolar, etc.

b) Família que constituiu
Indicadores: relação marido/mulher; relação com os/as filhos/as; concepção de maternidade.
Era importante saber de que forma foi constituído o núcleo familiar. Quais as maiores transformações que sentiu ao deixar o estatuto de solteira para passar a esposa e mãe. Que relação mantém com o marido e filhos e de que forma o modelo familiar de origem influenciou a família que constituiu. Saber como é que ela soube lidar com a responsabilidade de ter outras pessoas dependentes dela.

c) Universo relacional
Indicadores: relação com outros familiares; ambiente sócio-cultural.
Procurámos averiguar que outro tipo de influências poderiam rodeá-la. Saber se tem o hábito de se encontrar com amigos ou família mais afastada ou até mesmo se tem passatempos favoritos.

d) Ambiente económico
Indicadores: profissão; habilitações; posses.
Nesta categoria tínhamos com objectivo indagar quais as habilitações e profissão das entrevistadas, ou seja, pretendíamos averiguar, transversalmente, de que modo o nível económico facilitou ou complicou o processo de adopção e a pós-adopção.

e) Práticas de solidariedade
Com esta categoria aspirávamos saber quais as práticas de solidariedade que as entrevistadas praticam, se estas são feitas à semelhança das práticas da família de origem, compreender de que forma estavam já predispostas à adopção assim como saber se a adopção teria partido de uma dessas práticas.

II - Adopção

a) Primeiro contacto com a criança

O objectivo desta categoria era aprofundar como, quando e porquê as entrevistadas tinham efectuado o primeiro contacto com a criança. Pretendíamos saber se contacto tinha sido casual, fruto do acaso ou se, pelo contrário, tinham sido as entrevistadas a procurar as crianças.

b) Decisão da adopção
Indicadores: processo de decisão (casual/premeditado); opinião dos familiares.
Com esta categoria procuramos compreender quais os factores que conduziram ao processo de adopção. Assim como quais os motivos que contribuíram para a tomada de decisão a favor da adopção, como por exemplo, se foi o vínculo estabelecido com a criança que foi decisivo, se a opinião dos familiares foi preponderante para a decisão.

c) Adaptação
Indicadores: reacção da criança adoptada; aceitação da filiação.
Nesta categoria abordamos as questões referentes ao processo adaptação da criança adoptada após a adopção. Como foi a adaptação a esta nova fase da vida delas e como lidaram com a aceitação da nova filiação e da autoridade daí decorrente.


d) Recompensas
Indicadores: sociais; pessoais.
Esta categoria tem por finalidade apontar as recompensas recebidas através da adopção e se elas foram procuradas deliberadamente através da adopção. Na existência de recompensas procuramos saber qual a sua origem, isto é, se a sua motivação foi a solidariedade, o reconhecimento social ou a satisfação pessoal, assim como sob que aspectos é que ela se traduziu.

e) Dificuldades
Indicadores: económicas; jurídicas; sociais; institucionais; familiares.
Esta categoria abordou as dificuldades sentidas quer ao longo do processo de adopção quer no período pós-adopção. Tentamos perceber qual a sua natureza (económica, jurídica, social, institucional ou familiar), como foram encaradas e de que forma foram ultrapassadas. Nesta categoria procuramos compreender se as dificuldades actuaram como factor de desânimo ou de motivação.

f) Transformações
Indicadores: profissionais; pessoais; familiares; económicas; sociais.
Esta última categoria aprofundou as questões inerentes às transformações sentidas e vividas a nível pessoal, familiar, profissional, social e económico, ou seja, de que modo a adopção mudou a vida das entrevistadas e das suas famílias.

5.3. Inferências

As inferências constituem o procedimento intermediário entre a descrição e a interpretação, permitindo a passagem explicita e controlada de uma a outra. A inferência é a indução a partir dos dados. A intenção de qualquer investigação é produzir inferências válidas. A análise de conteúdo é um instrumento de indução para se investigarem as causas, as variáveis inferidas a partir dos efeitos que são os indicadores.
Após a categorização de cada entrevista, o procedimento seguinte foi o de realizar as inferências. O objectivo das inferências é ir além da descrição e retirar do texto aquilo que está para além dele, os significados que se escondem por detrás das palavras. A análise prende-se com o equilíbrio entre o objectivo e o subjectivo. Apesar das inferências serem um processo que se rege por uma metodologia, a mais valia das inferências é a “nossa” subjectividade.
O facto de Fernanda e Salete provirem de uma família com muitos irmãos, poderá ser uma razão para que tenham constituído uma família grande (quatro filhos é desviante da tipologia de família actual). No entanto, na geração em que nasceram, o habitual eram as famílias numerosas, portanto, questionamo-nos se realmente este foi um factor decisivo para desejarem Ter uma família numerosa.
Pensamos que talvez tenha sido mais importante o facto de tanto as famílias de origem como as que constituíram terem um bom ambiente familiar e uma noção de família positiva, forte, segura e feliz, onde há sempre espaço para mais um membro. Desde cedo, ainda adolescentes, se habituaram a ter crianças a seu cargo, e ao longo da vida viriam a manter crianças em casa. Para as protagonistas, criar uma criança nunca terá sido um obstáculo. Na verdade, a família teve, para ambas, sempre uma grande importância, a família seria o móbil de vida, um modo de realização pessoal.
No caso de Salete, impedida de trabalhar por motivos de saúde, além de não ter uma profissão, sem perspectivas de vida, a educação de uma criança era algo que estava ao seu alcance e seria a sua fonte de realização pessoal. Ao longo do seu discurso repetem-se frases como “fui eu que criei”, “tomei conta”, “fui eu que dei tudo”. No caso de Fernanda, a família esteve sempre presente como um valor muito importante. Educou os seus filhos em torno desse valor e sentiu que seria fundamental responder ao apelo das crianças que recolhia da instituição, que desejavam ter uma família. Procurou mostrar a essas crianças o que era uma família, e, quando adoptou, o seu principal objectivo foi o de dar uma família aquele menino institucionalizado, que não sabia o que era alguém que cuidasse dele. O seu móbil de vida, mais do que ter uma família, foi o dar um pouco da sua família a crianças que não a tinham.
Existe uma diferença fundamental entre estas duas famílias, o contexto económico. No caso de Salete, o contexto é economicamente desfavorável e no caso de Fernanda acontece o inverso, sendo uma família de posses. Mas em ambos os casos o ambiente económico foi um adjuvante para a adopção, sendo-o no entanto por motivos diversos. Por Salete conviver com situações de precariedade houve a possibilidade de ter contacto com crianças que precisavam de auxilio. No caso de Fernanda, a disponibilidade económica permitiu a convivência com instituições, fazendo caridade, dando roupas.
Chegamos à conclusão que o nível económico não é preponderante para a tomada de decisão da adopção. Embora admitindo que possa ajudar no processo e proporcionar um maior conforto e maior resposta às necessidades da criança, mais importante do que terem proporcionado as oportunidades, foi perceber que as crianças precisavam do apoio destas mulheres.
No caso de Salete, sem muitas posses, não hesitou em ficar com aquela menina ao seu cuidado. No entanto, temos de levar em consideração o facto de que as duas crianças em questão não têm a mesma idade e não passaram pelas mesmas circunstâncias, muitas vezes difíceis. Ou seja, o menino de Fernanda, que agora já é um garoto de escola, necessita de apoio escolar e psicológico, isto porque sofreu alguns traumas, dos quais tem consciência, pelo facto de ter sido retirado bruscamente do lar de Fernanda pela instituição. É nesta dimensão que o factor económico parece ter mais preponderância, ao permitir a Fernanda dar determinadas condições ao menino. Já a menina de Salete, por ainda ser pequenina, não podemos afirmar que algum dia possa vir a precisar de acompanhamento especial. Queremos acreditar que se um dia vier a precisar, haja neste mundo mais Fernandas e mais Saletes que lhes possam a mão. Para isso é que existem as instituições de solidariedade.
As duas protagonistas consideraram que o decorrer dos acontecimentos e do seu percurso de vida, foi mera casualidade, tal como se tivesse sido inevitável. No entanto consideramos que foram elas as únicas responsáveis pelos acontecimentos. Para Salete, que afirma que “tudo me vem aqui parar”, pensa que tudo fez para contrariar o desenrolar dos acontecimentos, contradizendo-se, dizia que nada faria para intervir nas situações, e agia em contrário, pois o seu coração a isso a impelia. Sentimos que é uma pessoa dotada de grande sensibilidade, incapaz de ficar indiferente às situações de precariedade, principalmente quando envolve crianças. O mesmo se pode dizer em relação a Fernanda, sempre com um espírito de interajuda, nota-se a sua grande sensibilidade pela vida das crianças com quem tomou contacto. Impressionada pelas condições dadas pelas instituições e pelo abandono a que as crianças mostravam, muitas vezes afirmou ter ficada escandalizada pela falta de interesse que a instituição demonstrava pelos seus sentimentos e carências. Por isto, procurou sempre repor a justiça, chamando a atenção da instituição para o facto de estas crianças serem seres humanos e precisarem de atenção e afecto. Não conseguindo ser indiferente, ou de manter algum distanciamento, acabou mesmo por adoptar.
Outra característica das adoptantes é o seu pragmatismo. O modo como lidam com a vida é algo particular. Vivem a vida sem dramatismos e sem problematizar. Não valorizam ou desvalorizam as situações, vivem-nas com naturalidade, num viver do dia-a-dia, de modo simplista. Não se valorizam por terem constituído uma família grande, consideram-no como natural. Não têm um sentido egocêntrico da vida, pouco falam de si, valorizando sempre a vida das crianças. Também têm uma grande determinação, são mulheres decididas, e com carácter forte. Nunca se abateram perante as dificuldades e lutaram sempre pelo que pensaram que estava certo.
Conseguimos deduzir que não são pessoas preconceituosas. Fernanda não foi demovida da sua afeição e intenção, pelo facto de a criança ser filha de uma mulher toxicodependente, que se prostituía, e pertencer a outra etnia, marginalizada pela nossa sociedade. Do mesmo modo, Salete não se intimidou por a criança ser, igualmente, filha de uma toxicodependente e ex-reclusa.

6. Conclusão

Pudemos observar que a noção de família para estas mulheres não se prende com laços sanguíneos mas, mais importante que isso, com os laços afectivos que se criaram com a criança. O que nos leva a acreditar que a parentalidade está desligada do sangue e do código genético mas que está inscrita na nossa herança cultural. A solidariedade faz parte de nós e com a mesma simplicidade que muitas vezes damos uma esmola a um mendigo, estas mães deram o seu lar. Acontece como que por milagre, algo é despertado em nós, a cegueira passa e passamos a ver o outro como parte integrante de uma grande família: a da Humanidade.

Bibliografia
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Polaino, Aquilino; Sobrino, Ángel; Rodríguez, Alfredo, Eds. (2001): Adopción: aspectos psicopedagógicos y marco jurídico, Barcelona, Ariel.
Pool, Ithiel (1959): Trends in Content Analysis, Urbana, University of Illinois Press.
Relvas, Ana Paula; Alarcão, Madalena (2002): Novas Formas de Família, Coimbra: Quarteto Editora.

 


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