Revista académica de economía
con
el Número Internacional Normalizado de
Publicaciones Seriadas ISSN
1696-8352
Pedro Rosas Magrini
pemagrini@yahoo.com.br
Ataualpa Luiz de Oliveira
ataualpa_luiz@yahoo.com.br
Frederico de Carvalho Figueiredo
Frederico_miarelli@hotmail.com
Marcos Eduardo Gonçalves Knupp
marcosknupp@yahoo.com.br
UFLA, Brasil
Resumo
Observa-se na sociedade atual, um caráter desigual nas relações de trabalho entre homens e mulheres, fato que pode ser constatado no cenário da economia social no contexto brasileiro. Tal desigualdade parece caminhar para uma naturalização, com fortes aspectos históricos. As diferenças são perceptíveis, tanto nas oportunidades, no caráter do trabalho, bem como nos benefícios, entre outros. Diante dessa situação, o presente texto tem como objetivo refletir sobre as relações de trabalho abrigadas pelo “movimento de economia solidária” e sob quais aspectos este movimento modifica e, ou proporciona melhorias na relação desigual Homem x Mulher no mundo do trabalho? E, nesse sentido, o que se conclui, é que a Economia Solidária, se estrutura em princípios norteadores, e ações, ainda incipientes, de melhorias e, ou mudanças nas relações de trabalho, mas parece ainda não demonstrar um movimento efetivo de superação das mazelas da divisão sexual do trabalho.
Abstract
It is observed in the current society, a different character in the relations of work between men and women, this fact can be viewed in social economy in the Brazilian context. This inequality seems to walk for a naturalization, with strong historical aspects. The differences are perceivable, as much in the chances, in the nature of the work, as well as in the benefits, among others. Ahead of this situation, the present text has as objective to reflect on the relations of work sheltered by the “movement of solidary economy” and under which aspects this movement modifies and, or provides to improvements in the relationship unequal between Man x Woman in the world of the work? And, in this direction, what it concludes, is that the Solidary Economy, is based on principles and actions, still incipient, of improvements and, or changes in the work relations, but not yet seem to demonstrate an effective movement of overcoming of vices of the sexual division of the work.
Palavras-chave: Relações de trabalho, trabalho desigual, economia social,
mulheres no trabalho
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Rosas Magrini, Luiz de Oliveira, de Carvalho Figueiredo y Gonçalves Knupp: "Economia social no contexto Brasileiro: Considerações sobre o caráter desigual do trabalho das mulheres" en Observatorio de la Economía Latinoamericana, Número 137, 2010. Texto completo en http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/
O sistema de trabalho, estruturado na economia capitalista, vigente na sociedade atual, reproduz uma relação desigual Homem x Mulher no mundo do trabalho, seja na inserção, no cotidiano produtivo e, ou no acesso. Essa construção social vem perpassando nossa sociedade, sinalizando um caráter histórico em sua formação e perpetuação. O que se observa, de modo explícito atualmente, é o fato de que essa relação desigual se naturalizou, ou vem demonstrando sinais de uma naturalização, o que pode em certo sentido dificultar o debate acerca da desconstrução da desigualdade na dinâmica do trabalho.
Esse configuração social, que outrora figurava como hegemônico e inquestionável, passa, nas últimas décadas, a ser questionada, sobretudo na relação padrão de emprego e na precarização das relações trabalhistas. De de modo particular, no presente texto, os argumentos focam prioritariamente os aspectos relacionados à desigualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho.
Nos últimos anos, a palavra gênero vem trazendo um propósito descontrutivo da ordem dos poderes cotidianos naturalizados, das relações e dos papéis da mulher e do homem. Segundo Scott (1989, p.16) o conceito de gênero integra duas proposições. “Primeira: o gênero é um elemento constituído de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos. Segunda: o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder” .
Em um campo mais ampliado, a Economia Solidária se apresenta como uma outra forma de economia baseada na cooperação, na democracia, na justiça social, na autogestão, na participação eqüitativa, na produção coletiva e nas relações de produção e consumo solidários que poderiam estar sinalizando para uma outra sociabilidade, para uma sociedade do eco-desenvolvimento, do respeito a diversidade cultural, sexual e étnica.
As principais relações de gênero, que parecem já estarem forjadas na estrutura econômica preponderante devem ser vistas como não sendo naturais, e assim, com possibilidades de serem questionadas e modificadas. Nesse sentido, pelos princípios de igualdade e cooperação a Economia Solidária parece figurar como uma possibilidade real de desconstrução dessa relação desigual.
O objetivo principal do presente artigo é apoiar a reflexão sobre as relações de trabalho abrigadas pelo “movimento de economia solidária” e sob quais aspectos este movimento modifica e, ou proporciona melhorias na relação desigual Homem x Mulher no mundo do trabalho?
Para discorrer sobre tal temática, utiliza-se, além desta introdução, uma passagem denominada “uma outra relação?” que aborda alguns conceitos e princípio da Economia Solidária. Na terceira parte, debatendo a desigualdade, a temática do gênero e a divisão sexual do trabalho são exploradas. Na parte subseqüente, a inserção das mulheres na economia Solidaria é apresentada. O trabalho se encerra com uma conclusão e algumas sugestões de continuidade do debate e discussão do tema ora proposto.
2. Uma outra relação?
O mundo do trabalho, nas economias capitalistas, estruturou um sistema de relações de produção em que prevalece o trabalho assalariado formal, a relação de emprego padrão, e a continuidade das relações hierárquicas entre Homens e Mulheres, em que, seja na forma de trabalho, seja nos benefícios, observa-se uma desigualdade evidente. Nessa direção, o emprego consiste basicamente numa relação de trabalho em que o trabalhador é contratado por uma empresa, geralmente, possuindo, assim, uma série de direitos e deveres juridicamente legitimados.
Segundo Singer (2000), as relações de trabalho se estruturaram assim, entre outros fatores, pois, em países em que a economia de mercado se desenvolveu plenamente, algo em torno de 80% das pessoas, que formavam a população economicamente ativa, gozavam deste tipo de emprego, o que parece ter influenciado fortemente a perpetuação dessa dinâmica.
Como principais características desse fenômeno global, pode-se citar: a intensificação da competição inter-oligopólica, as fusões, as terceirizações, a privatização de empresas estatais, o liberalismo político, a forte volatilidade do capital financeiro, a expansão do trabalho informal e o aumento da população desempregada.
Esse modelo, que outrora figurava como hegemônico e inquestionável, passa, nas últimas décadas, a ser questionado, sobretudo na relação padrão de emprego e na precarização das relações trabalhistas, e de modo particular no presente texto, o debate gira em torno dos aspectos relacionados à desigualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho.
E na direção de tais questões, a economia solidária, que segundo alguns autores tais como Singer (1997); Arruda (1998); Defourny, Fraveau e Laville (1999); Gaiger (2004) contestam o capitalismo tradicional e sua fundamentação na crença de que o mercado é capaz de se auto-regular para o bem de todos. Sendo pautado, ainda, pela procura do desenvolvimento de capacidades produtivas privilegiando uma constante concentração da riqueza e da renda, o que resulta em desigualdade social, miséria e exclusão.
Assim, nesse contexto de financeirização do mercado global, a luz do desemprego estrutural e da precarização das relações de trabalho figura a Economia Solidária, que segundo Nunes e Coelho (2005), é uma outra forma de economia baseada na cooperação, na democracia, na justiça social, na autogestão, na participação eqüitativa, na produção coletiva e nas relações de produção e consumo solidários que apontariam para uma outra sociabilidade, para uma sociedade do eco-desenvolvimento, do respeito a diversidade cultural, sexual e étnica.
E no presente trabalho, aspectos como, equidade, democracia e relações de trabalho solidárias que indiquem outra forma de sociabilidade, estão na direção, a qual acredita-se que deva se pautar as relações de gênero no mundo do trabalho.
Os fundamentos que orientam os empreendimentos solidários propõem a atividade econômica e social enraizada no seu contexto mais imediato. GAIGER (2004) apresenta os princípios ideais dos empreendimentos econômicos solidários (E.E.S.), como sendo: autogestão, democracia, participação, igualitarismo, cooperação, auto-sustentação, desenvolvimento humano e responsabilidade social. Tais princípios não esgotam o contexto da economia solidária, mas podem ser considerados como centrais. Tendo no último ponto uma questão ética, que rejeita a proposta de mercantilização das pessoas e da natureza à custa da espoliação do meio ambiente terrestre, contaminando e esgotando os recursos naturais e promove o desenvolvimento de redes de comércio a preços justos tendo como fundamento os empreendimentos em sua dimensão intra e inter, geridos de forma autodeterminada, segundo fundamentos da autogestão.
Iniciativas do movimento da Economia Solidária assinalam para uma reação dos movimentos sociais frente às diversas transformações no mundo do trabalho, em especial, na crise da década de 80 com uma alta taxa de desemprego, a qual parece ter sido agravada pela abertura do mercado interno para a importação (SINGER, 2002). No Brasil, essa crise tornou-se mais explícita a partir da abertura do mercado interno, promovida pelo Governo Collor, no início da década de 1990.
Para Singer (2000), a economia solidária é formada por uma constelação de formas democráticas e coletivas de produzir, distribuir, poupar e investir. Suas formas clássicas formadas por unidades produtivas autogeridas datam do século XIX, ou seja, essa “outra economia” faz parte de um movimento mais antigo, tendo como precursores os Socialistas utópicos, Robert Owen, Sant-Simon e Charles Fourier, além dos pioneiros de Rochdale, que fundaram a primeira cooperativa, em sua concepção moderna, no ano de 1844, na cidade inglesa de Rochdale.
Favareto (2000) compreende que a Economia Solidária é
(...) um tipo de movimento social ou, em outros termos, de uma idéia força, capaz de mobilizar diferentes sujeitos. Economia solidária, sócio-economia solidária, economia social, economia popular: estes termos não são exatamente sinônimo, cada qual apresenta nuanças e acentos diferenciados em relação aos demais, mas todos têm em comum o fato de estarem se referindo às formas de organizar a produção, a distribuição, a comercialização e o crédito por princípios solidários. (FAVARETO, 2000, p.21)
Pode-se dizer que a Economia Solidária faz surgir às práticas de relações econômicas e sociais que propiciam a sobrevivência e a melhora da qualidade de vida de pessoas que se encontram à margem da sociedade. Segundo Defourny et al. (1999); Gaiger, (1999); Kemp e Oliveira (2007), a economia solidária tem em sua composição atividades de natureza lucrativas, que devem ser entendidas, não como maximização dos lucros, por sí só e em sí só, mas como rentabilidade necessária para a autonomia financeira e a garantia da sobrevivência do empreendimento.
Deve-se compreender os empreendimentos da Economia Solidária como se apresentando a partir de ações locais e que visam à criação de novas formas de solidariedade nas comunidades. A atuação das organizações voluntárias da cidadania revela o estabelecimento de elos entre seu pólo originário local e o papel de crítica mundial que se atribuem. Essa forma de atuação, somando-se à adoção da informatização e à atitude de vinculação a redes - que favorece a ampliação das possibilidades de circulação de bens, serviços e informações - dá condições para que as iniciativas da economia solidária extrapolem os limites impostos por sua localização e aumentem seu âmbito de influência muito além de suas fronteiras.
E na direção do contexto a que se propõe a Economia Solidária, um questionamento sobre as mulheres nessa dinâmica ganha relevância. Assim, frente ao breve relato dessa temática vale apontar sob quais aspectos este movimento modifica e, ou proporciona melhorias na relação desigual Homem x Mulher no mundo do trabalho?
3. Discutindo a desigualdade
Mesmo não sendo a teoria de gênero, nosso principal ponto de argumentação, vale ressaltar alguns aspectos acerca dessa temática. Visto que, no presente trabalho, esse assunto figura como pano de fundo para o debate ora proposto.
A palavra gênero provém do latim genus e refere-se ao código de conduta que rege a organização social das relações entre homens e mulheres. Ou seja, gênero é o modo como as culturas interpretam e organizam a diferença sexual entre homens e mulheres (YANNOULAS, 2001).
Nos últimos 30 anos, a palavra gênero vem trazendo um propósito descontrutivo da ordem dos poderes cotidianos naturalizados, das relações e dos papéis da mulher e do homem. Assim, segundo Suárez (2007, p.2), “gênero é principalmente uma palavras politizada, uma ferramenta desconstrutiva, um instrumento para produzir efeitos na sociedade”. Esse enfoque mais politizado emergiu no mundo a partir da luta dos movimentos feministas das décadas de 1960 e 1970. Eles preconizavam a “destruição do poder masculino instituído há milhares de anos” (Nader, 2001, p. 139).
Soihet (1997) afirma que a leitura dos movimentos feministas da década de 1970 firmou um foco central no seu discurso político: o antagonismo entre homens e mulheres. Entretanto os estudos mais recentes rejeitam o caráter permanente e fixo dessa oposição binária.
Para Lagarde (1996, p. 26), “gênero é a categoria correspondente à ordem sociocultural configurada sobre a base da sexualidade: a sexualidade por sua vez definida e significada historicamente pela ordem genérica”.
Por outro lado, o gênero pode ser entendido como sendo mais do que uma categoria, é uma teoria que abrange hipóteses, interpretações, categorias e conhecimentos relativos ao conjunto de fenômenos históricos construídos em torno do sexo.
4. Trabalhando a realidade
A naturalização das desigualdades de gênero está de tal forma imbricada no cotidiano que a partir de dados é que se consegue perceber o nível de subordinação que as mulheres sofrem na sociedade, e uma das mais importantes expressões dessa desigualdade, é a diferença de rendimento no trabalho entre os homens e as mulheres. A Organização das Nações Unidas revelou que o salário médio das mulheres do setor industrial no mundo representa três quartos do salário masculino (ONU, 2006, p.11). No Brasil, as diferenças de renda entre mulheres e homens estão entre as maiores do mundo. Segundo o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) de 2004, as mulheres ganham em média 70% do rendimento mensal dos homens.
Quanto se menciona as diferenças entre homens e mulheres, Brym et al (2006) apresentam quatro fatores que contribuem para esta disparidade: a discriminação de gênero; a desigualdade nas responsabilidades domésticas; a baixa remuneração nos empregos das mulheres; e a desvalorização do trabalho feminino.
Apesar da discriminação de gênero ser ilegal, ela não desapareceu, pelo contrário, alguns dados da ONU (2006, p.11) mostram a alarmante condição das mulheres no mundo:
● as mulheres executam dois terços (2/3) do trabalho realizado pela humanidade;
● as mulheres recebem um terço (1/3) dos valores destinados a salários mundialmente;
● as mulheres são proprietárias de apenas 1% dos bens imóveis do mundo; e
● dos quase 1,3 milhão de miseráveis do mundo, 70% são mulheres.
Para a Organização Internacional do Trabalho – OIT, a situação das mulheres está melhorando e, se o ritmo atual se mantiver, após 475 anos elas conseguirão a igualdade salarial entre homens e mulheres.
Outro fator para a desigualdade de remuneração refere-se às responsabilidades domésticas desiguais que podem reduzir os rendimentos das mulheres, visto que, as mesmas enfrentam jornadas duplas e/ou triplas de trabalho. O que, possivelmente, influencia no seu rendimento no trabalho e, por que não dizer, nas relações familiares. Esse ponto parece estar intimamente vinculado ao fato de as mulheres tenderem a se concentrar em empregos e ocupações mal remuneradas.
Segundo dados do IBGE (2000), a participação da mulher no mercado de trabalho aumentou na década de 1990, sua presença na população economicamente ativa – PEA, aumentou em 9% nesse período. Apesar desse crescimento a inserção das mulheres não se deu de forma qualificada, houve um expressivo ingresso de mulheres na faixa etária de 40 a 54 anos, com baixa escolaridade e sem profissionalização, resultando na precarização da mão-de-obra feminina urbana. Desse contingente, uma grande maioria se tornaram empregadas domésticas, impulsionadas pela necessidade de auxiliar a família economicamente.
No caso das mulheres, a tentativa é sempre de considerar o trabalho realizado fora de casa como uma extensão do seu papel de mãe. E se concentram em atividades consideradas tipicamente femininas como serviço doméstico, professoras, enfermeiras, assistentes sociais. Na década de 1990, 30% das mulheres que se declararam como trabalhadoras no Censo 2000 do IBGE eram empregadas domésticas, costureiras e professoras primárias.
Segundo dados da UNESCO, 81,3% dos professores são mulheres e 18,6% são homens, com variações de gênero por disciplina e série. Ou seja, a proporção de mulheres vai diminuindo quanto mais avançada é a série da educação básica e no ensino médio. Quando estão na Universidade, elas se concentram em determinadas áreas, como educação, Psicologia e Serviço Social, e têm menos acesso a promoções, a títulos, a cargos comissionados de direção, etc (UNESCO, 2004, 44).
Ao se mencionar o aspecto valorativo, Pessoa et al.(2007) observam que a divisão do trabalho tem raízes na estrutura e no cotidiano da vida econômica e é mantida e acentuada pelas instituições e relações humanas, podendo ser entendida como fruto de determinada evolução histórica da sociedade. Segundo a referida autora, dois princípios devem ser levados em conta quando se fala em divisão sexual do trabalho: o princípio da separação, que destaca os trabalhos masculinos e femininos - e o princípio da hierarquização, onde o trabalho dos homens é mais valorizado do que o das mulheres, ou seja, o trabalho masculino “vale” mais que o trabalho feminino.
O que parece ser consensual e comum diz respeito à noção de que o trabalho das mulheres é socialmente visto como complementar ao trabalho dos homens, ainda considerados como provedores da família e trabalhadores profissionais. À mulher resta o encargo das tarefas domésticas. A partir dessas idéias, surgem várias conseqüências negativas para as mulheres. A primeira refere-se aos salários que, em grande parte das vezes, são mais baixos, o que pode ser justificado, em partes, pois, o que elas ganham é visto como suplementar. Em segundo lugar, os serviços públicos não se organizam para assegurar às mulheres condições de trabalhar fora da casa, principalmente no que se refere aos serviços de apoio, como creches, abrigos para idosos e lavanderias coletivas. Assim, muitas mulheres “optam” por ocupações em que haja maior flexibilidade de horários: desse modo, elas “escolhem” trabalhos em tempo parcial ou no mercado informal.
Kergoat (2003, p. 56) reforça essa idéia, do equivocado julgamento de valor social do trabalho feminino, que muitas vezes é considerado “leve”, “insignificante”, caracterizado como uma “ajuda” à família. Ao longo do processo histórico, as mulheres têm sido responsabilizadas pelas obrigações familiares. Trabalho não remunerado, realizado gratuitamente para os outros membros da família e considerado de secundária importância e, portanto, um trabalho invisível, “feito não para si, mas para os outros, sempre em nome da natureza, do amor e do dever maternal”.
Segundo Hirata e Kergoat (2007, p. 599), “a divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.)”.
Essa relação, que parece já estar forjada na estrutura econômica preponderante deve ser vista como não sendo natural, possibilitando assim, questionamentos e modificações. Nesse sentido, pelos princípios de igualdade e cooperação, a Economia Solidária parece figurar como uma possibilidade real de desconstrução dessa relação de trabalho desigual.
5. Mulheres na Economia Solidária
Após um breve relato da situação das mulheres no mercado de trabalho, faz-se necessário o mesmo direcionamento no que tange a Economia Solidária. E nesse sentido, observa-se que esse campo se mostra fecundo para o enfrentamento da exclusão e do trabalho precarizado, para a possibilidade de rompimento da lógica da divisão sexual do trabalho, do machismo, da exploração e da dominação de gênero (NUNES e COELHO, 2007).
Diante de tal fato, o presente trabalho, releva aspectos como, equidade, democracia e relações de trabalho solidárias que indiquem outra forma de sociabilidade, estão na direção, a qual acredita-se que deva se pautar as relações de gênero no mundo do trabalho.
Segundo GUÈRIN (2003, p. 76), a Economia Solidária apresenta-se como uma possibilidade de superar as diferenças de gênero, por se tratar de uma organização que prima pela solidariedade e cooperação entre seus membros.
Culti (2004) ressalta que a economia solidária é uma reação contemporânea, onde o agir coletivo se coloca como uma alternativa possível para os atores sociais, que estão em sua grande maioria, excluídos do mercado de trabalho formal e de consumo. E, em se pensando na questão das mulheres, essa exclusão se torna redundante, o que as coloca na linha de frente do embate por mudanças.
Numa avaliação geral, sob a ótica das relações de gênero e emancipação feminina, a Economia Solidária pode contribuir de várias formas: a) para aliviar o cotidiano das mulheres, pois elas partilham o peso de suas “obrigações”, contribuindo para uma melhor articulação entre a vida familiar e profissional; b) no contexto de trabalho solidário, as mulheres contam com espaços de discussão privilegiados para expressar reivindicações e pressionar efetivamente as autoridades públicas para a construção de políticas públicas de gênero, ajudando, assim, no desenvolvimento da capacidade da mulher de contribuir para as mudanças sociais e institucionais mais favoráveis para elas; c) viabiliza o acesso ao crédito; d) proporciona a emancipação financeira da mulher. Enfim, dentro da Economia Solidária o maior desafio é transformar as relações interpessoais e de gênero, ao mesmo tempo em que se buscam mudanças estruturais na sociedade, na economia e na cultura (NOBRE, 2003, p. 28).
A economia solidária propõe um rompimento com a divisão social do trabalho, visto que une proprietários dos meios de produção e o trabalhador, entretanto não coloca a divisão sexual do trabalho como uma estratégia (CULTI, 2004).
Porém, para que as possibilidades tornem-se realidade em construção, é preciso que ocorram mudanças nos quadros atuais da Economia Solidária no Brasil. Analisando a pesquisa realizada pela Secretaria Nacional da Economia Solidária - SENAES do MTE, os homens têm uma participação relativamente superior à das mulheres, numa proporção de 64% para os homens e 36% para as mulheres. Resguardadas algumas regiões como o Centro-Oeste, onde as mulheres atingem um percentual de participação de 41% superior em relação aos homens na média nacional, em todas as demais regiões do país, a participação das mulheres é inferior à dos homens. No que se refere à composição dos empreendimentos solidários, as mulheres predominam nos EES com menos de 10 sócios, chegando ao percentual de 63%, enquanto os homens são predominantes nos EES de maior porte.
Observando dados do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária - SIES, constata-se, a cargo ilustrativo, que na região sudeste, apenas 303 EES são constituídos exclusivamente por homens, enquanto 1087 outros EES são exclusivamente constituídos por mulheres, sendo que em análise do número total de envolvidos nesses empreendimentos verifica-se que existem 15038 homens e 14562 mulheres, ou seja, mesmo com um número maior de empreendimentos exclusivamente de mulheres, a média de participantes é de 13 pessoas contra 50 nos empreendimentos masculinos. (SIES, 2008)
Mesmo se apresentando como uma alternativa às desigualdades e discrepâncias na relação Homem x Mulher inseridos no mundo do trabalho, a Economia Solidária parece ainda não demonstrar um movimento efetivo de superação das mazelas da divisão sexual do trabalho.
6. Conclusões, para fim ou para início de conversa?
A partir do entendimento dos atuais e vigentes formatos de relações entre Homem x Mulher no mundo do trabalho, em que figura um jogo de formas, ao qual, as mulheres não vêm conseguindo balancear tal situação, que, pode-se dizer, como histórica e que demonstra fortes sinais de naturalização social, questiona-se assim, o modelo preponderante, que corrobora e sustenta esses mecanismos de diferenciação.
O que se observa no senso comum é que o trabalho da mulher é visto como complementar ao trabalho dos homens, o qual é mais valorizado, percebido e aceito como o mais importante. Restam às mulheres os encargos e os afazeres domésticos, que implicam em sua inserção restrita e desvalorizada. Fato esse que, manifesta-se por exemplo, na sua remuneração, que em grande parte das vezes é mais baixa. Em segundo lugar, os serviços públicos não se organizam para assegurar às mulheres condições de trabalhar fora da casa, principalmente no que se refere aos serviços de apoio, como creches, abrigos para idosos e lavanderias coletivas.
E nesse sentido, algumas ações devem ser iniciadas, aprimoradas e, ou re-estruturadas. Como, por exemplo, a ausência de escolas e creches de qualidade, a precarização dos serviços públicos de saúde, a incipiente política de assistência aos/às idosos/as e demais segmentos sociais. A falta de iniciativas contribui para que a presença das mulheres no mercado de trabalho se perpetue de forma subordinada em relação aos homens. Desse modo, além de as mulheres serem historicamente responsáveis pela gestão cotidiana das necessidades da família, assumem as tarefas ora não executadas pelo Estado (PESSOA et al, 2007).
Diante de tal situação, para a mulher, o ingresso no mercado de trabalho passa a ser encarado como ambíguo, pois, por um lado, aumenta a jornada e a carga de trabalho consideravelmente, sobrepujando tarefas domésticas e profissionais e, por outro lado possibilita a sua independência e autonomia pela via do trabalho.
A relação desigual Homem x Mulher no mundo do trabalho, que parece já estar forjada na estrutura econômica preponderante deve ser vista como não sendo natural, e assim, com possibilidades de ser questionada e modificada. Nesse sentido, pelos princípios de igualdade e cooperação, a Economia Solidária parece figurar como uma possibilidade real de desconstrução dessa relação desigual.
Na busca pelo fortalecimento do movimento solidário, alguns questionamentos devem ser feitos para que, a partir de seu debate propositivo, possam ocorrer mudanças e, ou mesmo, ser iniciado um questionamento mais efetivo sobre a temática. Nesse sentido, não podemos falar em solidariedade se as mulheres ainda não vivenciaram a igualdade em todos os espaços de atuação.
Ao organizar um empreendimento solidário pautado na autogestão, deve-se atentar para as desigualdades de gênero, pois há o risco iminente de reproduzir a histórica da divisão sexual do trabalho e a “falsa” igualdade, que alimenta a estrutura dual construída pela sociedade capitalista.
Assim, vale questionar então, como a Economia Solidária dialoga com as perspectivas de ruptura do padrão de dominação imposto às mulheres, no que diz respeito à produção e reprodução das relações de dominação e exploração de gênero que acontecem na sociedade e no mundo do trabalho? E, para alem do diálogo entre pares, tendo como um de seus princípios a igualdade, há que se questionar como essa igualdade ocorre? Seria essa, uma igualdade no sentido pleno ou apenas uma reprodução idêntica do modo das relações vigentes?
Nessa direção, observa-se que esse movimento se mostra como um campo fecundo no enfrentamento da exclusão e do trabalho precarizado, e na possibilidade de rompimento da lógica da divisão sexual do trabalho. Como pontos a serem observados e aprofundados na busca por mudanças efetivas, a Economia Solidária pode contribuir a partir de reflexões da condição de vida e trabalho da mulher e na reivindicação de políticas publicas, com espaço, a priori, privilegiado de debate.
Mesmo se apresentando como uma alternativa as desigualdades e discrepâncias na relação Homem/Mulher inseridos no mundo do trabalho, a Economia Solidária, parece ainda não demonstrar um movimento efetivo de superação das mazelas da divisão sexual do trabalho.
Para que todas as mudanças se iniciem, as mulheres e homens que atuam na autogestão necessitam da compreensão de que as mesmas relações solidárias exercidas no empreendimento devem ser estendidas aos vários espaços de atuação de cada um e de cada uma.
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