"Contribuciones a la Economía" es una revista académica con el
Número Internacional Normalizado de Publicaciones Seriadas
ISSN 16968360

A localização das atividades turísticas no espaço: uma análise sob a perspectiva do desenvolvimento urbano-regional[1]

Jorge Antonio Santos Silva[2]
jantss@globo.com

 

Resumo

Este texto procura contextualizar a localização das atividades turísticas no espaço à luz da Teoria dos Lugares Centrais, de Walter Christaller. Para tanto, analisa os conceitos de espaço econômico e espaço geográfico, examinando a lógica locacional das atividades econômicas, com a tendência de conformar os sistemas urbanos. A movimentação dos fluxos de turistas entre espaços de emissão e de recepção, estabelece uma relação centro-periferia na qual, a atração ou o diferencial das regiões periféricas receptoras, menos desenvolvidas, atuam como fator de estímulo ao deslocamento populacional das regiões centrais, mais desenvolvidas. A localização das atividades turísticas na periferia receptora, configura uma dependência funcional desta em relação aos centros emissores. Considerando que a relação centro-periferia, de base espacial, definida pela direção do tráfego turístico, deriva e é influenciada pela relação centro-periferia mais ampliada, de base hegemônica, fica delineado que a dependência turística é determinada pela dependência econômica e social, o que implica na imposição de restrições ao desenvolvimento turístico das regiões periféricas. Um novo paradigma de desenvolvimento turístico, de caráter endógeno, deve ser perseguido, de modo a propiciar as condições favoráveis para que a atividade do turismo possa cumprir uma função motora de desenvolvimento econômico em regiões atrasadas.

 

Palavavras-chave

Teoria dos Lugares Centrais. Relação Centro-Periferia. Turismo. Desenvolvimento Econômico.

 

Abstract

This text tries to give a context for the location of the tourist activities in the space, based in the Theory of the Central Places, of Walter Christaller. For so much, it analyzes the concepts of economical space and geographical space, examining the logic of the distribution of the economical activities, with the tendency of conforming the urban systems. The movement of the tourists' flows among emission spaces and of reception, establishes a relationship center-periphery in the which, the attraction or the difference of the receiving outlying areas, less developed, act as incentive factor to the population displacement of the central areas, more developed. The location of the tourist activities in the receiving periphery, configures a functional dependence of this in relation to the issuing centers. Considering that the relationship center-periphery, of space base, defined for the direction of the tourist traffic,  flows and  is influenced by the relationship center-periphery more enlarged, of hegemony base, it is delineated that the tourist dependence is determined for the economical and social dependence, what implicates in the imposition of restrictions to the tourist development of the outlying areas. A new paradigm of tourist development, of endogenous character, it should be pursued, in way to propitiate the favorable conditions so that the activity of the tourism can accomplish a motive function of economical development in areas less developed.

 

Key words

Central Places Theory. Relationship Center-Pherifery. Tourism. Economic Development.


Palavras Introdutórias: espaço econômico e espaço geográfico

Um primeiro princípio de relevo na análise do espaço, é o princípio da centralidade, cujo argumento focal é que as relações entre os agentes econômicos dão origem a um lugar central. Este princípio pode ser entendido tanto pelo seu sentido geográfico – o lugar é o centro geográfico de um espaço, como pelo seu conteúdo de centralização ou agrupamento da produção em um lugar.

Trata-se de definir um lugar de produção no espaço. Esta definição resulta da consideração de duas forças: os custos de transporte e as economias de escala. Uma empresa irá procurar maximizar os benefícios que pode obter das economias de escala e minimizar os custos de transporte. Economias ou rendimentos de escala correspondem aos ganhos de produtividade ao nível da produção - rendimentos crescentes.

A consideração dos conceitos de espaço e mercado dentro de uma mesma realidade pode levar a se pensar que a decisão de localização de uma atividade produtiva se deva unicamente à razão da economia do tempo de deslocamento.

No atual estágio de globalização da economia mundial, as empresas, ao decidirem sobre a localização de suas atividades e negócios, levam em conta os custos integrados de transporte, ou seja, preço + tempo, embora, quando tomados em separado, o preço assuma um maior peso que o tempo de deslocamento. O tempo de deslocamento, dimensão espacial, quando considerado de forma conjunta com o preço do produto, dimensão de mercado, viabiliza a opção de reduzir-se o custo total em que se incorrerá para se produzir e vender, quando da definição do local onde o empreendimento deverá se instalar.

Já na perspectiva do consumidor, a minimização dos deslocamentos, e do seu custo, é uma condição básica do princípio de centralidade. Todo agente econômico procura reduzir ao mínimo o tempo que é necessário para adquirir um produto ou serviço, ou maximizar a utilidade dos deslocamentos, o que ocorre quando consegue economizar tempo satisfazendo várias necessidades em um só lugar e realizando o menor número de deslocamentos possível. Portanto, a concentração espacial das transações entre os agentes econômicos reflete um ganho de produtividade, tanto para produtores como para consumidores.

Esse efeito não se limita às transações envolvendo mercadorias, aplicando-se sempre quando se busca satisfazer as necessidades de uma população que demande salas de espetáculos, lugares para cultos, serviços turísticos, etc., facilidades que vão atender aspectos intangíveis incorporados no padrão de consumo de determinados estratos dessa população.

[...] ainda que os diversos componentes do serviço turístico possam ser desenvolvidos por empresas distintas (hotéis, restaurantes, empresas de transporte, empresas de animação, ...), pelo menos [elas] devem estar localizadas em um espaço geográfico reduzido [delimitado e não excessivamente amplo] de modo que o cliente possa deslocar-se de uma empresa a outra sem ter que desperdiçar seu tempo de lazer (bem escasso) em tais deslocamentos, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (RODRÍGUEZ DOMÍNGUEZ, 2001, p. 306).

A este respeito, Valls (1996) destaca que “o [novo] consumidor turístico percebe como melhor destino aquele que lhe proporciona uma oferta comum de produtos / serviços e não uma oferta dispersa de hotéis, praias, restaurantes, museus e outros [...]” [tradução livre nossa], (VALLS, 1996, p. 66).

Neste sentido, uma destinação turística que ofereça em um mesmo espaço ou em espaços contíguos um amplo leque de facilidades para seus visitantes, tornando assim eficaz o deslocamento por eles efetuado, quanto ao uso do tempo dispendido e a outros custos de interação espacial, estará também alcançando eficácia em relação aos custos em que se incorreu visando atrair tais visitantes. Nesse contexto, a procedência dos visitantes dependerá da capacidade de atração do destino, expressa através do seu âmbito espacial de influência.

 

A localização das atividades econômicas no espaço

Como premissa, toma-se as primeiras observações empíricas de Walter Christaller (Die zentralen orte in süddeutschland, 1933), que começaram a formatar a idéia de que as atividades econômicas e as populações se distribuem no espaço de forma ordenada, dando origem a hierarquias, redes ou sistemas urbanos.

Uma empresa procura, normalmente, localizar-se no centro geográfico do seu mercado, em virtude do princípio da centralidade geográfica. As empresas que querem fornecer às mesmas populações, mesmo que sejam produtos diferentes, têm interesse em se agrupar. Desse modo, as empresas que tenham áreas de mercado comparáveis, irão se agrupar no mesmo local, formando um determinado lugar central. Quanto maior for a população a ser abastecida e de mais longe vierem os clientes, maior importância terá o lugar central.

A decisão de centralizar ou não a produção num só lugar é, em grande parte, reflexo da comparação entre economias de escala e custos de transporte. Quanto mais relevantes forem as economias de escala e mais baixos os custos de transporte, maior será a probabilidade de se centralizar a produção em um só lugar.

No caso de produtos ou serviços de consumo final – no setor do comércio varejista e dos serviços pessoais, é, em geral, o consumidor que assume ou internaliza os custos de transporte envolvidos nos deslocamentos que realiza para se abastecer, o que determina e fixa um limite muito bem definido para as possíveis áreas de mercado. O custo real dos deslocamentos, incluindo o custo de oportunidade, será influenciado pela freqüência do consumo e pela importância da despesa correspondente no orçamento do consumidor.

O consumidor percorrerá distâncias maiores para adquirir determinados produtos e serviços que outros, decorre daí, que nem todos os produtos e serviços têm a mesma importância, sendo possível então, estabelecer-se uma hierarquia entre eles.

A necessidade do consumidor ou do produtor se deslocar afeta setores e atividades como saúde, educação, turismo, cultura - bibliotecas, teatros, museus, etc., serviços financeiros, restaurantes e o comércio atacadista.

Polèse (1998), utiliza o termo “escritório” para identificar unidades de produção cujos modelos de localização podem diferir dos aplicáveis a fábricas ou lojas, limitando-se aos escritórios privados prestadores de serviços comercializáveis: consultoria de administração, agências de publicidade, bancos de investimento, companhias de seguros, sociedades de gestão de ativos financeiros, empresas de contabilidade, etc.

A comercialização desses serviços, denominados serviços superiores modernos, não exige o deslocamento do consumidor, esse aspecto dificulta a delimitação das áreas de mercado dos escritórios das empresas que prestam tais serviços.

Para melhor caracterizar este setor da economia, dos serviços superiores, pode-se falar, em conformidade com Polèse, em serviços às empresas, serviços à produção ou serviços de intermediação, que são serviços destinados a outras empresas, no que distinguem-se dos serviços ao consumidor - terciário tradicional. Este setor, que envolve atividades que incorporam massa crítica e informação, pode ser chamado também de terciário superior ou terciário motor, cuja produção é exportável, representando um potencial de geração de efeito multiplicador local.

Um escritório, para produzir, tem que recolher os inputs e expedir os outputs, como faz uma fábrica, com a diferença que os seus inputs e outputs são de natureza intangível, podendo ser denominados de “informação”, ou seja, um escritório compra, transforma e vende informação, processo geral que também implica em custos de transporte que, neste caso, podem ser chamados de custos de comunicação – transporte ou distribuição da informação.

Uma cidade moderna carateriza-se por sua diversidade de empresas, de consultores e, principalmente, de informações. Esta diversidade constitui uma das bases das economias de aglomeração, justificando porque a não padronização da procura é um fator de aglomeração.

 

A formação dos sistemas urbanos

Tanto produtores como consumidores são avessos a percorrerem distâncias, o que implica incorrer em custos e dispender tempo. Para os produtores o espaço a ser pecorrido deve possuir um densidade mínima de consumidores que permita viabilizar sua escala de produção. A questão a ser resolvida é onde os produtores e os consumidores irão se localizar, de forma que o esforço de superação das distâncias pelo conjunto de agentes do sistema econômico seja o mínimo possível, sem comprometer a rentabilidade dos empreendimentos.

Os produtores procurarão concentrar espacialmente os seus estabelecimentos visando maximizar o aproveitamento de economias de escala e minimizar os custos da distância, tanto os decorrentes da distribuição dos produtos e serviços aos consumidores, como os originados da necessidade de aquisição das matérias-primas e produtos e serviços intermediários.

No caso do turismo, analisa Silva (2004), pelo lado dos produtores, para as empresas de prestação de serviços ao visitante que se situem no destino turístico, a exemplo das atividades hoteleiras e outras de natureza receptiva, predominaria a mesma lógica acima mencionada, que orienta a concentração espacial dos demais estabelecimentos produtores.

Considerando, no entanto, os operadores turísticos, que elaboram, comercializam e distribuem “produtos turísticos” na forma dos pacotes de viagens, Silva considera que

a lógica locacional parece ser distinta, desde quando os mesmos concentram-se, em geral, nos centros econômica e turisticamente mais desenvolvidos, de caráter prevalentemente emissor, situando-se fisicamente distantes do destino turístico, que se constitui no objeto de consumo dos seus clientes, “na ponta”, que são os próprios turistas, embora possam não lidar e negociar diretamente com eles. (SILVA, 2004, p. 45).

Já os consumidores buscarão utilizar o espaço de forma a minimizar o custo da distância, este fato poderá levar a que alguns produtores se localizem numa mesma área central, de modo a possibilitar que os consumidores, efetuando um só deslocamento, realizem compras de natureza diversa.

Produtores e consumidores portanto, tendem a organizar-se em um sistema de lugares centrais que compatibilizem os interesses de ambos os grupos de agentes econômicos, constituindo as respectivas áreas de mercado.

O critério de hierarquização dos centros urbanos é, segundo Alves (2002), um critério de dimensão da área de mercado. Neste sentido, a qualificação de um centro urbano encontra-se vinculada à sua dimensão, ou seja, para ser importante se precisa ser qualificado e para ser qualificado se precisa ser grande, em não sendo assim, o centro urbano não teria viabilidade econômica e social.

A colocação acima, segundo Silva (2004), quando referida ao turismo, torna-se bastante relativa

em razão da intensa segmentação que caracteriza essa atividade, tanto pelo lado da demanda como pelo da oferta, aliada a uma tendência à especialização com vistas a um posicionamento eficaz em “nichos” de mercado, cabendo, sendo possível e às vezes necessário, no caso, ser pequeno e ao mesmo tempo qualificado e competitivo. (SILVA, 2004, p. 46).

A concepção dos lugares centrais de Christaller, supõe uma certa imobilidade de fatores, de produtos e serviços, e dos consumidores. Com a evolução das estruturas urbanas a hipótese da imobilidade tornou-se cada vez mais relativa, pois passou a ocorrer uma maior mobilidade no deslocamento de fatores, produtos e serviços. Este aumento de mobilidade é conseqüência do progresso tecnológico que provocou um maior dinamismo e velocidade nos meios de transporte e comunicação à distância, bem como na natureza dos bens e serviços produzidos. Esta maior mobilidade acarretou a possibilidade de dissociar-se as características dimensional e da contiguidade.

O parâmetro da contiguidade, que era condição necessária para a viabilidade econômica das atividades produtivas tornou-se menos relevante, desde quando a viabilidade econômica passou a ser garantida por relacionamentos e parcerias entre agentes que podem estar espacialmente dissociados por grandes distâncias físicas.

A condição dimensional deixa de pressupor contiguidade. O dinamismo e a capacidade de um centro urbano de crescer e de se desenvolver deixam de estar condicionados pela dimensão física imediata, passando a depender da capacidade e qualidade dos relacionamentos com outros centros urbanos.

As redes urbanas são construídas então, por quem é capaz de escolher parceiros qualificados para produzir em conjunto produtos e serviços competitivos, ou estabelecer uma relação clientelar. Esta perspectiva contemporânea

ajuda a compreender porque é que Londres, Tóquio ou Frankfurt são cidades competitivas, ou exercem funções altamente qualificadas e outras cidades de idêntica ou superior dimensão, como México, Nova Deli ou o Cairo, não o são. (ALVES, 2002, p.144).

Na configuração de redes urbanas, as cidades tornam-se elementos dinâmicos de estruturação dos espaços. As vantagens de escala e de aglomeração possibilitam que elas se tornem centros de inovação, transformando-se em pólos dinamizadores de crescimento e desenvolvimento. As características físicas do território, o entorno cultural, social e econômico, irão determinar uma maior centralização ou descentralização da forma de organização e estruturação das redes urbanas. Nas sociedades com maior capacidade de iniciativa e de inovação, as redes urbanas tendem a ser mais descentralizadas, mais densas, mais qualificadas e mais próximas da população.

Desse modo, a hierarquia tradicional dos centros urbanos começa a ser substituída por uma hierarquia de rede, com vários níveis, caracterizada e definida pela capacidade de estabelecer relações e não mais pela dimensão ou pela funcionalidade.

No primeiro [nível] podem situar-se as “cidades mundiais” exercendo funções de âmbito mundial (financeiras, diplomáticas, de informação e de controle); no segundo nível surgem as “cidades nacionais especializadas” que procuram captar, a nível mundial, partes de mercado altamente especializadas e mantêm, entre si, relações de complementaridade; no último encontram-se as “cidades regionais especializadas”, que estabelecem entre si, também, relações de complementaridade, aspirando a ocupar partes de mercados supra-regionais, mas não necessariamente mundiais, [grifo nosso]. (ALVES, 2002, p.145).

Acompanhando essa evolução, a escala de produção dos serviços alterou-se, com os mercados também deixando de ser necessariamente contíguos. Enquanto no passado os fatores de produção tinham uma base local, atualmente, com as possibilidades de transmissão instantânea de informação, conhecimentos e serviços, a produção de serviços se realiza senão de forma descontígua, pelo menos a partir de fatores de produção que se encontram espacialmente dispersos.

Pode-se dizer, de acordo com Alves (2002) que a dimensão de contiguidade continua a ser uma alternativa para aquelas aglomerações que se tornaram incapazes, e pobres, de se qualificarem para formar parcerias, independente da distância, e oferecer serviços modernos e competitivos.

De acordo com Silva (2004), considerando-se que, a exemplo das inovações tecnológicas e das redes de informação, a atividade turística diferencia-se pelo seu caráter de transversalidade, perpassando toda a sociedade em sua relações e transações econômicas e de mercado, em um âmbito territorial definido e delimitado, há que se pensar de forma crítica sobre esta tendência, quando analisada em relação ao turismo, pois,

a contiguidade entre localidades e municípios, conformando micro regiões ou pólos turísticos, atua, ao contrário do acima exposto, no sentido de destacar os atributos e ampliar o poder de atratividade sobre a demanda – pela diferenciação, reforçar a coesão e a formação de aglomerados produtivos, dinamizando a economia regional, especialmente diante da atual ênfase e intensidade do processo de segmentação da demanda e da oferta turísticas, aliada à especialização seletiva e qualificada que orienta esta última. (SILVA, 2004, p. 48).

 

A localização das atividades turísticas no espaço

Walter Christaller, estabeleceu uma relação entre a atividade do turismo e a teoria dos lugares centrais, a qual é destacada por Silva (2001):

Se é possível estabelecer para os lugares centrais leis exatas de localização [...], isto não é possível para os lugares periféricos (ligados ao turismo) com a mesma exatidão matemática. O máximo que pode ser dito é que estes espaços, que são os mais afastados das localidades centrais e também das aglomerações industriais, têm as mais favoráveis condições de localização para os lugares turísticos. Estes não se encontram no centro das regiões povoadas, mas na periferia. (CHRISTALLER, 1955, apud, SILVA, 2001, p. 124-125).

Neste sentido, dentre os diversos fatores que desempenham relevante função no uso humano do espaço, Christaller, mencionado por Silva (2001), aponta o turismo como sendo a única atividade econômica que, intrinsecamente, reúne um expressivo potencial de desconcentração espacial, contrariando a tendência à concentração.

Para Christaller, conforme Silva (2001), o turismo “pode ser um meio para se atingir o desenvolvimento econômico em regiões periféricas já que o fluxo de turistas ricos dos centros “metropolitanos” deveria injetar moeda estrangeira e gerar empregos” (IOANNIDES, 1995, apud SILVA, 2001, p. 127), sugerindo que o fluxo para o exterior dos residentes nos centros metropolitanos poderia ser uma alternativa para reverter os fluxos de renda e emprego normalmente direcionados para as localidades centrais de maior importância.

E. Von Boeventer, citado em Silva (2001), cunhou a denominação “teoria das regiões periféricas”, como uma derivação do instrumental da teoria dos lugares centrais, formulada por Christaller, a qual assumiria as seguintes características: a estratégia dos agentes econômicos - de se localizar o mais longe possível do próximo concorrente; a consideração dos custos de transporte; a influência das vantagens da aglomeração.

Walter Christaller, portanto, de acordo com Silva (2003), indica que o turismo possui uma tendência natural para a periferia de áreas centrais ou de regiões densamente povoadas, em razão do turista procurar conhecer áreas distintas e distantes do seu habitat, por conseqüência, os fatores locacionais para o desenvolvimento do turismo encontram-se vinculados à existência de ambientes e culturas diferenciados.

Fica evidenciado, entretanto, que para as empresas estabelecidas nas regiões “periféricas”, objeto de visitação pelo turista, o processo de localização obedeceria à mesma lógica preconizada na “matriz” conceitual desta derivação teórica.

Como na Teoria das Localidades Centrais, [...] nas regiões com menor densidade de atividades industriais e de concentração de mão-de-obra especializada, se estabelecem lojas adicionais ou outras empresas, assim, dentro deste modelo, para o turismo, de maneira similar, as regiões menos povoadas da periferia se povoam com os turistas que procuram a solidão. Mas estes têm duas restrições, como na localização dos lugares centrais: de um lado, os custos de transporte ou de viagem [que] limitam a extensão da viagem e, por outro lado, as vantagens da aglomeração da sociedade também atuam sobre o turismo. (VON BOEVENTER, 1968, apud Silva, 2001, p. 128).

Os fatores acima, na análise de Von Boeventer, destacada por Silva (2001), atuam no sentido de constituir uma hierarquia dos lugares de turismo, e de suas relações, possibilitando ao turista optar, no conjunto de várias combinações, entre a maior proximidade com a natureza até a inserção em grandes centros turísticos.

Para que a relação entre os fatores endógenos e exógenos do desenvolvimento favoreça o desenvolvimento de base local, é necessário, segundo Silva (2003), que ocorra a valorização dos fatores endógenos, conformando um processo de “territorialização” turística, o que complementa e reforça os aspectos locacionais referenciados por Christaller.

[...] é fundamental que haja, ao mesmo tempo, um forte enraizamento local e um dinâmico enredamento global das atividades turísticas integradas às demais atividades e setores. [principalmente porque] o turismo sempre depende de um plano externo para desenvolver seu plano interno o que se constitui [simultaneamente] em um potencial, mas também em um risco sociocultural e ambiental. (SILVA, 2003, p. 161).

Silva aponta a necessidade de se verificarem quatro condições básicas, sem as quais o território ficará exposto e sujeito ao impacto determinante de fatores exógenos: interação sociopolítica, identidade, laços de coesão e projeto social. Na ausência dessas condições não ocorrerá o desenvolvimento, entendido como

[...] um processo de mudanças que permita superar problemas e construir uma sociedade mais justa, com significativa redução da pobreza e vivendo com mais qualidade de vida. Nesse caso [de ausência das condições básicas], o turismo contribuirá mais para agravar os desequilíbrios sócio-espaciais e ambientais do que para superá-los.

A territorialização turística permitirá que os lugares e regiões transformem suas vantagens comparativas, proporcionadas pelo seu capital natural e cultural, em vantagens competitivas, assegurando a continuidade do dinamismo e contribuindo para promover, com uma determinada autonomia, um efetivo desenvolvimento socioeconômico.

Assim, a dinâmica do desenvolvimento dependerá muito mais da capacidade de organização social e política dos territórios, valorizando os laços de coesão e de solidariedade, do que de outros aspectos externos, de pequena influência local e regional, [grifo nosso]. (SILVA, 2003, p. 162).

Fundamentada nos fatores locacionais diferenciados, tal perspectiva implica em se buscar “desenvolver o turismo com forte grau de endogeneização, melhor dizendo, de territorialização, evitando que ocorram comprometimentos ambientais e perda de identidade” (SILVA, 2003, p. 163), de modo a favorecer o avanço competitivo da região focado em um processo sustentado de desenvolvimento socioeconômico de base local.

Objetivando aprofundar a análise anterior realizada por Silva (2001 e 2003), recorre-se a Callizo Soneiro (1991), para quem Walter Christaller propunha como objeto da geografia do turismo, em 1955 e 1963, o exame das regularidades existentes na distribuição dos assentamentos turísticos.

Para Christaller, o esquema explicativo repousa no crescente impulso em direção à periferia demonstrado por certos grupos sociais residentes nas aglomerações urbano-industriais, como resultado de dois fatores interrelacionados: os que “empurram” a efetuar os deslocamentos, como conseqüência da melhoria do bem-estar econômico [...] e a força de atração que para as pessoas têm determinados lugares. [...] Desde uma clara assunção do papel do consumo na atividade econômica, as regularidades que regem a distribuição espacial dos assentamentos turísticos repousam sobre princípios de racionalidade econômica similares aos que fundamentaram a teoria dos lugares centrais: a eleição de um centro e a duração da estada se entendem como resultado de decisões racionais que tomam os consumidores com o fim de obter a maior rentabilidade do investimento realizado, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 23).

O turismo de massas exerce uma função modificadora da hierarquia urbana, conforme Callizo Soneiro, que se manifesta no crescimento e multiplicação dos centros turísticos de litoral em detrimento dos núcleos do interior, de um país ou de uma região. Neste sentido, a transformação de um espaço pela atividade do turismo resulta na definição de uma determinada estrutura hierárquica, ou seja, as áreas turísticas apresentam uma tendência de organizar o território, aproximando-se da estrutura espacial dos lugares centrais de Christaller.

[...] A hierarquia urbana pode considerar-se, no caso das regiões fortemente turísticas, como uma expressão da nodalidade surgida pela presença de serviços destinados, no todo ou em parte, à população turística. [...] uma classificação hierárquica dos centros turísticos [pode se sustentar, portanto,] sobre a análise das funções de comércio e serviços relacionados com a recepção turística, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 161-162).

Referenciando-se à contribuição de Biagini, Callizo Soneiro comenta que um centro turístico abriga quatro tipos de habitantes, oferecendo dois tipos de serviços. Os grupos populacionais são:

ü     habitantes permanentes do próprio núcleo, a uma parte dos quais concerne de forma direta a atividade do turismo;

ü     mão-de-obra imigrada sazonalmente;

ü     turistas que pernoitam na localidade; e

ü     turistas “pendulares” – que se hospedam em um local base e se movimentam em torno de uma região próxima, indo e voltando, pernoitando fora da(s) localidade(s) turística(s) desta região, mas a ela(s) acorrendo, atraídos por sua dotação funcional.

Já os serviços oferecidos por um centro turístico, de acordo com a teoria da base econômica urbana – razão “básico-não básico”, são os seguintes: básicos, ou seja, aqueles que podem ser utilizados pelos turistas pendulares – souvenirs, alimentação, artesanato, galerias de arte, antiquários, discotecas, boutiques, restaurantes, serviços profissionais; e não-básicos, ou aqueles que vêm a ser usados pelos turistas que pernoitam na localidade – estruturas de alojamento em geral.

Diferentemente de outros bens de consumo, a oferta turística não pode deslocar-se, ela há de ser consumida in loco; a economia turística se explica então, segundo Callizo Soneiro (2001), através da noção de utilidade dos lugares, a qual, conforme advertido por Christaller,

gera uma propensão à mobilidade desde o centro emissor à periferia receptora; uma migração sazonal da clientela, que busca na periferia a mudança ou a diferenciação espacial em relação ao centro habitual de residência. Daí que, quanto mais afastada do centro estiver a periferia, maior será o estímulo de deslocar-se em sua direção e, consequentemente, maior será a sua atração, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 168).

O ato turístico gira, de acordo com Callizo Soneiro, sobre o deslocamento e a estada na periferia receptora. O esquema concêntrico elementar e original não faria senão traduzir os gradientes centro-periferia do custo do deslocamento, do tempo da estada e do preço do solo, três variáveis que não podem ser subtraidas do orçamento de férias dos distintos grupos e classes sociais.

O preço do solo diminui progressivamente desde o centro até a periferia; por sua vez, o custo do deslocamento se eleva à medida que se afasta do centro, até um ponto onde a periferia distante, ao intervir as economias de escala, possa ser alcançada através de um vôo charter, sem que isto implique em um aumento no valor do orçamento de férias; já o tempo da estada reflete que a maior parte da população turística pode suportar um tempo médio de férias entre 10 a 20 dias, a partir do qual reduz-se a sua quantidade.

A combinação dos três gradientes acima dá forma a um modelo concêntrico apresentado em Callizo Soneiro (1991), com base na adaptação para o turismo da Teoria dos Círculos Concêntricos de Von Thünen realizada por Miossec: centro emissor – lugar de residência habitual; periferia próxima – as rendas baixas não permitem a seus possuidores deslocar-se além dos territórios próximos; o preço do solo é elevado e a população se agrupa em minúsculos apartamentos ou acampamentos turísticos; e periferia distante – acessível para os orçamentos de férias das classes de melhor condição econômica, a menor freqüência de visitantes implica em uma menor densidade habitacional, preços mais baixos e um processo de urbanização baseado em villages e grandes mansões.

A aplicação deste esquema à distribuição do turismo mundial permite, segundo o autor, detetar-se uma

sumária correlação entre o volume turístico, os meios de transporte e o gradiente centro-periferia: os fluxos turísticos vão diminuindo progressivamente à medida que se afasta do centro emissor; ao mesmo tempo, a dilatação da periferia provoca a substituição progressiva do deslocamento terrestre pela viagem aérea; progressivamente também, e com o distanciamento do centro, a estada acaba prevalecendo sobre o deslocamento. [...] à medida que se afasta dos centros emissores-receptores, a periferização se traduz [geralmente ...] em uma diminuição progressiva da magnitude dos fluxos [...] [tradução livre nossa] (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 170).

 

O turismo internacional e o desenvolvimento de regiões periféricas

Hoje em dia, já não se considera que o turismo internacional seja a chave do impulso econômico; quaisquer que sejam os meios para o seu incremento, ele exige precauções importantes para que traga os benefícios reais esperados por estas nações.

É o turismo um fator de degradação e dependência? Ou a única esperança de revitalização de áreas marginais? Ou ambas as coisas de uma só vez? Este é o triplo questionamento colocado por Callizo Soneiro, sobre o qual tece as seguintes considerações:

A monocultura turística é, certamente, geradora de dependência e colonialismo econômicos. Isto em dois planos distintos: dependência, desde o ponto de vista da estrutura econômica das áreas receptoras, como conseqüência da hipertrofia do setor terciário, de seu forte monofuncionalismo; colonialismo, pela estreita – ainda que desigual, vinculação da oferta turística, com respeito aos grandes operadores turísticos estrangeiros, controladores [da quase totalidade] da demanda recreativa [...], e captores de uma grande parcela das receitas turísticas retidas nos países ricos emissores, proprietários de uma importante parte do parque imobiliário das áreas receptoras, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 155-156).

O autor, no entanto, considera que “integrado com o meio receptor e eficazmente planejado o turismo pode se tornar um agente dinamizador de áreas deprimidas” (CALLIZZO SONEIRO, 1991, p. 157), pois a integração econômico-setorial focada na racionalização da oferta turística implicará na minimização da colonização do espaço receptor.

O processo de desenvolvimento de base endógena pode inverter a tendência declinante de um espaço a um mínimo custo social e espacial. Neste sentido, Callizo Soneiro preconiza a não alienação do território - não permitindo a proliferação de residências secundárias, mitigando o uso especulativo do solo, proibindo a aquisição de terras por parte de estrangeiros, evitando a captura de uma boa parte do negócio turístico por operadores turísticos e cadeias hoteleiras internacionais, cuja propriedade do capital seja exógena ao país ou região receptora.

[...] a chave parece estar na ajuda à pequena hotelaria [...]: um modelo que [propugne] a integração territorial do turismo com o resto das atividades econômicas; que [opte] pela complementariedade entre o setor agropecuário e as atividades suscitadas pelo tempo de lazer, longes de toda [e qualquer] monocultura e mono-estacionalidade. Uma política territorial, enfim, [que faça da região receptora um espaço mais harmonioso e humanizado], [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 158).

Callizo Soneiro afirma, que através da análise do mapa de fluxos turísticos mundiais se pode desconsiderar a falácia de uma alegada reciprocidade entre os países ricos emissores e os países pobres em desenvolvimento ou menos desenvolvidos, o que ele exemplifica com a própria Espanha, onde o fluxo emissor está ainda muito longe de compensar o fluxo turístico receptor.

[...] é um fato dificilmente questionável – e já provado, que a atração de um centro turístico decresce à medida que a periferia se vai dilatando progressivamente; e tampouco se pode rechaçar que a interação – mesmo não sendo recíproca, entre dois centros será tanto maior quanto mais importante seja sua dimensão demográfica, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 165).

A dependência dos destinos turísticos dos países menos desenvolvidos, e sua consequente vulnerabilidade, em relação aos principais operadores turísticos e outros grupos estrangeiros, pode ser explicada, em grande medida, pela progressiva integração da atividade do turismo, bem como do protagonismo crescente dos pacotes turísticos.

Segundo Goded Salto (1998), grande parte das deseconomias derivadas do turismo se manifestam justamente na perspectiva do desenvolvimento regional. Na maioria das vezes, a expansão da atividade turística consiste no surgimento de verdadeiros enclaves, sem nenhuma conexão com a economia local, o que implica no caráter escasso dos encadeamentos intersetoriais e na sua insuficiência para gerar os efeitos multiplicadores do gasto turístico.

Ocorre também, com relativa freqüência, conforme analisa a autora, o fato do turismo, além de não beneficiar as demais atividades produtivas – por não gerar os efeitos de espraiamento ou de transbordamento sobre as mesmas, poder chegar a prejudicá-las. Isso, em função do turismo concorrer com as demais atividades econômicas da região pelos mesmos fatores produtivos – mão-de-obra, terra, recursos financeiros, etc., conduzindo a que a sua expansão possa se dar às custas da perda do dinamismo de outra(s) atividade(s) produtiva(s).

Conforme Crocia (2001), o controle dos países centrais sobre os periféricos se concretiza não apenas na perspectiva empresarial privada, mas também na governamental e dos organismos multilaterais de investimento, considerando-se que a relação centro-periferia é exercida e consolidada através dos investimentos públicos e privados – em infra-estruturas básicas e empreendimentos de recepção e entretenimento, de caráter turístico.

Para Bryden, abordado por Goded Salto (1998), não é tão evidente que o fato da atividade do turismo se localizar em regiões atrasadas, com um reduzido nível de industrialização, signifique que ela desempenhe uma efetiva função de atividade motora do desenvolvimento dessas regiões, pelo contrário, é difícil que isso ocorra, porque:

§            Se a região é, de uma só vez, não-agrícola e não-industrial, não haverá provavelmente a infra-estrutura ou a mão-de-obra necessária para a promoção do turismo internacional e será preciso investir vultosas somas de dinheiro em ambos os elementos. Além do mais, parece pouco provável que em uma região com estas características, o efeito multiplicador do gasto turístico seja significativo. Finalmente, grande parte da infra-estrutura requerida pelo turismo terá poucos usos alternativos, por isso, também os argumentos sobre externalidades parecem, neste caso, pouco importantes.

§            Se a região é eminentemente agrícola, se dará uma forte concorrência pela terra entre usos recreativos e usos produtivos. Além disso, o setor agrícola se defrontará com sérias dificuldades para contratar a mão-de-obra que precise, particularmente na temporada de plantação e colheita. Por último, nestas circunstâncias, o argumento referente à infra-estrutura se mantém, ainda que talvez com menos força.

[Pelo exposto], é difícil aceitar que o turismo traga vantagens especiais para os países [ou regiões] pobres, desde o ponto de vista do desenvolvimento regional, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (GODED SALTO, 1998, p. 145).

Na perspectiva do desenvolvimento regional, uma expansão mal planejada ou não controlada do turismo pode, ainda, conforme a autora, acarretar outros ônus e uma série de custos para uma determinada zona ou região; tratam-se de custos de longo prazo, que limitam o potencial de crescimento futuro da região:

ü     a necessidade de ampliar a prestação de serviços públicos na região, de construir e manter as infra-estruras necessárias, assumir as externalidades negativas da atividade - de difícil mensuração;

ü     problemas de tráfego e estacionamento, contaminação de praias, destruição de paisagens naturais, etc.

Nesse contexto, os benefícios econômicos do turismo podem converter-se em uma mera ilusão para os países ou regiões de recepção em desenvolvimento. Assim, considerando que a cada benefício derivado da atividade do turismo corresponde um determinado custo, a valoração de uma estratégia de desenvolvimento baseada no turismo internacional deve se realizar sempre em termos líquidos.

Também ao apreciar o papel do turismo como estimulador do crescimento econômico, só se poderá defender tal estratégia como válida, se se efetuar uma comparação que lhe seja favorável, em relação às demais opções de atividades produtivas possíveis e passíveis de serem desenvolvidas na região.

De acordo com Goded Salto (1998), em essência, não é o turismo que fomenta o desenvolvimento de uma nação ou região atrasada, mas sim é o próprio nível de desenvolvimento desse país ou região que converte o turismo em uma atividade favorável ou não a este processo.

Não se trata portanto, afirma Goded Salto, de adotar uma postura unívoca e incondicional diante das alternativas “turismo sim; turismo não”, o que a autora sustenta é uma colocação do tipo “turismo sim, mas como ...?”.

Ao estudar os fluxos e focos turísticos se pode comprovar que, de acordo com Callizo Soneiro,

como o turismo é um fenômeno que concerne de modo preponderante aos países desenvolvidos, não só como principais emissores, mas também como primeiros receptores: os desequilíbrios econômicos constituem uma das causas da desigualdade de acesso ao turismo em todo o mundo e, sobretudo, da escassez dos efeitos de retorno desde os países do hemisfério sul até os do hemisfério norte, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 85).

Azzoni (1993), apresenta uma dicotomia envolvendo os termos desenvolvimento do turismo e desenvolvimento turístico, vinculado à perspectiva do desenvolvimento econômico de base regional. Ele analisa a possibilidade de o turismo poder desempenhar o papel de gerador de empregos e de renda para as populações de regiões economicamente deprimidas, atuando como atividade motora do crescimento e do desenvolvimento, e, deste modo, propiciando condições favoráveis para o rompimento dos ciclos históricos de pobreza, setoriais e institucionais, que “engessam” essas regiões. Observa Azzoni que, para tanto,

coloca-se como condição necessária que essa atividade [o turismo] tenha viabilidade econômica, especialmente quando observada pelo setor privado [...]. Cumprindo-se essa condição poder-se-á obter o desenvolvimento do turismo na região, ou seja, observa-se o crescimento dessa atividade com relação às tendências observadas no passado, por exemplo. Mas esse fato não implica que tais efeitos positivos serão suficientes para criar efeitos de encadeamento, que permitam reverter o processo de empobrecimento ou de estagnação que está por trás da situação de atraso regional. Caso o desenvolvimento do turismo na região possa acarretar os efeitos de encadeamento citados, obtém-se o desenvolvimento econômico da região através do turismo ou o que se pode melhor denominar por desenvolvimento turístico da região, [grifo do autor]. (AZZONI, 1993, p. 39).

Ressalva-se, concordando-se com o autor, que o desenvolvimento do turismo é uma condição necessária, mas não suficiente para o alcance do desenvolvimento turístico de uma determinada região em condição de pobreza.

 

Palavras (não) conclusivas: um convite à reflexão

Uma valoração dos efeitos econômicos e espacias da atividade do turismo exige, segundo Callizo Soneiro, a consideração de diferentes escalas de análise: a escala mundial; as escalas nacional e regional; e a escala local. Independente da escala, em um espaço funcionalmente turístico, o autor afirma que poucos são os habitantes de localidades ou regiões receptoras de turistas cuja subsistência econômica permanece à margem de uma ou outra forma da atividade turística.

[...] poucos são os ramos da atividade industrial que não se beneficiam, sequer minimamente, do incremento transitório do número de consumidores que o fenômeno turístico propicia; algumas delas, inclusive, devem [ao turismo] a sua favorável expansão. É o caso da indústria de alimentos, da transformação de produtos agropecuários; mas também é o caso do desenvolvimento exitoso de determinadas atividades artesanais que, fora da atração – [...] a mudança [ou diferenciação] espacial e cultural, que exercem nos países mais industrializados, dificilmente poderiam sobreviver; e é o caso da indústria de artigos para presentes, que os turistas adquirem como um testemunho, uma prova emblemática, de sua presença nestas periferias receptoras; além dos artigos de viagem e esportes [...]. Mais evidente é o impacto industrial devido ao turismo no subsetor da construção – de alojamentos, mas sobretudo de segundas residências, e nos setores afins como vidro e cimento, madeira e móveis, e de água, gás e eletricidade, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 147-148).

Como contraponto ao comentado acima, transcreve-se a seguir um trecho do livro de autoria de Turner e Ash (La horda dorada, 1991), retirado da tese de doutorado de Goded Salto (1998), visando deixar à reflexão a necessidade de uma síntese teórica quanto à relação turismo e desenvolvimento, entre duas vertentes analíticas, uma que faz a sua apologia, num matiz manifestamente positivista, e a outra que o vê com sérias ressalvas, num posicionamento de natureza crítica.

... todo el mundo arrincona las herramientas del campo y se apresura a ponerse al servicio de los extranjeros [...] Mientras se han indicado a la construcción de la infraestructura turística, no han tenido tiempo para construir sus escuelas, sistemas de regadío o fábricas textiles, es decir, todo aquello que les habría servido para educarse, alimentarse o vestirse. Tienen que pasar a depender de unas importaciones cada vez más costosas, tolerar que los turistas detenten la propiedad de sus mejores tierras; aumenten más si cabe sus deudas exteriores, a cuyo pago tendrán que seguir haciendo frente aun cuando nunca más les visite un solo turista. Así pues, en nombre de esta “industria” pueden llegar a perder sus tierras, sus trabajos, su forma de vida … a cambio de qué? De contribuir de forma insignificante a la satisfacción de los caprichos de los extranjeros? Si no andan con mucho cuidado, eso será todo lo que consigan extraer del sector turístico (TURNER e ASH, 1991, apud GODED SALTO, 1998, p. 188-189).

Recorre-se à teoria sobre o “círculo vicioso da pobreza”, conforme formulação de Ragnar Nurkse em sua obra Some aspects of capital accumulation in under-developed countries (1952, edição brasileira de 1957):

Implica ele [o círculo vicioso da pobreza] numa constelação circular de forças, tendendo a agir e reagir uma sobre a outra de tal modo a conservar um país pobre em estado de pobreza. Não é difícil imaginar exemplos típicos destas constelações circulares: um homem pobre não tem o bastante para comer; sendo subalimentado, sua saúde é fraca; sendo fisicamente fraco, sua capacidade de trabalho é baixa, o que significa que ele é pobre, o que, por sua vez, quer dizer que não tem o bastante para comer; e assim por diante. Tal situação, transposta para o plano mais largo de um país, pode ser resumida nesta proposição simplória: um país é pobre porque é pobre [grifo nosso]. (NURKSE, 1957, p. 7-8).

Parafraseando o enunciado de Nurkse e considerando-se que a dependência turística derivada da relação centro-periferia delineada através dos fluxos turísticos que movimentam-se dos países ou regiões mais desenvolvidos para os menos desenvolvidos é determinada, a priori, pela relação centro-periferia mais ampla que define a dependência nos domínios econômico e social, pode-se inferir que os países e regiões turisticamente mais atrasados continuarão a sê-lo, pelo fato de que a relação de dependência em relação aos países e regiões turisticamente mais avançados tenderá a ser reforçada a cada dia, devido a esses países e regiões corresponderem àqueles que também são os economicamente mais desenvolvidos e que representam os núcleos hegemônicos da relação centro-periferia.

Um novo paradigma de turismo para os países e regiões menos desenvolvidos pode significar o caminho para uma ruptura estrutural dessa condição de dependência. O convite que se formula é justamente para se discutir, investigar, descobrir, sistematizar e alcançar a implementação de tal paradigma, que se traduza em uma via alternativa para o alcance de um desenvolvimento turístico de natureza endógena, territorializado, caracterizando-se pela sustentabilidade dos recursos de base permissores da exploração da atividade do turismo, pela preservação dos ecossistemas e dos ambientes urbanos e rurais construídos e pela melhoria contínua da qualidade de vida das populações receptoras que vivem nesses países e regiões.

 

Referências

ALVES, Manuel Brandão. A formação dos sistemas urbanos. COSTA, José Silva (Coord.). Compêndio de economia regional. Coimbra: APDR, 2002. p. 123-157.

AZZONI, Carlos Roberto. Desenvolvimento do turismo ou desenvolvimento turístico. Reflexões com base em duas regiões atrasadas em São Paulo. Turismo em Análise, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 37-53, novembro 1993.

CALLIZO SONEIRO, Javier. Aproximación a la geografía del turismo. Madrid: Síntesis, 1991. (Espacios y Sociedades, 21)

CROCIA, Nilson. Análise regional e destinações turísticas: possibilidades teóricas e situações empíricas. Turismo - Visão e Ação, Itajaí - SC, ano 4, n. 11, p. 9-32, abril-dezembro 2002.

 GODED SALTO, Mónica. El impacto del turismo sobre el desarrollo económico: el caso de Argentina. 1998. 425 f. Tesis (Doctorado em Economía Internacional y Desarrollo) – Facultad de Ciencias Económicas y Empresariales, Universidad Complutense de Madrid, Madrid.

NURKSE, Ragnar. Problemas de formação de capital em países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1957.

POLÈSE, Mario. Economia urbana e regional: lógica espacial das transformações económicas. Coimbra: APDR, 1998.

RODRÍGUEZ DOMÍNGUEZ, Maria del Mar. Competitividade e análise estratéxica do sector turístico: unha primeira aproximación á potencial creación dun cluster institucional para a mellora competitiva da zona Rías Baixas. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, 2001.

SILVA, Jorge A. S. Turismo, crescimento e desenvolvimento: uma análise urbano-regional baseada em cluster. 2004. 480f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação; Área de Concentração: Turismo) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo.

SILVA, Sylvio B. de M. e; SILVA, Barbara-Christine N. Estudos sobre globalização, território e Bahia. Salvador: UFBA, 2003.

SILVA, Sylvio B. de M. e. Geografia, turismo e crescimento: o exemplo do Estado da Bahia. In: RODRIGUES, Adyr A. B. (Org.). Turismo e geografia: reflexões teóricas e enfoques regionais. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 2001. p. 122-143.

VALLS, Josep-Francesc. Las claves del mercado turístico: cómo competir en el nuevo entorno. Bilbao: Deusto, 1996.



[1] Artigo originalmente publicado na RDE – Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, VI (9): 73-82, janeiro 2004.

[2] Doutor em Ciências da Comunicação – Área de Concentração Turismo pela ECA / USP. Professor e pesquisador do Mestrado em Análise Regional e do Curso de Turismo da UNIFACS. Consultor em Turismo. Diretor da TRIUMPH – Consultoria em Turismo Ltda. E-mail: jorge.antonio@unifacs.br e jantss@globo.com



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Jorge Antonio Santos Silva; "A localização das atividades turísticas no espaço: uma análise sob a perspectiva do desenvolvimento urbano-regional"  en Contribuciones a la Economía, agosto 2005. Texto completo en http://www.eumed.net/ce/