Diego Geovan dos Reis*
Leandro Baptista**
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Brasil
leandro.baptista@live.comResumo: Este trabalho apresenta uma análise substancial do turismo no espaço rural com foco na compreensão das características distintas que diferem duas das principais atividades turísticas realizadas nesse meio. Com o objetivo de diferenciar o Agroturismo do Turismo Rural, traz considerações de diferentes filosofias de desenvolvimento e enfatiza as particularidades de cada modalidade sob a perspectiva nacional e européia, com intuito de compreender a adaptação de produções estrangeiras para o cenário brasileiro. Busca-se dessa forma um comparativo entre ambos os segmentos através de diferenças técnicas e práticas no que concerne á forma à qual as atividades são realizadas. Para atingir tal objetivo, o texto segmenta-se entre as classificações do Turismo no Espaço Rural e suas implicações sob correntes de pensamento entre o que se tem publicado na Europa e os escassos estudos no Brasil. A primeira parte traz uma breve explanação sobre o turismo realizado em áreas rurais como atividade abrangente de diversos segmentos. O segundo momento traz, através de levantamento bibliográfico, uma conceituação de ambos os segmentos sob a ótica européia. Na terceira parte realiza-se uma análise da definição dos segmentos no cenário nacional.
Palavras-chave: Espaço rural, Agroturismo, Turismo Rural.
REFLECTIVE APPROACH TO THE RURAL TOURISM: CONCEPTUAL EVENTS WHEN COMPARED TO THE EUROPEAN CONTINENT AND THE BRAZILIAN REALITY
Abstract: This paper presents a substantial analysis of tourism in rural areas with a focus on understanding the distinct characteristics that differ the two main tourist activities performed in this environment. In order to differentiate the Rural Tourism from Agritourism, this paper brings definitions of many authors, development and emphasizes the particularities of each type under the national and European perspective, searching for conceptual similarities. The aim is thus a comparison between the two segments through different techniques and practices concerning which will shape these activities are performed. To achieve this goal, the work consists of three parts and the introduction. The first one provides a brief explanation on which tourism held in rural areas and comprehensive activity of various segments. The second part presents, through a literature review, a concept for both segments in the European perspective. In the third part, it performs an analysis of the definition of the segments on the national scene.
Keywords: Rural space; Agritourism; Rural Tourism.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Diego Geovan dos Reis y Leandro Baptista (2017): Abordagem reflexiva sobre o turismo no espaço rural: vicissitudes conceituais em relação ao continente europeu e a realidade brasileira, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 22 (junio 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/turydes/22/turismo-rural-agroturismo.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/turydes22turismo-rural-agroturismo
1. INTRODUÇÃO
A rotina e o estresse da vida nos centros urbanos tornaram-se inerentes à existência da humanidade que, intrinsecamente procura fugir dessa forma imutável de sobrevivência, recorrendo a evação desses hábitos e levando as pessoas em busca de sua própria origem, através do contato com a natureza. Nesse contexto, o turismo em áreas rurais vem tornando-se parte importante nesse processo. Faz-se necessário, no entanto, observar que é grande a gama de atividades que o meio rural pode proporcionar, fazendo-se assim indispensável uma correta nomenclatura dessas atividades de acordo com suas características específicas.
Entre as atividades desenvolvidas no meio rural o Agroturismo e o Turismo Rural ganham especial destaque devido à recente procura da sociedade urbana pelo estilo de vida e cultura do campo, antagônicas ao seu cotidiano. É preciso, porém, observar que estes dois conceitos remetem a estruturas diversificadas da atividade campestre, apesar de em muito serem parecidos. Cada qual possui características únicas que os diferem e mesmo que em um contexto amplo estes segmentos pareçam possuir as mesmas funções é preciso levar em consideração suas distinções, por mais sutis que sejam, pois elas determinam as especificidades destas atividades.
É necessário ainda observar as particularidades e culturas de cada região no que concerne à definição de Turismo em Áreas Rurais, em um contexto global. Para Sznajder, Przezborska e Scrimgeour (2009), o termo usado para designar Agroturismo e Turismo Rural depende da geografia de cada região do mundo. A relação entre a designação desses segmentos também é alterada de região para região, pois as regras de utilização das áreas rurais e a definição do que é ou não rural podem ser diferentes para cada local ou mesmo para um país.
Sendo assim, torna-se necessário considerar não somente as características que diferem os dois segmentos, mas também as características da região onde se desenvolvem. Portanto, este trabalho busca analisar de forma conceitual e crítica essas peculiaridades a partir de uma visão macro para micro de interpretação do Agroturismo e do Turismo Rural, bem como a forma pela qual esses segmentos são moldados de acordo com a cultura e as especificidades oferecidas pelo local a ser implementado, visando seu adequado planejamento e desenvolvimento.
Desta forma, a adoção de metodologias desenvolvidas para o contexto específico de determinada região pode não satisfazer as expectativas dos gestores do turismo se aplicadas sem o devido respaldo técnico e adaptação à realidade vivenciada e à projeção de mudanças significativas no futuro. Portanto, se faz necessário um maior debate sobre os conceitos apresentados sob o panorama rural brasileiro, análogo ao estudo comparativo em questão.
2. TURISMO NO ESPAÇO RURAL
Antes de qualquer definição propriamente dita a respeito de Turismo Rural e Agroturismo é necessário compreender a abrangência do Turismo no Espaço Rural ou também chamado, Turismo em Áreas Rurais, e para tanto é essencial, primeiramente, elucidar o que é rural e o que não é. Em um país tão diversificado como o Brasil, definir o que é rural pode ser demasiado simples, porém, em países de outros continentes, como o europeu, por exemplo, é tarefa deveras mais complexa.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015), considera que uma zona urbana é a área interna ao perímetro urbano de uma cidade; inclui área isolada ou vila dotada de serviços públicos. Já a zona rural é a área externa ao perímetro urbano e inclui aglomerados rurais. É perceptível nesse caso que, maneira geral, essa delimitação caracteriza-se meramente por um critério político-administrativo.
Contudo, na Europa a concepção do que é rural aborda aspectos diferentes de classificação. De acordo Tulik (2003), observamos que na Grã-Bretanha o rural é definido em oposição ao urbano, só sendo considerado rural o território habitado de forma dispersa. Segundo a mesma autora, na Espanha, Grécia e Portugal, os espaços rurais são aqueles onde existem agricultura, mesmo que o número de habitantes ultrapasse os dez mil. Se observar por esse contexto o cenário brasileiro, um espaço com mais de dez mil habitantes, independente das atividades que são desempenhadas, é considerado urbano. Desta forma, constatamos uma significativa diferença no que constitui e diferencia o rural do urbano em relação ao Brasil e a estes países europeus.
Elucidando as diferentes concepções sobre o espaço rural e urbano, tanto no âmbito nacional quanto no exterior, é possível analisar as atividades turísticas desempenhadas nesse meio. Segundo Rodrigues et al. (2001), a França foi pioneira a constituir uma associação para gerir as atividades turísticas desenvolvidas no meio rural, a Tourisme en espace rural. Esse foi o passo inicial para a constituição do TER (Turismo em Espaço Rural), denominação utilizada hoje na Europa para classificar as atividades desta natureza.
Apesar de possuir algumas divergências entre alguns países da Europa, como por exemplo, o fato de em alguns países o TER aplicar-se apenas a zonas de povoamento disperso, enquanto em outros, abrange todo o território, com exceção às cidades, o TER, em sua concepção genérica, abrange:
[...] o Turismo de Habitação, o Turismo Rural e o Agroturismo [...] o Turismo de Aldeia e o Turismo em Casa de Campo. Integra ainda figuras já existentes como os Hotéis Rurais e os Parques de Campismo Rural [...] considera ainda elementos integrantes do TER as atividades que visam à divulgação das características e tradições regionais, designadamente o seu patrimônio, os itinerários temáticos, o folclore, etc. (RODRIGUES, et al. 2001, p. 37).
Percebe-se assim que o TER abrange a maioria das manifestações da atividade turística realizada no meio rural, inclusive o Agroturismo e o Turismo Rural. No Brasil essa classificação é, atualmente, feita nos moldes do TER europeu. Pode-se dizer, desta forma, que o espaço rural abriga diversos empreendimentos que caracterizam vários tipos e segmentos de turismo. Assim, considera-se o Turismo no Espaço Rural um recorte geográfico no qual o Agroturismo e o Turismo Rural estão inseridos. Isto é, consideramos como Turismo em Espaço Rural:
Todas as atividades praticadas no meio não urbano, que consiste de atividades de lazer no meio rural em várias modalidades definidas com base na oferta: turismo rural, agroturismo, turismo ecológico ou ecoturismo, turismo de aventura, turismo de negócios, turismo de saúde, turismo cultural, turismo esportivo, atividades estas que se complementam ou não. (GRAZIANO DA SILVA et al, 1998 apud BRASIL, s/d, p. 11)
Generaliza-se, portanto, toda e qualquer atividade de lazer, prática esportiva ou ócio de citadinos realizados fora dos limites político-administrativos de uma cidade, pois estas podem ser consideradas como inseridas no contexto do Turismo em Espaço Rural.
As atividades desta natureza começaram a se desenvolver no Brasil a partir da década de 1980, contudo ainda confundem estudantes ao depararem-se com suas múltiplas abordagens na qual o espaço rural tem adquirido nos últimos anos, sobretudo em razão da expansão econômica, mecanização da agricultura e seu lastro social.
As justificativas mais utilizadas para iniciar estudos sobre este segmento pairam sobre duas razões, sendo a primeira voltada à necessidade que o produtor rural (agricultor) tem de diversificar sua fonte de renda e de agregar valor aos seus produtos, paradigma capitalista que pressupõe a impossibilidade de concorrência com latifundiários, e a segunda: a vontade dos moradores citadinos de afastarem-se de sua rotina cotidianamente urbana, de conviver assim com a natureza, com os modos de vida, tradições, costumes e com as formas de produção do povo campesino.
Ainda que não seja possível afirmar que majoritariamente o papel político do Estado exerça essa dualidade de influências que levam os pesquisadores a analisarem o TER, os documentos oficiais do Ministério do Turismo não deixam de publicar estas duas possibilidades, como observado em Verdejo (2006), Brasil (2005) e Brasil (s/d).
O que não se questiona, no entanto, é se os visitantes adeptos deste segmento realmente procuram estes espaços com a finalidade de um suposto retorno às suas possíveis origens campestres, fato este que por si já é questionável, ou porque é uma alternativa entre as opções globais de destinos disponíveis que mais lhe agradam naquele momento. Desta forma, dúvidas quanto à motivação são lançadas, cabendo um estudo mais detalhado sobre este aspecto para corroborar ou, com maior possibilidade, negar esta suposição, como destacado pelas seguintes palavras:
Esse fenômeno vem despertando nas pessoas a busca por momentos diferentes onde possam desfrutar de ambientes que ainda não foram destruídos, e que o modo de viver das pessoas, a cultura e a natureza lhes propiciem desde descanso até o prazer de ver os filhos desfrutando de uma vida mais sadia comparada ao agito e a falta de liberdade das cidades. (RUSCHMANN, 1997, p. 84).
Neste sentido, parece ser a procura por atrativos e atividades associados ao lazer, recreação, descanso, desfrute de paisagens, contato com a natureza e a cultura local, bem como o consumo e compra de produtos típicos, os principais elementos que promovem a demanda deste nicho. Estas formas de apropriação do espaço rural podem interagir uma com a outra ou ser praticadas de forma isolada, a depender da oferta disponível.
Assim, o Turismo no Espaço Rural oferece aos turistas a oportunidade de acompanhar os valores e as tradições culturais das comunidades, de modo acolhedor e hospitaleiro, fazendo com que o visitante relaxe e desfrute destas características difíceis de ser encontradas no ambiente urbano. Além disso, se devidamente planejada e organizada, pode ajudar na preservação do patrimônio natural, criando oportunidades para sensibilizar seus praticantes a cerca da consciência ambiental, promovendo o desenvolvimento sustentável.
Outra abordagem por vezes adotada como de igual caracterização é o Turismo Rural, atividade que une os afazeres agrícolas-pastoris ao turismo, geralmente estimulando seu desenvolvimento por proprietários de áreas de uso extensivo. Para Tulik (1997), na Europa a expressão Turismo Rural, refere-se ao conjunto de atividades na área rural, o que leva a autora descrever o Turismo Rural como qualquer forma de Turismo no Espaço Rural.
De acordo com Silveira (2001), os trabalhos europeus definem o turismo rural baseando-se na concepção de que, turismo rural é um conceito que engloba além das férias em fazendas, qualquer outra atividade turística que ocorre no campo; o turismo rural recobre toda e qualquer atividade turística no interior e; que o turismo rural abrange toda atividade suportada pelo ambiente humano e natural.
Sem antecipar as análises que virão em seguida, esboça-se aqui um primeiro ponto a ser repensado pelas publicações que dão suporte ao planejamento do turismo rural e no espaço rural: será que a incorporação teórica brasileira, adaptada da concepção espacial do continente europeu sobre o que é rural, fornece subsídios necessários para compreender o fenômeno na realidade nacional? Talvez essa seja a pergunta de partida para tantos outros questionamentos de ordem econômica, social e políticas públicas ineficazes observadas nos últimos anos.
Contrasta-se nos próximos tópicos, algumas semelhanças entre o modelo TER utilizado na Europa e a definição de Turismo em Espaço Rural no Brasil. Dentro do contexto de ambas, serão então analisadas, duas vertentes desse modelo de atividade, o Agroturismo e o Turismo Rural, observados sob as duas óticas apresentadas, o que, devido à proximidade das concepções de espaço rural adotadas, proporcionará um estudo analítico direto.
2.2. AGROTURISMO E TURISMO RURAL SOB A PERSPECTIVA EUROPÉIA
Compreender o cenário do Turismo Rural na Europa demanda, em primeira instância, entender, em partes, como se deu o processo de desenvolvimento turístico neste continente, efetivamente no período do pós-guerra, ou seja, após o ano de 1945. Bezerra (2005) aponta para o fato de que a Europa, devastada pelos combates, utilizou-se de um forte planejamento turístico objetivando a recuperação de suas economias destruídas. Seguindo esta tendência, os países europeus deram início a planejamentos isolados para o fomento da atividade turística e, em um segundo momento, este planejamento ganhou força, unificando investimentos em bloco, ou seja, iniciativas que pudessem beneficiar a mais de um país.
Lickorish e Jenkins (2000 apud BEZERRA, 2005, p. 38) apontam que a própria OCEE (Organização para a Cooperação Econômica da Europa), organização esta criada com o intuito de coordenar o processo de recuperação das economias dos países europeus, concedeu ao turismo o status de indústria prioritária no processo recuperativo, ao mesmo tempo em que impunha restrições às viagens internacionais de residentes europeus para fora do continente. Do ponto de vista econômico faz-se plenamente compreensível a posição da OCEE em prestar ao turismo posição prioritária pois, não tendo naquele momento condições de produção própria, o turismo seria o meio mais rápido de inserção de divisas no continente.
Iniciaram-se então os esforços individuais em alguns países europeus com a finalidade de estruturar o setor turístico então insipiente. França e Espanha, segundo Bezerra (2005), foram pioneiras no processo. A França lança, para o ano de 1948-1952 o Primeiro Plano Quinquenal do Equipamento Turístico e a Espanha cria o então Ministerio da Informacion y Turismo, lançando as bases de seu Plano Nacional de Turismo. Seguindo seus exemplos, em seguida a Turquia consegue estruturar alguns anos após, seu também plano Quinquenal, para o período de 1963-1967. Grécia também aderiu ao um Plano Quinquenal, editado para os anos de 1968-1972. Percebe-se a diferença temporal entre os planos da França e Espanha em relação ao turco e o grego, o que motiva-se por diversos fatores entre eles o planejamento possível de acordo com a situação econômica de cada país naquele período.
Elementos relevantes a serem observados são os fatos de que nestes planos, apesar de ter havido relevância no estímulo ao turismo de massa, foi também priorizado o estímulo das regiões menos desenvolvidas destes países, ou seja, suas regiões rurais. Assim, a França que:
Já na década de 1950 estruturava políticas de incentivo para o turismo rural, com a finalidade de fortalecer as economias das áreas agrícolas decadentes do país, no início dos anos 1960 criou um plano de desenvolvimento turístico para a área litorânea de Languedoc-Roussillon. Com base em um grande projeto, foram definidas as participações das autoridades - central, regional e local - e do setor privado nos investimentos (INSKEEP, 1991, apud BEZERRA, 2005, p. 39).
Segundo o mesmo autor, já em 1950 o governo francês oferecia linhas de crédito para pequenos estabelecimentos de hospedagem de estrutura familiar no meio rural, ao passo que em 1960, data do desenvolvimento do plano para o Languedoc-Roussillon, o governo até mesmo dispunha de crédito para compras de terras da região. Bezerra (2005) reitera ainda que as linhas de crédito destinadas ao desenvolvimento turístico das regiões rurais espalharam-se por outros países, como a Grécia, Reino Unido e Noruega. Esta última, além de créditos federais, dispunha de créditos concedidos regionalmente, pelo Fundo de Desenvolvimento Agrícola do país.
Além da França, outros países, segundo Bezerra (2005) optaram por concentrar esforços focais no desenvolvimento turístico de regiões rurais, tais como a Alemanha que em 1969 criou um fundo para investimentos turísticos na área rural. A Suíça, em 1974 criou incentivos para o aproveitamento das regiões montanhosas para o turismo, amparado por leis próprias, como a Lei Federal para investimentos em regiões montanhosas. A Itália, em meados de 1970, criou o programa Cassa per Il Mezzogiorno, o qual visava solucionar problemas socioeconômicos por desigualdade de crescimento regional através da atividade turística no sul do país. Estes planos visavam o desenvolvimento de áreas rurais específicas através da atividade turística aliada ás atividades agrícolas locais, pois “a crescente demanda de alimentos e matérias-primas suscitada pelo crescimento do turismo fomentaria a agricultura dessas áreas” (BEZERRA, 2005, P. 39).
Observa-se assim que, de forma ampla, o turismo na Europa, especificamente neste caso, o turismo em meios rurais, foi tratado pelos governos locais com considerável prioridade, tendo um planejamento constante, regional, específico e adequado à realidade de cada região à qual pretendia-se investir o que teve, por consequência, uma atividade solidamente estruturada e desenvolvida. O enfoque prestado ao desenvolvimento regional, em detrimento ao impulso generalista massivo, teve por êxito o fortalecimento local dessas regiões menos favorecidas, conquanto acarretou em certas particularidades no processo, o que caracterizou de formas muito específicas e independentes os próprios conceitos dados à ruralidade e seu desenvolvimento nos países europeus.
Tendo anteriormente elucidado o fato de que o Agroturismo e o Turismo Rural são duas atividades realizadas dentro do cenário do Turismo no Espaço Rural, neste momento será elucidada a diferença entre esses dois segmentos sob a perspectiva européia, a qual manifestou-se de forma peculiar em cada país, segundo seus modelos e padrões de investimentos adotados para estimular o desenvolvimento das áreas rurais. Será possível, dessa forma, compreender se, os aspectos que constituem ambos os segmentos são tão próximos quanto à concepção de Turismo em Áreas Rurais adotadas na perspectiva dualista proposta.
Como previamente citado, as concepções de Agroturismo e Turismo Rural são relativas e variam de acordo com o contexto do país ou região em questão. Para Sznajder et al. (2009, p. 5, tradução nossa) “em muitos Estados Americanos, onde uma comunidade rural no sentido europeu da palavra é quase inexistente, os termos Agroturismo e Turismo Rural são quase equivalentes”. Se levarmos em consideração que nos Estados Unidos os aglomerados demográficos com mais de dez mil habitantes são considerados espaços urbanos (TULIK, 2003), percebe-se que essa denominação vai de encontro ao modelo europeu de classificação do espaço urbano e rural.
Por isso, em países como os Estados Unidos, devido ao modelo de divisão demográfica, não seja tão crucial essa separação entre os segmentos, que, de qualquer forma, não deixa de existir, apenas torna-se substancial. Isso já não pode tomar espaço na Europa, onde as áreas rurais compreendem um número de funções não ligadas diretamente à agricultura, como se observam nas paisagens tomadas como rurais na Normandia (figura 1) e na Alemanha (figura 2). Por isso Sznajder et al. (2009, p. 6, tradução nossa), deixa claro que, “na Europa, distinguir entre o Agroturismo e o Turismo Rural é relevante”, o que exige a distinção entre os segmentos.
Ao analisar os conceitos de Turismo Rural aplicados na Europa, evidencia-se que não existe uma definição conjunta ou definitiva para o termo entre os países do continente. Caso fosse extraído a essência das particularidades dessas definições, poderia-se, de acordo com Darau et al. (2010, p. 41, tradução nossa) generalizar um único conceito para todos os países, sendo-o: “O turismo rural é um conceito que inclui todas as atividades turísticas que estão sendo executadas na zona rural ambiente", ou seja, um conceito muito próximo ao do TER (Turismo em Espaço Rural). Já no que concerne ao Agroturismo, suas características são bem distintas, como relatadas a seguir:
A singularidade do Agroturismo é a possibilidade de satisfazer a necessidade humana com a participação prática no processo de produção de alimentos, na vida de uma família rural e em uma comunidade rural [...] Agroturismo dá uma chance de aprender sobre a vida das pessoas rurais, sua cultura e costumes [...] para ter contato direto com animais domésticos, plantas e produtos de origem animal e do processamento de produtos, e a necessidade de experimentar a idílica paisagem campestre associada ao clima de rusticidade, o silêncio, sons ou até mesmo cheiros do interior e da fazenda (SZNAJDER et al., 2009, p. 7, tradução nossa).
É possível constatar dessa forma que o Turismo Rural apresenta-se na Europa sem uma definição concreta no que diz respeito às suas atividades. Não existe um consenso entre os países em relação à delimitação das atividades realizadas no meio rural, ou mesmo em relação à ruralidade, o que faz com o que o Turismo Rural se caracterize de uma maneira genérica, como o conjunto das atividades de lazer realizadas no espaço rural, mesmo que seja apenas o desfrute dos serviços de um hotel-fazenda, pois, para uma obter análise mais concisa seria necessário aprofundar-se nas definições específicas adotadas por cada país.
Em relação ao Agroturismo, percebe-se com facilidade suas peculiaridades e características bem limitadoras. O objetivo do Agroturismo é a vivência do turista com as atividades funcionais de uma fazenda, como o trato dos animais e a colheita de hortaliças por exemplo. Assim, essa característica, por ser tão específica, faz com que o Agroturismo seja singular em meio às outras atividades realizadas no meio rural europeu.
2.3. AGROTURISMO E TURISMO RURAL NO CENÁRIO NACIONAL
É perceptível a semelhança entre a definição de Turismo em Espaço Rural entre o Brasil e a Europa, apesar da definição do que é rural ou urbano consistir de padrões diferenciados. No que diz respeito ao Turismo Rural e ao Agroturismo, serão analisados os contextos nacionais de definição para ambos os segmentos, para poder assim, construir um cenário comparativo entre eles.
Na atualidade brasileira, observa-se certa semelhança entre os termos, muitas vezes tratados de forma análoga. Porém, para que se planeje e desenvolva uma atividade turística de qualidade baseada em conceitos fortemente estabelecidos, é preciso entender e respeitar as particularidades de cada segmento, não generalizando-os. Beni (2002, p. 422 - 432), define o Turismo Rural como sendo “o deslocamento de pessoas a espaços rurais, em roteiros programados ou espontâneos, com ou sem pernoite para a fruição dos cenários e instalações rurícolas”, já o Agroturismo, inclui “a fruição dos cenários e observação, vivência e participação nas atividades agropastoris” (op. cit). Ao refletir sobre estas breves descrições, verifica-se que o diferencial entre o Turismo Rural e o Agroturismo consiste no fato de que o primeiro apresenta-se como uma alternativa de lazer no meio rural com o objetivo de desfrute, descanso e contemplação, já o Agroturismo, inclui a vivência do turista com o meio ao qual está inserido, ou seja, atividades agropastoris.
Outro fator destacado por Beni (2002, p. 422 – 432), é que quando a atividade turística passa a ser a principal fonte de produção da propriedade rural, explicita-se então o uso do termo Turismo Rural, já quanto ao Agroturismo, este precisa ser realizado em uma propriedade com produção agropastoril em escala econômica, sendo a atividade turística, apenas um complemento à renda. Pode-se perceber através dessas definições, que existem diferenças não tão sutis entre ambos os segmentos e que precisam ser consideradas.
Neste cenário, a esfera econômica, talvez a interface mais politizada em discursos políticos sobre os benefícios do turismo em localidades, exerce um fundamental papel na diferenciação dos segmentos, trazendo consigo uma necessidade de planejamento que irá distanciar um destino de outro. Ao refletir sobre o exposto por Beni (2002), o agroturismo está restrito a propriedades de latifundiários, que em pouco se assemelham aos agricultores, a iniciar pelas demandas que cada classe irá necessitar para sua adequação de infraestrutura básica, turística e de apoio (BOULLÓN, 2001).
O Ministério do Turismo, com o objetivo de agregar os conceitos de Turismo Rural em apenas uma definição, reconhece que:
Turismo Rural é o conjunto de atividades turísticas desenvolvidas no meio rural, comprometido com a produção agropecuária, agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural e natural da comunidade. (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2006, p. 49).
Tem-se, dessa forma, uma definição desse segmento apesar de, assim como no conceito europeu, essa denominação permanecer aberta à outras formas de interpretação e, talvez por esse motivo, não exista um padrão único, tanto nos países da Europa, quanto no Brasil. Quanto ao Agroturismo, para reforçar a especificidade desse segmento, explica-se que:
No Agroturismo, a produção agropecuária acontece em uma escala econômica que representa a maior fonte de rendimento da propriedade, colocando o turismo como receita complementar. Isto é, no Agroturismo, as propriedades se sustentam através de sua produção agrícola e pecuária, sendo o turismo mais um complemento. [...] Nesse caso, para viver uma autêntica experiência de vida do campo, os turistas poderão participar ou não da rotina diária dos afazeres domésticos ou produtivos da propriedade. (CAMPOS, 2010, p. 87 – 88).
É então fortalecida a diferença entre ambos os segmentos. É possível notar o foco do Agroturismo enquanto o Turismo Rural abrange um número maior de possibilidades interpretativas. De fato, para o turista, essa diferenciação pode ou não ter alguma importância significativa, bem como para o morador ou produtor rural que abre suas portas para esse tipo de atividade, mas para os profissionais do turismo, estabelecer os parâmetros de cada atividade de acordo com sua especificidade e interesse da demanda, pode resultar em um bem sucedido ou não, empreendimento turístico no meio rural.
Contudo, ainda que o turismólogo pareça ser o principal interessado em desmistificar os conceitos para uma eficaz avaliação e planejamento de uma área, os estudos publicados não indicam tal preocupação. De maneira geral, os estudos demonstram interesse em re-afirmar as potencialidades do segmento, seus efeitos positivos e negativos que enfatizam critérios econômicos e alertam para processos de aculturação e enxergam o segmento como “salvador” de áreas marginais aos centros urbanos.
Em meio à esta discussão, um olhar sobre a paisagem de áreas rurais brasileiras acentua a necessidade de discutir o tema sob o viés científico. Com a “importação” de conceitos que delimitam o que faz parte do ambiente rural, oriundos de pensamentos europeus, como apresentado anteriormente, se diagnostica um hiato de similitudes, os quais podem comprometer o planejamento sustentável da atividade. Esta percepção é ilustrada por meio das figuras 3 e 4, em diferentes regiões do Brasil.
Mesmo em busca de uma classificação através da Associação Brasileira de Turismo Rural (ABTR), o que se encontra é um mix de conceitos incapazes de oferecer uma designação menos abstrata do termo. Para a ABTR (2016), o turismo rural baseia-se em quatro elementos, sendo estes: a) incremento de renda; b) geração de empregos; c) preservação do meio ambiente e d) preservação do patrimônio rural. Não é possível, portanto, entender o que diferencia o turismo rural do agroturismo, e nem mesmo de segmentos distantes do cenário rural, como o turismo cultural ou de eventos por exemplo, que, se desenvolvidos neste ambiente, irão apoiar-se nestes mesmos efeitos, não caracterizando assim o conceito. Indo além das similaridades, do ponto de vista epistemológico, esses elementos são efeitos que a atividade pode trazer, e não um conceito, o que demonstra pouca ou nenhuma atenção à construção científica.
Pode-se ilustrar a necessidade de discutir esta percepção ao deparar-se com estudos como o de Pedreira et al (2014), que analisa a viabilidade do agroturismo no estado do Rio de Janeiro, e utilizam como base conceitual a relação entre agricultura e turismo, na qual a primeira deva subsidiar atividades de lazer à segunda, além de entenderem a aglutinação das mesmas como benéficas para a sustentabilidade rural, expressão cultural e artística como forma de intercâmbio entre visitantes e visitados. Contudo, ao delimitar o conceito, utilizam-se de reflexões internacionais (COX; FOX, 2003 e KUO; CHIU, 2006) entrando em contradição com os modelos de organização territorial brasileiras e de países com desenvolvimento análogos, comprometendo assim, a real percepção local dos resultados obtidos.
Com uma preocupação complementar a que este estudo se posiciona, Silva, Lima e Oliveira (2010), desenvolveram uma análise em relação aos discursos acadêmicos e midiáticos sobre o agroturismo, tendo por recorte o município de Santa Rosa (SC). Os autores identificaram convergências (em verde) e divergências entre os discursos que se aproximam do que foi exposto anteriormente sobre a politização da economia do turismo. Em seus resultados, observaram:
Uma visão sobre o segmento, defendida em dissertação de Guzzatti (2003, p. 53) oferece argumentos para reflexão, a citar:
Um segmento do turismo desenvolvido no espaço rural por agricultores familiares organizados, dispostos a compartilhar seu modo de vida, patrimônio cultural e natural, mantendo suas atividades econômicas, oferecendo produtos e serviços de qualidade, valorizando e respeitando o ambiente e a cultura local e proporcionando bem-estar aos envolvidos.
Desta forma, os patrimônios sociocultural e ambiental tornam-se protagonistas e configuram-se como motivadores (oferta) para os visitantes (demanda). Contudo, não são os únicos elementos que exercem atratividade enquanto prática contemplativa, mas também de outros produtos e serviços não relatados, mas que, podem referir-se à gastronomia típica ou o artesanato para o primeiro, e a transmissão de história oral ou condução guiada, para o segundo, com objetivos de proporcionar bem-estar a todos os envolvidos na produção do turismo, comunidade local, prestadores e turistas.
Alguns dos princípios que orientam o agroturismo, destacam-se: i) o agroturismo deve ser desenvolvido de forma associativa e integrada (rotas e circuitos); ii) os serviços agroturísticos são planejados e executados pelos agricultores familiares; iii) trata-se de uma atividade complementar à produção agropecuária (de base ecológica, preferencialmente) enquanto principal atividade econômica da propriedade; iii) os serviços de recepção e/ou hospedagem ocorrem em instalações já existentes e adaptadas para tal; iv) deve haver disposição dos agricultores para trocar experiências de vida, garantir a qualidade de seus produtos e serviços, oferecer preços acessíveis, valorizar a cultura local e preservar o meio ambiente (ACOLHIDA NA COLÔNIA, 1999 apud CABRAIL; SCHEIB, 2004).
Portanto, através da análise dos (des)casos conceituais, verifica-se que majoritariamente, o contexto rural brasileiro se aproxima de um contexto agroturístico em sua essência, gerando dúvidas assim, quanto aos modelos de planejamento implantados em diferentes locais do país. A práxis etimológica, necessária para a fortalecer o campo teórico, parece servir apenas como um pano de fundo, para justificar estudos e lastrear metodologias. Serve este estudo, portanto, para gerar dúvidas quanto à futuras pesquisas que envolvam o tema, fortalecer a necessidade de aprofundamento teórico e disseminar percepções locais, de um país tão territorialmente extenso, como é o Brasil.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consta-se por meio do estudo comparativo, que as definições que abrangem o sentido delimitativo do perímetro urbano e rural no Brasil e nos países europeus são, em um contexto referenciado, diferentes entre si. Uma área rural no Brasil, pode não ser rural na Europa, assim como uma área considerada rural na Europa, devido a suas características, pode não ser considerada rural no Brasil. Apesar dessa diferença tecnicamente estabelecida, observa-se que as definições das atividades turísticas realizadas no espaço rural, classificadas na Europa pelo TER, possuem em si, grandes similaridades com as definições das atividades realizadas no espaço rural brasileiro.
Talvez a razão para tal seja uma adaptação do conceito brasileiro ao padrão europeu, mas essa discussão demandaria a realização de uma pesquisa sob nova ótica. Devido, desse modo, à similaridade do conceito de atividades turísticas desenvolvidas no meio rural, pode-se comparar a similaridade dos principais segmentos dentro do meio rural, o Turismo Rural e o Agroturismo.
Pode-se também compreender a similaridade dos segmentos supracitados quando analisados sob as perspectivas em estudo. Observa-se que, o Turismo Rural, tanto no Brasil quanto na Europa, compreende uma proximidade maior do termo TER, abrangendo várias atividades no ambiente ao qual se realiza com um enfoque no lazer proporcionado pelo contato com o meio rural, seja em propriedades rurais, casarões, hotéis fazenda, entre outros onde a atividade turística se tornou a principal fonte econômica.
Já o Agroturismo, também sob a ótica brasileira e européia, caracteriza-se por permitir ao turista a vivência direta com o modo de vida agropastoril, ou seja, a participação direta das diversas atividades que fazem parte do dia a dia dos donos de uma propriedade rural, que, cabe ressaltar, tem sua principal fonte econômica na atividade agropastoril, utilizando-se do turismo apenas como fonte alternativa de renda, ou seja, uma renda secundária.
Considerando-se as particularidades que caracterizam o Agroturismo e o Turismo Rural, faz-se necessário analisá-los sob uma perspectiva técnica para que ambas as atividades possam ser planejadas e desempenhadas com sucesso, pois, como lembra Nogueira (2003, p. 30), “Ainda há muitos autores que definem o Turismo no Espaço Rural e o Agroturismo como sendo a mesma atividade.”, e como pode-se perceber, a diferença entre os continentes sobre os termos Turismo em Espaço Rural, Turismo Rural e Agroturismo constituem limitações culturais, etnográficas, técnicas e específicas que os tornam singulares em relação um ao outro. Trabalhar essas singularidades de forma individualizada pode ser, em um futuro próximo, o caminho para o desenvolvimento, fortalecimento e concretização das atividades turísticas no meio rural.
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** Bacharel em Turismo (UNICENTRO); Mestre em Gestão do Território (UEPG); Doutorando em Geografia (UEPG).
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