Observatorio de la Economía Latinoamericana

 


Revista académica de economía
con el Número Internacional Normalizado de
Publicaciones Seriadas  ISSN 1696-8352

ECONOMÍA DO BRASIL

 

EXPERIÊNCIA EM AÇUDE DE ÁGUA DOCE: O CASO DO EPITÁCIO PESSOA EM BOQUEIRÃO-PARAÍBA
 

Luiz Gonzaga de Sousa
gonzaga_po@yahoo.com.br 




RESUMO - Este trabalho originou-se de um Projeto desenvolvido junto ao açude Epitácio Pessoa, na cidade de Boqueirão, estado da Paraíba, no ano de 1983, cuja atividade de produção era uma atividade ligada à pesca em água doce, com a participação de diversas famílias extraindo a sua sobrevivência diária. O intermediário era o grande beneficiário em tal processo. Com o Projeto em evidência, conseguiu-se grande transformação para a comunidade pescadora, cujo trabalho era artesanal; a comercialização era frágil, pela dependência dos trabalhadores aos atravessadores, e a pobreza que parecia perpétua para aquela população, não acreditava em mudança em seu modo de vida, tal qual estava envolvida naquele momento. Em verdade, sanou-me este problema. Algum tempo depois, retornou-se à situação precária de antes do Projeto, devido à saída dos orientadores do Módulo, da falta de vontade dos pescadores em assumirem o trabalho que foi bem orientado pela atuação dos técnicos, e a seca feroz que voltou a tomar conta do entorno.

Palavras-chaves: Economia; Gestão, Tecnologia; Desenvolvimento; Estudo de caso.

RESUMEN - Este trabajo comenzó de un Proyecto desarrollado cerca al azud Epitácio Pessoa, en ciudad de Boqueirão, estado de Paraíba, en el año de 1983, cuya actividad de producción fue un trabajo ligado a la pesca en agua potable, con participación de diversas familias sacando su sobrevivencia diaria. El intermediario fue el gran beneficiario en tal proceso. Con el Proyecto en evidencia, conseguió una gran transformación para el pueblo pescador, cuyo trabajo fue artesanal; la comercialización era fragil, por su dependencia de los trabajadores a los atravesadores, y a la pobreza que parecía ser ad eaternun para aquella populación, que no acreditaba en cambiar su modo de vida, tal cual estaba envuelto en aquello momento. En verdad, sanóse este problema. Algunos tempos después, volvióse a la situación precaria anterior al Proyecto, devido a la salida de los orientadores del Modulo-pescado, de la falta de voluntad de los envolvidos en asumir el trabajo que fue bién orientado por la actuación de los tecnicos, y la sequía feroz que volvió a tomar cuenta del ambiente.

Palabras-claves: Economía Gestão, Tecnología; Desarrollo; Estudio de caso.
 


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Gonzaga de Sousa, L.: "Experiência em açude de água doce: o caso do epitácio pessoa em Boqueirão-Paraíba" en Observatorio de la Economía Latinoamericana, Número 111, 2009. Texto completo en http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/



INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é relatar de maneira simples, o significado e a prática sobre a forma de produção não-capitalista na comunidade de pescadores da cidade de boqueirão-Paraíba; como também a sua formação social; e, o que aconteceu depois da retirada dos técnicos orientadores do Projeto. As investigações indicam uma comunidade com classe social complexa, onde há poucos excedentes comerciais e, não existia o Estado institucional interagindo para o desenvolvimento local.

Este retrospecto faz resgatar as noções imaginadas da era neolítica, onde as comunidades começam a se sedentarizar, e todos eram iguais por princípio, com pouca, ou nenhuma interferência externa ao grupo, no intuito de impor normas que geram desigualdades. Segundo diversos autores, o entendimento das formações sociais passa pela percepção do conceito de modos de produção; pois, acham que as sociedades se formaram em decorrência do processo de produção, e da formação de excedentes cada vez maiores nas mãos de poucos.

A idéia deste trabalho surgiu em 1983 em devido à observação de uma situação existente na cidade de Boqueirão, onde fica uma comunidade que vive de pesca em água doce, cujo açude tem o nome de Epitácio Pessoa, e se localiza no interior da Paraíba; pois, pretende-se fazer uma comparação com alguns modos de produção já caracterizados, aceitos, e tomados aqui como exemplos. Assim sendo, foram estudados alguns modos de produção e relações sociais que normalmente estão em ensaios e papers econômicos e sociais, que caracterizam sociedades capitalistas e comunistas; cujo segundo sistema seria o último estágio que a sociedade alcançaria de acordo com alguns teoristas utópicos.

Com este pequeno retrospecto sobre modos de produção, procura-se verificar: que tipo de modo de produção estaria a comunidade dos pescadores do açude Epitácio Pessoa do interior paraibano, e como melhor direcioná-la ao desenvolvimento econômico e social? Não se pretende aqui tecer alguma abordagem crítica aos modos de produção teóricos, mas situar o caso do açude da cidade de Boqueirão para conceituá-lo melhor, frente aos modos de produção já aceitos cientificamente.

Depois dos estudos bibliográficos implementados em seus detalhes, utilizou-se uma pesquisa bibliográfica e de campo que foi efetivada pelo Departamento de Administração e Contabilidade (DAC), da Universidade Federal da Paraíba (UFPb, hoje Campina Grande), para implantação de um Módulo-Pescado para organizar, e dar apoio aos pescadores do açude Epitácio Pessoa, da cidade de Boqueirão, no estado da Paraíba, cujo sucesso servirá de base para atividades semelhantes.

Com a coleta das informações históricas, foi possível analisar a formação dos pescadores, isto é, saber qual o modo de produção vigente nessa comunidade de economia aparentemente atrasada, e de tecnologia primitiva, ou artesanal. Com este trabalho, conseguiu-se sedimentar que modo de produção era caracterizado esta comunidade, não em uma abordagem crítica, mas numa visão comparativa entre a realidade, e as experiências demonstradas pelos investigadores teóricos da filosofia marxista, bem como poder fazer uma extrapolação quanto aos cenários vindouros desse ambiente.

Esta foi uma experiência que deu certo, pelo menos enquanto os técnicos da Universidade Federal da Paraíba, e do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) estiveram proporcionando o suporte necessário para uma auto-gestão da atividade da pesca no Epitácio Pessoa. Assim sendo, o primeiro ponto a analisar é o modo de produção investigado de forma teórico por pesquisadores experientes; o segundo, é este modo de produção frente à realidade encontrada naquela localidade; e, finalmente algumas considerações finais serão feitas sobre o assunto.

MODOS DE PRODUÇÃO E RELAÇÕES DE TRABALHO

A formação de uma sociedade é de uma complexidade muito grande, pois, não se consegue facilmente determinar o que originou o modo de produção de uma comunidade qualquer em seus primeiros momentos; o que fez surgir pela primeira vez tal modo de produção em toda a história da humanidade devido à falta de informação, que as bibliotecas não registraram ao longo dos tempos.

A princípio, sabe-se que o termo modo de produção é uma abstração que serve para designar a estrutura vigente de relações sociais que apóiam a geração de produção na evolução histórica dos seres humanos, e podem se prever os caminhos políticos aonde essa comunidade pode chegar, com seus erros e acertos.

Isto se pode constatar, quando se faz uma simulação da primeira sociedade (imaginária) em que o homem viveu, numa digressão àqueles que viveram em cavernas, até o ser “racional” da informática hodierna, e do futuro. O modo de produção tenta mostrar o modus vivendi de uma sociedade qualquer; as suas relações e inter-relações frente a uma complexidade em que está imantado o ser humano de todas as épocas, em todo o modo de vida social.

De uma maneira simples, um modo de produção é predomínio das formas de produção de uma sociedade, considerando todos os seus participantes, desde a tecnologia vivenciada, passando pelo uso das maquinarias, ao relacionamento do homem com os instrumentos de trabalho, e com o próprio homem; porém, este modo de produzir envolve uma complexidade tão grande que seu conceito não se limita a esta simplicidade; pois, além do aspecto técnico que envolve este termo, existe também o lado político envolvido na análise.

Numa interpretação aos escritos de MARX (1876), pode-se entender o modo de produção, como sendo uma estrutura global constituída de estruturas regionais, tais como: estrutura econômica, considerada a infra-estrutura; a estrutura jurídico-político, e a estrutura ideológica, que é considerada como uma superestrutura. Esta configuração demonstra a complexa performance de entendimento do modo, ou dos modos de produção de uma determinada sociedade ao longo da história.

Na visão de FIORANTE (1991; p. 31) (*), o modo de produção é uma combinação específica de diversas estruturas e práticas que, em combinação, aparecem como instâncias, ou níveis, isto é, como estruturas regionais, com uma autonomia e dinâmica próprias, ligadas a uma unidade dialética. Dentro deste ponto de vista, FIORANTE está desenvolvendo um pensamento marxista, ao considerar que MARX analisa os modos de produção dentro de estruturas estabelecidas, da forma como já foi explicitada de maneira objetiva e direta, para a compreensão do desenvolvimento de uma sociedade.

Por outro lado, sente-se a dificuldade de caracterizar um país, ou uma nação em termo de seu modo de produção de forma mais objetiva; pois, geralmente não se encontra um só modo de produção; mas, diversos modos de produção, bastante influentes, em qualquer sociedade vigente. Desta feita, pode-se caracterizar um modo de produção de um país, pela sua predominância, e isto já constitui uma certa facilidade de compreensão, entretanto muito relativizada pela sua localização natural das coisas.

Alguns autores costumam, em uma seqüência histórica e cronológica, mostrar os modos de produção dentro das seguintes fases: a primeira, como sendo o comunismo primitivo, fortemente hipotético; a segunda, a escravatura, ou escravagista, bastante evidente; a terceira, o asiático, com poucas informações; a quarta, o feudalismo, também vivenciado; a quinta, o mercantilismo, bem próximo da atualidade; e a sexta, o capitalismo, a experiência da modernidade; a sétima, o socialismo, pretensões abstratas; e, por último, o comunismo, estas duas últimas são ainda esperadas.

Sem embargo, diz-se que o comunismo primitivo foi a primeira forma de modo de produção, onde não havia o excedente (talvez seja o período da idade paleolítica/neolítica) e, por conseguinte, não existia o mercado. Neste período, fica claro que não havia o Estado formal, bem como as classes sociais, por isso, todos são iguais na comunidade vigente. A escravatura é um modo de produção, também é considerada uma das formas mais antigas de exploração do homem pelo homem. Este modo de produção caracteriza-se pelo trabalho servil, e o senhor vive do sobre-trabalho alheio e da produção de seus escravos.

Uma sociedade primitiva é caracterizada como de estado d’arte natural, ou savoir faire individual e embrionário, cuja produtividade do trabalho é artesanal e muito baixa, visto que o aprendizado estava nos inícios da observação de tudo que cercava os seres humanos, assim como a invenção de seus primeiros instrumentos de trabalho, para a descoberta da produção mais fácil e econômica, mesmo que seja de forma inconsciente ao uso da época.

Um outro modo de produção importante é o asiático, pois muitos cientistas não chegam nem a conceituá-lo, ou até mesmo investigá-lo em seus pormenores; porém, pode-se afirmar que aqui não existe a propriedade privada de sistemas avançados, no entanto, as decisões são da comunidade, quanto às necessidades que o grupo necessita suprir.

Para o feudalismo, o que predomina é a exploração sobre os camponeses pelos senhores fundiários, em que o ambiente comunitário é constituído de feudos; porém, os senhores feudais vivem de renda fundiária, dos habitantes que conseguiram seu pequeno lote para a sobrevivência com a sua família direta, ou indiretamente constituída.

Já o capitalismo, como fase mais moderna, caracteriza-se pelo uso de máquinas e equipamentos, ao pagamento de um salário ao trabalhador, entretanto, o capital é de propriedade daqueles que possuem algum recurso monetário, para investir em instrumentos laborais (capitais fixos), e materiais variáveis (capitais variáveis), que são os elementos de trabalho e progresso tecnológico para aumentar a produtividade de uma atividade qualquer.

Finalmente, o socialismo e o comunismo constituem etapas futuras caracterizadas pela semi, e/ou total igualdade de todos, de acordo com a sua cota participação, na produção gerada na nação; claro que, como hipótese, dentro do processo de evolução da humanidade. Alguns autores caracterizam o socialismo como uma transição para o comunismo puro, visto que neste último, presume-se o desaparecimento do Estado, e das classes sociais vigentes.

Quanto ao processo de trabalho, constata-se que no comunismo primitivo, todos os membros (adultos válidos) da comunidade são produtores, não há divisão do trabalho técnico, mas, sim, divisão de tarefas, ou do trabalho social. Todos participam do processo produtivo, porque não há diferenças entre as pessoas participantes da nação que adota tal sistema de vivência.

Todavia, para o processo de produção escravagista, o escravo deve proporcionar um retorno ao seu dono, como recompensa do investimento desprendido em sua compra, isto faz com que o escravo tenha que trabalhar ao máximo possível, ficando com pouco tempo para seu lazer, e participações outras, visto que o seu proprietário almeja um retorno rápido, e eficiente pelo seu trabalho efetivo.

Entretanto, no feudalismo, o processo de produção difere, pois neste caso existe a relação senhor feudal contrapondo com os camponeses dependentes, ou vilões. Aqui a tecnologia é fraca por conta de não ter havido ainda progressos maiores na tecnologia. Os camponeses que trabalham em suas terras, são obrigados a dedicar parte da semana ao cultivo da cultura do senhor, além de doar parte de sua produção aos Senhores feudais.

Para o capitalismo, o trabalhador é “independente”; mas, para sobreviver tem que vender sua força de trabalho ao empresário (dono do capital), recebendo em troca um salário incompatível a uma produção excessiva, especificamente se ele é não-especializado. O capitalismo ou economia liberal se alimenta do sobre-trabalho do operário, do excedente que acumula e concentra cada vez mais em sua riqueza.

O trabalhador não politizado pensa que o salário que recebe é um pagamento justo pela sua jornada de trabalho; mas, não entende que isto representa uma pequena parte de sua participação, a maior porção fica apropriada pelo dono do capital, e este excedente o trabalhador não recebe (MARX, 1876). Para o capitalismo só serve o trabalhador dedicado (competente), pois, além do mais existem diversos mecanismos em favor do capitalismo que lhe asseguram o seu alto lucro, e a sua bendita mais-valia (BRAVERMAN, 1981).

Entrementes, quanto ao socialismo que é um processo de transição, nas previsões de MARX em 1857, e de seus seguidores; sem dúvida, o comunismo constitui-se, por hipótese, em uma distribuição de renda igualitária, contudo, todos são produtores e consumidores indistintamente, e não há excedente em mãos privadas para usufruto egoístico e ganancioso.

Nos tempos modernos, tendo em vista a diversidade de relações sociais entre patrões e empregados, fica muito difícil de compreender o modo de produção vigente em uma nação, de maneira geral, pela própria complexidade interna que existe, pois, é fácil constatar, pelo menos, dois ou mais modos de produção em qualquer país dos tempos atuais.

Entretanto, nota-se, região altamente capitalista e dentro desse próprio capitalismo, resquícios de primitivismo, de feudalismo, de escravismo, e algumas outras formas mais; todavia, inter-regionalmente, também se encontram esses diferentes modos de produção, pois o Estado domina uma economia mista como um todo, tirando os seus proveitos de capital monopolista, portanto dominador.

Afinal de cantas, que modo de produção rege uma nação? É capitalista? É socialista? Ou é misto, como preferem chamar os americanos? A própria Rússia no tempo que era um país comunista, estava muito longe de sê-lo; todavia, os processos de trabalho neste país, só mudavam de nome frente ao sistema capitalista; porém, apenas o Estado era o todo poderoso sobre o trabalhador que tinha um tipo de especial de pagamento “salário”, especialmente o do campo.

Se no capitalismo, o grande capital domina o poderio econômico e social, e o sistema no comunismo é o Estado que exerce este poder de dividir as atividades de trabalho urbano e rural, e apropriar para redistribuir os ganhos excedentes para a cúpula dirigente dessa Instituição, no entanto, o povo em geral sempre fica com a mínima parte de seu esforço, cujo direito passa muito distante de sua contribuição real.

Portanto, não se constata muita diferença entre essas duas ditaduras; entrementes, precisava-se de uma nova ordem econômica mundial que não fosse a capitalista monopolista usurpadora, nem a pseudocomunista soviética estatal que agia com os punhos de ferro, frente aos aparentes indefesos trabalhadores de sua nação que pretendia ser de libertação para todos os habitantes locais.

O MODO DE PRODUÇÃO NO ENTORNO DO AÇUDE.

Nos arrabaldes do açude Epitácio Pessoa, na cidade de Boqueirão, no estado da Paraíba existem muitas famílias que vivem da pesca, e algumas pequenas atividades de agricultura, como plantação de milho, feijão, tomate; porém, o maior tempo de trabalho está devotado à atividade da pescaria nas profundidades do açude (Pesquisa in loco, 1984).

Com vistas a melhor organizar os agricultores e pescadores da localidade, foi implantado o Módulo-Pescado neste grande açude, com a participação do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS), cujos objetivos eram organizar, orientar e conscientizar os trabalhadores com atividade no açude e sua circunvizinhança, com propósito de desenvolvimento e bem-estar para os participantes (Projeto Módulo-Pescado Departamento de Administração e Contabilidade, 1984).

Inicialmente, o açude Epitácio Pessoa foi fundado em 1954, cujos engenheiros programaram que, de dez em dez anos, o açude deveria ser limpo, por conta do assoreamento como problema evidente, trabalho que nunca foi executado; além do mais, este açude fornece água para as cidades de Campina Grande, Queimadas, Pocinhos, Cabaceiras, e a própria cidade de Boqueirão. Este açude chegou a disponibilizar 577.280.000 milhões de metros cúbicos de água, em 1977; 557.280.000 em 1981; e, 543.000.000 na época deste trabalho (1983), que provavelmente em sua fundação, o volume desse líquido fosse projetado para um volume muito maior (Planilha de controle do açude, 1984).

A atividade laboral principal neste açude é a prática da pescaria, como atividade profissional, com uma média de 140 pescadores em plena atividade, bem como conta com uma comunidade de 275 famílias que vivem da atividade desenvolvida nas margens do açude Epitácio Pessoa, com o trabalho na pesca, e, em seguida, completa a sua sobrevivência com agricultura de subsistência, ou atividade, que eles chamam de alugado, ou meeiro (Levantamento in loco, 1984).

A atividade da pescaria no açude Epitácio Pessoa é uma constante já com bastante tempo de atuação; pois, regularmente, o pescador sai para o local mais fundo do açude, ou para os locais onde se encontram os pescados comercializáveis para capturá-los, e oferecê-los em troca por quaisquer mercadorias que a família necessita nas mercearias (bodega), ou nas feiras livres onde se processa a comercialização em um dia da semana (Pesquisa in loco, 1984).

O modo de trabalho dos pescadores é artesanal, tal qual uma economia primitiva, devido aos seus instrumentos de trabalho serem arcaicos, como os anzóis (vara grande com uma linha e anzol com isca), redes (trançado quadrangular de linha de 2 por 10 metros), e tarrafas (trançado quadrangular com linha em formado de circulo de mais ou menos três metros que é jogado de forma bem aberta no açude) (Pesquisa in loco, 1984).

Já alguns poucos pescadores que usam instrumentos um pouco mais avançados de trabalho, utilizam barcos em sua maioria a remo (impulsionados a braços), e em pouca escala a motor (óleo diesel), quando o intermediário subsidia alguns pescadores na busca de conseguirem maiores lucros nesse processo produtivo dinamizado no açude (Pesquisa in loco, 1984).

A pescaria no açude Epitácio Pessoa é o principal trabalho para a sobrevivência das famílias envolvidas; pois, os pescadores extraem dessa atividade a sua subsistência com um trabalho árduo e perigoso, devido à profundidade da bacia desse açude. Todavia, esses trabalhadores nas horas vagas, um dia estabelecido pelo DNOCS, não podem pescar, eles desenvolvem pequenas roças nos arrabaldes de sua casa, ou como alugado, ou de meia, com um outro agricultor tradicional (Depoimento de pescador, 1984).

Em uma pescaria, normalmente trabalham juntos quatro, ou cinco pessoas, visto que, é preciso conduzir o balaio (depósito indígena, feito de palha, onde se colocam os produtos) com os pescados; remar o barco, e ajudar na colocação das redes. Nestas atividades, às vezes é preciso duas pessoas. Para colocar e retirar a rede necessita-se de pelo menos duas pessoas, pois ela é muito pesada para uma só pessoa suportar o peso e tamanho da rede de pesca (Depoimento de pescador, 1984).

O processo de produção nas pescarias é muito primitivo, semelhante ao modo de produção indígena, visto que, a sua tecnologia é precária, e a orientação dada pelo órgão encarregado para disciplinar tal atividade (DNOCS) não é obedecida pelos pescadores. Dentro desta visão, os produtos conseguidos são sem qualidade para um bom preço comercial, em uma colocação ao risco a espécie nativa, caracterizando uma pesca predatória. A utilização do material arcaico é conseqüência da falta de conscientização dos pescadores, pois, o trabalhador desse processo de pesca tem pouco grau de instrução escolar para poder se conscientizar sobre a aplicação de uma tecnologia mais adequada a esse trabalho (Pesquisa de campo, 1984).

Assim sendo, cada grupo de pescadores, em sua maioria, vai ao trabalho acompanhado por seus familiares, entretanto, alguns desses trabalhadores têm a participação de pessoas estranhas à família, cujo pagamento é uma parte do seu pescado em espécie. O pagamento não é feito em dinheiro (moeda), tendo em vista que os pescadores são pessoas pobres que não têm recursos monetários para assumir esse pagamento. Sua forma de pagamento é de tal maneira que ao chegarem de sua atividade, retiram uma parte para o seu consumo, e o restante faz pagamento às mercearias que lhes vendem fiado (crediário). Esses bodegueiros, como são chamados no interior nordestino, constituem alguns intermediários, que recebem baratos e vendem caros nas feiras livres, ou bares da cidade (Pesquisa in loco, 1984).

As relações de trabalho podem ser consideradas como familiares, porque em sua maioria, são pessoas da família que participam do processo de produção, com alguma cooperação de pessoas estranhas ao grupo familiar que é pequena.

Muitas vezes o pescador trabalha para um agricultor amigo que lhe adianta todo o material da pesca, para receber no fim do seu trabalho o pagamento estipulado e concordado com ele, isto é, uma parte em produto do que pescou, e essa parte serve também para fazê-lo quitar os débitos contraídos durante o dia, ou durante a semana de trabalho, de acordo com as necessidades da família.

Nesta ótica, verifica-se que a circulação de moeda é muito pouca, sendo a transação entre os pescadores e donos de mercearia feita através de produtos da pesca, como numa economia de escambo (Observação in loco, 1984).

A pescaria no açude Epitácio Pessoa em Boqueirão é uma atividade fortemente de subsistência, porém, não existem empresas de grande porte explorando em larga escala este setor de piscicultura que tem um grande potencial mercado ainda sem exploração comercial. O que existe, são pequenos intermediários comprando a preços baixíssimos, executam algum processo de beneficiamento, como a técnica de salga e secagem artesanal, e utilização de pequenas caixas de isopor a venderem nos bares e feiras livres a um preço muito alto, isto é, em uma média de duzentos por cento mais caros, frente aos preços dos pescadores (Depoimento do DNOCS, 1984).

Cada grupo de pescadores trabalha individualmente, isto significa dizer, cada grupo desempenha sua atividade sem a interferência dos outros grupos, e só deixam a segunda feira para o descanso das atividades pesqueiras. Isto caracteriza um modo de produção em economia de escambo, ou pré-capitalista, porque envolve um certo pagamento tipo salarial, ao oferecer um espaço para o desenvolvimento local, e melhora no bem-estar de todos (Depoimento de pescador, 1984).

Depois de algum tempo da implantação do Projeto, os professores da Universidade Federal da Paraíba e técnicos do DNOCS, entregaram a gerência dessa atividade aos pescadores, depois de conscientes do êxito desta atividade; entretanto, o sucesso desse trabalho começou a retroceder, devido aos pescadores não porem em prática as orientações que foram passadas pelos administradores que deixaram funcionando tão bem no Módulo-Pescado.

Além do mais, vieram em seqüência, diversas secas muito fortes, e maltrataram o semi-árido paraibano, com uma contribuição muito grande quanto ao fracasso do Módulo-Pescado, como se pode dizer, foi um grande sucesso, e até uma excelente experiência para atividade de pesca em açude de água doce, com melhora na renda dos pescadores, e emprego para o sertanejo e caririzeiro que esperam os momentos de chuva, para executar a sua plantação de produtos de subsistência tipo milho, feijão, e alguns outros igualmente importantes.

Portanto, este trabalho implantado na cidade de Boqueirão, na Paraíba, no ano de 1982, deve servir de exemplo para localidades onde exista atividade de pesca, e produção agrícola familiar, ou pequena produção campesina, que não tenha uma organização e comercialização que dinamizem este tipo de atividade para um desenvolvimento local, de suma importância para os que fazem a economia de tal ambiente profissional (Documento do DNOCS, 1984).

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ao finalizar esta análise sobre alguns modos de produção anteriormente bem delimitados, chega-se a algumas considerações complementares, de relevante importância, visto que a atividade produtiva e relações de trabalho implantadas no interior paraibano possuem muito de semelhante com os modos de produção pré-capitalistas, que ainda convivem com o capitalismo moderno, aumentando o diferencial entre a classe social alta e a inferior. Os pontos conclusivos principais encontrados são os seguintes:

1 - Aparece um modo de produção de forma inusitada a pré-capitalista na comunidade de pesca do açude Epitácio Pessoa, visto que, os economistas neoclássicos não se preocupam com este tipo de relação social, isto é, o modo de produção familiar, ou de economia de escambo;

2 - Este modo de produção pré-capitalista é artesanal e de baixa produtividade em termos gerais, pois, é um processo de produção que é repassado de pais para filhos, sem preocupação com os avanços da tecnologia;

3 - O pagamento feito às pessoas que participam do processo de produção que não são da família, é feito por contrato verbal entre o chefe da família e o novo participante, às vezes estabelecido pela sua produtividade, ou em peixes, ou em dinheiro, depois de serem negociados;

4 - A jornada de trabalho dos trabalhadores da pesca é excessiva, pelo simples fato de trabalharem mais de oito horas nesta atividade, chegando até a quinze horas diárias, mas não existe o patrão capitalista formal para importunar;

5 - Constatou-se que o modo de produção, em sua maioria, é familiar, mas, a produção tende sempre para o sistema capitalista de mercado, mesmo que precário, através da interferência do intermediário, em suas etapas de subordinação e comercial;

6 – Verificou-se que este Projeto, sem a orientação do pessoal da Universidade Federal e os técnicos do DNOCS, não tinha condições de sobrevivência, e isto aconteceu, com a falência do Módulo-Pescado algum tempo depois; e

7 – Ratificou-se que a economia da pesca do interior paraibano (açude Epitácio Pessoa), dá-se de forma natural e quase de escambo, no que diz respeito à comercialização dos produtos de piscicultura em açude de água doce. Sem medo de errar, pode-se generalizar a idéia deste Projeto para todos os açudes do interior paraibano.

Portanto, pode-se caracterizar a formação social das comunidades de açude de água doce do interior nordestino, e, especialmente, do interior da Paraíba, pois, constatam-se resquícios fortes de pré-capitalismo, com economia de escambo, praticados pelos pescadores, comerciantes, e intermediários; e, nota-se também, uma espécie de embrião de um capitalismo nascente, visto que, até certo ponto, aparece uma espécie de assalariamento para os ajudantes dos pescadores líderes.

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NOTA

* Eduardo Fioravante. Modo de Produção, Formação Social e Processo de trabalho. São Paulo, Paz e Terra, 1978.


 

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