"Contribuciones a la Economía" es una revista
académica con el
Número Internacional Normalizado
de Publicaciones Seriadas
ISSN 1696-8360
Yolanda
Vieira de Abreu
Helke Hernandes Raposo Silva
yolandaabreu@gmail.com
RESUMO
Ignácio Rangel (1914-1994) é considerado o mais original e criativo analista do
desenvolvimento econômico brasileiro do século XX, caracterizado principalmente
por sua linha de pensamento independente. Utilizou, em suas análises sobre a
realidade econômica brasileira, a teoria da dualidade básica e a teoria dos
ciclos longos de Kondratieff. Neste trabalho, procurou-se relacionar as
contribuições de Ignácio Rangel ao pensamento econômico brasileiro, com ênfase
nos ciclos de Kondratieff e na teoria da dualidade básica de autoria do próprio
Rangel. Nesse sentido, por meio dessa análise, será dado um importante passo
para a compreensão do processo de desenvolvimento da economia brasileira de
acordo com a visão rangeliana, fazendo uma correlação entre as teorias
utilizadas por Rangel e a realidade econômica brasileira. Os resultados obtidos
demonstram que a teoria dos ciclos longos, juntamente com a teoria da dualidade
básica, tornou-se um importante instrumental teórico para entender a economia
brasileira. Ficou evidente e absolutamente claro haver uma correlação dos vícios
empregados pelos gestores do país com os ciclos longos.
Palavras-chave: Ignácio Rangel, Ciclos de Kondratieff, Teoria da Dualidade
Básica.
ABSTRACT
Ignacio Rangel (1914-1994) is considered the most original and creative analyst
of the Brazilian economic development of the twentieth century, characterized
mainly by its line of independent thought. Used in their analysis about the
Brazilian economy, the basic theory of duality and the theory of long cycles of
Kondratieff. In this work, we tried to relate the contributions of Ignacio
Rangel to Brazilian economic thought, with emphasis on Kondratieff cycles and
the theory of basic duality authored by Rangel. In this sense, through this
analysis will be an important step for understanding the development process of
the Brazilian economy in line with the vision rangeliana, making a correlation
between the theories used by Rangel and the reality of the Brazilian economy.
The results show that the theory of long cycles, along with the basic theory of
duality, he became an important theoretical tool to understand the Brazilian
economy. It was absolutely clear and evident to correlate the vices employed by
the managers of the country with the long cycles.
Keywords: Ignacio Rangel, Kondratieff cycles, Basic Theory of Duality.
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Vieira de Abreu y Raposo Silva: "Ignácio Rangel e os ciclos de Kondratieff" en Contribuciones a la Economía, noviembre 2009 en http://www.eumed.net/ce/2009b/
1) introdução
Ignácio Rangel pode ser considerado um dos mais eminentes economistas brasileiros. Viveu de forma intensa a eclosão da segunda etapa das transformações na indústria que proporcionou a segunda revolução industrial no Brasil, tendo como condutor desse processo o aparelhamento do Governo Central diante das contradições suscitadas pela expansão do capital monopolista. Rangel era marxista de formação, graduou-se em Direito em sua terra natal, o Estado do Maranhão, era autodidata em história e economia. Trabalhou em várias instituições fundamentais no processo de desenvolvimento do pós-guerra: na Assessoria Econômica de Vargas, participou na elaboração do projeto da Petrobrás, da Eletrobrás e no BNDES, participou da execução do Plano de Metas; no Conselho de Desenvolvimento, coordenou uma série de estudos e análises oficiais sobre a economia brasileira. Dessa forma, diante de tantas experiências foi possível observar o Brasil a partir de um ângulo privilegiado: dos principais centros de decisão econômica do país.
Segundo Faria (2000), Ignácio Rangel utilizou os ciclos longos de Kondratieff e a Teoria da Dualidade Básica (TDB), como ferramentas para sua análise a respeito da economia brasileira. A TDB é considerada o principal instrumento do sistema de pensamento de Rangel, sendo que a mesma é de sua autoria e era uma maneira crítica e criativa que ele desenvolveu com a finalidade de entender a formação econômica do Brasil.
Para ele, os demais ciclos, o de Juglar e de Kitchin , não desempenham papel tão relevante quanto o de Kondratieff para a teoria da dualidade básica de Rangel, por duas razões: a primeira diz respeito ao fato que os dois primeiros ciclos, com frequência, não atingem a totalidade do mundo desenvolvido, ou seja, aquele constituído pelas sociedades habilitadas a sintetizar nova tecnologia; a segunda razão se refere à própria duração dos mesmos: o de Juglar é dos dois, o mais longo, dura de 8 a 11 anos, período insuficiente para ajustar a economia nacional à conjuntura, através da realização de mudanças institucionais e de outras ordens.
Na visão de Rangel, a TDB era uma lei fundamental que regulava todas as etapas das relações internas e externas do sistema de produção da economia brasileira. Havendo duas formações econômicas reguladas por suas próprias leis coexistentes, permanentemente em conflitos e tensões, ambas são economias dominantes nos seus devidos campos de atuação, sendo que o aspecto mais relevante da dualidade na virada da metade do século XX era a contemporaneidade do coetâneo com grande influência na formação econômico-social brasileira.
Assim, os aspectos do desenvolvimento humano em sociedade estão bem definidos na economia brasileira: em um primeiro momento, temos o comunismo primitivo nas tribos selvagens; certas formas mais ou menos dissimuladas de escravidão, em algumas áreas retrógradas onde, sob a aparência de dívidas, se compram e vendem os próprios homens; em segundo o feudalismo, um pouco por todo o país e em diversas formas; finalmente em terceiro o capitalismo, em todas as suas etapas: mercantil, industrial e financeiro.
Como pode ser observado, Rangel pensa a dualidade brasileira como um modo de produção complexo, no qual estão presentes traços e especificidades combinadas dialeticamente de modos de produção fundamentais: comunismo primitivo, escravismo, feudalismo e capitalismo (mercantil, industrial, financeiro) e socialismo.
O outro instrumento utilizado para entendermos o pensamento e a interpretação rangeliana a respeito da história econômica e da sociedade brasileira, são os ciclos longos de Kondratieff, sendo esta uma das ferramentas centrais para suas análises, sendo que este ponto foi muito bem elucidado por Bresser (1994).
Rangel (1982, p.11) percebeu haver uma correlação das diversidades de nossa história nacional com as ondas longas. Em suas palavras:
“O relacionamento que faço das vicissitudes de nossa história nacional com as ondas longas, cuja simples existência não é aceita mansamente, faz-me sentir-se um pouco como Heinrich Schliemann quando resolveu levar a sério a Ilíada, na busca da localização exata de Troia, valorizando, assim, um documento que muitos consideravam uma tessitura de mitos.”
Assim, ele começou a tratar com seriedade a teoria das ondas longas, buscando com ela compaginar nossa própria história nacional. Passando a acreditar fielmente nos estudos aprofundados, de outros pesquisadores, na confirmação de suas hipóteses, como também dando uma luz sobre a teoria, fazendo progredir a ciência.
Conforme Rangel apud Bresser (1998), Rangel aprendeu a teoria dos ciclos longos lendo Business Cycles de Schumpeter e o próprio texto de Kondratieff, publicado em espanhol pela Revista de Occidente. Para Rangel, o processo de desenvolvimento é um processo eminentemente cíclico regido por ondas de inovação tecnológica e pelo processo de acumulação de capital. Rangel assinala, insistentemente, que esse processo cíclico independe da vontade humana e, portanto, da política e do planejamento. É um processo contraditório através do qual a inovação tecnológica, cuja dinâmica explica o ciclo longo, está em permanente conflito com os capitais existentes que são por ela depreciados. A massa de recursos acumulados funciona como um fator de resistência ao progresso tecnológico, “devendo ser buscada aí a causação mais profunda das flutuações econômicas". A reversão cíclica ocorre porque "a certa altura, em seguida a um período de intensa renovação do capital fixo, passam a preponderar as forças propensas à preservação dos capitais recém-criados, e a capacidade instalada encontra os limites do mercado" (Rangel 1981: 21).
Este trabalho está distribuído em cinco partes: na introdução apresenta-se a justificativa, o problema, o objetivo geral e os objetivos específicos. A segunda parte descreve o roteiro metodológico utilizado para o desenvolvimento do trabalho. A seção três faz uma revisão da literatura utilizada para o embasamento teórico do desenvolvimento do estudo em questão. A seção quatro faz uma breve discussão sobre as principais divergências entre o pensamento de Ignácio Rangel e os pensadores de sua época. Finalmente a seção cinco descreve as considerações finais.
Este trabalho se justifica porque Ignácio Rangel ocupava um papel de destaque no debate econômico de sua época. No entanto, preferiu construir um modelo teórico próprio. Sua teoria de desenvolvimento foi uma criativa adaptação do materialismo histórico marxista e uma original combinação de elementos das teorias econômicas de Marx, Smith e Keynes. A originalidade e independência de suas ideias, que divergiam das correntes de pensamento econômico de sua época, e suas contribuições enriqueceram a interpretação da realidade brasileira. O objetivo é Analisar a Teoria da Dualidade Básica e a teoria dos ciclos longos de Kondratieff segundo a visão de Ignácio Rangel. Pretende-se apresentar os Ciclos segundo Kondratieff e Schumpter; descrever o significado da Teoria da Dualidade Básica e da Teoria dos Ciclos Longos de Kondratieff dentro do contexto analítico estudado por Ignácio Rangel; expor os principais pontos que Ignácio Rangel divergia dos outros pensadores econômicos de sua época.
2) Ciclos longos e Curtos de Crescimento
Neste capítulo, será feita uma revisão de literatura referente à Teoria da Dualidade Básica e ao modelo de Ciclos Longos de Kondratieff, modelos utilizados por Rangel em suas análises sobre a economia brasileira. Neste trabalho, serão buscados os antecedentes teóricos e práticos existentes com o propósito de dar suporte à análise do estudo em questão.
2.1 Ciclos Longos Segundo Kondratieff
Entre os vários precursores dos estudos sobre os Ciclos Longos, merece ser destacado o economista marxista russo Nicolai Kondratieff (1892-1938). Para Kondratieff, os Ciclos Longos no sistema capitalista resultam de sólidos investimentos ou de sua depreciação em infraestrutura, como: ferrovias, portos, canais, indústrias, saneamento básico, eletrificação, construção civil, etc. Nestes ciclos a fase de expansão é caracterizada por superinvestimentos em bens de capital e, na fase de depressão, por um processo de depreciação. Os ciclos representavam, para ele, épocas do desenvolvimento do capitalismo. Kondratieff, em 1926, foi pioneiro em antever a ideia dos ciclos longos de 55 anos de duração. Ele não tinha a intenção de constituir ou colocar os fundamentos de uma Teoria apropriada dos ciclos longos, mas somente de provar a sua existência a partir de evidências empíricas presentes e expressas na história da economia mundial. Com esse propósito, ele catalogou informações e dados de quase todos os países, principalmente da França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha, procurando demonstrar, empiricamente, que os mecanismos e leis que condicionam as longas ondas são provenientes de: modificações técnicas; guerras e revoluções; assimilação de novos países dentro da economia mundial e flutuações na produção de ouro (Kondratieff apud Pires, 1996).
Segundo Pires (1996), Kondratieff fundamentou suas hipóteses examinando o comportamento de variáveis econômicas e sua dinâmica, efetuando, ao longo dos anos, a análise do movimento médio das séries e indicadores de: preços de mercadorias; taxas de juros; investimentos de bancos; salários dos trabalhadores em atividades agrícolas e industriais; alterações populacionais; importação e exportação; depósitos e poupanças bancárias; total de comércio exterior; consumo e produção de carvão; produção de ferro gusa; produção de cereais por acres e produção líder. Considerando impossível fixar exatamente os anos que assinalam o momento decisivo dos ciclos longos, Kondratieff, recorrendo a um método estatístico para analisar esses dados, constatou que suas tentativas de periodização incorriam num erro de 5 a 7 anos na determinação dos anos de tais tendências (Quadro I), e concluiu que os limites destes ciclos podiam, todavia, ser representados como sendo aqueles mais prováveis:
Ao examinar a natureza dos ciclos longos, do ponto de vista das modificações nas técnicas de produção, Kondratieff observou que as regularidades do processo ajudam a estabelecer algumas regras empíricas para o movimento das ondas longas. E dentro desta perspectiva, Kondratieff revelou o papel das modificações nas técnicas nos ciclos longos. Segundo Kondratieff apud Pires (1996), modificações nas técnicas têm, sem dúvida, um papel muito influente sobre o curso do desenvolvimento do capitalismo. Mas ninguém provou que elas têm uma origem acidental e externa. Sendo assim, modificações nas técnicas de produção presumem que relevantes descobertas e invenções científicas foram feitas e que é economicamente viável usá-las.
Para Kondratieff, seria um erro óbvio negar o elemento criativo das descobertas e invenções técnico-científicas. Mas de um ponto de vista objetivo, ocorreria ainda um grande erro se alguém acreditasse que a direção e a intensidade destas descobertas e invenções fossem meramente acidentais; é muito mais provável que a direção e a intensidade estejam relacionadas em função das necessidades da vida real e do desenvolvimento precedente da ciência e das técnicas. Assim, as invenções técnico-científicas, por si mesmas, são insuficientes para trazer uma mudança real na técnica de produção. Elas podem apresentar-se ineficazes tanto quanto as condições econômicas favoráveis de suas aplicações estiverem ausentes. Isto está revelado no exemplo das invenções técnico-científicas dos séculos XVII e XVIII, que foram usadas em larga escala somente durante a revolução industrial e no início do século XVIII. Se isto é verdade, então a suposição de que as modificações técnicas são de caráter aleatório e não de fato a fonte nascente de necessidades econômicas perde o seu peso. Nós vimos antes que o desenvolvimento das técnicas em si é parte do ritmo das ondas longas.
Para Kondratieff apud Araújo (2001), as modificações técnicas representam o mecanismo desencadeador do desenvolvimento tecnológico capaz de criar novas oportunidades econômicas e, deste modo, gerar a expansão econômica dos setores produtivos com mercados saturados ou em recessão. Para ele ainda, de igual modo, as guerras e as revoluções são consequências dos ciclos longos e resultam da luta por mercado e matéria prima, da distribuição dos frutos do crescimento e da expansão econômica.
Consequentemente, as conclusões a que chega com base no seu levantamento estatístico (Gráfico 1) de Kondratieff, podem ser resumidas da seguinte forma:
a) Os movimentos das séries estatísticas mostram grandes ciclos e estas oscilações cíclicas se manifestaram em períodos quase iguais em todas as séries examinadas;
b) Nas séries de preços, os grandes ciclos surgem como um movimento ao redor do nível médio. E para as “séries cujo movimento assinala uma tendência secular, os ciclos aceleram ou retardam a velocidade do crescimento”.
c) Os pontos de máximo e mínimo das séries examinadas correspondem mais ou menos com exatidão;
d) Aparecem três grandes ciclos: 1º) Fase de expansão, entre 1780-90 até 1810-17; fase de declínio, entre 1810-17 até 1844-51. 2º) Fase de expansão, entre 1844-51 até 1870-75; fase de declínio, entre 1870-75 até 1890-96. 3º) Fase de expansão, entre 1890-96 até 1914-20; a fase de declínio entre 1914-21;
e) Algumas séries estatísticas não evidenciaram as oscilações longas, sendo que para Kondratieff não era essencial que os grandes ciclos compreendessem todas as séries;
f) As grandes oscilações são internacionais e os períodos dos ciclos têm grande correspondência para os países europeus.
Em seguida, Kondratieff indica algumas proposições gerais a que chegou, tendo por base a pesquisa do “material histórico relativo ao desenvolvimento da vida social e econômica em seu conjunto”, ressaltando que estas só têm caráter empírico e não constituem em si a explicação dos ciclos longos.
2.2 Ciclos Longos Segundo Kondratieff versus Ciclos Breves de Juglar
Segundo Tolmasquim (1991), os ciclos longos são modulados pelos ciclos breves de Juglar, que se somam aos mesmos algebricamente, ora suavizando ora acentuando o seu efeito. O ciclo breve no Brasil apresenta duração média de aproximadamente 10 anos, sendo depressivos nos primeiros anos da década a ascendentes depois da segunda metade. Segundo Pereira e Rego (1993), Rangel detecta ciclos breves regulares na economia brasileira e, a partir da análise destes ciclos, tira conclusões para o entendimento do processo inflacionário recessivo da economia brasileira da década de 1980. Para ele os ciclos breves são companheiros de nossa industrialização substitutiva de importações, cobrindo espaços regulares de tempo com variação média de 7 a 12 anos.
Para Rangel (Rangel apud Tomasquim, 1991) o conteúdo de cada um desses ciclos tem sido a implantação de sucessivos grupos de atividades, isto é, dos setores em que é possível dividir o sistema econômico brasileiro partindo desde a indústria leve, indústria pesada até os serviços de infraestrutura. Assim, com a conclusão da fase “a” de cada um dos ciclos endógenos, há uma divisão em dois pólos distintos, sendo um dotado de excesso de capacidade produtiva, e o outro com atraso em relação ao sistema como um todo. Os ciclos de Juglar brasileiros são causados pelo acentuado desajustamento estrutural próprio do nosso processo de industrialização. Esse desajustamento decorre da definição, no corpo do organismo econômico nacional, de um pólo de ociosidade e de um pólo de estrangulamento. Condições jurídicas institucionais favorecem a expansão de um grupo de atividade econômica até que estas ultrajassem as forças das específicas da demanda efetiva.
Observação: Este gráfico contém os três ciclos de Kandratieff, (anexo 1), os dados do quarto ciclo são desenvolvidos a partir de Faria (1996)
2.3 Ciclos Longos Segundo Schumpeter
Segundo Schumpeter apud Pires (1996), os ciclos longos resultam da conjugação ou da combinação de inovações, que cria um setor líder na economia, ou um novo paradigma, que impulsiona o crescimento rápido desta economia. Este setor, por sua vez, promove, antes de consolidar a sua hegemonia, uma avalanche de transformações e de destruições criativas.
Dessa forma, o capitalismo, pela sua própria natureza, está em constante transformação, nunca em estado estacionário. Tal caráter evolutivo do processo capitalista não se deve meramente ao fato da vida econômica acontecer num ambiente social que muda e, por sua mudança, altera os dados da ação econômica; isso é importante e tais mudanças (guerra, revoluções e assim por diante) frequentemente condicionam a mudança industrial, mas não são seus motores principais. Tampouco se deve a esse caráter evolutivo um aumento quase automático da população e do capital ou dos caprichos dos sistemas monetários, para os quais são verdadeiras exatamente as mesmas coisas. O impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista decorre de novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização industrial que as empresas capitalistas criam.
Para Schumpeter a abertura de novos mercados estrangeiros ou domésticos e o desenvolvimento organizacional, da oficina artesanal aos conglomerados, ilustram o mesmo processo de mutação industrial, que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato essencial do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é nesse meio que têm de viver todas as empresas capitalistas.
Todavia, quando as tecnologias introduzidas pelo setor líder se tornam praticamente incorporadas ao sistema de produção ou se difundem por quase todos os setores, o retorno dos investimentos tende a diminuir e a economia caminha para um processo de acomodação, que é seguido por uma depressão. Nesta última fase são encorajados os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, fazendo ressurgir uma nova era de inovações. Em 1936, Schumpeter além de refinar e aprofundar a teoria de Kondratieff analisou a depressão de 1930, baseando-se nas depressões ocorridas em 1825 e 1873, e formulou uma Teoria sobre os Ciclos dos Negócios, lapidando-a, a partir dos conceitos de inovação, revoluções técnicas, setor líder da economia, novas firmas, novas formas organizacionais, mudanças institucionais, oceano competitivo, destruição criativa, racionalização do trabalho. Segundo Pires (1996), numa versão adaptada dos ciclos de negócios de Schumpeter, os ciclos podem ser retratados da seguinte maneira:
Obs.: Se aos dados do Quadro 2 se somar onze anos (que é a duração de um ciclo de Juglar) a 1986, teríamos que o próximo ciclo de Juglar poderia ter começado em 1997, porém se somar mais 11 anos, teríamos o ano de 2008, no qual ocorreu o a quebra da Bolsa de Valores de New York, de Londres e de outras, nos principais países desenvolvidos e em desenvolvimento, influenciadas pelas Crises Financeiras do Mercado Imobiliária dos Estados Unidos, iniciando uma grande depressão econômica mundial.
Cada onda longa de expansão, que é comandada por um setor líder ou um novo paradigma técnico econômico, estava associada com uma base tecnológica histórica particular, ou tecnologias fundamentais.
O Quadro 03, apresenta a perspectiva teórica oferecida por Schumpeter e seus seguidores (MENSCH, VAN DUIJN, FREEMAN), para a reconstituição dos ciclos longos.
Este novo paradigma técnico-econômico, que representa um "conjunto de orientações do senso comum para decisões tecnológicas e de investimento" Perez apud Pires (1996), quando eclode, emerge de forma demolidora, transformando as formas de organização, distribuição e realização da produção. Às vezes, a semente deste novo paradigma é consubstanciada em condições de hegemonia e decolagem (take-off) do antigo modelo de produção (ou do velho paradigma). A ideia evolucionista de nova e velha competição, fartamente utilizada na atualidade, surgiu desses enunciados. Para Schumpeter, a inovação é um conjunto de novas funções evolutivas que alteram os métodos de produção, criando novas formas de organização do trabalho e, ao produzir novas mercadorias, possibilita a abertura de novos mercados através da criação de novos usos e consumos.
Ainda dentro desta perspectiva evolucionista, Schumpeter praticamente generalizou as diferentes formas de concorrência, como se elas ocorressem em igualdade de condições para todos os concorrentes em qualquer parte do mundo e, praticamente, deixou de elucidar os impactos negativos da "destruição criativa das inovações" sobre o trabalho vivo e abstrato. Para ele, sobrevivem os mais aptos e a falência é uma forma de sanção aos que não souberam ser "criativos ou inovativos".
Efetuando uma crítica sobre a ideia da concorrência desenvolvida por Schumpeter na visão marxista, Pires (1996) destaca que Marx sempre esteve preocupado em ver o lado benéfico, revolucionário e emancipatório da concorrência, o qual chamava de “missão civilizatória do capital”. Apesar da sua crítica ao capitalismo, e inclusive ao prenúncio do seu declínio, deu no fundo uma descrição quase entusiasmada dos resultados advindos dele. Para ele, na verdade, a crítica da economia política de Marx somente tem em conta a ambiguidade da dinâmica capitalista. Apesar de sua força destrutiva frente aos homens e à natureza, a máquina da concorrência é ao mesmo tempo emancipação negativa por alcançar, inevitavelmente, mediante desenvolvimento ininterrupto das forças produtivas, o ponto de uma "abolição do trabalho", isto é, do trabalho de produção abstrato, repetitivo, somente destinado a "criar valores"; com isso, no entanto, suprime também sua razão de ser, fazendo-se obsoleta a si mesma. O entrelaçamento dos conteúdos da reprodução num sistema global de socialização direta opõe-se às categorias das mercadorias, aperfeiçoado até trazer seu fim em sim mesmo, que cria essa penetração das ciências e esse entrelaçamento, fazendo nascer, ao perseguir inconscientemente seu objetivo limitado, "sem sentido", seu próprio antagonista. A concorrência trabalha, sem saber e sem querer, na destruição de seu próprio fundamento.
Ainda segundo o autor, a abolição do trabalho no invólucro do sistema produtor de mercadoria, não nasce como alegria e felicidade, mas somente em forma negativa, como crise, e finalmente como crise absoluta da reprodução realizada dessa forma, situação que já se anunciou por uma sequência histórica de crises de ascensão relativas da sociedade de trabalho moderna.
Assim, até a segunda metade do século XX, o desenvolvimento empírico não forneceu nenhum indício que desse razão à crítica de Marx, cuja lógica precisamente por isso parecia obscura. O desenvolvimento das forças produtivas não tinha alcançado aquele ponto a partir do qual se torna obsoleto o princípio básico da sociedade do trabalho. Por isso, a crítica da concorrência permanecia ainda durante muito tempo dentro do horizonte da sociedade do trabalho, parecendo duvidosa. Na base dessa concepção era impossível reconhecer o lado emancipatório da concorrência.
3) Ignácio Rangel e a Dualidade Básica
Segundo Rangel (1957), o conceito de dualidade da economia brasileira, bem como o de outras de formação semelhante, em especial as latino-americanas, não é recente. No entanto, ainda não se atentou o bastante para esta característica a fim de retirar dela todas as consequências que comporta.
A tese da dualidade brasileira demonstra o caráter dialético e original da compreensão do materialismo histórico, à medida que afirma que a sequência da história universal – comunismo primitivo, escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo – se reproduziria de forma distinta nos países de economia complementar ou periférica. Assim, a história do Brasil não retrata fielmente a história universal, especialmente a europeia, porque nossa evolução não é autônoma, não é produto exclusivo de suas forças internas (Rangel, 1981). (ver Quadro 4)
Rangel percebeu que os diferentes modos de produção (comunismo primitivo, escravismo, feudalismo e capitalismo) podem coexistir num mesmo período e que há sempre dois deles unidos e representados por elites políticas e econômicas em torno de um pacto de poder interno. Ou seja, a “dinâmica histórica se distingue, portanto, dos casos clássicos porque os processos sociais, econômicos e políticos não decorrem apenas da interação entre desenvolvimento das forças produtivas e relação de produção interna no país, mas também da evolução das relações que este mantém com as economias centrais” (Mamigonian e Rego, 1998). Ele quis demonstrar que o desenvolvimento brasileiro é complementar ao externo, formando uma dualidade que sofre consecutivos processos de mudanças. As mudanças internas são muito mais aceleradas do que as externas, o que significa que o Brasil tem assimilado e ultrapassado os modos de produção clássicos muito mais rapidamente (em 500 anos) do que o mundo antigo (em torno de 4.000 anos), numa tentativa de alcançar o modo de produção mais dinâmico, atualmente o capitalismo financeiro, predominante no “centro do sistema”. Conforme avançam os modos de produção internos vão ficando para trás rugosidades; por isso, encontram-se várias relações sociais típicas de modos de produção passados, combinando-se, assim, ao longo do processo histórico brasileiro, quatro grandes dualidades, abertas, sobretudo, na crise da economia mundial.
Portanto, para Rangel (1981, p.16), “os modos de produção no Brasil são as dualidades”. Isto é, não existe no Brasil modo de produção feudal, modo de produção escravista, modo de produção capitalista. Existem sim, as dualidades, ou seja, combinações de modos de produção e relações de produções.
A teoria da dualidade oferece ainda subsídios para a interpretação da composição das classes sociais ocupantes do Estado e as suas diretrizes no direcionamento dos regimes políticos e medidas político-institucionais. Assim, o Estado brasileiro é composto por duas delas: uma hegemônica politicamente e outra dominante economicamente. Os pactos de poder que se estabeleceram teriam a tarefa de garantir:
1) a perpetuação de certas relações de produção (sócio-hegemônico politicamente);
2) o radical desmantelamento daquelas mais retrógradas e atrasadas;
3) promover, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das forças produtivas (sócio-dominantes economicamente) com efetiva capacidade de serem implantadas. O latifúndio, por exemplo, seria internamente feudal (da porteira para dentro) e externamente funcionava como uma empresa comercial (da porteira para fora), à medida que se insere no comércio internacional. Este mercado, por sua vez, pressiona constantemente aquele instituto para modificar suas relações internas (salário, por exemplo).
Segundo Rego e Bresser (1993), para compreender o processo de desenvolvimento econômico brasileiro, Rangel utilizou intensamente a Teoria da Dualidade Básica e dos Ciclos Longos de Kondratieff, fazendo uma comparação entre os equívocos de nossa história econômica e política e os ciclos longos.
No gráfico 2, podem ser observadas as dualidades da economia brasileira, descritas por Rangel, onde ocorreram mudanças sociais, políticas e econômicas no Brasil, e a sua relação com os ciclos longos de Kondratieff.
De acordo com Bresser (1994), Ignácio Rangel utilizou a teoria dos ciclos longos não apenas para compreender o Brasil. Pois, em 1972, em plena época do milagre econômico e antes do primeiro choque do petróleo, surpreendeu a todos quando previu a crise mundial a partir da dinâmica de Kondratieff. Observando em 1913 o esgotamento da expansão do terceiro Kondratieff e o início de um período depressivo, no qual havia fortes tendências que indicavam o surgimento de uma nova base científica para um novo ciclo de inovações tecnológicas. A fase recessiva vai até 1938, quando inicia uma nova onda de expansão que atravessa a Segunda Guerra Mundial e o período de intensa reconstrução. No entanto, após 1963, ele observa o declínio do período de reconstrução ampliada do segundo pós-guerra nas áreas decisivas do centro econômico mundial.
3.1 Primeira Dualidade
Segundo Rangel (1957), a primeira dualidade ter-se-ia iniciado no primeiro quartel do século XIX, quando a crise da colonização portuguesa resultou na Abertura dos Portos (1808) e na Independência (1822). Essa crise teria tido a função histórica de livrar o sistema econômico de intermediação parasitária da metrópole portuguesa, desobstruindo o caminho para a atuação do capital mercantil internacional e para a formação de capital, que seriam alavancas do desenvolvimento das forças produtivas no século XIX. A primeira dualidade era composta pelo escravismo mercantil no “pólo interno” da economia (fazenda escrava) e pelo capitalismo mercantil no “pólo externo” ou nas palavras de Rangel:
“(...) formava-se nas condições da “fase b” do ciclo longo – 1º de Kondratieff. Podemos datá-la mesmo daquele fatídico 1815, o ano de Waterloo, da estruturação da Santa Aliança, do início da fase recessiva do 1º Kondratieff e da Carta da Lei, que fundava o Reino do Brasil. O Sete de Setembro (1822) e o Sete de Abril (1831) foram atos homologatórios de mudanças já de fato efetivadas. A sociedade e o Estado brasileiros estavam estruturados e essa estrutura se manteria até os acontecimentos que culminaram, em 1888-1889, com a Abolição-República”. (1981, p. 18-19)
A fazenda de escravos respondeu de forma dinâmica, segundo a análise rangeliana, ao ajuste imposto pela “fase b”, do ciclo. As contradições internas, aprofundadas pela expansão das forças produtivas promovida pelo escravismo, potencializadas pela chegada da “fase a” do 2º Kondratieff anunciaram o fim do escravismo e da 1ª dualidade.
3.2 Segunda Dualidade
Para Rangel (1981), a segunda dualidade teve início com a abolição do comércio de escravos, na segunda metade do século XIX, onde teria determinado a crise nas relações de produção da fazenda escravagista e forçado sua passagem ao “latifúndio feudal”, sob a pressão do desenvolvimento das forças produtivas no ciclo expansivo do café. Na nova etapa, a dualidade teria a seguinte composição: no “pólo externo”, o capital mercantil pré-existente mantinha-se como formação dominante, e nele apareceria, de forma embrionária, o futuro capital industrial; no “pólo interno”, a formação dominante passava a ser o latifúndio feudal, formado após a desagregação da fazenda escravocrata.
O desafio colocado ao sócio maior na 2ª dualidade era provar o seu talento em realizar alguma forma de substituição de importações, como resposta às difíceis condições impostas pela chegada da “fase b” do 2º Kondratieff , em 1870. Ao capital mercantil caberia dinamizar a economia através do estímulo à diversificação das atividades internas, pelas vias artesanais e manufatureiras. A fazenda de escravos fora o principal espaço mobilizador de substituição de importações na “fase b” do 1º ciclo. Com o expressivo aumento de sua renda monetária na “fase a” do 2º ciclo, os fazendeiros migraram para as cidades acompanhados de uma extensa criadagem de escravos. condição de “negros de ganho”, patrocinados por seus proprietários empobrecidos.
Mesmo com o refluxo cíclico, “fase b” do 2º ciclo, que provocou a queda da renda monetária das famílias nobres, esta nova população urbana permaneceria nas cidades. Os escravos que viviam nas cidades foram pouco a pouco emancipados e incorporados ao mercado urbano de trabalho, e em muitos casos, mesmo antes de sua libertação, na
As mudanças ocorridas na velha fazenda de escravos, anteriormente a emergência do latifúndio feudal-mercantil, não criaram dificuldades à ação do capital mercantil urbano em sua empreitada de substituição de importações.
Na segunda dualidade, o latifúndio demonstrou um vigoroso desempenho coincidindo o surto cafeeiro com o início da “fase a” do 3º ciclo de Kondratieff (1896). A crise comercial decorrente da 1ª Guerra Mundial teve como resposta o esforço artesanal de substituição de exportações, restrito a esta conjuntura.
3.3 Terceira Dualidade
Na concepção rangeliana, a terceira dualidade ter-se-ia iniciado com a crise nas relações externas de produção, cujo marco principal teria sido a depressão dos anos 30: nesse momento, o desenvolvimento das forças produtivas nacionais estava obstruído pela retração do mercado internacional, determinando novas e profundas transformações na economia brasileira. A crise no comércio externo induziria ao declínio do capital mercantil e sua substituição, no pólo externo, pela nova “formação” o capitalismo industrial. A indústria passaria a implantar-se, a partir daí, ao lado da formação pré-existente, dominante no “pólo interno”, isto é, o latifúndio feudal. Este não seria afetado em sua essência pela crise externa, e sim o capital mercantil, cujas funções básicas estariam sendo gradualmente assumidas pelo Estado na esfera do comércio internacional, passando-se do liberalismo econômico ao controle estatal do comércio externo. (Bielschowsky,1988)
A Grande Depressão, em escala mundial, anunciou o advento da “fase b” do 3º ciclo longo. Havia chegado o momento da classe dos comerciantes internalizarem o modo de produção, no qual tinha um lugar dominante. Ligada ao capitalismo industrial do centro dinâmico ela era representante do lado interno do pólo externo, sócia maior e mais antiga da 2ª dualidade. A forte redução do nível do comércio exterior, seguida da queda da capacidade de importar, impunha um importante esforço de substituição de importações.
A diversificação das atividades ligadas à indústria de transformação foi o aspecto diferenciador da 3ª dualidade em relação às experiências de substituição de importações levadas a cabo na 1ª dualidade (diversificação da produção das fazendas de escravos) e na 2ª dualidade (diversificação artesanal das atividades internas).
3.4 Quarta Dualidade
A passagem da 3ª para a 4ª dualidade, na concepção de Rangel (1957), ocorreu durante a década de 1960, quando começou a se definir as condições para a reversão cíclica, que veio a se consumar em 1973, quando começa a fase “B” do 4º Kondratieff, coincidindo com a crise do petróleo e com um cenário de crise do capitalismo mundial, que atingiu fortemente a economia e a sociedade brasileira. O pesado endividamento contraído em seu comércio exterior era um indicativo de mudança estrutural em curso, tanto dentro, quanto fora do país.
A aceleração da formação de capital, imposta pela substituição de importações, esbarrou em um aparelho de intermediação financeira, que naquele momento estava aquém de satisfazer às necessidades de canalização de recursos para o Departamento I da economia. Este era o problema-síntese e dependia, para ser equacionado, de mudanças institucionais no aparelho de intermediação financeira e no campo do Direito que regulava as concessões dos serviços públicos, atividade que concentrava os principais investidores.
Em cada uma dessas transformações, a nova “formação dominante” surgia, segundo o autor, como metamorfose da “formação dominante” que desapareceria minada pelo próprio desenvolvimento das forças produtivas. O latifúndio teria surgido, no pólo interno, pela desagregação da economia escravista, sob pressão da expansão do comércio internacional. O capital industrial nascente seria “filhote” do capital comercial, resultado da própria diversificação do “pólo externo” da economia – governo, sistema exportador-importador, comércio urbano. Na nova etapa, o latifúndio feudal, formação dominante no “pólo interno”, seria gradualmente minado pelo contato com o desenvolvimento capitalista urbano, isto é, pelas transformações que ocorriam nas suas “relações externas de produção”.
4) Principais Divergências entre Ignácio Rangel e outros Pensadores Econômicos de sua Época.
Segundo Jabbour (2006), do início dos anos 20 até a vitória da Revolução de 30, o centro do debate entre nossa intelectualidade era a opção entre a industrialização do país e a opção agrária-exportadora. A vitória de Getúlio Vargas e os governos de JK e os militares consolidaram uma opção industrializante. Mas, como tudo muda, e a industrialização transformou-se numa conservadora realidade, os antigos agraristas transformaram-se no que chamamos hoje de monetaristas. No debate, de um lado estava Roberto Campos e Eugênio Gudin e de outro Ignácio Rangel e os estruturalistas nucleados em torno de Celso Furtado (O Plano Trienal de 1963 marcou a união entre estruturalistas e monetaristas em torno da “bandeira” da estabilidade monetária e do combate à inflação).
Na visão de Jabbour (2006), a justificativa dos monetaristas era a centralidade da estabilidade monetária. Esta estabilidade seria alcançada pelo câmbio flutuante e o combate à inflação pelos lados da abertura comercial (daí a centralidade do câmbio flutuante), da repressão da demanda, o que hoje é feito pela via do arrocho salarial (tirando dinheiro de circulação) e pelas altas taxas de juros. Logo, se o capitalismo comercial transformou-se em industrial, o próximo passo desta evolução é o surgimento do capitalismo financeiro e daí ao socialismo.
Para Bresser (2002), o modelo de análise estruturalista defendia a tese de que desajustes econômicos como inflação, endividamento etc., eram provocados por problemas estruturais (a alta dívida pública e a pesada carga tributária baseada em impostos que prejudicam o investimento e fomentam a informalidade), constituindo-se, portanto, em prejuízos para a nossa sociedade e devendo estes ser solucionados para que tais desajustes econômicos possam ser eliminados. Esses problemas poderiam ser: crescimento em ritmo diferente dos diversos setores econômicos; má distribuição da renda; disparidades regionais; deficiente alocação das terras; baixo nível educacional etc. Suas propostas, pela abrangência, buscam resultados a médio/longo prazos.
Conforme pode ser observado no anexo 1, pode-se identificar a linha de pensamento independente e divergente entre Ignácio Rangel e as diversas correntes do pensamento econômico brasileiro de sua época. As principais divergências eram por discordar das correntes neoliberal, desenvolvimentista e socialista. Apesar de concentrar renda, ele considerava o modelo de substituição de importações indispensável para a industrialização, concordava também com a ideia de planejamento, intervenção direta do estado, tanto para estimular o setor privado, como para corrigir os desequilíbrios e assegurar a continuidade do crescimento econômico.
Para promover o desenvolvimento econômico, seria necessário mais que exportações agrícolas, pois o mesmo advém também do incremento de mudanças tecnológicas, caracterizadas por transformações estruturais no processo produtivo. Desse modo, determinadas mudanças precisavam ser provocadas, como reforma agrária, distribuição de renda, reforma do Estado, abertura ao exterior e democratização do crédito.
Divergindo de todas as correntes de pensamento então existentes. Tal independência custou-lhe considerável solidão intelectual. Sendo Rangel, defensor do desenvolvimento, mas discordando das concepções correntes sobre o tema nacionalista e socialista era um participante entusiasmado da vida intelectual de núcleos como o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e o clube dos economistas. Entretanto, não compartilhava das análises e sugestões da política econômica da Cepal, nem das interpretações de intelectuais ligadas ao partido comunista brasileiro, sobre a etapa histórica que se vivia. Teve a coragem de enfrentar as correntes de pensamentos preponderantes, com grande determinação e armado de interpretação pessoal (TDB e Teoria dos Ciclos de Kondratieff), do desenvolvimento econômico brasileiro que corresponde a sua importante contribuição.
5) Considerações Finais
Este trabalho teve o propósito de estudar sobre as contribuições de Ignácio Rangel ao pensamento econômico brasileiro, com ênfase nos ciclos longos de Kondratieff e na teoria da dualidade básica segundo a visão rangeliana. Para isso, se elegeu como objetivos específicos: a descrição dos ciclos segundo Kondratieff e Schumpter; a descrição da Teoria da Dualidade Básica e da Teoria dos Ciclos Longos de Kondratieff dentro do contexto analítico estudado por Ignácio Rangel; e a exposição dos principais pontos que Ignácio Rangel divergia dos outros pensadores econômicos de sua época.
Diante do trabalho realizado, ficou constatado que Rangel utilizou intensamente a teoria dos ciclos longos para compreender o processo de desenvolvimento brasileiro. O paralelismo que ele fez entre os vícios cometidos durante o longo da nossa história econômica e política e os ciclos longos foi sugestivo. Pois, como foi constatado, nas fases de declínio dos ciclos ocorreram mudanças significativas que impactou fortemente a história e a economia brasileira.
Conforme pode ser observado ao longo de nossa história, as fases declinantes dos ciclos de Kondratieff são sempre o prenúncio de acontecimentos marcantes para a história brasileira. Assim, a fase de declínio do 1º ciclo foi marcada pela Independência, na fase “B” do 2º ciclo tivemos a proclamação da República e na fase recessiva do 3º ciclo, da Revolução de 1930, foi o início da Revolução Industrial brasileira.
Em economias periféricas, como é o caso do Brasil, as fases ‘b’ ou recessivas dos ciclos longos manifestam-se primordialmente pelo relativo estrangulamento do comércio exterior e piorando os termos de intercâmbio. Como essa fase ocorre e se mantém por todo um quartel de século, as economias periféricas têm tempo para se ajustarem à nova situação.
No caso brasileiro, a economia sempre tem encontrado meios e modos de ajustar-se ativamente à conjuntura implícita no ciclo longo. Em especial, confrontada com o fechamento do mercado externo para os nossos produtos, resultante da conjuntura declinante dos países centrais, temos reagido por uma forma qualquer de substituições de importações, ajustada ao nível de desenvolvimento de nossas forças produtivas e ao estado das nossas relações de produção.
Dessa forma, verifica-se que o nosso desenvolvimento econômico dista muito de ser limitado às fases "a" ou ascendentes dos ciclos longos. Nossa economia, confrontada com movimentos duradouros de fluxo e refluxo, em suas relações com o centro dinâmico universal, encontra meios de crescer "para fora", expandindo a produção exportável, ou, "para dentro", promovendo uma forma qualquer de substituições de importações.
Assim, percebe-se que Ignácio Rangel foi um dos poucos economistas brasileiros que teve a perspicácia e a maturidade ideológica para discernir as necessidades do capital formado no Brasil e as do corpo social brasileiro. Para compreender sua contribuição ao desenvolvimento do pensamento econômico e social no Brasil, é preciso entender as condições advindas da década de 50 e o modo como os brasileiros se posicionavam, com uma visão geral das questões nacionais e no contexto internacional. Rangel foi profundamente brasileiro, por isso dono de uma visão própria do contexto em que nos movíamos. Entretanto, moldando um estilo próprio de análise, nitidamente autodidata, que lhe permitiu mover-se com grande liberdade perante os dogmas de então, mas com dificuldade para ganhar notoriedade frente ao imperativo do momento histórico.
6 - Referências Bibliográficas
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ANEXOS
Quadro 1: Síntese das correntes de pensamento econômico atuante no período de 1945 a 1964.
Correntes do pensamento econômico Caracterização básica Posição relativa às principais questões concretas do desenvolvimento econômico brasileiro
As Grandes Correntes Principais Núcleos Principais Economistas Principais órgãos de divulgação Orientação teórica Projeto econômico básico Teses básicas (ideias-força) Interpretação do processo de crescimento Apoio financeiro interno a investimento Capital estrangeiro Empresa estatal Planejamento Protecionismo Déficit externo Inflação Salário, Lucro e distribuição de renda Reforma agrária
Neoliberal *Fundação Getúlio Vargas *Conf. Nacional do Comércio *Assoc. Comer. De São Paulo *Conselho Nacional de Economia (CNE) *Eugênio Gudin *Octávio G. de Bulhões *Definiu Nogueira *Daniel de Carvalho *Revista Brasileira de Economia (RBE) *Revista do CNE *Digesto Econômico *Carta Mensal Teorias clássicas e neoclássicas (liberalismo) Crescimento equilibrado via forças de mercado No Brasil não há desemprego, apenas baixa produtividade Crescimento desequilibrado e ineficiente por erros de política econômica Estruturação do Sistema Financeiro Por estímulos Enfaticamente contrária Entre contrário e tolerante a ensaios de planejamento parcial A favor de fortes reduções de tarifas Visão da inflação como causa básica Visão de que o pleno emprego é a causa básica. A favor de políticas de estabilização Argumento neoclássico da produtividade marginal Contrária
Desenvolvimentista Setor Público
(não nacionalista) *Comissão Mista Brasil-Estados Unidos *Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) *Roberto Campos *Ary Torres *Lucas Lopes *Glycon de Paiva *Revista Brasileira de Economia (RBE) *Digesto Econômico *Carta Mensal Ecletismo pós-keynesiano Industrialização em ritmo compatível, com equilíbrio, com intensa participação do capital estrangeiro e com planejamento parcial Tese dos "pontos de estrangulamento/ pontos de crescimento" Existência de tendências a desequilíbrios não corrigidas (confirmadas) por erros de política econômica Tributação Por estímulos Tolerante, quando capital privado (nacional e estrangeiro) não manifesta interesse Favorável a planejamento parcial Favorável Possível sem inflação, mas, em geral, causado por ela Visão da plena capacidade como causa básica. A favor de políticas de estabilização Redistribuição de renda reduz crescimento Omissa
Setor Privado *Confederação Nacional da Indústria (CNI) *Fiesp *(R. Simonsen) *J.P.de A Magalhães *Nuno F. de Figueiredo *Estudos Econômicos *Desenvolvimento e Conjuntura Ecletismo pós-keynesiano Prebish Industrialização com proteção estatal ao capital industrial nacional Crédito à produção como instrumento de crescimento Substituição de importações Incentivos à Reinversão dos Lucros Favorável mas com controles Moderadamente favorável Favorável Enfaticamente favorável Estruturalista Ênfase na utilidade da expansão creditícia Defesa do lucro (argumento do reinvestimento) Por reforma limitada
Setor Público (nacionalista) Rangel *Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico(BNDE) *Assessoria Econômica de Vargas *Clube dos Economistas *Cepal *Iseb *R. Simonsen *Celso Furtado *Rômulo de Almeida *Américo B. Oliveira *Evaldo C. Lima *Estudos Econômicos *Revista Brasileira de Economia (RBE) Ecletismo pós-keynesiano Prebish Industrialização planificada e fortemente apoiada por empreendimentos estatais Teses cepalinas (desenvolvimento para dentro, estruturalismo etc.) Substituição das Importações. Existência de desequilíbrios estruturais confirmados por ausência de planejamentos corrigíveis no longo prazo Tributação Favorável, desde que com controles e desde que em setores outros que não os de serviços públicos e mineração Enfaticamente favorável Enfaticamente favorável a planejamento geral e a planejamento regional Favorável Estruturalista Estruturalista Concentração de renda obstrui crescimento Favorável
socialista *Partido Comunista Brasileiro(PCdoB) *Iseb *Caio Prado Júnior *Nelson W. Sodré *A. passos Guimarães *Aristóteles Moura *Revista Brasiliense *Estudos sociais Materialismo histórico Viabilizar o desenvolvimento capitalista para preparar a passagem ao socialismo. Industrialização planificada em bases estritamente nacionais e reforma agrária Tese da Etapa Antifeudal e Anti-imperialista Duas Contradições Obstruem o Crescimento Econômico: Monopólio de Terra e Imperialismo Tributação Enfaticamente contrária (exceto capital de empréstimo) Enfaticamente favorável Enfaticamente favorável Favorável Ênfase na falta de controles pelo Estado (especialmente sobre remessas de lucros) Imprecisão interpretativa. Ênfase na defesa do salário real Pela redistribuição da renda (argumento do mercado interno) via reforma agrária e luta sindical Enfaticamente Favorável
O Pensamento Econômico Independente de Ignácio Rangel *Ignácio Rangel Smith Keynes Materialismo histórico Industrialização planificada e fortemente apoiada por empreendimentos estatais Tese da dualidade básica Substituição de importações (anos 50) e realização (anos 60) Reestruturação do sistema financeiro Com controles mas não desfavorável, exceto em mineração e serviços públicos e exceto capital de empréstimo Enfaticamente favorável Enfaticamente favorável (modalidade própria de planejamento parcial, via comércio externo) Favorável Desequilíbrio gerado por falta de controles pelo Estado. A favor do monopólio estatal do comércio exterior Estrutura oligopolista/oligopsonista da comercialização de alimentos como foco gerador da inflação. Hipótese da existência de amplos recursos ociosos. Elevação de salário como forma de estimular a ocupação da capacidade ociosa Conforme tese da dualidade
Fonte: BIELCHOWSKI. O pensamento econômico brasileiro, 1988, p. 242.