Jorge Antonio Santos Silva
Universidade Salvador – UNIFACS
jorge.antonio@unifacs.br
Resumo: O presente texto objetiva tratar de um tema da maior importância que
é o enquadramento econômico do turismo. Para tanto, retoma um questionamento que
vem sendo realizado na Espanha, desde finais dos anos 1980, pelo Prof. Dr.
Francisco Muñoz de Escalona sobre a natureza do turismo como atividade econômica.
Esta questão traduz a intenção de Muñoz de Escalona em estimular o debate sobre
o tema, não tendo obtido até então, no entanto, receptividade junto à comunidade
dos experts científicos do turismo que, provavelmente, não veêm o que discutir
diante da já consolidada e difundida “teoria econômica do turismo”, à qual Muñoz
de Escalona denomina de convencional, caracterizando-a como uma abordagem
macroeconômica e com enfoque de demanda. Muñoz de Escalona e o Prof. Dr. Juan
María Jaén Ávila contrapõem a esta abordagem o modelo teórico alternativo, que
qualifica como de caráter microeconômico e com enfoque de oferta. O texto também
apresenta a contribuição do Prof. Dr. Elies Furió Blasco, que analisa a questão
sob o enfoque do desenvolvimento econômico por meio de enlaces, enfatizando a
expressão territorial do turismo. O debate está em aberto, pois a questão ainda
não foi respondida de modo definitivo, devendo ser buscado um modelo que permita
a sistematização de um corpo teórico unificado no âmbito da economia aplicada ao
turismo.
Palavras-chave: turismo; teoria econômica; turismo na economia; enfoque de
demanda; enfoque de oferta.
Abstract: The present text aims to treat a theme of the largest importance that
is the economical framing of the tourism. For so much, it retakes a question
that has been accomplished in Spain, from ends of the years 1980, by Prof. Dr.
Francisco Muñoz de Escalona about the tourism nature as an economical activity.
This subject translates the intention of Muñoz de Escalona in stimulating the
debate on the theme, not having obtained until then, however, receptivity close
to the community of the scientific experts of the tourism that, probably, don´t
see wthat to discuss before the already consolidated and spread " economical
theory of the tourism ", which one Muñoz de Escalona denominates of conventional,
characterizing it as a macroeconomics approach and with focus on the demand.
Muñoz de Escalona and Prof. Dr. Juan María Jaén Ávila opposes to this approach
the alternative theoretical model, that qualifies as microeconomics character
and with focus on the offer. The text also presents the contribution of Prof.
Dr. Elies Furió Blasco, that analyzes the subject under the focus of the
economical development through connections, emphasizing the territorial
expression of the tourism. The debate is opened, because the subject still was
not answered in a definitive way, and should be looked for a model to allow the
sistematizetion of a theoretical scope unified in the extent of the economy
applied to the tourism.
Key words: tourism; economical theory; tourism in the economy; demand focus;
offer focus.
Turismo y Desarrollo
Pulsando aquí
puede solicitar que le enviemos el Informe Completo y Actas Oficiales en CD-ROM Si usted participó en este Encuentro, le enviaremos a la vez su certificado en papel oficial. Vea aquí los resúmenes de otros Encuentros Internacionales como éste VEA AQUÍ LOS PRÓXIMOS ENCUENTROS CONVOCADOS
|
Considerações Iniciais
Neste texto, fazendo coro à voz do Prof. Dr. Francisco Muñoz de Escalona,
questiona-se sobre qual o mais adequado enquadramento do turismo no domínio da
Teoria Econômica. O turismo pode ser considerado como um “setor” econômico? Como
uma “indústria”? Dentre os setores econômicos em qual o turismo pode ser melhor
enquadrado: no setor primário, no secundário, ou no terciário? A melhor forma de
analisar o turismo, sob o ponto de vista da ciência econômica, é sob a ótica da
“produção turística” – com foco na oferta, ou sob a perspectiva dos “gastos
turísticos / consumo turístico” – com foco na demanda?
O presente texto contrapõe distintas abordagens teóricas com o objetivo de
alcançar uma aproximação de respostas a esses questionamentos, buscando realizar
uma análise sistematizada de tão relevante temática.
O turismo se apresenta, em sua forma mais simples, como uma corrente massiva que
se desloca desde um mercado de origem até um núcleo receptor, apresentando dois
problemas básicos: sua má distribuição no tempo e sua polarização no espaço.
Isso revela a necessidade de um disciplinamento no contexto global onde opera o
turismo, visando dotá-lo de uma racionalidade econômica que permita o controle
das variáveis envolvidas, possibilitando a obtenção do pleno desenvolvimento das
suas potencialidades, tanto nos lugares de emissão como nos de recepção dos
fluxos físicos e monetários da atividade turística.
O turismo se preocupa com a produção e distribuição de bens e serviços que
tornam possíveis os benefícios esperados pelos turistas em viagem. Os principais
objetivos econômicos gerais do turismo, são:
maximização da quantidade de experiência psicológica para os turistas [da
utilidade dos bens e serviços];
maximização dos lucros das firmas que produzem bens para os turistas;
maximização dos impactos primário e secundário dos gastos turísticos sobre uma
determinada comunidade, região ou país (HAVAS, 1981, p. 6).
O tratamento econômico do turismo requer, no entanto, uma abordagem que
contemple ao lado da análise científica, a consideração do elemento humano que é
fundamental em sua manifestação.
A economia é parte do humanismo científico, porque o fato econômico é um aspecto
do fato humano. Como em nossa sociedade livre contemporânea o interesse
econômico se converteu em dominante, desde um ponto de vista quantitativo, o
tratamento econômico do turismo deve fazer-se sob distinta consideração que a do
resto do tratamento humanístico.
Todo o rigor científico da ciência econômica deve centrar-se no tratamento do
fenômeno turístico. Porém, o seu caráter [...] humano [...] faz que nem sequer
para seu tratamento econômico possa desumanizar-se o turismo.
Se se desumaniza, se desvirtua e perde realidade, e a economia não opera sobre
entidades irreais. Por isso, as categorias econômicas do turismo têm que possuir
uma específica personalidade, sem perder seu rigor científico; devem ser o
suficientemente flexíveis para estudar o fenômeno turístico de uma maneira real
e, por sua vez, para poder integrar-se nas categorias econômicas gerais.
Quando se criou a ciência econômica, o turismo não tinha a atual transcendência,
e o elemento humano da economia era bastante menos respeitado que hoje. Por isso,
é justo que, na prática e na idéia, tratemos de encontrar formas mais adequadas
para as categorias econômicas do turismo (CIERVA Y DE HOCES, 1963, p. 48-49).
Realizadas as considerações acima, se buscará, na sequência do texto, explicitar
o enquadramento mais adequado do turismo na economia, bem como os traços
característicos dos distintos enfoques econômicos sob os quais o turismo é
analisado.
O Turismo na Economia: Atividade, Setor ou Indústria?
É difundido o princípio de não reconhecer-se ao turismo o caráter de “setor”
econômico, já que os outputs do processo produtivo turístico são heterogêneos e
gerados em fontes muito diferentes.
No sistema econômico, as empresas distribuem-se em seis grandes grupos
denominados de setores econômicos, quais sejam: Agricultura; Mineração;
Indústria; Construção; Comércio; e Serviços, sendo que, nos quatro primeiros, as
empresas realizam atividades produtivas orientadas para a obtenção de diversos
tipos de bens. Segundo Boullón (1997), Colin Clark, em 1940, propôs uma nova
classificação, que se tornou universalmente aceita, pela qual os setores
econômicos se reduziram a três: Primário; Secundário; e Terciário.
Boullón procede uma detalhada reflexão teórica, analisando em qual setor o
turismo melhor se enquadraria, chegando a algumas conclusões a respeito.
Fica claro [...] que o turismo não pertence ao setor primário pois ainda que o
turismo utilize os atrativos naturais, não os extrae (como a mineração) nem os
produz (como a agricultura); portanto, o turismo não “explora” os atrativos
naturais, somente os “usa”, [...].
[...] pode-se afirmar que o turismo não é um resultado da construção porque esta
produz obras físicas como estradas, pontes, represas, casas, aeroportos,
hospitais, etc., os quais prestam diversos serviços.
[...] a indústria é uma atividade de transformação que emprega numerosos
recursos, alguns dos quais podem ser matéria-prima e, outros, produtos
industriais intermediários. Em geral, é o produto final que serve para
qualificar os diferentes tipos de indústria; [...] se o turismo fosse uma
indústria, deveriam existir, mas não existem, fábricas de turismo ou processos
industriais cujo produto final ou intermediário fosse o turismo. Em troca, podem
citar-se numerosos produtos industriais que são utilizados pelos turistas, [...
que] se originam em diferentes ramos da indústria, [...] e não em uma especial
chamada indústria do turismo.
Fica claro, pois, que o turismo é uma forma de consumir, algo assim como um
canal para o qual conflue uma demanda especial de muitos tipos de bens e
serviços elaborados por outros setores, mais o consumo de alguns serviços
especialmente desenhados para satisfazer necessidades próprias dos viajantes.
Portanto, o turismo pertence ao setor terciário, e não ao secundário, como
deveria ser para que se pudesse catalogá-lo como pertencente à indústria, [...]
(BOULLÓN, 1997, p. 26-29).
De acordo com a argumentação de Boullón, entende-se que o turismo é uma
atividade econômica, de natureza consuntiva, pertencente ao setor terciário por
se constituir marcadamente uma prestação de serviços.
Nesse contexto, a valoração da produção turística é complexa, devido a não se
poder recorrer ao cálculo de um ou vários ramos produtivos da contabilidade
nacional, em função de não existir nenhum setor cuja produção dirija-se por
completo à demanda turística, e também, porque a atividade turística, inclusive
diretamente, afeta praticamente a todos os setores da economia.
A demanda turística, conforme Armellini Di Santi e Isabella Revetria (2003),
excede os serviços que oferecem os setores tradicionalmente vinculados de forma
direta ao turismo, abrangendo a quase totalidade de bens e serviços existentes
na economia, já que todos eles são passíveis de consumo direto ou indireto por
parte dos turistas.
Isto implica uma dificuldade para observar a atividade turística desde a oferta
por setores ou indústrias relacionadas, já que o consumo turístico se define no
momento em que se concretiza a compra por parte do turista, e não no momento em
que se produz a oferta (dado que no momento da produção normalmente se
desconhece quem é e onde reside habitualmente o consumidor). [...] Desde este
ponto de vista então, entende-se que não é correta a caracterização do turismo
como um “setor” da economia, já que abrange a praticamente todos os setores e
indústrias da mesma, [grifo dos autores] (ARMELLINI DI SANTI e ISABELLA REVETRIA,
2003, p. 6-7).
Adicionalmente, Esteve Secall afirma que não existem “empresas turísticas” – em
um sentido puro. Segundo o autor,
existem empresas hoteleiras, restaurantes, transportadoras, empresas de
entretenimento / lazer, etc. Todas elas satisfazem parte das demandas e
necessidades do turista, mas não são empresas turísticas strictu sensu porque
não satisfazem à totalidade das necessidades do cliente-turista. Não existe
nenhum tipo de empresa que possa satisfazer a totalidade das demandas do
turista. [...] (ESTEVE SECALL, 2002, p. 16).
Muñoz de Escalona (1990), comenta ser correto afirmar-se que não existe um
“setor turístico” da mesma forma que existe o setor industrial, com o que a, por
ele denominada, teoria econômica convencional do turismo concorda, embora não o
faça explicitamente. Acrescenta ainda, ser uma contradição da teoria clássica
admitir a consideração do “setor turístico” como pertencente ao setor terciário,
dados o elevado grau de agregação, a abrangência e complexidade da atividade e
do próprio produto turístico, que constituem a razão de ser de sua sustentação
conceitual e metodológica. Muñoz de Escalona monta uma matriz que cruza setores
de demanda – de residentes e de turistas, com setores de oferta – primário,
secundário e terciário, na qual se definem os totais setoriais e gerais (Quadro
1).
Nesta matriz, as abreviações referem-se a: PR – primário residencial, PTur –
primário turística, ToP – total primário; SR – secundário residencial, STur –
secundário turística, ToS – total secundário; TeR – terciário residencial, TeTur
– terciário turística, ToTe – total terciário; e TdR – total residencial, TdTur
– total turística, TT – total geral.
A partir dos cruzamentos desta matriz, Muñoz de Escalona analisa que para a
teoria clássica o “setor” turístico se definiria pela expressão PTur + STur +
TeTur = TdTur, embora na prática se venha considerando que é somente TeTur,
agregando, no entanto, determinados sub-setores de ToTe, em função da
dificuldade encontrada para identificar o que, precisamente, compõe o TeTur.
No contexto do modelo alternativo, o turismo ou o produto turístico
não deve ser confundido com os recursos naturais ou culturais, nem com os
chamados destinos turísticos, nem com os serviços de transporte ou de
hospitalidade. Estes não são mais que fatores que servem para produzir turismo.
Dito de outro modo: o turismo é uma atividade produtiva do setor terciário da
economia que se obtém com outros serviços que não são turismo (MUÑOZ DE
ESCALONA, 2005, p. 10).
O Mainstream da Economia Clássica ou Convencional do Turismo (OMT) – Enfoque de
Demanda e Macroeconômico
O produto turístico se realiza, em conformidade com Sessa (1983), por intermédio
de um composto de atividades e serviços relativos ao alojamento – indústria da
construção e indústria de transformação; à alimentação e às bebidas – atividade
agrícola e indústria alimentícia; aos transportes – indústria de transformação e
de consumo energético, além de serviços; às aquisições de produtos locais –
artesanato e indústria do vestuário ou de transformação; às visitas e aos
divertimentos – também serviços. Todas essas atividades são ligadas a uma
atração natural ou cultural.
Esse conglomerado de atividades permite, segundo Sessa, a realização do produto
turístico que na sua fase final é atividade produtiva, de serviços. Deste modo,
os bens naturais e culturais tornam-se bens diretamente produtivos, participando
do processo geral de expansão da economia.
O turismo, portanto, representa um conjunto de atividades produtivas, no qual os
serviços têm um caráter prevalente, que interessam a todos os setores econômicos
de um país ou uma região, se caracterizando por possuir, de acordo com Sessa,
uma interdependência estrutural com as demais atividades, em maior grau e
intensidade que qualquer outra atividade produtiva.
Nesse sentido, a raiz do fenômeno turístico se encontra na colocação em
circulação econômica dos bens naturais e culturais, que, até então, permaneciam
à margem dos circuitos econômicos por sua anterior natureza de bens livres.
Para a emissão dos bens naturais no circuito econômico torna-se necessário
incorrer em custos de transformação, representados, num primeiro estágio, pela
implantação de infra-estruturas que podem afetar o meio ambiente. O cálculo dos
custos se apresenta complexo pelas características estruturais deste tipo de
produção. O mesmo se pode afirmar para o cálculo dos benefícios. É quase
impossível determinar quantitativamente a opção entre o desenvolvimento desta
atividade em relação a uma de outro tipo.
Devido ao elevado grau de diversificação do produto turístico, Havas (1981)
afirma existir um grande número de restrições à consecução dos objetivos
estabelecidos:
a demanda por bens e serviços turísticos limita a capacidade de obtenção de
lucros e impactos sobre a comunidade;
a oferta de atrações turísticas limita a quantidade de benefícios que os
turistas podem obter e, portanto, também os lucros e os impactos econômicos
sobre a comunidade;
as restrições de ordem técnica e ambiental envolvem situações que tratam da
capacidade física de determinado centro receptivo;
as restrições temporais - de um lado o tempo disponível para viajar limita as
atividades que o turista pode desenvolver, e de outro lado a duração da estação
turística influencia a rentabilidade dos negócios e o impacto dos gastos
turísticos sobre a economia;
os problemas relativos à indivisibilidade de determinados produtos e serviços.
Pelas características da produção turística e pelas restrições elencadas
anteriormente, existe uma séria dificuldade para se determinar a renda
decorrente do consumo da produção dita turística. A mesma reside na correta
especificação ou delimitação da atividade turística geradora de renda. Assinalar
o limite do que é e não é turismo representa um grave problema, dado não haver
uma clara definição da atividade turística, em seu contexto econômico.
Para Figuerola, a renda turística é representada pelo
conjunto de recursos econômicos que se originam no marco do processo produtivo
de todas as atividades propriamente turísticas, mais aqueles que se originam nos
setores parcialmente turísticos e os influidos por estes, desde que sejam
causados expressamente pelo nascimento e expansão do fato turístico. É a
agregação sucessiva de todas as rendas parciais (ou valores agregados) que são
originados pelo turismo nos diversos ramos produtivos, os quais, de maneira
direta ou indireta, sejam influidos pela atividade (FIGUEROLA, 1985, p. 95).
Torna-se necessária uma sistematização coerente e rigorosa, que permita avaliar
o impacto do turismo na renda nacional. Entretanto, a falta de uma conceituação
generalizada e aceita da atividade turística, impede uma correta estimativa,
setor por setor, do valor agregado gerado pelo turismo em cada um deles e no
conjunto da produção nacional.
Em função dos seus elementos constitutivos, de acordo com Figuerola (1985), o
valor ou porcentagem da renda que possa ser atribuida ao turismo, poderá ser
decomposto em tres categorias específicas:
1ª- valor agregado ou renda de atividades ou ramos produtivos “plenamente”
turísticos (hotelaria, restaurantes, transportes, agências de viagens, centros
urbanísticos e de recreação), ponderados pelo coeficiente de consumo turístico
no total da produção;
2ª- valor agregado ou renda de atividades ou ramos produtivos que vendem
serviços ou bens aos turistas, sem que sejam considerados “setores” turísticos (estabelecimentos
comerciais, bancos, reparo de veículos), na parte proporcional da demanda
turística; e
3ª- valor agregado ou renda de setores industriais, agrários ou de serviços,
gerado pela repercussão da demanda turística (conteúdo direto e indireto), ou
seja, construção, alimentação, obras de infra-estrutura.
A acumulação ou agregação desses valores expressará o peso global do turismo,
como atividade econômica, na renda de um país.
Tendo em vista a superação das dificuldades de valoração da renda gerada por
turismo em uma dada economia, Goded Salto considera
[...] que o turismo é um fenômeno essencialmente de demanda – pelo fato de não
existirem empresas turísticas por natureza, mas sim produtos que se convertem em
turísticos por seu destino final, [analisa e concorda que] as técnicas insumo-produto
permitem valorar apropriadamente o caráter multisetorial da atividade [do
turismo]. [... Além do que], é possível estimar uma conta satélite de turismo
que permite estabelecer uma comparação da atividade com o resto dos setores da
economia, [...] (GODED SALTO, 1998, p. 194-195).
Com o objetivo de mensurar a incidência do turismo nas economias nacionais ou
regionais, um grupo de trabalho integrado pela Organização Mundial do Turismo
(OMT), Organização das Nações Unidas (ONU), Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômicos (OCDE) e pelo Escritório de Estatística das
Comunidades Européias (EUROSTAT), elaborou um estudo sobre o Marco Conceitual da
Conta Satélite do Turismo (CST).
A CST, interessa-se, inicialmente, pelo efeito do turismo sobre a oferta e a
demanda de bens e serviços, sobre o nível geral da atividade econômica e sobre o
emprego.
O ponto de partida para esta análise econômica é a consideração da atividade dos
visitantes como uma atividade de consumo em um sentido amplo, a qual constitui o
núcleo dos aspectos econômicos do turismo [...] (ONU et al., 2001, p. 14).
Dado que o turismo se define como a atividade das “pessoas”, o primeiro passo é
identificar claramente quem são estas pessoas, porque elas constituem o centro
do estudo do turismo, a partir do qual se apresentam os diferentes componentes
da demanda turística.
As pessoas às quais se faz referência na definição de turismo se denominam
“visitantes”: “toda pessoa que se desloca a um lugar distinto ao de seu entorno
habitual [de residência] por um período de tempo inferior a 12 meses, e cuja
finalidade principal da viagem não é a de exercer uma atividade remunerada
[fixa] no lugar visitado” (ONU, 1994, apud ONU et al., 2001, p. 14).
Quando os visitantes não pernoitam no lugar são denominados de “visitantes do
dia” ou “excursionistas”, já quando eles pernoitam ou permanecem um mínimo de 24
horas no lugar visitado, são classificados como “turistas”.
Muitas, e inclusive a maioria das atividades econômicas do turismo em um país
sucedem enquanto os visitantes se encontram em viagem. Porém, a CST também
inclui a atividade de consumo por parte dos possíveis visitantes na previsão [ou
provisão] de suas viagens (tais como aquisições de equipamentos para acampar ou
o seguro de viagem), ou por parte dos visitantes uma vez que tenham regressado
de viagem (como a revelação de fotos tiradas durante a viagem) (ONU et al.,
2001, p. 14).
A análise econômica do turismo exige, segundo ONU et al., 2001, a identificação
dos recursos utilizados pelos visitantes em suas viagens, do consumo de bens e
serviços por eles adquiridos e, portanto, a identificação das unidades
econômicas provedoras desses bens e serviços.
O turismo é um fenômeno que se tem definido, desde suas origens, do ponto de
vista da demanda, embora a maioria das classificações econômicas gerais de
atividades se estabelecem desde o ponto de vista da oferta dos produtores e da
caracterização dos processos de produção. Por conseqüência, são necessárias
algumas adaptações destas classificações com o fim de descrever e medir, de
forma apropriada e útil, a incidência econômica do turismo.
A estas dificuldades metodológicas, deve-se acrescentar o fato de que, até o
presente, as experiências nacionais em quantificar o turismo desde um ponto de
vista da demanda são muito mais escassas. É difícil, portanto, [ainda se]
identificar de forma precisa os critérios estatísticos que possam ser utilizados
de forma universal (ONU et al., 2001, p. 39).
Considera-se que a metodologia da CST é um caminho de solução para a questão
relativa à medição da incidência do turismo nas economias nacionais e regionais,
porém ainda não é a própria solução – pronta, acabada e definitiva.
Enfoque de Demanda x Enfoque de Oferta e Microeconômico – Contribuição de Muñoz
de Escalona
Muñoz de Escalona (2002), formula a questão: o turismo, além de um fenômeno
social, é uma atividade econômica? Se de fato o é, de que tipo é?
Buscando esclarecer este questionamento, o autor raciocina a partir do que
consiste uma atividade econômica, a que tem por finalidade satisfazer
necessidades humanas destinando para tal fim recursos escassos suscetíveis de
usos alternativos. As atividades econômicas podem ser de dois tipos, segue o
autor: as produtivas, intermediárias ou indiretas – extrativas, transformadoras,
distribuidoras, ou seja, geradoras de utilidades; e as consuntivas ou finalistas
– destruidoras de utilidades, no sentido econômico, em alguns casos, e usuárias
em outras circunstâncias.
As primeiras processam recursos não aptos para satisfazer diretamente
necessidades e os transformam em bens e serviços, [...] adicionando valor, quer
dizer, trabalho. As segundas destinam os bens e serviços obtidos pelas primeiras
à direta satisfação de necessidades. As primeiras são realizadas pelos
produtores. As segundas, pelos consumidores. Em economias pouco avançadas, o
consumidor é também um produtor (autoprodutor). Em economias avançadas, as duas
funções acabam separadas com o aparecimento do alteroprodutor, o que produz para
os demais com espírito de lucro em virtude do princípio da divisão do trabalho
(MUÑOZ DE ESCALONA, 2002, p. 7).
Mas, inquire o autor, a qual dos dois tipos de atividades econômicas pertence o
turismo? Para a concepção convencional, conforme Muñoz de Escalona, o turismo
não é uma única atividade produtiva e sim um heterogêneo e complexo grupo de
atividades produtivas, tal assertiva é uma conseqüência direta da consideração
do turismo como atividade consuntiva, derivada de sua concepção como fenômeno
social, que o torna visualizado como um “conjunto massivo de atos de consumo
realizados por determinados forasteiros em um lugar de referência” (MUÑOZ DE
ESCALONA, 2002, p. 8).
Predomina, a partir desta visão, uma investigação do turismo focada no ponto de
vista do consumidor estrangeiro que demanda uma diversidade de bens e serviços
produzidos no lugar no qual se encontra na condição de residente passageiro ou
temporário, visão que resulta na aplicação de um duplo enfoque, conjunto e
inextrícavel: de demanda e localizado. Tal enfoque implica que o estudo
econômico do turismo parte do gasto do consumidor, o que decorre da consideração
do turismo como fenômeno social.
O conjunto de atividades produtivas se identifica em função do conjunto de
atividades consuntivas. O consuntivo determina o produtivo. Desde os
consumidores se chega aos produtores. A análise parte da demanda para proceder a
da oferta. O enfoque de demanda é vinculante, mesmo que o investigador não o
saiba ou deseje desprender-se dele, [grifo do autor] (MUÑOZ DE ESCALONA, 2002,
p. 9).
Referenciando-se a Alfred Marshall (“Princípios de Economía”, versão em espanhol
de 1963), o autor não desconhece que as atividades produtivas devem satisfazer
as necessidades dos consumidores, mas é evidente que antes de um bem ou serviço
ser consumido tem de ser produzido. “A necessidade do agente consumidor precede
a resposta do agente produtor, mas, tanto o analista como o investidor, se
centram na atividade do segundo para estudar e executar a resposta viável e
rentável que se dará ao primeiro” (MUÑOZ DE ESCALONA, 2002, p. 14).
Não é certo que a teoria do consumo seja a base científica da economia, pois
muito do que é de interesse primordial na teoria das necessidades pertence à dos
esforços e atividades. Ambas as teorias se complementam mutuamente; uma é
incompleta sem a outra; mas se uma delas pode pretender ser intérprete da
história do homem, quer seja do ponto de vista econômico ou desde qualquer
outro, esta teoria é, sem nenhuma dúvida, a das atividades e não a das
necessidades, [grifo do autor] (MARSHALL, 1963, apud MUÑOZ DE ESCALONA, 2002, p.
15).
Para o autor, muitos estudiosos, economistas ou não, por não ter claro ou não se
convencerem do acima explicado, continuam sustentando que o turismo se consome
ao mesmo tempo que se produz, ou ainda, que sem a participação do consumidor no
processo produtor não há turismo.
Equivocadamente, mas com freqüência, segundo Muñoz de Escalona (1991), a
expressão “atividade turística” tem sido utilizada para designar tanto a
atividade produtiva como a consuntiva, ou seja, tanto a geração de renda –
produção e oferta, como a realização de um gasto final – demanda e consumo.
O autor denomina de teoria econômica clássica do turismo ou teoria convencional,
todo o arcabouço conceitual e metodológico desenvolvido no sentido da aplicação
da teoria econômica à atividade do turismo privilegiando um enfoque de demanda e
de natureza macroeconômica, a qual ele qualifica como sendo sociológica,
multisetorial e agregada. Em sua contribuição, de caráter original, Muñoz de
Escalona formula e defende um modelo teórico alternativo, fundamentado em um
enfoque de oferta e de caráter microeconômico, caracterizado ainda por ser de
natureza empresarial e unisetorial.
O enfoque de demanda imputa, segundo o autor, um evidente caráter de
multisetorialidade à teoria clássica do turismo. “Para a teoria “multisetorial”
da produção turística, [...] qualquer empresa e qualquer setor são
potencialmente turísticos, o que equivale a negar a existência do produto
turístico como tal” (MUÑOZ DE ESCALONA, 1991, p. 214).
O que se vem chamando, portanto, de “economia do turismo”, de acordo com o
autor,
é uma expressão com a qual se designa, no melhor dos casos, um conjunto de
economias setoriais, não existindo em absoluto a possibilidade de aplicar a
análise microeconômica [com o objetivo] de agregar todas as economias setoriais
presentes em qualquer sistema produtivo. Para tanto, se dispõe da análise
macroeconômica e de seus instrumentos, [sendo] um deles o multiplicador
keynesiano [...].
[...] não é difícil compreender que a macroeconomia do turismo não pode ser
distinta da macroeconomia de todo o sistema produtivo tomado em seu conjunto. A
única coisa que se pode fazer com a macroeconomia aplicada ao turismo é analisar
e quantificar os efeitos do gasto que os turistas realizam em uma região
receptora concreta, algo que, com maior ou menor dificuldade, somente é
operativo quando a região de referência é uma nação, porém não quando é um
estado ou um município, pela simples razão de que, no primeiro caso, pode se
utilizar a informação sobre câmbio de moedas, enquanto que, nos demais casos,
não existe tal possibilidade, com o que somente se pode estudar os efeitos do
chamado turismo internacional (MUÑOZ DE ESCALONA, 1991, p. 216-217).
Um ponto fundamental sobre o qual os teóricos da abordagem clássica não
prestaram a atenção devida, conforme o autor, refere-se ao aspecto diferencial
que singulariza um consumidor turístico em relação a outro que não o é: o plano
ou programa de viagem ou deslocamento de ida e volta, o qual, sob o enfoque de
oferta, corresponde à definição de produto turístico. Neste sentido, turista é
toda aquela pessoa que adquire e consome um plano de viagem de ida e volta, quer
dizer, um produto turístico. Assim, o enfoque de oferta sustenta que a demanda
turística é formalmente idêntica à demanda de qualquer outro produto
mercadejável.
Com a concepção unisetorial da produção turística, que supõe definir o produto
turístico como um plano ou programa de viagem de ida e volta, o conjunto das
empresas que se dedicam a elaborar planos de viagem constitui o “setor”
turístico. Estas empresas utilizam, sem dúvida, uma tecnologia própria,
perfeitamente distinguivel da que empregam as demais empresas produtoras,
tecnologia que é o objeto do que se pode denominar engenharia turística,
consistente na união de determinados inputs, a maioria dos quais são produtos
obtidos em empresas que pertencem ao chamado setor serviços, Por conseguinte, as
empresas turísticas produzem serviços à base de serviços [...].
Empresas turísticas [...] serão, consequentemente, aquelas que se dedicam a
produzir planos de ida e volta para ser oferecidos no mercado com especificação
de qualidades, preços e formas de pagamento (...). De acordo com este enfoque
alternativo, empresas turísticas são os chamados operadores turísticos ou
agências “atacadistas”, [...] (MUÑOZ DE ESCALONA, 1991, p. 240-241).
Muñoz de Escalona (1994), denomina de engenharia turística ou técnicas
propriamente turísticas aos procedimentos que aplicam os operadores turísticos.
Às técnicas facilitadoras e incentivadoras ele chama de técnicas paraturísticas.
Um dos problemas com os quais se defronta os chamados países turísticos, [...]
radica no fato de terem se especializado em produzir serviços com as técnicas
paraturísticas e renunciado à produção de planos de deslocamento, quer dizer à
aplicação das técnicas turísticas. As técnicas turísticas se cultivam com grande
êxito nos países nos quais residem os turistas, aproveitando-se dos baixos
preços de compra dos serviços facilitadores e incentivadores que se produzem nos
lugares de acolhida ou recepção. Por esta razão, os países “mal” chamados de
turísticos sofrem uma situação de dependência e de exploração comercial por
parte das empresas turísticas dos países onde residem os turistas e os
operadores turísticos, [grifo do autor] (MUÑOZ DE ESCALONA, 1994, p. 8).
As empresas que produzem os insumos necessários para produzir turismo são
chamadas de “indústrias” auxiliares da “indústria” turística ou de “indústrias”
paraturísticas. Tais insumos, segundo Muñoz de Escalona, se classificam em dois
grandes grupos:
insumos incentivadores – recursos, bens ou serviços que são correlatos à
produção de turismo e cuja existência é indispensável para ocorrer esta
atividade produtiva – a atividade do turismo, cumprindo a função de satisfazer a
necessidade original do consumidor – o turista, destaca-se os que incentivam os
deslocamentos obrigados ou voluntários;
insumos facilitadores – recursos, bens ou serviços que contribuem para que o
turismo seja um produto cujo consumo se realize com comodidade para o
consumidor, destaca-se os serviços de acessibilidade, transporte, hospitalidade,
guias, sinalização, cartografia, comunicações, saúde, segurança, etc.
(MUÑOZ DE ESCALONA, 2005)
Considerar o plano de deslocamento como o único produto turístico final, segundo
o autor, equivale a mudar o enfoque de demanda que emerge da concepção
convencional do turismo e substitui-lo por um enfoque de oferta, ou seja,
significa passar da sociologia à microeconomia.
O enfoque de demanda ou sociológico apresenta de um modo incorreto as relações
de intercâmbio entre os agentes que operam no setor e a sua concepção funcional.
[...] a chamada “oferta básica”, composta pelos serviços de transporte e de
alojamento, se situa ao mesmo nível da produção de artigos de consumo final nos
demais setores produtivos. Ao mesmo tempo, as agências de viagens atacadistas
(operadores turísticos) e varejistas são consideradas como meros intermediários
entre a oferta e a demanda.
O enfoque de oferta [...] conduz a uma concepção do turismo acorde com a análise
microeconômica que se utiliza para estudar qualquer setor produtivo. Este
enfoque permite situar às empresas produtoras de serviços facilitadores e
incentivadores ao nível que lhes corresponde, isto é, no de abastecedores de
serviços intermediários ou semi-elaborados, e as agências atacadistas ou
operadores turísticos no de produtores de bens aptos para o consumo final, [...]
(MUÑOZ DE ESCALONA, 1994, p. 9).
Para uma melhor visualização das diferenças entre o enfoque de demanda ou
sociológico, que corresponde à teoria clássica ou convencional do turismo, e o
enfoque de oferta ou microeconômico, que reflete o modelo teórico alternativo
formulado por Muñoz de Escalona, se apresenta a (Figura 1).
Figura 1 Processo de Produção Turística: Perspectiva Comparativa entre a
Metodologia Convencional versus a Metodologia Proposta pela Engenharia Turística
Fonte: Muñoz de Escalona, 1994, apud Rodrigues, 2002, p. 9. (Readaptado pelo
próprio autor do modelo original).
Nota: Considerando que a produção e venda de produtos intermediários tem menor
valor agregado que a produção
e venda de produtos acabados, tem-se: RET > GT.
O operador turístico, portanto, é a figura central do modelo de análise da
atividade turística sob o enfoque de oferta, de caráter unisetorial, empresarial
e microeconômico, desenvolvido por Muñoz de Escalona. O termo operador turístico
é utilizado pelo autor para designar um tipo de empresa muito concreto que
desenvolve sua atividade produtiva em um número muito variado de setores e
mercados. O autor afirma ainda que, de forma clara, o turismo é um sub-setor do
setor terciário, do mesmo modo que as agências de viagens, atacadistas ou
varejistas, que realizam uma função intermediária, porém, com estas pertencendo
a um outro diferente sub-setor do setor terciário.
As agências de viagens constituem um sub-setor dedicado a elaborar produtos
paraturísticos específicos, concretamente serviços de distribuição e
comercialização de produtos turísticos e outros serviços paraturísticos como os
elaborados pelos sub-setores dedicados a serviços de alojamento, restauração
[alimentação], transporte, etc. As agências atacadistas são intermediárias, ou
podem sê-lo, no processo de abastecimento dos inputs que necessitam os
operadores turísticos para elaborar seus produtos turísticos, enquanto que as
agências varejistas são, ou podem ser, intermediários entre os operadores
turísticos e a demanda final, assim como entre os ofertantes de outros produtos
paraturísticos e os autoconsumidores de turismo. [Já] a atividade produtiva dos
operadores turísticos gera as seguintes relações de intercâmbio:
- Abastecimento de inputs aos operadores turísticos, diretamente ou por
intermédio de agências atacadistas (brokers).
- Comercialização de produtos de operadores turísticos até a demanda final,
diretamente ou por meio das agências varejistas.
[...] a atividade produtiva dos autoconsumidores dá lugar a relações de
intercâmbio em parte similares às anteriores (MUÑOZ DE ESCALONA, 1990, p.
11-12).
Tendo se colocado a contribuição básica de Muñoz de Escalona na introdução do
enfoque de oferta como um contraponto à teoria econômica convencional do
turismo, se passa, em seguida, ao estudo do enfoque de oferta realizado por Jaén
Ávila, o qual agrega algumas particularidades analíticas em relação à abordagem
de Muñoz de Escalona, embora seguindo o mesmo delineamento teórico deste autor.
Enfoque de Demanda x Enfoque de Oferta e Microeconômico – Contribuição de Jaén
Ávila
A definição oficial do turismo adotada pela OMT mantém o enfoque de demanda e,
portanto, uma visão sociológica do turismo. No entanto, o turismo como atividade
econômica requer um enfoque de oferta, como qualquer outro tipo de atividade
econômica.
Na abordagem sociológica, quando se indica a produção turística, na verdade se
está referindo a uma produção genérica, agregada e global, determinada a partir
da demanda, ou seja, dos requerimentos dos turistas. Isso causa distorção sobre
o que seria o verdadeiro produto turístico, pois se está considerando como
turística toda a produção do país de destino, desde quando a produção turística
será toda a produção nacional, bem como turísticas serão todas as empresas, caso
majoritariamente os turistas recorram a elas – produção e empresas – para
satisfazer suas necessidades.
De acordo com Jaén Ávila,
Se pretendemos analisar o turismo como uma atividade econômica, temos de mudar o
enfoque de demanda pelo alternativo de oferta e temos de buscar um produto que,
diferenciando-se dos demais, seja de uso exclusivo dos turistas e uma empresa
que elabore ou fabrique este produto. Se efetivamente não existe uma produção
exclusiva para turistas e um consumo exclusivo por parte dos turistas, não
existe turismo como realidade econômica e, consequentemente, não existe setor
turístico, nem empresas turísticas, nem produtos turísticos (JAÉN ÁVILA, 1999,
p. 20).
Sociologicamente, desde um enfoque de demanda, sob a amplitude da definição de
turismo por parte da OMT, pode se considerar que são empresas relacionadas com o
turismo aquelas que oferecem ao turista a possibilidade de satisfazer suas
necessidades durante os deslocamentos que realize implicando em estadas
temporárias nos países de destino, desde quando elas ofereçam inputs para a
construção de planos programados de ida e volta, quer sejam para o autoconsumo,
quer sejam para ser comercializados.
Neste sentido, o autor chega à conclusão de que os serviços dessas empresas, que
se prestam tanto aos turistas como aos residentes, serão simplesmente serviços
de alojamento, de alimentação ou de transporte, mas nunca serviços turísticos,
já que não existe nenhuma razão especial para serem considerados turísticos,
pois:
nem são de uso exclusivo dos turistas;
nem se criaram com o turismo, sendo anteriores ao mesmo;
nem se fabricam com técnicas específicas;
nem são produzidos por empresas com estruturas e organizações diferentes às
das demais empresas
(JAÉN ÁVILA, 1999, p. 21).
Tomando a definição formulada por Muñoz de Escalona, segundo a qual o turismo é
“todo plano de deslocamento de ida e volta qualquer que seja a motivação, a
distância percorrida e o tempo de duração” (MUÑOZ DE ESCALONA, apud JAÉN ÁVILA,
1999, p. 251), Jaén Ávila faz duas considerações no sentido de melhor precisar a
definição de turismo, sob o enfoque de oferta:
1º. O plano de deslocameno de ida e volta não é uma definição rigorosa de
turismo, [...]. É, a nosso juízo, porém, a definição mais próxima de produto
turístico.
2º. A definição de turismo, a nosso juízo, ficaria mais completa como todo
processo de elaboração e consumo de planos programados de viagem de ida e volta,
independentemente das motivações, distância e duração (destaque e grifo do
autor) (JAÉN ÁVILA, 1999, p. 251).
Deixa transparecer que a definição de Jaén Ávila apenas repete de forma mais
elaborada o mesmo conteúdo da definição de Muñoz de Escalona, posto que nela se
baseia, bem como em toda a análise do enfoque alternativo de oferta do turismo
como atividade econômica, realizada por este autor.
Economicamente, portanto, Jaén Ávila define o turismo como a produção e consumo
de um determinado serviço de uso exclusivo dos turistas, ou seja o plano
programado de viagem de ida e volta, entendido “como o único produto ou serviço
perfeitamente definido, desagregado, homogêneo e de uso exclusivo dos turistas”
(JAÉN ÁVILA, 1999, p. 21).
Jaén Ávila (1999) prefere o conceito de plano programado de viagem de ida e
volta ou plano de estada temporária em lugares diferentes ao de residência
habitual que o conceito de pacote turístico. Ele considera o primeiro conceito
mais rigoroso que o termo pacote ou cesta, já que este não destrói a identidade
dos seus componentes, enquanto que o plano de viagem de ida e volta mescla esses
componentes, unifica-os, propiciando o surgimento de um novo produto totalmente
diferente aos insumos ou inputs que o conformam.
Quando, [...], um turista recorre a um hotel, a uma cia. aérea, a um
restaurante, etc. está demandando, em definitivo, inputs variados com os quais
irá fabricar seu próprio plano de viagem de ida e volta. Porém, este novo
produto não está comercializado, não se expõe, nem se vende, é para o
autoconsumo do turista. Como produto de autoconsumo ele não interessa à economia
do turismo, porque, ainda que se trate de um verdadeiro produto turístico, não
está comercializado, se trata de um produto turístico submergido, objeto
portanto da economia turística submergida. Só interessará à economia a compra e
venda dos respectivos inputs, cujos ingressos devem contabilizar-se não no
turismo, mas sim nos diferentes setores em que se produzem e se comercializam
esses inputs: no setor de alojamento, no de transporte, no de alimentação, no da
informação, no da cultura, etc.
Quando um Operador Turístico demanda alojamentos, assentos de avião, serviços de
alimentação, etc., está solicitando inputs dessas empresas para elaborar seu
novo produto, o verdadeiro produto turístico ou plano programado de viagem de
ida e volta, que logo irá vender aos turistas. Mas as receitas econômicas pela
venda desses inputs deverão ser contabilizadas, também, não no turismo e sim nos
setores econômicos correspondentes de alojamento, transporte, alimentação, etc.
Porém, nesta segunda situação, a produção, a venda e o consumo do novo produto
interessa à economia do turismo porque, primeiro estamos já diante de um produto
turístico e, segundo, este está perfeitamente comercializado (JAÉN ÁVILA, 1999,
p. 22).
O turista, na segunda situação descrita pelo autor, não será apenas uma pessoa
que consome serviços – inputs do plano de viagem ou produto turístico – nos
lugares de destino, mas sim toda aquela pessoa que adquire os produtos
turísticos em seus próprios locais de residência. Por outro lado, todos os
serviços tradicionalmente denominados turísticos encontram-se agora integrados
ou formando parte de um outro produto distinto, o verdadeiro produto turístico –
o plano de viagem de ida e volta.
Diante disso, o autor diz que, concretamente,
o que deve entender-se, desde a economia, por turismo, [é] a produção e consumo
de planos programados de viagem de ida e volta; por produto turístico, [o] plano
programado de viagem de ida e volta; por empresa turística, [a] Agência de
Viagem [e o Operador Turístico] enquanto produtora de planos programados de
viagem de ida e volta e, desse modo, se vê confirmado a existência de um setor
turístico, perfeitamente independente de outros setores econômicos (JAÉN ÁVILA,
1999, p. 23).
As demais empresas até então consideradas como turísticas, segundo o autor,
intervêm na produção do turismo como simples facilitadoras de inputs com os
quais se elaboram os verdadeiros produtos turísticos, fazendo parte, desde sua
origem, de setores distintos do setor turístico, ou seja, do setor hoteleiro, do
setor de transporte, do setor de alimentação, etc. (Figura 2)
EMPRESAS PARATURÍSTICAS FACILITADORAS DE INPUTS - INSUMOS EMPRESAS TURÍSTICAS
PRODUTO TURÍSTICO SETOR
TURÍSTICO
I
N
P
U
T
S
-
I
N
S
U
M
O
S ALOJAMENTO
TRANSPORTE
ALIMENTAÇÃO
SERVIÇOS DE GUIAS
RECREAÇÃO
INFORMAÇÃO
CULTURA
ETC. ►
E
L
A
B
O
R
A
D
O
R
A
S
D
E
PRODUTOS
TURÍSTICOS
AGÊNCIAS
DE
VIAGENS
..........................
OPERADORES TURÍSTICOS ► PLANO DE VIAGENS DE IDA E VOLTA OU PACOTE TURÍSTICO ►
AQUELE FORMADO PELAS EMPRESAS E PRODUTOS TURÍSTICOS
▲ ▲ ▲
EMPRESAS OU INSTITUIÇÕES ESTIMULADORAS DE TURISMO
Figura 2 Enfoque econômico de oferta
Fonte: Jaén Ávila, 1999, p. 25
Tomando o turismo sob o enfoque clássico ou de demanda, Jaén Ávila (1999)
analisa as definições próprias desta abordagem, nas quais, em primeiro lugar o
turismo se confunde com os deslocamentos de turistas e com os efeitos
socioeconômicos que estes deslocamentos provocam nos núcleos receptores; um
segundo aspecto é o entendimento do setor turístico, pois entende-se o turismo
como o conjunto de relações e efeitos derivados das viagens e estadas
temporárias dos turistas fora de seu entorno habitual de residência, os efeitos
econômicos do turismo se darão simultaneamente em todos os setores da economia
receptora e não exclusivamente em um dado setor. Terceiro, o turista é o sujeito
desses deslocamentos desde que atenda determinadas condições referidas à
distância, realização de pernoite e motivações; os produtos turísticos, em
quarto lugar, são todos aqueles consumidos majoritariamente pelos turistas –
produtos turísticos básicos –, incluindo aqueles que não são consumidos
majoritariamente pelos turistas – produtos turísticos complementares. Por
último, são consideradas como empresas turísticas as empresas que produzem os
produtos que são adquiridos e consumidos majoritariamente pelos turistas, ainda
que os residentes também consumam os mesmos tipos de produtos.
Estamos, pois, se seguimos de modo exclusivo este modelo convencional, diante de
uma atividade socioeconômica, enfocada somente desde a perspectiva da demanda,
submetida portanto, a terríveis divagações e à falta de precisão científica que
impedem que a atividade turística, o turismo, diferentemente do que ocorre com a
atividade industrial, a comercial ou a financeira, constitua um verdadeiro
“setor” dentro da economia, desde quando a atividade turística vista sob um
enfoque de demanda ou a partir do turista, se filtra por todos os setores
econômicos, constituindo por si só uma mini-economia. Assim, quando analisamos a
economia turística convencional, observamos que se está aplicando uma análise
econômica com enfoque de demanda e os resultados, [...], não têm sido positivos
no sentido da verdade, compreensão e transparência (JAÉN ÁVILA, 1999, p. 31).
Para Jaén Ávila o enfoque de demanda revela um mundo de inexatidões, citando
como exemplo a contabilização das receitas por turismo e o valor correspondente
à participação do turismo no PIB. Como se inclui os gastos totais que realizam
os turistas nos núcleos receptores, quer sejam destinados à aquisição de
serviços ou de produtos tangíveis, os valores referidos ao consumo turístico não
podem ser aceitos como corretos, haja vista que neles se contabilizam bens que
se encontram em outros setores econômicos sendo, portanto, neste sistema,
contabilizados em duplicidade.
Afirma o autor, fazendo referência a Mariotti (1933 e 1940), que com esta super
dimensão da atividade turística, os efeitos econômicos que lhes são atribuídos
resultam também superdimensionados, invadindo todos os campos econômicos, não se
submetendo a controles contábeis e não constituindo sequer um setor homogêneo,
fácil de estudar e delimitar de modo preciso.
Para Jaén Ávila, haveria que se eliminar dos produtos turísticos aqueles que se
produzem para turistas e não turistas e que são consumidos por turistas e não
turistas. Deveria se eliminar os serviços e produtos denominados turísticos,
reunidos em um “setor convencional”, quando sempre estiveram incluídos em outros
setores, os quais, ainda que vinculados ao turismo no presente, eram setores ou
sub-setores independentes do turismo – os alojamentos, os transportes, a
alimentação, a recreação, a cultura, a informação, etc.
[...] o plano de viagens de ida e volta (pacote turístico) é o único produto
turístico, adquirido e consumido exclusivamente pelos turistas, muito distante,
portanto, daqueles outros serviços que vêm se considerando produtos turísticos,
quando de fato provêm de outros setores diferentes do [setor] turístico e são
consumidos tanto por turistas como por residentes habituais do núcleo [de
recepção]. [Isso possibilitará] valorar corretamente as receitas por turismo, ou
seja, pela venda de planos de viagem de ida e volta e pela venda dos inputs com
os quais estes planos de viagem são elaborados, devendo-se ter sempre presente
que os efeitos econômicos destas vendas incidem não apenas nos lugares aonde se
consumem seus inputs (núcleos receptores turísticos), como muito especialmente
naqueles países que se dedicam fundamentalmente à produção e venda desses
produtos turísticos ou planos de viagens de ida e volta (núcleos emissores)
(JAÉN ÁVILA, 1999, p. 91).
A incidência do consumo turístico no crescimento do consumo nos lugares de
destino se materializa ao incorporar-se uma demanda adicional à demanda dos
residentes, de acordo com a teoria tradicional, com enfoque de demanda. Porém,
na abordagem com o enfoque de oferta, este consumo não deve ser considerado como
turístico, mesmo que realizado por turistas, a não ser quando correspondam aos
inputs que conformam o produto turístico ou plano de viagem de ida e volta, já
que os outros serviços demandados pelos turistas são serviços dos setores
hoteleiro, de transporte, etc., que não se constituem em verdadeiros consumos
turísticos, além do que, podem ser consumidos por pessoas não turistas. Esses
consumos estão imersos nos três setores em que se divide a economia: primário,
secundário e terciário, com o setor turístico pertencendo exclusivamente ao
setor terciário.
A produção de turismo se realiza nos lugares de residência habitual dos turistas
e não nos núcleos receptores. E se materializa, quando os habitantes
tradicionais dos núcleos emissores adquirem os [...] verdadeiros produtos
turísticos, ou seja, os planos de viagem de ida e volta [os pacotes turísticos].
Ou quando eles mesmos auto-fabricam estes produtos. [...] o que há que
distinguir de forma muito clara são as modificações do consumo como conseqüência
do turismo e a modificação do consumo como conseqüência do desenvolvimento das
indústrias facilitadoras de inputs e incentivadoras do turismo. O consumo se
verá afetado de distinta maneira: no primeiro caso, nos países produtores de
turismo; e, no segundo, nos países nos quais se consome o turismo ou os serviços
que integram um dado turismo.
Porém, seguindo a teoria tradicional, é nos núcleos receptores que se produz e
consome o turismo, porque é neles onde se encontram as chamadas empresas
turísticas e os equivocadamente chamados produtos turísticos (alojamentos,
transporte, alimentação, etc.) e todos os outros que o turista adquira (JAÉN
ÁVILA, 1999, p. 215-216).
O pacote turístico, como afirma o autor, é a forma geral de realização das
viagens e a razão fundamental do nascimento e desenvolvimento das empresas
turísticas e dos produtos turísticos.
Quando a agência de viagens atua apenas como intermediária, o que ela faz é
cooperar com o turista na fabricação de um pacote que ele próprio confecciona. A
agência se converte em auxiliar do viajante, proporcionando-lhe certos inputs
que ele necessita. Quando o turista prescinde dos serviços da agência de
viagens, significa que ele próprio produz integralmente o seu pacote, obtendo
individualmente os inputs que o conformam. Este pacote individualmente elaborado
não se transforma em mercadoria e, portanto, deixa de ser objeto econômico.
Já quando o turista solicita e encarrega a agência ou a própria agência lhe
oferece um pacote, significa que o produto é fabricado pela agência de viagens,
a qual se encarrega de adquirir os inputs que irão compor o pacote. Este, então,
passa a ser objeto de compra e venda, se converte em mercadoria e,
conseqüentemente, em produto econômico turístico.
[...] se trata [as agências de viagens] das verdadeiras empresas turísticas
criadoras de produtos turísticos destinados exclusivamente aos turistas, com a
agência não intervindo como intermediária entre o turista (cliente) e a empresa
facilitadora de inputs e incentivadoras do turismo, mas sim na condição de
verdadeira empresa produtora (JAÉN ÁVILA, 1999, p. 232).
Afirma Jaén Ávila que não se encontra em toda literatura científica sobre o
turismo uma clara definição do que se deve entender por produto turístico, isso
como conseqüência do enfoque de demanda, segundo o qual, qualquer bem ou serviço
consumido pelo turista é um bem ou serviço turístico, sendo, portanto, o turista
o fator determinante da natureza turística ou não dos bens e serviços. Sob tal
premissa, em termos qualitativos, toda a produção de um país pode ser turística,
e, em termos quantitativos, uma parte desta produção pode ser turística. Desse
modo, não se pode falar na existência de um verdadeiro setor turístico, já que
os diferentes setores da economia podem converter-se em turísticos, bastando
para tanto que sejam objeto de uso e consumo pelos turistas.
Indefinições desta ordem e os problemas delas decorrentes podem ser resolvidos,
de acordo com Jaén Ávila, adotando-se uma visão econômica alternativa – o
enfoque de oferta do turismo.
Se estimamos desde este novo enfoque como produtos turísticos os que vendem as
agências como pacotes turísticos ou planos de deslocamento de ida e volta, não
só haveremos determinado que o setor turístico está composto por uns definidos e
concretos produtos, como também que o produto turístico está composto por um
definido serviço que se adquire em uma Agência de Viagens e que dá direito a
umas determinadas prestações ou ao consumo de uns determinados inputs ou
serviços, com o que haveremos incluído, ao mesmo tempo, o turismo no setor
serviços no qual unicamente lhe corresponde estar.
E assim como o setor hoteleiro está composto pela produção de uma série
determinada de serviços e o setor bancário por outra série definida de serviços
e o setor de alimentos e bebidas por outra limitada série de serviços, etc., o
setor turístico, puro e simples, está formado pela produção e consumo de planos
de viagens de ida e volta (JAÉN ÁVILA, 1999, p. 235).
Do mesmo modo que não há uma definição objetiva dos produtos turísticos na
doutrina turística sob enfoque de demanda, continua Jaén Ávila, assim ocorre
como conceito de empresa turística. Desde este enfoque, todas as empresas podem
ser turísticas, direta ou indiretamente, considerando que todas elas, de alguma
maneira, podem estar gerando produtos passíveis de ser consumidos pelos
turistas. As empresas agrícolas, industriais, comerciais, de serviços, estão, de
algum modo, relacionadas com o consumo que os turistas realizam nos núcleos
receptores. Se o turismo for considerado como uma atividade econômica de consumo
fundamental para os lugares de destino, o conjunto das empresas destes lugares
direcionarão parte de sua produção ao consumo dos turistas.
Sob o modelo alternativo, com enfoque de oferta, Jaén Ávila afirma que apenas um
tipo de empresa, as agências de viagens, especificamente os Operadores
Turísticos, coloca no mercado um produto de consumo exclusivo dos turistas: o
pacote turístico ou o plano programado de viagem de ida e volta. Este produto
não é adquirido nos lugares de destino e sim nos lugares de residência habitual
dos turistas. Somente a pessoa que pretende realizar uma viagem, na qual se
incluam serviços de alojamento, transporte, alimentação, etc., e se ofereçam
outros serviços ou inputs incentivadores, é quem adquire um pacote turístico de
uma agência de viagens ou de um operador turístico. Desde o momento da compra do
pacote, no mercado – núcleo emissor –, a pessoa assume a condição de turista.
Na análise de Jaén Ávila, a adoção do enfoque alternativo de oferta permite
definir mais corretamente o turismo como atividade econômica, como a elaboração
de planos programados de viagem de ida e volta para sua posterior venda e
consumo, independente das motivações e da duração do deslocamento. O turismo,
portanto, deve ser concebido como uma atividade econômica na qual a produção se
refere à elaboração de planos de viagem de ida e volta, formados pelos inputs de
alojamento, transporte, etc. e o consumo corresponde à utilização destes
serviços ou inputs, diluídos no produto ou plano de viagem de ida e volta, antes
da viagem, durante a viagem e no período de estada nos núcleos receptores, e
inclusive depois da viagem, desde quando o turista continue recebendo
determinados serviços incluídos nos planos. Neste sentido, as empresas
hoteleiras vendem alojamento, as empresas de transporte vendem viagens, os
restaurantes e similares vendem alimentos e bebidas, etc. “Nenhuma vende
turismo. Somente as agências de viagens [e os operadores turísticos] vendem
turismo, ou seja, planos programados de deslocamento de ida e volta” (JAÉN
ÁVILA, 1999, p. 250).
Segue-se o (Quadro 2) com uma sinopse da caracterização do conceito econômico do
turismo com enfoque de oferta, acima descrita.
Unidades
Conceito econômico com enfoque de oferta Classes / categorias
Turismo A produção, comercialização, aquisição e consumo de todo plano
programado de deslocamento de ida e volta, com o objetivo de desfrutar dos bens
que se encontram fora do lugar habitual de residência das pessoas. Interior,
internacional, à oferta, à demanda, individual, coletivo, popular, de luxo, etc.
Turismo desde um novo enfoque sociológico Conjunto de relações e fenômenos que
se originam como conseqüência da produção, aquisição e consumo dos produtos
turísticos ou planos de viagens de ida e volta. Relações simples e complexas.
Turista Toda pessoa que adquira para seu posterior consumo um plano programado
de deslocamento de ida e volta com a finalidade última de desfrutar dos bens
materiais e / ou não materiais situados fora de sua residência habitual.
Turistas potenciais, turistas atuais ou efetivos, individuais, coletivos,
auto-consumidores, compradores comuns, etc.
Produto turístico Cada unidade de produção de um plano programado de
deslocamento de ida e volta. Simples ou complexo em função das prestações que
aporte.
Empresa turística Toda empresa produtora e comercializadora de um plano
programado de deslocamento de ida e volta. Operadores turísticos, agências de
viagens, instituições diversas.
Empresas fornecedoras * Todas aquelas que intervêm na elaboração de um produto
turístico ou plano programado de deslocamento de ida e volta aportando os inputs
do mesmo. Hotéis, pensões, restaurantes, empresas de transporte, museus,
empresas de esporte, animação, etc.
Quadro 2 Caracterização do conceito econômico do turismo com enfoque de oferta
Fonte: Jaén Ávila, 1999, p. 268.
* Empresas facilitadoras e incentivadoras, que facilitam às empresas turísticas
os inputs necessários para a fabricação do produto turístico e, também o
incentivam.
Enfoque do Desenvolvimento Econômico por meio de Enlaces (Mesoeconômico) –
Contribuiução de Furió Blasco
Para estabelecer sua definição de produto turístico, Furió Blasco (1994) toma
como ponto de partida a oferta, ou seja, a produção, desde quando, para o autor,
a produção é o plano no qual adquire maior significado a relação entre função e
território. Esta posição implica uma menor atenção aos aspectos de demanda ou de
consumo.
Na concepção de Furió Blasco, o turismo não pode ser considerado como um setor,
uma indústria ou um mercado, neste sentido o próprio enquadramento do turismo
como uma atividade de serviços do setor terciário é relativizado. Na atualidade,
afirma o autor, não basta falar-se de setor primário, secundário, terciário ou
até quaternário, o que se enfatiza é a necessidade de explorar as relações
técnico-econômicas, mas também socioeconômicas, que se estabelecem entre
diversas atividades econômicas a partir de uma dada produção, ou melhor, da
realização de um produto.
Mais oportuno seria então, conforme Furió Blasco, considerar a produção
turística como um continuum de bens e serviços, como um conjunto de atividades
econômicas, não necessariamente equivalentes entre si, mas com fortes
interdependências, no que concerne a esta produção.
A maior ênfase nas interdependências entre atividades econômicas remete ao
conceito de filière, que pode ser utilizado, como exposto em Furió Blasco
(1994), como significativo de uma “cadeia de indústrias integradas”, ou como um
“conjunto articulado de atividades econômicas integradas, cuja integração
resulta de articulações em termos de mercados, de tecnologia e de capitais”. O
sistema produtivo, portanto, pode ser tomado como “uma série de filières que
começam com os recursos primários para desembocar na satisfação de uma
necessidade humana”.
Esta conceituação de filière como a transformação progressiva de uma
matéria-prima em um produto acabado ou [...] como um conjunto de operações
técnicas, constitui a definição mais imediata. Mas também são possíveis outras
duas definições deste mesmo conceito. Por um lado, a filière pode ser vista como
um conjunto de operações econômicas e, por outro lado, como um conjunto de
organizações [...] (FURIÓ BLASCO, 1994, p. 176).
Poderia-se então, comenta Furió Blasco, representar-se a produção turística a
partir do conceito de filière e, consequentemente, referir-se a uma filière
turística. Para o autor, no entanto, ambas as representações, a decorrente da
nova economia de serviços – continuum de bens e serviços, e a que se desenvolve
com base no conceito de filière, podem obter-se do modelo teórico do
desenvolvimento econômico, por ele formulado, a partir do enfoque de enlaces.
Em primeiro lugar, ambas representações enfatizam principalmente os aspectos
técnico-econômicos das interrelações e, em menor medida, os socioeconômicos,
enquanto que o enfoque do desenvolvimento econômico por meio de enlaces
[encadeamentos], além destes, também incorpora plenamente os socioeconômicos,
com a inclusão dos culturais e políticos.
Em segundo lugar, [...] os dois primeiros enfoques exploram as interrelações
entre atividades econômicas a partir de uma produção com um elevado grau de
homogeneidade interna. [...] pretendem reconstruir as interrelações estritamente
econômicas de um produto perfeitamente definido por uma destas atividades
participantes. Por sua parte, o enfoque do desenvolvimento por meio de
encadeamentos, além da reconstrução anterior, autoriza também representações das
interrelações entre atividades humanas cujo elemento definidor, também, seja o
próprio consumidor. [Ou seja], o enfoque de enlaces permite a representação das
interrelações entre as atividades necessárias para a elaboração de um produto
que define ou termina de definir o próprio consumidor e, portanto, é este que
[...] “diz” com sua atuação que atividades se interrelacionam, [...] (FURIÓ
BLASCO, 1994, p. 176).
Depreende-se daqui, uma aparente contradição, desde quando a aplicação ao
turismo do enfoque do desenvolvimento a partir de enlaces terá a determinação
das interrelações definidas, em última instância, pelo consumidor – o turista,
ou seja, o determinante é a demanda. No entanto, para estabelecer a definição de
produto turístico Furió Blasco afirma partir da oferta, o que implicaria uma
menor atenção aos aspectos de demanda.
Para fundamentar sua formulação do conceito de produto turístico, Furió Blasco
(1994) recorre aos “Princípios de Economia Política” de Carl Menger (Grunsätze
der Volkswirtschaftslehre, 1871), o qual denominou de “utilidades” ou coisas
úteis àquelas que têm a capacidade de estabelecer uma relação causal com a
satisfação das necessidades humanas. Menger chamou de “bens” às coisas nas quais
o ser humano reconheça esta relação causal e tenha o poder de empregá-las na
satisfação de suas necessidades. Como exposto por Furió Blasco, para uma
determinada coisa alcançar a qualidade de “bem”, devem confluir para ela as
seguintes condições:
existência de uma necessidade humana;
que a coisa tenha qualidades que a capacitem para manter uma relação ou
conexão causal com a satisfação dessa necessidade;
um conhecimento por parte do ser humano desta relação causal;
um poder de disposição sobre a coisa, de tal modo que possa ser utilizada de
fato para a satisfação da mencionada necessidade.
A qualidade acima referida não é intrínseca ao bem em si mesmo, não é uma
propriedade do bem, mas sim que se “apresenta unicamente como uma relação que
algumas coisas têm com os homens. Se esta relação desaparece, aquelas coisas
deixam automaticamente de ser bens” (MENGER, 1871, apud FURIÓ BLASCO, 1994, p.
194).
Segundo Furió Blasco, esta relação das coisas com o ser humano não se constitui,
necessariamente, numa relação imediata, podendo se traduzir também em uma
relação mediata. Neste sentido, os bens podem ser de primeira ordem, segunda
ordem, terceira ordem, ... e bens de ordem superior.
Esta ordem indica, tão somente, que um bem – contemplado desde a perspectiva de
uma determinada utilização do mesmo [de consumo], tem uma relação causal certas
vezes mais próxima e outras vezes mais distante com respeito à satisfação de uma
necessidade humana, não se tratando, entretanto, de uma propriedade inserida no
bem, [...] (MENGER, 1871, apud FURIÓ BLASCO, 1994, p. 194).
Podem ocorrer três modos de o ser humano, conforme Furió Blasco, empregar a
quantidade de bens disponíveis para satisfazer suas necessidades da maneira mais
completa possível: em primeiro lugar, a necessidade pode ser maior que a
quantidade disponível, neste caso, os bens seriam considerados, recorrendo à
terminologia adotada por Menger, como bens econômicos; em segundo lugar, a
necessidade pode ser menor que a quantidade, teria-se aqui o caso dos bens não
econômicos; e a necessidade pode ser igual à quantidade. A diferença entre os
bens econômicos e os não econômicos, portanto, corresponde à diferença existente
na relação entre a necessidade e a quantidade dos bens.
Com base na formulação teórica de Carl Menger a respeito da natureza dos bens,
sobre a qual a análise de Furió Blasco vai muito mais além dos extratos acima
referidos e que se consideraram mais relevantes para o objetivo deste texto, o
autor busca então verificar qual é a natureza dos bens que satisfazem as
“necessidades turísticas” do ser humano, denominando ao bem de primeira ordem
que satisfaz estas necessidades – de lazer e entretenimento, de “produto
turístico”.
Em seu componente material, o produto turístico cabe considerar-se como uma
cesta de bens. Os componentes desta cesta são, em relação com a satisfação das
necessidades turísticas, bens de segunda ordem. Estes bens de segunda ordem não
guardam uma relação isolada com a satisfação do conjunto de necessidades
humanas. Pelo contrário, muitos deles guardam uma relação ou conexão causal,
imediata ou mediata segundo os casos, com a satisfação de amplas necessidades
humanas, entre elas as turísticas. Talvez, a particularidade dos bens turísticos
de segunda ordem é que, em muitas ocasiões, têm uma relação quase imediata com a
satisfação de outras necessidades humanas distintas das turísticas.
Estes bens de segunda ordem adquirem conjuntamente a qualidade de bem (de
primeira ordem) turístico, não por algo intrínseco a eles próprios, [mas] porque
apresentam-se unicamente como uma relação que algumas coisas têm com os homens.
[...] a partir da relação com a necessidade turística do homem é como se adquire
a qualidade de bem turístico de primeira ordem. A este bem turístico de primeira
ordem é que se denomina produto turístico,[...] (FURIÓ BLASCO, 1994, p. 210).
Seguem alguns bens relacionados com a satisfação de “necessidades turísticas”,
considerados como de segunda ordem por Furió Blasco (1994):
os atrativos turísticos – bens naturais, bens históricos, bens culturais, bens
de “ócio” ou lazer / entretenimento, bens relacionados;
o “deslocamento” do núcleo emissor para o receptor;
o alojamento no local de destino;
a restauração, no sentido de alimentação;
uma série de bens relacionados e necessários quando se produzem aglomerações
populacionais em uma zona e que satisfazem suas necessidades fisiológicas e
sociais;
capacidades ou rendimentos do trabalho – qualificação da mão-de-obra.
Genericamente, para o autor, o produto turístico, como bem de ordem inferior, é
constituído por uma cesta de bens de ordem secundária, sendo que a importância
de cada um desses bens secundários assume um caráter distintivo para cada caso
concreto, em uma comparação espacial e em sua evolução temporal, apresentando
certas características que permitem estabelecer entre eles diversos
agrupamentos.
Considerações Finais
Não se percebe na abordagem de Furió Blasco uma clarificação definitiva do
conceito de produto turístico, desde quando a depender de qual seja a
necessidade ou necessidades que o turista busque satisfazer, da intensidade e
prioridade com que ela(s) se manifeste(m) e da condição que o mesmo tenha de
poder pagar para satisfazê-la(s), na qualidade e quantidade que desejar, o
produto turístico incorporará uma menor ou maior variedade de itens em sua
composição, pois uns poucos ou muitos dos chamados bens de segunda ordem
passarão a ter uma relação imediata com a satisfação da necessidade do turista,
passando então à condição de bens de ordem inferior ou de primeira ordem,
afirmando-se, também nesta concepção, o caráter determinante da demanda.
A definição adotada por Furió Blasco, para quem o produto turístico é um bem de
ordem inferior, ou de primeira ordem, alude que a qualidade de bem turístico não
é dada por algo intrínseco ao próprio bem, mas pelo fato de apresentarem uma
relação imediata com a satisfação de necessidades turísticas do ser humano – o
consumidor, o turista. Neste sentido, ela remete e guarda alguma similaridade
com a definição de consumo turístico formulada dentro do marco conceitual da
Conta Satélite do Turismo, conforme ONU et al. (2001), pela qual, o que torna um
consumo turístico não é a natureza intrínseca própria do bem ou serviço
consumido, e sim a condição dentro da qual se encontra o consumidor, ou seja,
ele deve ser um visitante ou pretender sê-lo.
Esta similaridade evidencia ainda mais que a definição de produto turístico de
Furió Blasco mesmo que tomando como ponto de partida a oferta, acaba se
revelando um enfoque de demanda, a qual, inclusive, como o próprio autor afirma,
atua como fator definidor da natureza dos encadeamentos para trás e para frente
da filière de produção dita “turística”, em seus interrelacionamentos diretos,
indiretos e induzidos.
No caso de situações em que o deslocamento possa vir a se tornar um bem de
primeira ordem, a definição de produto turístico de Furió Blasco corresponderá à
formulada por Muñoz de Escalona e Jaén Ávila. Ou, dito de outra forma, o plano
ou programa de deslocamento de ida e volta, o único produto efetivamente
turístico, na concepção de Muñoz de Escalona e Jaén Ávila, passaria a
corresponder, na abordagem de Furió Blasco, a um bem de ordem inferior ou de
primeira ordem, coincidindo com sua definição de produto turístico.
Mas, na medida que o turista chegue à região receptora e vá tendo um contato
direto com os serviços / técnicas facilitadores e incentivadores e daí
satisfazendo suas necessidades de consumo, teríamos os bens de segunda, terceira
ordem e de ordem superior transmutando-se, subseqüentemente, em bens de ordem
inferior e até de primeira ordem.
Em texto de 2005, Muñoz de Escalona reafirma que o modelo convencional do
turismo – enfoque de demanda – ao considerar como turismo tudo o que consomem ou
fazem os turistas, não identifica, de modo objetivo, nenhum produto como sendo
específicamente turístico, o que conduz ao entendimento de que todos os bens ou
serviços são potencialmente turísticos, “o que equivale a confessar que nenhum o
é [de fato]” (MUÑOZ DE ESCALONA, 2005, p. 6).
Citando Muñoz de Escalona (1994), Jaén Ávila comenta que o produto turístico
pode ser considerado como um serviço obtido da embalagem de outros serviços (os
quais cumprem a função de inputs produtivos ou consumos intermediários),
embalagem para o que se necessita consumir, além de outros fatores
imprescindíveis: trabalho, capital, tecnologia e capacidade empresarial.
Este produto é (como tal produto) uma multiplicação ou conjunto complexo de bens
e serviços. Está integrado por uma série de elementos (bens e serviços) de cuja
combinação nasce um produto diferente, output, ainda que formado por uma série
de aportações ou serviços diversos (alojamento, alimentação, transporte,
recreação, etc.). Algo assim como na indústria automobilística: o veículo é um
produto independente, integrado por uma série de aportações fornecidas pelas
empresas desta indústria.
Da mesma maneira, os hotéis aportarão à empresa confeccionadora do produto
turístico seus serviços de alojamento; os restaurantes, seus serviços de
alimentação; as empresas de transporte, seus serviços de traslado, etc. Mas em
nenhum caso estas empresas poderão considerar-se turísticas, e sim como
fornecedoras de serviços para a confecção do produto turístico [destaque do
autor] (JAÉN ÁVILA, 1999, p. 268).
Do conjunto de sua análise, Jaén Ávila (1999) conclui que:
desde um enfoque social tradicional do turismo, com visão portanto, de demanda
ou a partir do próprio turista, o turismo se concebe como o conjunto de relações
e fenômenos que se produzem como consequência do deslocamento e estada das
pessoas em lugares distintos ao de seu entorno habitual, com fins de lazer e
outros motivos;
desde um enfoque social atualizado, deveria se definir o turismo como o
conjunto de relações derivadas da aquisição e consumo de planos programados de
viagem de ida e volta, relações que se produzem tanto em seu lugar habitual de
residência como durante suas viagens e permanência nos lugares distintos de seu
entorno habitual. Mas para esta nova concepção sociológica do turismo é
necessário partir de um enfoque econômico de oferta, [...], através do qual
veremos claramente a área da produção e como o turista começa a sê-lo desde o
momento em que ou bem adquire o produto turístico ou bem o elabora ele próprio;
desde um enfoque econômico tradicional de demanda, o turismo se refere ao
consumo de bens e serviços que o turista realiza em suas viagens e estadas
temporárias fora de seu lugar habitual de residência, visando alcançar os
objetivos de sua viagem, afirmando que estas atividades só acontecem durante as
viagens ou nos lugares de destino, porque somente neles é que se geram a
produção e o consumo turístico;
desde um enfoque econômico alternativo de oferta, o turismo se referiria à
produção, aquisição e consumo daqueles produtos ou serviços que são efetivamente
turísticos. Somente seriam turísticos aqueles produtos ou serviços de consumo
exclusivo pelos turistas. Trata-se, portanto, dos produtos ou serviços
vinculados exclusivamente ao turismo e aos turistas e que devem possuir
características próprias e específicas. Estes produtos ou serviços não podem ser
outros que os planos programados de deslocamento de ida e volta, os quais se
produzem ou se comercializam e, portanto, se adquirem nos mesmos lugares de
residência habitual dos turistas e não nos lugares de destino, nos quais, pelo
contrário, se consumem.
Nesse sentido, em uma perspectiva de longo prazo, o modelo convencional deve ser
substituido por um modelo alternativo, formulado em conformidade com os
seguintes critérios:
se o modelo convencional é de natureza sociológica (porque parte e se baseia
no sujeito, o turista) e geográfica (porque destaca o aspecto territorial), o
modelo alternativo deve ser de natureza claramente econômica;
se o modelo convencional corresponde a um enfoque de demanda, o modelo
alternativo deve corresponder a um enfoque de oferta;
se o modelo convencional é de caráter macro, o modelo alternativo deve ser
micro;
se o enfoque convencional cai em um conjunto heterogêneo e atomizado de bens e
serviços, o modelo alternativo propõe um só produto obtido pela transformação de
outros.
(MUÑOZ DE ESCALONA, 2005)
O modelo convencional de turismo, de acordo com Muñoz de Escalona, é de
reconhecida utilidade para orientar as atuações do setor público por seu caráter
claramente macro e territorial. No entanto, é no plano empresarial e privado no
qual o modelo convencional tem demonstrado que não é plenamente adequado.
O modelo alternativo [...] consiste basicamente em averiguar o que é em si mesmo
o turismo sem preocupar-se, em um primeiro momento, com a quantificação dos
efeitos diretos e indiretos que produz. Ou seja, se trata de um modelo que muda
a concepção do turismo como um fenômeno social e geográfico por uma concepção
que vê o turismo como uma atividade empresarial e produtiva. Trata de saber que
é e em que consiste o turismo em si mesmo [...] (MUÑOZ DE ESCALONA, 2005, p. 8).
...........................................................................................................................
Agora é possível captar a essência do modelo alternativo: a satisfação da
necessidade original (a que exige apropriar-se de recursos distantes [do local
habitual de residência]) suscita uma nova necessidade, a qual pode chamar-se
necessidade derivada, que requer, para ser satisfeita, a elaboração de um plano
ou programar o deslocamento de ida e volta ou circular. [...]
[...] Se denomina-se produção à transformação de uns recursos em outros para
proceder à satisfação de necessidades, igualmente é produção os preparativos ou
planos que se tem que fazer antes de vencer a distância para apropriar-se dos
recursos necessários não disponíveis, por se encontrarem distantes.
Por conseguinte, fica evidenciado que o turismo ou vencimento da distância é em
si mesmo uma atividade produtiva similar às demais e com suas próprias
peculiaridades. [... antecedendo] no tempo às atividades consuntivas ou de
satisfação de necessidades [...] (MUÑOZ DE ESCALONA, 2005, p. 9).
Considerando-se o fato dos planos de deslocamentos de ida e volta serem
direcionados para a satisfação dos consumidores turistas, tanto nos pacotes
convencionais e indiferenciados próprios de um turismo massivo, como,
principalmente, nos pacotes sob medida ou encomenda que são cada vez mais
solicitados e que são formatados pelos operadores turísticos visando atender às
mais diversificadas motivações próprias de um turismo diferenciado e a cada dia
mais personalizado, pergunta-se: não se poderia entender tal forma de atuação
operativa como uma segmentação das atividades produtivas dos operadores
turísticos? que os mesmos estariam atuando em nichos de mercado para
corresponder ao caráter multisegmentado do mercado turístico? Não se trataria
aqui, mais que implicitamente, também de um enfoque de demanda?
Além do que, pelas tendências da economia mundializada de uma multisegmentação
da demanda à qual haverá sempre que corresponder uma multisegmentação da oferta,
o conhecido enunciado da “Lei de Say” (Traité d’Économie Politique, 1803) – a
oferta cria sua própria demanda, se torna, a cada dia, mais frágil para explicar
as relações econômicas do mundo contemporâneo, embora, em seu texto de 2005,
Muñoz de Escalona valida a Lei de Say ao indicar que não se deve esquecer o que
disse J. B. Say.
As empresas, turísticas ou não, tanto nos países desenvolvidos e
majoritariamente emissores, quanto nos países em desenvolvimento ou
subdesenvolvidos e majoritariamente receptores, estruturam suas atividades
produtivas objetivando viabilidade e rentabilidade, em conformidade com os
preceitos referendados pela teoria microeconômica.
O turismo, através da dinâmica dos deslocamentos de pessoas como turistas ou
como trabalhadores, de rendas pessoais, de produtos e serviços, de investimentos
ou de capitais, etc., influencia e define relações intersetoriais internas aos
diversos países envolvidos e externas, entre esses mesmos países, assumindo, em
menor ou maior medida um importante papel nas economias nacionais, conformando
fluxos físicos e monetários, e efeitos derivados, de caráter marcadamente
macroeconômico.
Além disso, deixando de lado a ênfase no turismo internacional, esses países,
qualquer que seja o seu nível de desenvolvimento, possuem em determinado grau um
fluxo turístico interno, de natureza doméstica, o qual pode implicar uma
movimentação econômica representativa, que, particularmente para os países menos
desenvolvidos, pode ser bem mais significativa e relevante em termos econômicos
e sociais, do que o movimento representado pelo turismo internacional.
Assim, se acredita não ser apropriado qualificar os países onde residem os
turistas e os operadores turísticos como países “bem” chamados de turísticos e
os países que os turistas visitam como “mal” chamados de países turísticos, como
considerados por Muñoz de Escalona. Pelo contrário, por vezes, estes é que
seriam mais apropriadamente merecedores de serem denominados países turísticos.
Acredita-se que apesar da tendência, mesmo sem contar com a unanimidade dos
experts científicos, de ser o setor terciário considerado o melhor enquadramento
do turismo na economia, tendo em vista que, de modo predominante, tanto na
perspectiva da produção turística como na do consumo turístico, o turismo se
concretiza em suas diversas manifestações econômicas como atividade de serviços,
permanece a indefinição e discussão quanto ao que é realmente o turismo e o
produto turístico, em sua delimitação como atividade econômica e em termos de
sua contribuição à renda e riqueza de países e regiões, por conseqüência ao
desenvolvimento regional / local.
De um lado tem-se a teoria clássica ou convencional orientada por um enfoque de
demanda – da qual já se disponhe de uma excelente revisão e compilação dos seus
contributos teóricos mais relevantes; de outro lado tem-se o modelo alternativo
do enfoque de oferta formulado por Muñoz de Escalona (1991) e compartilhado por
Jaén Ávila (1999), contando-se ainda com a contribuição de Furió Blasco (1994)
baseada no enfoque de enlaces com ênfase na expressão territorial do turismo;
significando abordagens que, respectivamente, enfatizam os aspectos micro, macro
e mesoeconômicos do turismo.
Aborda-se, em seguida, a política turística na perspectiva do marco geral da
política econômica, realizando-se uma análise paralela que considera sua
inserção e caracterização sob os três enfoques teóricos detalhados neste texto –
de demanda, de oferta e territorial.
De acordo com Barroso González e Flores Ruiz (2005?) as políticas
macroeconômicas têm por objetivo influir nos agregados macroeconômicos de um
país – inflação, taxa de juros, saldo com o exterior, taxas de crescimento,
etc., sendo consideradas como políticas de demanda. Já as políticas
microeconômicas se aplicam sobre determinados grupos de agentes econômicos –
setores produtivos, famílias, coletivos de trabalhadores, etc., visando
assegurar uma distribuição eficiente e eficaz dos recursos, sendo denominadas
como políticas de oferta.
Por sua vez, as chamadas políticas mesoeconômicas têm como principal objetivo a
melhora dos indicadores econômicos de determinados territórios – municípios ou
conjunto de municípios – remetendo a considerações sobre o desenvolvimento local
e regional. Este grupo de políticas buscam suprir o vazio existente entre as
políticas macroeconômicas – nível agregado – e as políticas microeconômicas –
nível desagregado, constituindo-se um nexo de união entre ambas.
Sob o enfoque de demanda, o turismo
não pode ser considerado como um setor econômico e sim como um conjunto amplo de
setores – enfoque multisetorial – integrado por uma grande diversidade de
empresas – hotéis, transportes, agências de viagens, operadores turísticos,
atividades de lazer, alimentação – com características muito heterogêneas, o que
torna praticamente impossível aplicar a análise microeconômica tradicional que
se aplica aos demais setores econômicos ao setor turístico, o que nos leva a
contemplar a política turística como uma política setorial [de corte horizontal]
singular e complexa (BARROSO GONZÁLEZ e FLORES RUIZ, 2005?).
Em troca, desde o enfoque alternativo de oferta,
a política turística seria aquela política setorial que se dirige ao fomento e
desenvolvimento do setor turístico, entendendo este como o conjunto de empresas
que ofertam o produto turístico [operadores turísticos e agências de viagens] –
elaboração de estadas em lugares distintos ao de residência habitual do
consumidor, o turista. Assim, desde este enfoque analítico do turismo como
atividade produtiva, a política turística seria considerada como uma política
específica setorial de corte vertical, do mesmo modo que as demais políticas
setoriais (BARROSO GONZÁLEZ e FLORES RUIZ, 2005?).
No contexto da política econômica geral, segundo Barroso González e Flores Ruiz,
a política turística não pode se caracterizar nem como uma política setorial
vertical – enfoque de oferta, nem como uma política setorial de corte horizontal
– enfoque de demanda, mas sim como uma política de clusters que tem como centro
de análise e de atuação o território como realidade socioeconômica.
Considerando que o enfoque do desenvolvimento econômico por meio de enlaces,
implica em políticas de estímulo e fomento à formação de fillières e de
agrupamentos econômicos de base territorial – clusters ou sistemas produtivos
locais – o mesmo identifica-se como uma política mesoeconômica, cuja finalidade
última é o desenvolvimento de um determinado território, o qual tem como
elemento comum o pertencer a uma mesma realidade socioeconômica, podendo,
portanto, se constituir este enfoque no nexo de união entre os outros dois.
Por tudo que se expôs no texto, comprova-se que se dispõe de uma massa crítica
de significativa dimensão e qualidade de conteúdo, a qual constitui um campo
fértil para se alcançar um referencial teórico que englobe a perspectiva
empresarial e microeconômica e a abordagem sociológica e macroeconômica,
agregando-se ainda o enfoque territorial e mesoeconômico, sendo este enfoque o
mais adequado a atuar como nexo de união e favorecer a sistematização de um
corpo teórico unificado no âmbito da “teoria econômica aplicada ao turismo”.
Referências
ARMELLINI DI SANTI, M. Mauricio; ISABELLA REVETRIA, Fernando R. Turismo
receptivo em Uruguay: uma evaluación del aporte al producto, el empleo y las
remuneraciones. Montevideo, 2003. Mimeografado.
BARROSO GONZÁLEZ, Maria de la O; FLORES RUIZ, David. Política turística y
territorio. Huelva: Universidad de Huelva, [2005?]. Mimeografado.
BOULLÓN, Roberto C. Planificación del espacio turístico. México, DF: Trillas,
1997 (reimp. 2001).
CIERVA y de HOCES, Ricardo de la. Turismo: teoria – tecnica – ambiente. Madrid:
Ed. River, 1963.
ESTEVE SECALL, R. Los agrupamientos (clusters) turísticos como base analítica de
la competitividad de los territorios de orientación turística. Málaga:
Universidad de Málaga, 2002. Mimeografado.
FIGUEROLA PALOMO, Manuel. Teoría económica del turismo. Madrid: Alianza
Editorial, 1985.
FURIÓ BLASCO, Elies. Análisis económico y turismo. El turismo como un bien
Mengeriano de primer orden. Estudios y perspectivas en turismo, Buenos Aires, v.
10, n. 3 e 4, p. 229-250, 2001.
. Turismo y territorio. Interrelación entre la función y el territorio a partir
del enfoque de enlaces. 1994. 997 f. Tesis (Doctorado en Ciencias Económicas) –
Facultat d’Economia, Universitat de València, València.
GODED SALTO, Mónica. El impacto del turismo sobre el desarrollo económico: el
caso de Argentina. 1998. 425 f. Tesis (Doctorado em Economía Internacional y
Desarrollo) – Facultad de Ciencias Económicas y Empresariales, Universidad
Complutense de Madrid, Madrid.
HAVAS, Francisco Ignácio. Planejamento para o desenvolvimento do turismo. Rio de
Janeiro: Embratur, 1981. Mimeografado.
JAÉN ÁVILA, Juan María. Aspectos socioeconómicos y educativos en el turismo.
1999. 395f. Tesis (Doctorado en Ciencias Políticas y Sociología) – Facultad de
Ciencias Políticas y Sociología León XIII, Universidad Pontificia de Salamanca,
Madrid.
MUÑOZ DE ESCALONA, Francisco. Teoría y práctica de la sostenibilidad en el
turismo. En Contribuciones a la Economía, abril 2005. Texto completo en
http://www.eumed.net/ce/
. Es diferente el turismo? Madrid, 2002. 33p. Mimeografado.
. Turismo rural integrado: una fórmula innovadora basada en un desarrollo
científico. Estudios Turísticos, Madrid, n. 121, p. 5-25, 1994.
. Crítica de la economia turística: enfoque de oferta versus enfoque de demanda.
1991. 485 f. Tesis (Doctorado en Ciencias Económicas) – Facultad de Ciencias
Económicas y Empresariales, Universidad Complutense de Madrid, Madrid.
. Un sector productivo: el sector turístico. Papers de Turisme, València, n. 3,
p. 5-17, 1990.
ONU et al. Cuenta satélite de turismo: recomendaciones sobre el marco
conceptual. Nueva York: ONU, 2001.
RODRIGUES, Ana Isabel. A engenharia turística como factor de desenvolvimento
regional: alguns conceitos e aplicações. Beja, PT: ESTIG / Instituto Politécnico
de Beja, 2002. Mimeografado.
SESSA, Alberto. Turismo e política de desenvolvimento. Tradução Lourdes Fellini
Sartor. Porto Alegre: Uniontur, 1983. 167 p. Tradução de: Turismo e Politica di
Sviluppo.
SILVA, Jorge A. S. Turismo, crescimento e desenvolvimento: uma análise
urbano-regional baseada em cluster. 2004. 480f. Tese (Doutorado em Ciências da
Comunicação; Área de Concentração: Turismo) – Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo. São Paulo.
Pulsando aquí puede solicitar que
le enviemos el
Informe Completo en CD-ROM |
Los EVEntos están organizados por el grupo eumed●net de la Universidad de Málaga con el fin de fomentar la crítica de la ciencia económica y la participación creativa más abierta de académicos de España y Latinoamérica.
La organización de estos EVEntos no tiene fines de lucro. Los beneficios (si los hubiere) se destinarán al mantenimiento y desarrollo del sitio web EMVI.
Ver también Cómo colaborar con este sitio web