Revista: Turydes Revista Turismo y Desarrollo. ISSN 1988-5261


PORTO DO RIO DE JANEIRO: TURISMO E TRANSFORMAÇÕES URBANAS EM PROJETO DE REQUALIFICAÇÃO

Autores e infomación del artículo

Wallace Bezerra Farias*

Luiz Gonzaga Godoi Trigo**

Universidade de São Paulo, Brasil

wallacefarias@outlook.com

RESUMO
A cidade do Rio de Janeiro, enraizada por fatores histórico-sociais, tem originado reflexões a respeito de seu desenvolvimento enquanto cidade e sua importância no cenário do turismo no Brasil. Esta pesquisa buscou estabelecer reflexões teóricas acerca das transformações no espaço urbano e do processo de requalificação da região portuária do Rio de Janeiro, compreendendo a relação da atividade turística com suas dimensões econômicas e sociais. Concluiu-se que é papel do turismo articular com os stakeholders em questão, de forma integral e dinâmica, partindo de princípios éticos pautados no respeito à cultura, memória e identidade da população local.
Palavras-chave: Turismo, Porto do Rio de Janeiro, Transformações urbanas.

Rio de Janeiro Port: tourism and urban change in requalification project

ABSTRACT
The city of Rio de Janeiro, rooted in historical and social factors, has led reflections about its development as city and its importance in the tourism scenario in Brazil. This research aims to establish theoretical reflections about the transformations in the urban space and the process of requalification of the port region of Rio de Janeiro, including the relation of the tourist activity in economic and social dimensions. It was concluded that it is a joint tourism role with the stakeholders in question, in an integral and dynamic way, based on ethical principles guided by respect for the culture, memory and identity of the local population.
Key-word: Tourism. Rio de Janeiro Port. Urban Transformation.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Wallace Bezerra Farias y Luiz Gonzaga Godoi Trigo (2016): “Porto do Rio de Janeiro: turismo e transformações urbanas em projeto de requalificação”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 21 (diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/turydes/21/porto-rio.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/turydes21porto-rio


INTRODUÇÃO

            A região portuária tem se tornado um importante espaço turístico da cidade do Rio de Janeiro. Impulsionado, inicialmente, pelo desenvolvimento dos cruzeiros marítimos e da infraestrutura de seu terminal de passageiros, o apelo turístico local ganhou força e culminou num dos maiores projetos de requalificação urbana já vivenciadas, intitulado Porto Maravilha.
Os projetos de requalificação portuária têm como premissa o desenvolvimento e restauração de uma determinada região, até então degradada, promovendo o incentivo à atividade turística e de lazer, assim como a abertura de sua frente marítima, além da integração desta com seus habitantes. O projeto de requalificação portuária do Rio de Janeiro, intitulado “Porto Maravilha”, é uma das grandes apostas do governo para requalificar esta antiga região central do porto da cidade, trazendo como principal motivação a atividade turística e a atração de investimentos de grandes empresas do setor corporativo.
Apesar disso, os projetos de revitalização trazem diversos questionamentos e implicações no âmbito social, especialmente na vida cotidiana e na própria idealização do espaço urbano para cidades, onde os interesses econômicos podem se sobrepor aos símbolos de pertencimento das comunidades locais. O turismo não se comporta como uma agente à parte dessa relação, uma vez entrelaçado ao cotidiano e desenvolvimento econômico das cidades.
Esta pesquisa buscou estabelecer reflexões teóricas acerca dos estudos que tratam das transformações no espaço urbano e dos processos de requalificação da região portuária do Rio de Janeiro. Trata-se de uma pesquisa exploratória, apoiada na revisão de literatura.
Este estudo compõem as reflexões iniciais sobre a relação do turismo com o espaço urbano, tendo como pano de fundo o processo de requalificação vivenciado pela cidade do Rio de Janeiro. Originou-se de uma proposta de estudo exploratório para uma disciplina do Programa de Pós-graduação em Turismo da Universidade de São Paulo, em contrapartida à pesquisa de dissertação em desenvolvimento pelo mesmo programa sob o tema dos cruzeiros marítimos.

Globalização e transformações no espaço urbano
           
            O espaço urbano constitui um elemento de valorosa significação, mutável e diretamente associado ao uso da terra e o modo como a sociedade se organiza espacialmente, dando forma e função aos mais diferentes elementos da paisagem urbana. É, neste caso, “fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas” (CORREA, 2004, p. 9).
            Associado ao seu uso, o espaço urbano define formas espaciais por meio da sua conjuntura social, sendo sua forma aparente, uma materialização de uma dimensão social. A fragmentação e a articulação desse espaço é, ainda, o resultado da lógica capitalista, na qual diferentes agentes produzem e consomem de forma estratégica os espaços, estabelecendo condicionantes sociais e modificando as relações entre o espaço e a sociedade, na busca de uma reprodução da acumulação de capital. Entre esses agentes estão o capital privado (proprietários de meios de produção, fundiários e imobiliários), o poder público (Estado) e a comunidade (grupos sociais) (CORREA, 2004).
            O papel da globalização na sociedade, consequência do desenvolvimento tecnológico atual das cidades, e a interligação e dependência entre elas, apresenta-se intrinsicamente relacionado ao sistema econômico vigente. É por si fonte de mudanças espaciais e temporais da vida urbana, na qual Castells (2010, p. 467) afirma estar em constante transformação “sob o efeito combinado do paradigma da tecnologia da informação e das formas e processos sociais induzidos pelo processo atual de transformação histórica”.
            Como ambiente marcado por tecnologias, o mundo globalizado impulsiona a refletir como a velocidade no tempo, nos ritmos e nas mudanças sociais, mergulhando em uma nova dinâmica cotidiana e compreensões para além do espaço físico, diretamente diluído pela modernidade contemporânea, fato que Bauman (2001) chama de “modernidade líquida”, na qual o tempo “estrangula” a noção do espaço, em prol da mobilidade e evolução dos meios tecnológicos.
            As tecnologias desenvolvem significações profundas no âmbito social, por vezes pouco perceptíveis. Segundo Postman (1994), o surgimento das novas tecnologias altera a estrutura de interesses sociais (coisas sobre o que se pensa), modificando o caráter dos símbolos (coisas com o que se pensa) e a natureza de uma comunidade (onde os pensamentos se desenvolvem). Nesse contexto, conforme lembra Gomes (2013), os novos símbolos urbanos surgem, e também são modificados, ressignificados, em prol dos interesses de uma determinada sociedade, em ampla abrangência, de determinado tempo e espaço.
            Correa (2004) defende a ideia de cidade como um lugar em exposição ao olhar, como num álbum de imagens elaboradas a partir da apreciação dos espaços públicos, em busca de um entendimento mais complexo e multi significado sobre o espaço urbano e seus processos espaciais retratados. Na definição de Correa, processos espaciais são “forças através das quais o movimento de transformação da estrutura social, o processo, se efetiva espacialmente, refazendo a espacialidade da sociedade” (2004, p. 36). São, portanto, de natureza social, e enraizados pela própria sociedade.
            Por outro lado, as transformações e o crescimento acelerado das cidades, impulsionados pelos adventos tecnológicos e informacionais, levam a obsolescência funcional de antigas estruturas urbanas, em decorrência dos mutáveis fluxos urbanos, ou da desvalorização econômica e política desse espaço, abandonando a função previamente existente (Dias, 2008; Novaes, 2012).
            Colvero (2010) afirma que a requalificação, especificamente, introduz uma nova dinâmica ligada à cultura, ao turismo e ao consumo, geralmente propondo projetos voltados para a reformulação estética de construções antigas e espaços públicos, melhorias da segurança pública, atividades de lazer, e o regaste simbólico da memória local, impactando diretamente no cotidiano de moradores e visitantes. Tais intervenções, segundo Criekingen (2006), são asseguradas por grupos econômicos e atraem especialmente o mercado imobiliário, tornando mais complexa a dinâmica de possibilidades sobre o uso e o interesse sobre esses projetos.
O turismo e o lazer, por sua vez, trazem uma perspectiva distinta para os espaços urbanos, assim como novas possibilidades de desenvolvimento econômico. Andreatta (2010) considera que as regiões portuárias:

São espaços relativamente frágeis do ponto de vista ambiental e que despertam certa demanda dos cidadãos e dos agentes econômicos, convertendo-os em lugares de grande valor urbanístico. As transformações de usos, com a composição de atividades econômicas, de lazer e de turismo, costumam gerar impacto positivo na estrutura urbana (novos espaços públicos e abertura das frentes marítimas) e na economia local (potencialização do turismo e criação dos pontos de trabalho) (ANDREATTA, 2010, p. 13).

No que se refere as zonas portuárias, existem diversos casos de remodelação de áreas pertencentes aos antigos portos, que se tornaram obsoletos com a consequente desvalorização de sua atividade econômica. Em especial após o desenvolvimento da aviação comercial, a partir da segunda metade do século XX, e que tiveram sua waterfront (frente marítima) requalificada. Como exemplos, citam-se os portos das cidades de Barcelona, na Espanha, Puerto Madero, na Argentina, Baltimore, nos Estados Unidos, Roterdã, na Holanda, entre outros.

Porto do Rio de Janeiro: do Cais do Valongo ao “Porto Maravilha”

            Do ponto de vista histórico, a cidade do Rio de Janeiro se desenvolveu a partir de seu porto, uma vez que, no século XVIII, grande parte do sustento da população baseava-se no transporte marítimos. Era no Cais do Valongo que chegavam os navios negreiros e as embarcações trazendo mercadorias produzidas no continente europeu (Rio de Janeiro, 2009).
            A chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, em 1808, propiciou a abertura de relações comerciais com outras nações, chamadas “nações amigas”, fortalecendo as atividades de exportação e trazendo alterações para o comércio marítimo da época. Pouco tempo depois da independência do país em 1822, o comércio de café passou a movimentar a atividade portuária e estimulou o desenvolvimento da infraestrutura portuária com a implantação de armazéns, trapiches e equipamentos (Rio de Janeiro, 2009).
            Dias (2010) afirma que, em função disso, em meados do século XIX, as atividades industriais e os serviços de navegação já se concentravam na região que atualmente vai da Praça Mauá até a ponta norte do atual bairro da Gamboa. O comércio exterior brasileiro passou a se concentrar nessa região, exigindo significativas melhorias nas condições do porto. Em seguida, com o desenvolvimento das ferrovias, ficou mais fácil trazer a matéria prima produzida no interior do país, resultando um notável crescimento no número de importações e exportações, em contrapartida gerando uma crise social de grandes proporções.
Zoladz (2014, p. 64) mostra que parte desse crescimento esteve relacionado com a migração da população da Bahia, aprisionada pelo governo na Guerra dos Canudos, em 1897: “esses exilados, ao chegarem no Rio de Janeiro, fixaram-se nos morros acima dos trapiches do porto, local onde a maioria dos homens e onde muito de seus descendentes ainda mantêm profissão de estivador”.
            Em decorrência da falta de saneamento e o surgimento epidemias na região central da cidade, em 1903, foi aprovado o projeto definitivo (debatido desde 1870) para “retificação” e “civilização” da cidade, que incluía o aterramento da região portuária. As transformações incluíram um aterro que afastou o mar em distâncias que variavam de 25 a 300 metros, trazendo terra de desmontes dos morros do Senado e do Castelo, de modo a planificar a cidade e proporcionar um aspecto mais limpo. Por outro lado, tais mudanças foram vistas com entusiasmo apenas por parte da população, sobretudo a elite carioca, e pelo governo (Rio de Janeiro, 2009). Para essa reestruturação:

[...] todas as construções a beira-mar seriam condenadas e todo o entorno natural (praias, enseadas, sacos) deveria ser substituído por linhas retas [...] O mesmo projeto que criava a Avenida Caes (atual Rodrigues Alves) incluía a abertura de um largo boulevard cortando o Centro de mar a mar: Avenida Central (atual Av. Rio Branco). [...] (Entretanto) a euforia com o ‘Rio civiliza-se’ não era unânime. A classe mais baixa – notadamente os moradores da região do porto – era encarada como parte do problema. (Rio de Janeiro, 2009, p. 19).

      As obras iniciadas durante o governo do prefeito Pereira Passos, engenheiro especialista em obras, estenderam-se em meio a revoltas populares devido a opressão “civilizatória”, fazendo da região do porto palco de dois importantes movimentos: “Revolta da Vacina”, em 1904, e posteriormente, “Revolta da Chibata”, em 1910, com a ameaça de bombardeio por parte dos marinheiros que recebiam maus tratos em alto mar, especialmente os negros. Porém, as obras prosseguiram e a cidade, assim como o porto, continuaram em transformação:

Somente no início do século XX, com a tecnologia emprestada dos portos britânico e belga, foi construído o dique da Gamboa, [...], criando o ‘moderno porto do Rio de Janeiro’. Os requisitos e as instalações portuárias necessários para o comércio estavam atendidos naquele momento, o que reforçou a vocação do Rio, na sua interface porto-cidade, manifestada pelo novo bairro portuário adjacente, criado sob um aterro de 170 hectares (Dias, 2010, p. 218).

            Dias (2010) ainda comenta que o porto evoluiu significativamente após essas transformações, alcançando seu auge na década de 1950. Em contrapartida, a década seguinte foi marcada pelo declínio na atividade portuária carioca, devido à transferência de atividades produtivas para outros estados e o consequente abandono público da região, agravando o desinteresse generalizado dos agentes públicos e privados.
            O porto do Rio perdeu força na década de 1960 com o crescimento do porto de Santos, em São Paulo e a perda do título de capital do país para o recém criado Distrito Federal no estado de Brasília. Além disso, a construção de importantes vias da cidade, como Presidente Vargas (em 1950) e o Viaduto da Perimetral (entre 1960 e 1970), ajudou a isolar e a reduzir ainda mais os investimentos sociais e econômicos (Rio de Janeiro, 2009).
            Segundo Dias (2010), na década de 1980, iniciaram-se discussões a respeito de uma segunda revitalização da área. Em 1987, numa política visando à privatização e modernização do transporte de cargas portuárias, a responsabilidade da administração portuária foi passada para a iniciativa privada. Desde então, a Concessionária Companhia Docas do Rio de Janeiro tem administrado o transporte de cargas e demais operações no porto do Rio.
Desde 1998, a Concessionária Píer Mauá S/A tem administrado a administração do Terminal Internacional de Cruzeiros do Porto do Rio de Janeiro, composto pelos 4 primeiros pavilhões do porto. Desde 2007, a partir da reforma dos pavilhões, a empresa passou a atuar no setor de eventos, recebendo anualmente diversos eventos importantes, como BRITE 2012 e Rio Boat Show 2013. (Rio+20, 2012; Píer Mauá, 2013) e impulsionando a motivação turística da região.
            Conforme dados do Instituto Pereira Passos (Rio de Janeiro, 1993), o projeto de revitalização da região portuária, porém, é datado do início da década de 1990. Trata-se do mesmo projeto, com algumas modificações, nomeado “Porto Maravilha”, somente posto em prática no final da década de 2010. Devido a questões burocráticas e a não definição de um acordo entre os governos federais, estaduais e municipais, o projeto de revitalização da região portuária sofreu sucessivos adiamentos. Somente em 2009 formalizou-se o projeto conhecido como “Porto Maravilha”, numa promessa de novas estruturas urbanas para os Jogos Olímpicos, em 2016, sediados no Rio de Janeiro.

Porto do Rio de Janeiro, turismo e requalificação urbana
 
Andreatta (2010) defende essas intervenções em zonas portuárias e argumenta sobre a importância delas, com destaque para as novas oportunidades urbanísticas, sociais e econômicas, a integração paisagística da cidade com a cidade, numa remodelação do waterfront e a requalificação de áreas decadentes e obsoletas, sem deixar de considerar os desafios de seu desenvolvimento. Requalificar pressupõe, neste aspecto, modificar um espaço urbano esquecido, contudo não vazio de significados. Pautando-se também nesse aspecto, a autora faz considerações que podem ser referidas à prática do turismo, como um caminho para uma requalificação das áreas em questão, como oportunidade para dar maior visibilidade ao lugar.      
Entre as transformações propostas pelo projeto, estão a demolição do Viaduto da Perimetral, a construção de túneis, reforma de monumentos históricos, criação de espaços culturais, construção e reforma de museus, com destaque para o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã; além da implantação do Sistema Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), uma espécie de bonde de alta tecnologia ligado por trilhos. Esse moderno sistema, segundo informações da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro 1 (CDURP, 2013), contará com 42 estações e terá capacidade para transportar até 450 passageiros em cada viagem, em 6 diferentes linhas. Um dos trajetos do VLT será o Aeroporto Santos Dummont, utilizado para voos domésticos, integrando o aspecto do turismo por esta nova modalidade de transporte.
            Todavia, considera-se a possibilidade de impactos contrários àqueles inicialmente propostos, interferindo de forma negativa na região, em especial na vida dos moradores locais. Entre essas consequências estão a “especularização” imobiliária e o consequente processo de “gentrificação” da região, por meio do qual os moradores se veem obrigados a migrarem de regiões valorizadas, devido à elevação do custo de vida nesses locais (CRIEKINGEN, 2006; FERREIRA, 2010).
Em contrapartida, Ferreira (2010) traz uma análise crítica sobre a excessiva valorização econômica e o favorecimento do capital privado pelas três esferas do governo nos processos de transformações urbanas na cidade do Rio de Janeiro ao longo de sua história, mais recentemente, com a revitalização da zona portuária carioca com o Projeto Porto Maravilha. O autor, igualmente, destaca a sobreposição do interesse turístico, político e econômico ao interesse das comunidades locais, concluindo, com base em outros projetos desenvolvidos na cidade, que o projeto Porto Maravilha visa apenas beneficiar o capital privado, ignorando os interesses sociais da cidade.
            Dessa maneira, o autor defende que a cidade do Rio de Janeiro, seguindo a lógica consumista do atual sistema econômico, tem se transformado em mercadoria, a ser vendida internacionalmente e negociada enquanto produto no mercado competitivo e globalizado de grandes empresas. Por outro lado, as consequências da globalização, não somente remetem às suas transformações econômicas, como têm raízes ideológicas baseada na sociedade (Postman, 1994; Reis, 2012).
A globalização desempenhar um papel expressivo na sociedade contemporânea, envolvendo a alocação de recursos, ampliação da noção espacial e a própria sensação de pertencimento, principalmente afetando a mobilidade de turística entre cidades e países, e encurtando fronteiras tanto espaciais quanto mentais (Reis, 2012).
            Seguindo esse pensamento, e conforme argumentado por Gomes (2013, p. 185), os “espaços públicos nos colocam sempre em exposição e transformam qualquer atividade em expressão, mesmo quando não há um objetivo precípuo nesse sentido”. A ideia de pertencimento a um dado lugar, portanto, pode trazer significados distintos e, impulsionados pela lógica global, e sua relação com os sujeitos e seus lugares, levar a compreensões que não cabem em um único olhar norteador. As perspectivas quanto às mudanças sociais remetem ao condicionante social de cada indivíduo. Apesar de um ambiente em permuta, o ser social, também em modificação, é capaz de reger ações moldadoras em seu espaço.
            Quanto às considerações sobre os processos de revitalização, portanto, é necessária cautela ao analisar seus impactos e transformações. Criekingen (2006) sugere o rompimento da visão de extremo otimismo com relação às novas estéticas urbanas e o embelezamento das cidades, e simultaneamente, o pessimismo acentuado com relação à vida cotidiano da população mais pobre a ser afetada e, portanto, os agentes gentrificador e planejador são absolutamente análogos.
Barretto (2003) sugere analisar o turismo para além de seu paradigma econômico, incorporando aspectos de sua dimensão sócio-antropológica. Por outro lado, a visão unicamente nesta dimensão constitui uma visão romantizada e deslocada da realidade apresentada.
Como estratégia pertinente de desenvolvimento, defende-se o papel dos planejadores de inteirarem dos problemas vividos pelas comunidades locais e propor uma inserção mais integrada da sociedade às mudanças em espaços urbanos no que se refere a implantação de políticas-pedagógicas de cunho participativo em comunidades (Souza, 2013).
            A sociedade também é produtora dos próprios significados e o turista, enquanto apreciador desses cenários, vislumbra por meio do seu olhar os aspectos da vida cotidiana, muitas vezes mascarado pelos espaços urbanos, dada sua multiplicidade em significados (Bauman, 2001). No viés das transformações na cidade, com relação à atividade turística, os valores econômicos apesar de presentes não devem se sobrepor aos valores sócio-antropológicos.

Considerações finais
O Porto do Rio de Janeiro caracteriza o passado e o futuro da cidade. Muitos investimentos e transformações marcaram e, certamente, ainda irão marcar a região. Atualmente, as melhorias de vias terrestres, estruturas de transporte e requalificação de seu entorno são destacados a margem dos impactos sociais, condicionados, em espacial, aos moradores de comunidades na região.
O projeto de requalificação busca, em síntese, uma ressignificação da atual região portuária da cidade do Rio de Janeiro. A atual área portuária é um reflexo do processo histórico de desvalorização da atividade portuária ao longo do último século que, com o desenvolvimento do turismo, vem apresentando um grande potencial econômico para a cidade. Por outro lado, provavelmente, as mudanças de interesse político e econômico venham a modificar a expressão de vida urbana dos moradores de comunidades ao redor do porto, abastecidos historicamente de valores associados à identidade cultural da região.
Os interesses políticos e econômicos, principalmente nas cidades podem se sobrepor aos interesses sociais, gerando conflitos de magnitude pensando a partir das novas lógicas de mercado, recaindo sobre o cotidiano dos diversos agentes urbanos. A cidade do Rio de Janeiro está enraizada por fatores histórico-sociais, acompanhando extensos debates e ricas discussões a respeito de seu desenvolvimento enquanto cidade e imagem do turismo.
O lazer e o turismo trazem novas interpretações ao uso das regiões portuárias. No caso do Rio de Janeiro, as riquezas naturais e culturais da cidade a tornam singular, especialmente para o turismo. Pensar o turismo sem o intrínseco paradigma econômico seria ignorar o contexto de sua atividade, enquanto troca cultural, ou subjugar a motivação ao lazer, à viagem e ao entretenimento, movimentos naturais geridos e produzidos em âmbito social.
            Apesar do cunho transformador, a sociedade é capaz de imperar novos significados e trazer funções igualmente diversas aos espaços, não necessariamente aqueles pensados em primeira mão. Observa-se, afinal, que um dos principais desafios do turismo é ser capaz de articular com todos esses agentes, enquanto atividade econômica, de forma integral e dinâmica, partindo de princípios éticos baseados no respeito à cultura, memória e identidade da população local. Além disso, o turismo traz em si implícita uma prática genuína e humana de reconhecimento do outro em seu espaço, em sua relação com a paisagem, no qual os papéis de observador e observado são expostos concomitantemente, dando riqueza e multi significado ao espaço urbano.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. São Paulo: Zahar, 2001
BARRETTO, M. O imprescindível aporte das ciências sociais para o planejamento e compreensão do turismo. In: Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 9, n. 20, p. 15-29, outubro de 2003. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ha/ v9n20/v9n20a01.pdf. Acesso em: 01 dez 2013.
CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

CDURP - Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.portomaravilha.com.br/. Acesso em: 28 nov 2013.
COLVERO, Adriana A. A requalificação do centro antigo da cidade de São Paulo: Políticas urbanas, planejamento participativo e gestão, no período de 2001-2004. 2010. Tese (Doutorado em Geografia) Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
CORREA, R. L. O Espaço Urbano. São Paulo: Atica, 2004.
CRIEKINGEN, Mathieu. A cidade renasce! Formas, políticas e impactos da revitalização residencial em Bruxelas. In: Bidou-Zachariasen, Catherine. De volta à cidade: dos processos de gentrificação às políticas de revitalização dos centros urbanos. São Paulo: Annablume, 2006. p. 89-120
DIAS, S. Rio de Janeiro e o Porto Maravilha. In: Andreatta, V. (org.). Porto Maravilha e o Rio de Janeiro + 6 casos de sucesso de revitalização portuária. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010.
FERREIRA, A. O projeto de revitalização da zona portuária do rio de janeiro: os atores sociais e a produção do espaço urbano. Ano: 2010. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-331/sn-331-31.htm. Acesso em: 04 jun 2014.

GOMES, P. C. da C. O lugar do olhar: elementos para uma geografia da visibilidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.
NOVAES, Washington. Enfrentar a obsolescência das estruturas urbanas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 17 de fev. 2012.
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ZOLADZ, Marcia. Passeios e sabores cariocas. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.

* Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) e graduado em Hotelaria pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

** Professor titular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, atuando nos mestrados de Turismo e de Estudos Culturais e na graduação de Lazer e Turismo. Graduado em Turismo (1983) e licenciado em Filosofia (1988) pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas; mestre em Filosofia Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1991); doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e Livre Docente em Lazer e Turismo pela ECA/USP (2003).

1 Trata-se de uma empresa municipal criada para fiscalizar e monitorar as obras do Projeto “Porto Maravilha”. As obras são de responsabilidade da Concessionária Porto Novo S/A (Dias, 2010).

Recibido: 30/11/2016 Aceptado: 11/12/2016 Publicado: Diciembre de 2016

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