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Número Internacional Normalizado
de Publicaciones Seriadas
ISSN 16968360
Pagina nueva 1 O papel do capital humano, do capital social e das inovações tecnológicas na formação de redes territoriais, no crescimento endógeno e no desenvolvimento regional[1]
Jorge Antonio Santos Silva[2]
Resumo
Este texto analisa os novos paradigmas incorporados à Teoria do Desenvolvimento Regional, a partir dos anos 1980, adicionando elementos potencialmente capazes de atuar como motores do crescimento endógeno, no contexto de uma abordagem de base territorialista. Nesse sentido, tomou como ponto de partida a consideração do conhecimento como um bem público, que possibilita ao capital humano e às inovações tecnológicas a condição de servirem como pilares teóricos e pragmáticos para uma política de promoção do desenvolvimento regional. Outro paradigma analisado corresponde ao capital social e institucional, que vem acrescentar possibilidades ampliadas ao tratamento de questões relacionadas com o processo de desenvolvimento, tanto na sua vertente econômica como na social. Todo esse contexto é permeado pelas inovações tecnológicas que viabilizam a formação de redes expandidas, configurando uma abordagem territorialista de planejamento do desenvolvimento regional, focada na iniciativa local. São apresentadas e caracterizadas estruturas de redes territoriais, a exemplo dos distritos industriais e dos ambientes ou meios inovadores, cujas configurações favorecem a constituição e o desenvolvimento de sistemas regionais de inovação, que, por sua vez, têm o potencial de gerar produtividade e qualidade ampliadas, e propiciar competitividade e sustentabilidade ao processo de crescimento endógeno e de desenvolvimento regional, recorrendo, de modo continuado e crescente, ao uso estratégico da informação e à criação de conhecimento.
Palavavras-chave:
Conhecimento e Capital Humano. Capital Social e Institucional. Inovações Tecnológicas e Redes Territoriais. Sistemas Regionais de Inovação. Crescimento Endógeno. Desenvolvimento Regional.
Abstract
This paper analyzes the new paradigms incorporated to the Theory of the Regional Development, starting from the years 1980, adding elements potentially capable to act as motors of the endogenous growth, in the context of a territorial base approach. In that sense, it took as starting point the consideration of the knowledge as a public good, that makes possible to the human capital and the technological innovations the condition of they serve as theoretical and pragmatic pillars for a politics of promotion of the regional development. Another paradigm analyzed corresponds to the social and institutional capital, that comes to increase possibilities enlarged to the treatment of subjects related with the development process, so much in its economical and social discussion. That whole context is permeated by the technological innovations that make possible the formation of expanded nets, configuring a territorial approach of planning of the regional development, focused in the local initiative. In this paper is presented and characterized structures of territorial nets, to example of the industrial districts and of the ambients or innovative means, whose configurations favor the constitution and the development of regional systems of innovation, that, for its time, have the potential of generating productivity and quality enlarged, and to propitiate competitiveness and maintainability to the process of endogenous growth and of regional development, to turn over, in a continuous and growing way, to the strategic use of the information and the creation of knowledge.
Key words:
Knowledge and Human Capital. Social and Institutional Capital. Technological Innovations and Territorial Nets. Regional Systems of Innovation. Endogenous Growth. Regional Development.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Blanco, Alfredo Félix “John Stuart Mill: El último economista clásico " en Contribuciones a la Economía, mayo 2006. Texto completo en http://www.eumed.net/ce/
O conhecimento como bem público
O crescimento endógeno corresponde à endogeneização do progresso técnico, entendido como o aumento da eficiência na utilização dos fatores convencionais de produção, assentando sua base conceitual na consideração do aumento do estoque de conhecimentos como sendo o verdadeiro motor do crescimento per capita, prioritariamente à acumulação de capital físico ou humano.
O conhecimento é um bem público, portanto apresenta simultaneamente as características da não rivalidade – o seu consumo por um agente não afeta a quantidade disponível para os outros agentes, e da não exclusão – nenhum agente pode excluir os demais de consumi-lo ao mesmo tempo.
A característica da não rivalidade associada ao conhecimento, o torna uma potencial fonte de rendimentos crescentes à escala e de crescimento per capita.
Imagine-se que um dado produtor afeta uma dada quantidade de recursos à produção de conhecimento novo, tendo em vista a produção de um dado bem. Para produzir uma dada quantidade deste último, ele necessitará, para além dos recursos gastos a produzir o conhecimento novo, de dadas quantidades de outros inputs (trabalho, capital, etc.). Se agora considera-se que, num momento subseqüente, N produtores terão acesso gratuito ao conhecimento criado pelo produtor pioneiro, então a produção poderá ser multiplicada por N apenas multiplicando por esse mesmo fator N as quantidades utilizadas de capital, trabalho, etc., mas sem necessidade de se afetar recursos adicionais a criar novos conhecimentos. Este resultado decorre potencialmente do caráter não rival do conhecimento mas exige ainda que ele, conhecimento, apresente tendencialmente a característica da não exclusão, a fim de poder ser utilizado por outros produtores que não o pioneiro, [grifo nosso]. (SILVA e SILVA, 2002, p. 178).
De acordo com os autores, a explicação para a origem do aumento do estoque de conhecimento conduz à consideração que o conhecimento não é um bem público puro, apresentando em certa medida uma característica de exclusão parcial. Isso se deve a que as empresas privadas investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D) tendo como incentivo a capacidade de se apropiarem com exclusividade, mesmo que temporariamente, dos benefícios decorrentes da geração e utilização do conhecimento novo. Assim, a explicação para o aumento do estoque de conhecimento passa pela consideração de algum grau de exclusão, a qual deverá ser temporária, pois, para o conhecimento de fato atuar como motor do desenvolvimento pressupõe-se a difusão e disseminação do seu domínio e uso.
Uma outra perspectiva é considerar que o aumento do estoque de conhecimento é um processo decorrente da existência de externalidades. Alfred Marshall (Principles of economics, 1890), enfatizou a idéia de que, embora cada produtor, isoladamente, tivesse a percepção da existência de rendimentos marginais decrescentes do seu investimento em fatores produtivos e pudesse ainda ignorar os efeitos positivos que o seu investimento poderia gerar para os outros produtores, em nível agregado e como resultado das ações simultâneas de todos os produtores, aconteceriam efeitos externos sobre a produtividade de cada produtor, de modo a superar os rendimentos marginais decrescentes. A natureza não rival do conhecimento aliada à sua difusão, o caracteriza como importante fonte de externalidades positivas.
Nos modelos de crescimento endógeno, o conhecimento é visto como objeto de uma difusão instantânea por todos os agentes de um sistema econômico, desde quando não existam barreiras jurídicas, a exemplo da propriedade intelectual e de patentes. Apesar de reconhecer-se o conhecimento como o motor do aumento da eficiência e do crescimento econômico, sua difusão, no entanto, ainda não é um processo automático e democrático, dessa forma, as condições existentes que possibilitam uma efetiva apropriação de conhecimento novo por um número cada vez maior de agentes econômicos passam a ser uma parte relevante da explicação do diferenciado e desigual nível de crescimento econômico de países e regiões.
O capital humano e as inovações tecnológicas como motores de crescimento endógeno
Dois desafios teóricos se colocam na formulação de um modelo de crescimento endógeno, o primeiro é a compatibilização de retornos crescentes com concorrência perfeita e o segundo é a formulação de modelos de crescimento endógeno com concorrência monopolística. Os recentes esforços de pesquisa, segundo Clemente e Higachi (2000), deram origem a três tipos de modelos:
§ de sppilovers, que explicam o crescimento por meio das externalidades positivas da acumulação de capital humano e conhecimento. A Teoria do Crescimento Endógeno, que emergiu a partir dos artigos de P. Romer (1986) [Increasing returns and lon-run growth] e R. E. Lucas Jr. (1988) [On the mecanics of economic development], introduz incentivos para firmas ou indivíduos investirem não apenas em capital físico, mas também em inovações e na acumulação de capital humano;
§ lineares, conhecidos como AK, que preservaram a importância do processo de acumulação de capital para o crescimento, mas introduziram novos fatores endógenos, acumulação de capital humano e conhecimento;
§ os que consideram a inovação tecnológica como a fonte básica do crescimento, tratando a inovação como resultado deliberado da busca de poder de monopólio temporário ou permanente. [...] estes modelos buscam capturar algumas das fontes mais profundas do crescimento econômico: as inovações de processo e de produto [grifo nosso]. (CLEMENTE e HIGACHI, 2000, p. 197).
O modelo de Romer, conforme os autores, fundamenta-se em externalidades positivas, spillovers, tomando como suposição que o conhecimento tecnológico é a única forma de capital (capital de pesquisa). À diferença do capital físico, o conhecimento tecnológico constitui-se em um bem público puro, não sujeito à rivalidade e à excludência em seu consumo. Assim, um conhecimento novo criado por uma empresa apresenta um efeito externo sobre as possibilidades de produção de outras empresas. Neste modelo, o pressuposto básico é que o crescimento econômico de longo prazo origina-se nas externalidades positivas decorrentes da acumulação de conhecimento tecnológico.
Como analisam Clemente e Higachi (2000), o modelo de Lucas apresenta uma estrutura similar à do modelo de Romer. A diferença básica é que o investimento em capital humano proporciona as externalidades positivas, através de aumentos no nível tecnológico. Lucas considera o capital humano como um fator acumulável e como a fonte primária de crescimento. O capital humano pode ser definido como a soma de habilidades dos indivíduos.
“A acumulação de capital humano é uma atividade social envolvendo grupos de pessoas em uma forma que não tem contrapartida na acumulação de capital físico. Desde que se incorpore aos indivíduos, o capital humano é apropriado por eles” (CLEMENTE e HIGACHI, 2000, p. 200).
Uma crítica que se faz aos modelos acima é que eles não conseguem, de acordo com Clemente e Higachi,
[...] capturar a idéia schumpeteriana de que a fonte do crescimento econômico é a inovação tecnológica endógena, endógena não por causa das externalidades positivas do capital de pesquisa ou humano, mas porque resulta da busca do lucro do monopólio [...]. (CLEMENTE e HIGACHI, 2000, p. 205).
Uma outra vertente de modelos de crescimento endógeno, os neoclássicos-schumpeterianos, segundo os autores, inspiram-se na idéia de Schumpeter de que a principal fonte de crescimento econômico é a inovação introduzida pelas empresas. A inovação é considerada como resultado de esforços de P&D em que as empresas empenham recursos, razão pela qual os usuários deveriam pagar um preço suficiente para cobrir seu custo de produção e ter o direito de monopólio do uso da inovação.
Desse modo, o avanço tecnológico torna-se parcialmente apropriável, o que gera um incentivo a inovar, o que, aliado às externalidades positivas do processo de inovação e sua difusão, daria sustentação a um crescimento ilimitado.
Clemente e Higachi, distinguem dois tipos de modelos de crescimento endógeno baseados na inovação: o de crescente variedade de produtos e o de aumento da qualidade de produtos.
No primeiro tipo, novos produtos são agregados à função de produção ou de utilidade, ao mesmo tempo em que se supõe retornos crescentes dinâmicos de escala ou preferência pela variedade. [...] a fonte de crescimento se encontra em um aumento da divisão do trabalho na economia. [...] o aumento do estoque de capital usado na produção dos bens finais se manifesta por meio do crescimento do número de insumos intermediários, e não da quantidade ou da qualidade de cada insumo. Por sua vez, o aumento do número de bens intermediários é identificado com a maior divisão do trabalho em toda a economia e com o uso crescente de métodos de produção que aumentam a produtividade. [...]
No segundo tipo [...], os novos bens são de qualidade superior e substituem os antigos. O modelo [...] se propõe a captar aspectos de destruição criadora [conceito de Schumpeter]. Em contraste com o modelo [anterior], a mudança técnica não se manifestaria como aumento do número de bens intermediários, mas como uma elevação da produtividade que os bens intermediários permitem na produção dos bens finais. Cada inovação seria, assim, um aperfeiçoamento do setor intermediário. Em suma, a fonte do crescimento econômico consiste na melhoria da qualidade dos bens intermediários. (CLEMENTE e HIGACHI, 2000, p. 215).
A partir da abordagem evolucionária-schumpeteriana, as intervenções econômicas do governo podem ser justificadas não em função de buscar suprir as falhas de mercado, mas diante da possibilidade de dotar os sistemas econômicos de competitividade, atuando o governo, neste sentido, e face às economias externas de natureza tecnológica, na definição de políticas de desenvolvimento regional.
As características dos processos de aprendizagem tecnológica, decorrentes da natureza parcialmente apropriável, cumulativa, tácita e específica em termos espaciais das inovações, são razões sólidas para a adoção de políticas que promovam processos evolucionários ao nível regional [...]. (MELO, 2001, p. 70).
Em desenvolvimento teórico mais recente, Tenani (2003), argumenta que não há outra maneira de um país crescer de forma sustentada, senão por meio da acumulação conjunta dos dois insumos de produção: capital físico, por meio de poupança e investimento, e capital humano, pela educação; em decorrência afirma que capital humano e investimento em educação não estão ligados apenas ao campo social, mas também ao campo econômico.
O crescimento baseado apenas na acumulação de capital físico enfrenta difícil restrição econômica: é sujeito a retornos decrescentes de escala e, por isso, tende a se extinguir, uma vez que não é possível alocar os mesmos insumos de produção, indefinidamente, de maneira cada vez mais eficiente. A médio prazo, a produtividade marginal desses insumos diminui, exaurindo-se o crescimento econômico, que pode tornar-se insuficiente até mesmo para compensar a depreciação do capital e o crescimento da população.
Daí que, reitera Tenani, sem o acúmulo de capital humano, não existe crescimento econômico sustentado. A dinâmica que surge da interação entre poupança e educação tem por efeito a influência mútua entre a produtividade do capital humano e a do capital físico, resultando em que a lei dos rendimentos decrescentes deixa de ser um fator limitante para o processo de crescimento econômico. Portanto, países e regiões que possuem um sistema educacional mais produtivo, gerando mais capital humano e mais qualificado, tendem a crescer mais rapidamente, no médio e longo prazos.
O Capital Social e Institucional
Um paradigma emergente no campo dos estudos relacionados com as questões do crescimento e do desenvolvimento, que surge nos anos 1980, é representado pela teoria do capital social.
Segundo Kliksberg (1999), o Banco Mundial considera a existência de quatro formas básicas de capital:
ü o capital natural, constituído pela dotação de recursos naturais de um país ou região;
ü o capital construído, aquele gerado pelo ser humano, incluindo as infra-estruturas, os bens de capital, os capitais financeiro e comercial, etc.;
ü o capital humano, determinado pelos níveis de nutrição, saúde e educação da população; e
ü o capital social, recentemente “descoberto”, que pode vir a constituir-se em valiosa ferramenta de análise do crescimento e do desenvolvimento de base local ou regional.
Alguns estudiosos atribuem às duas última formas de capital [humano e social] uma participação majoritária no desenvolvimento econômico das nações verificado em fins do século XX, indicando que nelas existem chaves decisivas para o progresso tecnológico, a competitividade, o crescimento sustentado, o bom governo e a estabilidade democrática, [tradução livre nossa]. (KLIKSBERG, 1999, p. 87).
Não existe ainda, conforme Kliksberg, uma definição de consenso sobre o capital social, conceito de recente exploração que se encontra em um estágio de delimitação de sua identidade. Apesar das atuais imprecisões, é voz corrente entre os estudiosos das teorias do desenvolvimento, que ao investigar-se o capital social se estará incorporando ao espectro de conhecimentos dessas teorias, um ampliado número de importantes variáveis que até o momento não tinham sido objeto de enquadramento no âmbito convencional de tais teorias.
“Por capital social se entende o conjunto de normas, instituições e organizações que promovem a confiança e a cooperação entre as pessoas, nas comunidades e na sociedade em seu conjunto [...]” [tradução livre nossa], (DURSTON, 1999, p. 103).
Segundo John Durston (2000), o paradigma do capital social, e o neoinstitucionalismo econômico no qual se baseia em parte, coloca que:
as relações estáveis de confiança, reciprocidade e cooperação podem contribuir para três tipos de benefícios: reduzir os custos de transação, produzir bens públicos e facilitar a constituição de efetivas organizações de base local, de atores sociais e de sociedades civis saudáveis, [tradução livre nossa]. (DURSTON, 2000, p.7).
Durston (2000), refere-se às formulações fundadoras do conceito de capital social, se reportando a P. Bourdieu e James Coleman como sendo os que mais cedo expressaram-se sobre tal conceito, as quais coincidiam nos aspectos de que o capital social é um recurso, ou via de acesso a recursos que, quando combinado com outros fatores, permite para as pessoas que o possuem alcançar determinados benefícios; e que esta forma de capital se fundamenta nas relações sociais.
Capital social “... é o agregado dos recursos reais ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de reconhecimento mútuo” [tradução livre nossa], (BOURDIEU, 1985, apud DURSTON, 2000, p. 8). Compreende os
recursos sócio-estruturais que constituem um ativo de capital para o indivíduo e facilitam certas ações de indivíduos que se encontram no interior dessa estrutura. ... [o capital social] é produtivo, possibilitando o alcance de certos fins que não seriam alcançáveis na sua ausência, [tradução livre nossa]. (COLEMAN, 1990, apud DURSTON, 2000, p. 8).
John Durston, destaca o economista neoinstitucionalista Douglas North como um dos inspiradores do conceito de capital social. Mesmo ele não falando explicitamente de capital social e sim de instituições, Durston analisa que quase todo o marco teórico do capital social se faz presente nas obras de North e, por isso, considera que ele deve figurar entre os principais fundadores do marco teórico do capital social. As instituições são “conjuntos de normas e valores que facilitam a confiança entre os atores” [tradução livre nossa], (NORTH, 1990, apud DURSTON, 2000, p. 8).
Em entrevista à Revista VEJA de 26 de novembro de 2003, o professor Douglas North, vencedor do Nobel de Economia em 1993, declarou que as nações prosperam quando seus governantes se guiam por duas preocupações fundamentais: garantir a competição entre as empresas e fortalecer as instituições. As nações que assim não procederem tenderão a permanecer em situação de atraso econômico e social. Neste sentido, competição e instituições constituem-se em fatores de desenvolvimento mais importantes que riquezas naturais, clima favorável ou agricultura.
Segundo North, nenhum país consegue crescer de forma consistente por um longo período de tempo sem que antes desenvolva de forma sólida suas instituições. Por instituição ele entende uma legislação clara que garanta os direitos de propriedade e impeça o não cumprimento dos contratos firmados, um sistema judiciário eficaz, agências regulatórias firmes e atuantes.
Nesse contexto, North comenta que o papel do governo deve se restringir a criar regras econômicas que garantam a estabilidade, e incentivar a competição para tornar a iniciativa privada mais eficiente. Ele refere-se ainda à questão dos custos de transação, entre os quais estão os gastos com impostos, seguros e operações no sistema financeiro. Esses custos fazem crescer o preço final dos produtos e serviços, mas, para North, são inevitáveis e decorrem do grau de profissionalização que caracteriza as trocas comerciais em uma nação moderna. Sua sentença conclusiva é que a nação que não possuir ou constituir instituições fortes não irá abandonar a condição de atraso e de pobreza.
Outro autor influente no desenvolvimento do conceito de capital social, indicado por Durston, foi Mark Granovetter. Abordando o tema em uma perspectiva de sociologia econômica Granovetter, comentado por Durston, analisou que:
os atores econômicos não são átomos isolados, suas interações econômicas estão embedded (incrustadas, enraizadas, imersas, imbricadas) nas relações, redes e estruturas sociais. O conceito de embeddedness e suas diversas implicações faz parte atualmente do conceito de capital social, em relação à racionalidade dos objetivos não econômicos dos indivíduos e em relação à idéia central de que as relações sociais constituem ativos econômicos importantes dos indivíduos e dos grupos, [tradução livre nossa]. (DURSTON, 2000, p. 8).
Em sua síntese analítica da contribuição dos autores considerados precursores na introdução do conceito de capital social no escopo teórico dos estudos sobre o crescimento e o desenvolvimento, Durston menciona Robert Putnam como o autor mais citado no debate recente sobre capital social, o qual é considerado por outros autores como um revisionista que apenas prolonga o conceito original de capital social.
Conforme Albagli e Maciel (2003), foi Robert Putnam que, de fato, popularizou o conceito de capital social. “Em seu estudo seminal sobre a Itália, Putnam procurou explicar as diferenças de engajamento cívico e de governos regionais efetivos entre o Centro-Norte e o Sul italianos, a partir de seus diferentes estoques de capital social” (ALBAGLI e MACIEL, 2003, p. 425).
Putnam afirma que a superação dos dilemas da ação coletiva e do oportunismo contraproducente daí resultante depende do contexto social mais amplo em que determinado jogo é disputado. Para ele,
a cooperação voluntária é mais fácil numa comunidade que tenha herdado um bom estoque de capital social sob a forma de regras de reciprocidade e sistemas de participação cívica. [...] Aqui o capital social diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas. (PUTNAM, 2002, p. 177).
Putnam relaciona várias formas existentes de capital social, a exemplo da confiança, à qual Albert Hirschman denominou de recursos morais, ou seja, aqueles recursos cuja oferta aumenta com o uso, em vez de diminuir, e que, ao contrário, se esgotam se não forem utilizados.
Uma das características específicas do capital social, entendido como confiança, normas e cadeias de relações sociais, é que ele geralmente se constitui em um bem público, ao contrário do capital convencional que é tipicamente de caráter privado. Nesse sentido, o capital social normalmente deve ser gerado como um subproduto de atividades sociais.
As normas, mesmo que não tenham força legal, constituem-se em regras que fortalecem a confiança social, sendo observadas e seguidas porque resultam na redução dos custos de transação, facilitando a cooperação.
Os sistemas de participação cívica, conforme Putnam, representam uma intensa interação horizontal, se revelando uma forma essencial de capital social: “quanto mais desenvolvidos forem esses sistemas numa comunidade, maior será a probabilidade de que seus cidadãos sejam capazes de cooperar em benefício mútuo [...]” (PUTNAM, 2002, p. 183).
Se os sistemas horizontais de participação cívica ajudam os participantes a solucionar os dilemas da ação coletiva, então quanto mais horizontalizada for a estrutura de uma organização mais ela favorecerá o desempenho institucional na comunidade em geral. A afiliação a grupos horizontalmente organizados (como clubes desportivos, cooperativas, sociedades de mútua assistência, associações culturais e sindicatos) deve estar positivamente relacionada com o bom desempenho governamental. ... [O capital social portanto], corporificado em sistemas horizontais de participação cívica, favorece o desempenho do governo e da economia, e não o oposto: sociedade forte, economia forte; sociedade forte, Estado forte. (PUTNAM, 2002, p. 185-186).
Putnam afirma que os estoques de capital social tendem a ser cumulativos e a reforçar-se mutuamente, resultando em equilíbrio social com elevado níveis de confiança, reciprocidade, participação, civismo e bem-estar coletivo, caracterizando a comunidade cívica. Além da comunidade, tanto o Estado quanto o mercado funcionam e interagem melhor em contextos cívicos. Tais contextos conformam as regiões cívicas, que apresentam como traços distintivos: densa rede de associações locais, ativa participação nos negócios comunitários, modelos de política igualitários, confiança e observância das leis.
A pesquisa realizada por Putnam, deixou para ele duas lições e uma certeza. As lições de que: o contexto social e a história condicionam profundamente o desempenho das instituições; a história institucional costuma evoluir lentamente.
E a certeza de que “para a estabilidade política, para a boa governança e mesmo para o desenvolvimento econômico, o capital social pode ser mais importante até do que o capital físico ou humano [...]” (PUTNAM, 2002, p. 192).
Consideração econômica do capital social
Em relação à análise econômica, o conceito de capital social encontrou espaço não só no pensamento institucionalista, integrando o conceito de instituição, o qual não se restringe às
estruturas mais formalizadas, tais como governo, regime político e legislação de modo amplo, mas [contempla] também as relações e estruturas informais, normas e valores inscrustados nos hábitos e costumes de uma população. (ALBAGLI e MACIEL, 2003, p. 429).
Também a corrente evolucionária, que enfatiza o papel da inovação e do aprendizado para a dinâmica econômica, considera questões de interface com o conceito de capital social, desde quando, a capacidade de inovar não se traduz apenas por um somatório de técnicas e produtos teoricamente disponíveis no mercado, mas sim:
[...] pela capacidade de uma sociedade, nas relações entre seus agentes, movimentos, organizações e instituições, de: (1) empenhar-se nas escolhas que lhe são mais adequadas dentre as disponíveis e acessíveis; e (2) aplicar os resultados de suas opções como e onde serão mais produtivos social e economicamente. (FREEMAN, 1991; NEWBY, 1992, apud ALBAGLI e MACIEL, 2003, p. 430).
Albagli e Maciel, listam alguns aspectos que podem ser considerados como benefícios econômicos do capital social:
ü [...] maior facilidade de compartilhamento de informações e conhecimentos, devido a relações de confiança, espírito cooperativo, referências sócio-culturais e objetivos comuns;
ü confirmação de ambientes propícios ao empreendedorismo, o que contribui para a promoção do dinamismo, da competitividade e da sobrevivência sustentada de países, regiões, organizações e indivíduos; a geração de trabalho e renda; e o “empoderamento” de segmentos sociais excluídos;
ü melhor coordenação e coerência de ações, processos de tomada de decisão coletivos, bem como maior estabilidade organizacional, o que também contribui para diminuir custos;
ü maior conhecimento mútuo, ampliando a previsibilidade sobre o comportamento dos agentes, reduzindo a possibilidade de comportamentos oportunistas e propiciando um maior compromisso em relação ao grupo [...]. (ALBAGLI e MACIEL, 2003, p. 430).
As autoras mencionam ainda, que existem evidências da existência de uma forte relação entre capital social e a formação de aglomerações territoriais produtivamente inovadoras. Isso ocorreria de modo mais especial nos chamados “arranjos produtivos locais”, por envolverem não apenas empresas, mas outros tipos de atores, como organismos governamentais, associações, instituições de pesquisa, educação e treinamento, etc.
Comparando aglomerações produtivas italianas e brasileiras, as autoras demonstram, no entanto, que capital social e arranjos produtivos não se vinculam, ainda, de forma automática.
A capacidade de gerar empreendimentos sistematicamente articulados não depende simplesmente de confiança e interação, mas de um conjunto de fatores: por isso distinguem-se três itálias e vários brasis ... [Os] fatores mais relevantes são: nível educacional; densidade de relações de aprendizado interativo; sentimento de pertencimento; nível de inclusão ou de polarização social; identidade entre interesses individuais e coletivos; lideranças locais; relação Estado/sociedade. (ALBAGLI e MACIEL, 2003, p. 431-432).
Entretanto, o capital social, conforme as autoras, “... pode ser um fator de interação cooperativa para o desenvolvimento local e, portanto, deve ser considerado uma peça importante – mas não a única – na mobilização de arranjos produtivos locais” (ALBAGLI e MACIEL, 2003, p. 432).
Duas questões relevantes devem ser ainda explicitadas. Uma se refere à pertinência da intervenção governamental para estimular o capital social, outra trata do direcionamento dos rumos do desenvolvimento local, se com o predomínio de uma base endógena ou de uma base exógena.
A respeito da primeira questão, conforme as autoras, se argumenta, de um lado, que o capital social pode ter condições mais favoráveis ao seu desenvolvimento se houver a intervenção de políticas públicas que promovam processos decisórios participativos, encoragem atividades voluntárias e comunitárias e proporcionem condições socioeconômicas igualitárias, em relação ao emprego, à renda e à inclusão social. Por outro lado, argumenta-se que tal intervenção pode caracterizar um movimento impositivo, de “cima para baixo”, contrário ao movimento de “baixo para cima”, mais condizente com um processo de formação e consolidação do capital e da coesão sociais, fruto dos padrões históricos de construção da dinâmica sócio-cultural de um território e sua comunidade.
Quanto à segunda questão, citando Barquero (1999), as autoras analisam que:
a densidade das relações e instituições locais, que ao final expressam a densidade do capital social, contribui [...] para a capacidade de a comunidade dispor de estratégias próprias e exercer controle sobre os caminhos do desenvolvimento local, não atuando como receptora passiva de interesses externos, [o mesmo se aplica à escolha e utilização do modelo de inovações tecnológicas para o desenvolvimento]. (BARQUERO, 1999, apud ALBAGLI e MACIEL, 2003, p. 435).
O papel das inovações tecnológicas e a formação de redes – uma abordagem territorialista
Em meados dos anos 1980, surge uma corrente cujo modelo analítico pressupunha a promoção de soluções tecnológicas diferenciadas, com ênfase nas tecnologias intermediárias, trabalho intensivas, para uso em empresas de pequeno e médio porte, consideradas como o motor da dinamização do sistema econômico e o reforço da diversificação da estrutura produtiva. Esse enquadramento teórico,
[...] não levantando obstáculo à crescente internacionalização da economia, elege como instrumento estratégico a inovação, nessa primeira fase ainda com uma vertente marcadamente tecnológica. Neste novo quadro competitivo argumenta-se que as regiões que estarão melhor colocadas na batalha pela sobrevivência, numa época em que as mudanças estruturais se processam a ritmos vertiginosos e são cada vez mais imprevisíveis, serão as que puderem compensar a retração dos mercados tradicionais pela conquista de novos mercados devido quer à introdução de modificações tecnológicas nos respectivos processos produtivos, quer à fabricação de novas gamas de produtos. (SANTOS, 2002a, p. 223).
Clyde Weaver (Concepts and theories of regional development planning: the state of the art, 1988), citado por Santos (2002a), denomina esta via de planejamento regional de “Iniciativa Local” (Regional Planning as Local Initiative) que possui uma contextualização analítica de base territorialista, utilizando como justificativa teórica e linha estratégica a ênfase ao papel da inovação tecnológica como instrumento primeiro de ação. Nesse contexto, a revolução tecnológica e a procura de inovação, no produto e no processo, se tornam o núcleo fundamental da política de desenvolvimento regional.
Sobre este aspecto, Walter Stöhr (Changing external conditions and a paradigm shift in regional development strategies? 1984), citado por Santos (2002a), refere-se a “[...] complexos regionais de inovação [...]”, resultantes do aprofundamento de uma base relacional e interativa entre unidades empresarias, instituições de educação e formação profissional, organizações de P&D, consultorias especializadas em tecnologia, gestão e marketing, sociedades de capital de risco e administrações locais e regionais.
[...] estes complexos de produção, integrados, flexíveis e internamente descentralizados, sustentam a sua dinâmica numa densa rede de fluxos, materiais e imateriais, mercantis e não mercantis, que potenciam intensos efeitos locais de sinergia. (SANTOS, 2002a, p. 224).
Análises realizadas a partir de 1985, cruzam o conceito de desenvolvimento territorial com a noção de “meio inovador” que surge no seio do Groupe de Recherche Européen sur les Millieux Innovateurs (GREMI), orientando-se na direção original da procura da aptidão diferenciada dos meios para fazer nascer e difundir a inovação. Nesta linha emergem as noções de “Regiões Inteligentes” e de “Sistemas Regionais de Inovação”.
Aparecem nesse cenário, como instrumentos de planejamento regional, os tecnopolos, os parques de ciência e tecnologia, os centros de excelência, etc. Os objetivos principais referem-se ao fomento da inovação tecnológica através do reforço dos mecanismos de difusão da informação e à promoção da dinamização das áreas periféricas, pelo grande potencial empregador das indústrias de alta tecnologia e do seu entorno marcado pela ênfase nos serviços.
Vale ressaltar que as políticas regionais não deverão se voltar única e exclusivamente para o surgimento e dinamização de novas tecnologias mas, também, se direcionarem para uma atuação sobre as indústrias tradicionais no sentido de apoiar os seus processos de reestruturação operacional que visem renovar sua dotação de modernos fatores de competitividade.
Como sustenta Giocchino Garofoli (Sviluppo regionale e ristrutturazione industriale: il modelo italiano degli anni 70, 1983), mencionado por Santos (2002a), as transformações dos contornos estruturais das economias locais dependem da capacidade de valorização dos respectivos recursos (capacidade de iniciativa e de acumulação, disponibilidade de capital fixo, etc.), caracterizando uma “nova articulação do sistema industrial que é produto do aparecimento da iniciativa local nos territórios de desenvolvimento e não da mobilidade inter-regional das empresas” (GAROFOLI, 1983, apud SANTOS, 2002a, p. 226).
O modelo “Iniciativa Local”, que fundamenta-se em uma acentuada base territorialista apresenta, contudo,
[...] uma faceta associada à inserção das economias regionais nos fluxos do comércio internacional, entendida como uma “janela de oportunidades” de que podem colher dividendos as estruturas produtivas, econômicas e sociais territoriais. Todavia, para que essa articulação local/regional-global se processe com sucesso, é imperativo modernizar e diversificar o perfil tradicional de especialização mediante a introdução sistemática de vetores de inovação e a incubação de PME de base tecnológica. Torna-se [necessário] também exercer algum grau de seletividade na captação do investimento móvel, em particular restringindo a atuação do capital multiregional e multinacional a setores em que se verifiquem vantagens específicas e efeitos de fertilização da matriz produtiva local/regional. (SANTOS, 2002a, p. 226).
Atualmente, os processos de inovação possuem reconhecidamente uma forte matriz social e territorial, como conseqüência ganham destaque na análise do crescimento regional aspectos relevantes na geração de conhecimento direcionado para as dinâmicas de inovação, como os contatos informais e as redes de fluxos de conhecimento tácito estabelecidas entre os diferentes atores, o seu capital relacional, o respectivo capital social, as regras e convenções vigentes. Os processos de inovação são vistos hoje como mecanismos socialmente construídos, que se baseiam na acumulação, difusão e utilização de conhecimento por via de um aprendizado contínuo e interativo. Nesse sentido, para Peter Maskell e Anders Malmberg (The competitiveness of firms and regions: “ubiquitification” and the importance of localized learnimg, 1999), a competitividade territorial depende, cada vez mais, “da capacidade de criar conhecimento e do estabelecimento de bases que promovam localmente processos coletivos de aprendizagem” (MASKELL e MALMBERG, 1999, apud SANTOS, 2002b, p. 286).
Distritos Industriais
Um dos principais pontos de partida dessa abordagem territorialista, consistiu nas pesquisas sobre os “distritos industriais”. Em conformidade com Santos (2002b), os estudos sistemáticos sobre os “distritos industriais” centraram-se, originalmente, na análise da dinâmica regional italiana. Após a 2ª guerra mundial, a principal preocupação italiana em matéria de desenvolvimento econômico consistia em minimizar as profundas assimetrias entre o Norte e o Sul do país. Assim, foi promovida no Mezzogiorno uma estratégia de pólos de crescimento com base em atividades industriais de siderurgia e petroquímica, esperando-se o desencadeamento de efeitos motrizes sobre os demais setores econômicos. Essa estratégia, que não obteve êxito, configurou-se como um modelo ortodoxo de política regional from above.
Passados mais de vinte anos, de acordo com o autor, em um contexto de contínuo aprofundamento das disparidades regionais Norte/Sul, os pesquisadores se depararam com uma nova realidade territorial que denominaram “Terceira Itália” (Itália do Meio ou Itália do Centro), despertando o seu interesse as elevadas taxas do emprego industrial e o excelente desempenho das exportações evidenciadas pelo tecido produtivo regional. Giacomo Becattini (Dal settore industriale al distretto industriale. Alcune considerazione sull’unita d’indagine dell’economia industriale, 1979), citado por Santos (2002b), se concentrou no conteúdo econômico dessa estrutura, destacando a sua matriz produtiva baseada em uma forte presença de pequenas e médias empresas (PMEs), e no seu perfil de especialização industrial. Esses estudos convergiram na direção dos trabalhos de Alfred Marshall, o que levou à denominação da configuração industrial da Terceira Itália como “distrito industrial marshalliano”.
Alfred Marshall (1890, 1919), Principles of economics e Industry and trade, respectivamente, foi o primeiro investigador a descrever e analisar o funcionamento das aglomerações econômicas inglesas do século XIX, com base em dois centros industriais, Manchester e Sheffield, os quais qualificou de distritos industriais, avançando com a formulação dos conceitos de economias externas, economias de aglomeração e atmosfera industrial. Marshall argumentou que a concentração industrial e a especialização setorial, induzindo à concentração de mão-de-obra qualificada e promovendo a circulação de informação e de know-how entre as empresas, germinaria economias portadoras de vantagens empresariais. “[...] o distrito industrial é uma entidade sócio-territorial caracterizada pela co-presença ativa, numa área territorial circunscrita, natural e historicamente determinada, de uma comunidade de pessoas e de uma população de empresas industriais” (BECATTINI, 1989, apud SANTOS, 2002b, p. 287).
Avançando em sua análise, segundo Santos (2002b), Becattini permite perspectivar alguns elementos estruturantes do conceito, principalmente na sua vertente produtiva: a pequena escala empresarial, a especialização por fases da cadeia produtiva, a existência de reduzidas barreiras de entrada e o papel dinamizador dos serviços de apoio à produção.
[...] o distrito industrial marshalliano é constituído por uma população de pequenas e médias empresas independentes assentes num setor de especialização e num processo de divisão do trabalho industrial à escala local, apoiando-se numa miríade de unidades fornecedoras de serviços à produção e de trabalhadores ao domicílio, orientada, através do mercado de encomendas, por um grupo aberto de empresários puros (os impannatori). (BECATTINI, 1989, apud SANTOS, 2002b, p. 288).
Nos distritos industriais as empresas são partes integrantes do território, sendo também elas, de certo modo, território. Esta perspectiva marshalliana expressa a idéia de embeddedness, conceito proposto por M. Granovetter (Economic action and social structure: the problem of embeddedness, 1985), citado por Santos (2002b), para explicar o funcionamento dos distritos industriais: um enraizamento na matriz sócio-cultural local que constitui a base de gestação e sustentação de economias de aglomeração propiciadoras de vantagens empresariais. Sob essa consideração, um distrito industrial constitui uma grande concentração de PMEs, autônomas, integradas horizontalmente, altamente especilizadas, atuando numa dada fase do processo produtivo e desenvolvendo vastas redes de subcontratação, com elevada capacidade dinâmica de adaptação às modificações da procura.
Na mesma linha de raciocínio, José Reis, (“Os espaços da indústria. A regulação económica e o desenvolvimento local em Portugal”, 1992), argumenta que:
para além de um indicador pertinente de identificação (a sua especialização) e de uma certa relevância quantitativa (uma rede industrial e uma quota apreciável de produção ou das exportações do setor de especialização), um sistema produtivo local [conceito assemelhado ao de distrito industrial, grifo nosso] supõe um processo longo de consolidação técnica – uma história industrial durante a qual se formou uma cultura produtiva local – e uma [organização] produtiva de base local criadora de sinergias: um sistema de interdependências industriais. (REIS, 1992, apud SANTOS, 2002b, p. 288).
A peculiaridade da organização produtiva dos distritos industriais, portanto, advém do progressivo enraizamento de atividades econômicas em um determinado território, e não da indução de fenômenos de polarização por empresas de grande porte.
Para Claude Courlet e Michel Dimou (Les systèmes localisés de production: une approche de la dynamique longue, 1995), de acordo com Santos (2002b), os distritos industriais resultam de um amplo conjunto de iniciativas, de relações de cooperação e de redes locais, o que lhes propiciam vantagens específicas através do surgimento de vários tipos de economias externas de aglomeração, a saber: “economias de especialização”, ligadas ao aprofundamento da divisão do trabalho; “economias do trabalho”, resultantes da formação e acumulação de saber-fazer específicos; e “economias de informação” e comunicação, provenientes da capacidade de inovação e de sua difusão.
Essas vantagens, em conjunto, exercem um efeito centrípeto e aglutinador da pequena e média empresa, em um contexto marcado pela socialização de processos industriais comuns e pelo aprofundamento da integração entre economia e sociedade.
Nos distritos industriais, segundo o autor, a inovação procede da mobilização territorial dos agentes que interagem sistematicamente. O seu desenvolvimento não se baseia na procura de saltos tecnológicos – adoção de tecnologias radicalmente diferentes dos conhecimentos técnico-profissionais acumulados ao nível local – e sim no saber e no saber-fazer tácito que caracteriza a região. A análise da inovação nos distritos industriais está, portanto, distante da abordagem neo-schumpeteriana que associa a dinâmica capitalista ao impacto de um conjunto de inovações radicais e revoluções tecnológicas que aliam o avanço da produtividade e o crescimento da procura; corresponde, mais apropriadamente, a um padrão de tipo incremental, predominando uma eficiência estática, que implica em melhoramentos no âmbito de funções de produção já conhecidas, sobre uma eficiência dinâmica, refletida na capacidade do sistema produtivo local em inovar e absorver inovação.
Referenciado por Santos (2002b), João Paulo Barbosa de Melo (“A região da Marinha Grande: um distrito industrial”, 1995), coloca que:
nesse sentido, poder-se-á certamente afirmar que esse percurso contínuo de upgrading competitivo baseado na inovação depende menos de estruturas formais do que de canais informais, na medida em que remete para processos de “aprender fazendo”, processos de “aprender usando” ou, até, de “aprender falhando”. (BARBOSA DE MELO, 1995, apud SANTOS, 2002b, p. 290).
Segundo Fiorenza Belussi (Local systems, industrial districts and institutional networks: towards a new evolutionary paradigm of industrial economics, 1996), mencionada por Santos (2002b), a abordagem dos distritos industrias, na perspectiva marshalliana, estebelece uma análise econômica territorializada que se consolida nas externalidades associadas à proximidade e que depende do potencial de competências locais do qual as empresas extraem os seus recursos produtivos – a proximidade espacial das empresas e o “caldo cultural” comum aumentam as probabilidades de difusão de informação e de aprendizagem, o que lhes possibilita defender sua posição competitiva recorrendo à inovação contínua e incremental.
Os distritos industriais, portanto, desenvolvem uma capacidade tecnológica e inovadora endógena que permite às PMEs locais conseguir competir nos mercados internacionais com as grandes empresas verticalmente integradas.
Meios Inovadores e Regiões Inteligentes
Como já mencionado, os estudos do GREMI, têm trabalhado com base na hipótese de que meios inovadores regionais geram inovações, ou seja, o sucesso do desenvolvimento de certas regiões se deverá às suas capacidades intrínsecas de fabricar novos produtos, adotar novos processos produtivos, além de configurações organizacionais e institucionais inovadoras.
O conceito de “meio”, segundo Denis Maillat, Michel Quévit e Lanfranco Senn (Résaux d’innovation et milieux innovateurs: un pari pour le dèveloppement régional, 1993), citados por Santos (2002b), refere-se a um capital relacional que agrupa coerentemente um sistema de produção, uma cultura técnica e um conjunto de atores que não se constitui um universo fechado mas, pelo contrário, está em interação permanente com seu ambiente circundante, dando lugar a processos de aprendizagem coletiva. O “meio”, conforme Bruno Lecoq (Organisation industrielle, organisation territoriale: une approche intégrée fondée sur le concept de réseau, 1991), citado por Santos (2002b), é um:
conjunto sócio-territorial reticularmente integrado de recursos materiais e imateriais, dominado por uma cultura historicamente sedimentada, vetor de saber e de saber-fazer, que repousa sobre um sistema relacional do tipo cooperação-concorrência dos atores locais. (LECOQ, 1991, apud SANTOS, 2002b, p. 294).
O “meio” pode ser considerado como um ativo intangível para a empresa, de acordo com Denis Maillat (Les relations des entreprises innovatrices avec leur milieu, 1992), tomado por PÒLESE (1998). “Já que os territórios lhes fornecem o apoio logístico essencial para o seu desenvolvimento (externalidades, efeitos de proximidade, etc.), as empresas têm todo o interesse em participar no jogo da integração e do enriquecimento do seu “meio” (MAILLAT, 1992, apud POLÈSE, 1998, p. 233).
Conforme Santos (2002b), os elementos constitutivos do “meio”, apontados por Maillat, Quévit e Senn, são:
§ uma envolvente espacial, enquadrada por uma certa homogeneidade de comportamento dos atores sociais e uma mesma cultura técnica, não se confundindo, porém, com o conceito de região, nem possuindo fronteiras físicas pré-determinadas;
§ um conjunto de atores, dotados de autonomia decisional e fortemente ancorados na realidade socioeconômica local (empresas, instituições de formação, centros de [P&D], etc.);
§ elementos materiais (as empresas, os equipamentos, as infra-estruturas) e elementos imateriais (as normas e valores, os fluxos de informação, o saber-fazer), bem como elementos institucionais (as formas de organização do poder público e da sociedade civil);
§ uma lógica de interação, ou seja, um capital relacional regulador do comportamento dos atores e promotor de dinâmicas locais de valorização dos recursos existentes;
§ uma lógica de aprendizagem, capacitando os atores para redefinirem e reconfigurarem os seus comportamentos, ajustando-os à medida que se transforma a envolvente externa, nomeadamente ao nível dos mercados e da tecnologia, [grifo nosso]. (MAILLAT, QUÉVIT e SENN, 1993, apud SANTOS, 2002b, p. 294).
Santos (2002b), destaca, de acordo com Claude Courlet (Territoire et développement, 1988), a diferença existente entre os conceitos de “meio” e de “sistema produtivo local”, fundamentando-se na dimensão-chave da intangibilidade: “o meio não é uma categoria particular de sistema produtivo local mas uma unidade cognitiva de que depende o funcionamento do próprio sistema” (COURLET, 1988, apud SANTOS, 2002b, p.294), constituindo, assim, uma matriz organizacional através da qual se projeta o potencial de autonomia e de iniciativa dos sistemas de produção localizados.
Com o objetivo então, de descrever os comportamentos inovadores no seio dos sistemas produtivos locais, os pesquisadores do GREMI cunharam o conceito de “meio inovador”. Um “meio”, de acordo com Santos (2002b), compreende uma realidade sistêmica dotada de propriedades emergentes, pode evoluir para um patamar superior de organização, correspondente a um “meio inovador”, pela criação, gestão eficaz e constante renovação de recursos, principalmente de natureza imaterial (saber, saber-fazer, processos de aprendizagem coletiva, conexões reticulares de cooperação, canais informacionais, etc.). Nessas circunstâncias, segundo Bernard Planque e Nathalie Gaussier (Millieux innovateurs et développement durable: des mésologies complémentaires, 1988), citados por Santos (2002b), em certos meios podem gerar-se, sistematicamente,
[...] externalidades positivas específicas que asseguram uma vantagem comparativa aos atores locais na prossecução de um processo cumulativo de inovação competitiva, [...] desenvolvendo uma convenção terrirorial de inovação [...] [correspondente ao estágio de “meio inovador”], (PLANQUE e GAUSSIER, 1998, apud SANTOS, 2002b, p.295).
Portanto, um “meio” constitui-se em “meio inovador”, conforme Andrée Matteaccioli (Auto-organisation et émergence des milieux innovateurs, 1998), mencionado por Santos (2002b),
quando desenvolve a capacidade de apreender as transformações do seu ambiente tecnológico e de mercado, bem como a evolução dos outros sistemas territoriais de produção, ligando-se às dinâmicas internacionais mais significativas, mas conservando a sua coerência global e a sua identidade. (MATTEACCIOLI, 1998, apud SANTOS, 2002b, p. 296).
Desse modo, consegue-se processar recombinações técnico-produtivas dos recursos endógenos existentes, de modo a garantir configurações produtivas inovadoras valorizadas pelos mercados.
Os “meios inovadores” são diferentes dos ambientes cognitivos próprios dos “distritos industriais”. Nos meios inovadores, a inovação decorre de um arranjo organizacional e de uma coordenação institucional ex-ante, já nos distritos industriais ela surge mais ligada a aspectos casuais e menos formais.
Ao participar em redes de interação, uma empresa contribui para reforçar a sinergia do meio. Essas redes ultrapassam as transações mediadas pelo mercado, estendendo-se a uma ampla gama de relacionamentos envolvendo sistemas de formação e educação, administrações públicas, instituições financeiras, organizações sindicais, entre outros. Cria-se, dessa forma, um ambiente que maximiza as oportunidades de interação e de inovação dos agentes econômicos.
Existe uma clara e direta correspondência entre as capacidades de inovação e de desenvolvimento das empresas e as externalidades positivas que o ambiente lhes oferece, aumentando suas possibilidades de êxito. J. Perrin (Réseaux d’innovation, milieux innovateurs et développement régional, 1991), citado por Polèse (1998), faz menção a ambientes de inovação – millieu d’innovation, ou a tecnopolos – tecnópoles. Num ambiente dinâmico dessa natureza os custos de informação e de transação são mais baixos, há mais facilidade para as comunicações inter-pessoais e uma maior confiança entre os seus diversos atores.
Definido desta maneira, o conceito de millieu (que pode corresponder ao inglês community) inclui noções como “tecido social e sociedade”: é o conjunto dos valores e das relações que dão a um território uma cultura local, uma identidade, uma cultura de empresa e uma cultura técnica que lhe são próprias. (POLÈSE, 1998, p. 234).
Indaga Polèse, se o ativo intangível, o millieu, tem tanto valor, por que é que as empresas não investem nele de forma espontânea? Por que é que os poderes públicos têm que intervir? O ativo intangível, o millieu que funciona, é um bem público, que tem como característica a dificuldade de excluir os beneficiários. Seguindo a lógica privada, uma empresa só irá participar se puder privatizar ou internalizar uma parte dos ganhos. Por que participar no financiamento de um parque, de uma estrada ou de uma rede de informação, se outros agentes usufruem sem pagar ou se é possível se beneficiar sem contribuir? Logo, a participação das empresas no financiamento de bens públicos não se dá de forma espontânea. Conforme o autor, a decisão de participar de uma rede de interação implica um determinado custo de oportunidade e para que os agentes privados se empenhem e se integrem ao processo, os benefícios da cooperação, ou os custos da não cooperação, deverão ser explícitos e visíveis para as empresas.
Essa lógica de comportamento, que privilegia interesses setorizados, acaba por conformar uma teia de relações institucionais que conduz o poder público a ser o agente econômico motor de processos desta natureza, torna-se um fator estrutural subjacente a iniciativas que requerem um acentuado sentido de parceria, integração, coesão, associativismo e cooperativismo, a exemplo geral do “meio inovador”.
As redes de interação e de inovação, para ter condições de sucesso, segundo Pòlese, precisam ter objetivos e mecanismos de ação vinculados à lógica de funcionamento dos empreendimentos privados:
ü esquemas financeiros para partilhar e diversificar riscos;
ü instituições comuns de formação profissional e técnica;
ü organizações e associações profissionais para reduzir os custos de difusão da informação;
ü projetos conjuntos de pesquisa e desenvolvimento contemplando a proteção dos direitos de exploração dos resultados;
ü redes de compras, de distribuição e de colocação no mercado;
ü infra-estruturas comuns como rede de distribuição de gás ou combustíveis, parques industriais, etc.;
ü negociações em grupo, patronato-sindicatos, de contratos coletivos de trabalho ou outros acordos.
Na maioria dos exemplos acima, de acordo com o autor, está se tratando da institucionalização das economias de escala próprias de uma indústria, ou das economias de localização. Quando se refere aos tecnopolos ou aos complexos industriais a participação motora dos poderes públicos está na base de seu deslanche e implementação, podendo envolver a disponibilização de uma área ou até mesmo de um parque tecnológico e, inclusive, atividades de promoção.
O conceito de “região inteligente” reforça e amplia o alcance da análise de teor organizacional-institucional que marca os estudos do GREMI, adequando o mesmo ao novo paradigma produtivo emergente fundamentado nas tecnologias de informação, telecomunicações e computação, bem como aos desafios da economia do conhecimento.
De acordo com Santos (2002b), foi Richard Florida (Toward the learning region, 1995), quem primeiro sugeriu o conceito de região inteligente para caracterizar aqueles territórios capazes de funcionarem como coletores e repositórios de conhecimentos e idéias, e de proporcionarem o ambiente a as infra-estruturas facilitadoras dos fluxos de conhecimento, idéias e práticas de aprendizagem. Essas regiões constituem contextos territoriais privilegiados de interação, aprendizagem e inovação, já que consubstanciam quadros aglomerativos e plataformas cognitivas favoráveis à existência de espaços relacionais entre atores que se interceptam e conectam por afinidades culturais e econômicas.
Esse novo conceito, conforme João Ferrão (“Meios inovadores em cidades de média dimensão: uma utopia razoável. O caso de Évora”, 1997), (apud Santos, 2002b, p. 301), “[...] atribui uma centralidade ainda maior à capacidade coletiva e permanente de aprendizagem e adaptação (defensiva e ofensiva), como estratégia-chave de desenvolvimento regional [...]”.
De um lado, no entanto, como analisa Santos (2002b), existe uma percepção de que o conceito de região inteligente é ainda muito vago e abstrato, necessitando amadurecer o seu corpus conceitual e instrumental para se afirmar e se diferenciar de outros conceitos próximos, principalmente o de meio inovador, do qual se constitui uma evidente declinação semântica e linguística. De outro lado, se considera que o conceito de região inteligente se configura como um upgrading conceitual e normativo, desde quando oferece uma perspectiva de maior adequação ao novo paradigma téorico-produtivo baseado na utilização das modernas tecnologias de informação e na telemática, o qual condiciona toda a estrutura e funcionamento da nova economia, abrindo inéditas oportunidades para competir inovando.
Considerações Finais
As “regiões inteligentes” correspondem basicamente a um patamar superior de transformação dos “sistemas produtivos locais”, dotando-os de capacidades reforçadas para competir eficaz e sustentadamente à escala internacional.
A noção de “região inteligente” apresenta quatro aspectos relevantes para o aprofundamento da relação entre inovação e desenvolvimento territorial:
§ centra o debate em torno das condições territoriais de desenvolvimento, complementando as visões que valorizam a ótica dos impactos territoriais;
§ cria uma matriz que permite integrar grande parte do patrimônio recente das diversas ciências regionais, assegurando uma coerência e uma finalidade claras;
§ defende uma análise preocupada em entender, de forma sistêmica, as práticas dos diversos atores (individuais e coletivos) no quadro de comunidades territoriais específicas;
§ fornece argumentos favoráveis ao reforço da importância das políticas de base territorial. (FERRÃO, 1996, apud SANTOS, 2002b, p. 303-304).
Segundo Santos (2002b), a palavra-chave do conceito de sistema regional de inovação parece ser “interação” ou networking entre empresas, entre empresas e instituições da envolvente de apoio, entre estas próprias instituições. Subjacente à noção de sistema regional de inovação está a idéia de que a indução de padrões empresariais mais inovadores, qualificados e competitivos, é função dos arranjos organizacionais e institucionais que estruturam um determinado território numa entidade de coordenação policêntrica.
Distinguem-se, analítica e politicamente, de acordo com o autor, dois tipos de “sistemas regionais de inovação”: um que é resultante da regionalização do sistema nacional de inovação, e outro que decorre da existência de uma abordagem mais endógena e territorializada da promoção de uma política de inovação regional. Neste sentido, Bjorn Asheim e Arne Isaksen (Location, agglomeration and innovation: towards regional innovation systems in Norway, 1997), sugerem que:
[...] por um lado, encontramos sistemas de inovação que são partes de um sistema nacional de inovação regionalizado, ou seja, partes da base produtiva e da infra-estrutura institucional localizadas na região, mas funcionalmente integradas em, ou equivalentes a, sistemas nacionais (ou internacionais) de inovação, que são baseados numa abordagem centralista e no modelo linear de inovação; por outro lado, podemos identificar sistemas de inovação constituídos por partes do tecido produtivo e da esfera institucional que se encontram verdadeiramente ancorados e integrados numa determinada região, derivando, portanto, de uma abordagem territorialista de desenvolvimento e de um modelo interativo de fomento da inovação. Cremos que, no âmbito terminológico, pelas razões já aduzidas, se pode passar a distinguir um do outro, denominando o primeiro de sistema regionalizado de inovação e o segundo de, esse sim, sistema regional de inovação ou sistema territorial de inovação. (ASHEIM e ISAKSEN, 1997, apud SANTOS, 2002b,
p. 306-307).Atualmente, e cada vez mais, o conceito de “sistema regional de inovação” assume um papel eminentemente instrumental, muito associado às políticas de inovação e à implementação de estratégias regionais de inovação, diferenciando-se, por essa dimensão operativa, das abordagens anteriores de modelos de crescimento e desenvolvimento regional. O objetivo principal desse modelo, segundo Santos (2002b), é reforçar os patamares territoriais de competitividade, tornando os “meios” mais “inovadores” e as “regiões” mais “inteligentes” – no âmbito do clássico trade-off entre a curiosity e a utility, com o modelo dos sistemas regionais de inovação tendendo nitidamente para a segunda.[3]
A competitividade e a sustentabilidade regionais de longo prazo têm menos a ver com a eficiência de custos e mais a ver com a capacidade das empresas e instituições para inovar, isto é, para incrementar a respectiva base de conhecimentos. Assim, a inovação é ditada pela boa gestão e eficiente utilização dos fluxos estratégicos de informação e criação de conhecimento.
Distrito Industrial
Meio Inovador / Região Inteligente
Sistema Regional de Inovação
Surgimento
Espontâneo; como sistema produtivo local.
Espontâneo / induzido; como entidade cognitiva.
Induzido; como entidade organizacional.
Clima predominante
Atmosfera industrial.
Cultura empresarial.
Cultura empresarial e científica.
Sistema produtivo
Industrial; especialização produtiva numa ótica de divisão setorial do trabalho; PME; verticalmente desintegrado; autocentrado.
Industrial e terciário; diver-sificação produtiva numa ótica de divisão intra-setorial do trabalho; grandes e PME; integração quase-vertical; aberto.
Industrial e terciário; diver-sificação produtiva numa ótica de divisão intra-setorial do trabalho; grandes e PME; integração quase-vertical; aberto.
Relações não mercantis entre as empresas
Intensidade das relações extra-produção; redes inter-pessoais informais de circulação de informação; forte mobilidade horizontal e vertical da mão-de-obra.
Intensidade das relações extra-produção; importância e diversidade das relações não-mercantis formalizadas (redes de cooperação, parcerias estratégicas, etc.).
Intensidade das relações extra-produção; importância e diversidade das relações não-mercantis formalizadas (redes de cooperação, parcerias estratégicas, etc.).
Relações das empresas com a envolvente institucional de apoio especializado
Baixa intensidade de contatos; casuísticas.
Elevada intensidade de contatos; estratégicas.
Elevada intensidade de contatos; estratégicas.
Relações com o exterior
Abertura ao exterior via fornecedores e clientes.
Forte abertura ao exterior; inserção nos circuitos internacionais de transferência de informação e conhecimento.
Forte abertura ao exterior; inserção nos circuitos internacionais de transferência de informação e conhecimento.
Estruturas reticulares
Compactas; redes sem centro estratégico.
Compactas, com empresa-líder ou com empresa-pivot.
Com empresa-pivot ou instituição-pivot (universidade, centro tecnológico, etc.).
Lógica
Comunitária; de sobrevivência; evitar que as respectivas economias se restrinjam a meros locais de inscrição de movimentos exógenos de interação organizados completamente do exterior.
De parceria; criação de mecanismos coletivos de aprendizagem como motor da renovação competitiva da base produtiva; fomento do potencial de inovação.
De parceria; arquitetura institucional como alavanca da competitividade empresarial e territorial; fomento do potencial de inovação; afirmação de uma estratégia regional de inovação
Formas dominantes de conhecimento
Tácito; contextual.
Codificado; global.
Codificado; global.
Formas dominantes de aprendizagem
By doing, by using, by interacting.
By doing,, by interacting,by networking.
By searching, by networking.
Modalidades dominantes de inovação
Incremental; adaptativa; do produto e do processo.
Incremental e radical-first of its kind; do produto,`do processo e organizacionais.
Incremental e radical-first of its kind; do produto, do processo e organizacionais.
Dinâmica de crescimento
Concorrência-emulação-cooperação; assente numa mobilização social alargada; risco empresarial amparado socialmente.
Concorrência-cooperação; induzida pela ativação dos circuitos de difusão de informação e conhecimento; risco empresarial amparado institucionalmente.
Fertilização cruzada; fortemente induzida pelo universo institucional de apoio; ajustamento dinâmico entre as esferas empresarial e institucional; risco empresarial amparado institucionalmente.
Riscos potenciais
Lock-in sócio-tecnológico; barreiras à entrada e à informação; crescimento dos fenômenos de hierarquização empresarial; comportamentos desviantes.
Locks-in relacional e tecnológico; barreiras à saída.
Locks-in relacional e tecnológico; barreiras à saída; esclerose institucional; estatização das redes de cooperação.
Quadro 1 Comparação Sinótica entre Distrito Industrial, Meio Inovador / Região Inteligente e Sistema Regional de Inovação
Fonte: Santos, in Costa, 2002, p. 312-313.
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VEJA: revista semanal. São Paulo: Ed. Abril, n. 47, 26 nov. 2003, 182 p.
[1] Artigo originalmente publicado na Revista Redes, Santa Cruz do Sul, RS, 10 (2): 129-152, maio/agosto 2005.
[2] Doutor em Ciências da Comunicação – Área de Concentração Turismo – ECA/USP. Professor e pesquisador do Mestrado em Análise Regional e do Curso de Turismo da Universidade Salvador – UNIFACS. Consultor em Turismo. Diretor da TRIUMPH Consultoria em Turismo Ltda. E-mail: jantss@globo.com
[3] O (Quadro 1) apresenta uma comparação entre as principais características dos modelos de Distrito Industrial, Meio de Inovação / Região Inteligente e Sistema Regional de Inovação.
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