Noémi Marujo*
Jaime Serra**
Maria do Rosário Borges***
Universidade de Évora, Portugal
noemi@uevora.ptRESUMO
As Cidades Património Mundial são um elemento fundamental para a captação de turistas e visitantes. O estatuto de ‘Património Mundial’ faz com que estas cidades, com a chancela da UNESCO, funcionem como uma distinção simbólica para atraírem turistas que procuram conhecer e experienciar uma cultura com autenticidade e a história de um outro povo. A cidade de Évora foi classificada, em 1986, pela UNESCO como Património Mundial devido, especialmente, ao seu centro histórico que contempla características arquitetónicas singulares. O turista cultural apresenta diferentes motivações que podem estar associadas a questões sociais, pessoais e educativas. São as motivações do turista cultural ligadas aos atributos culturais do destino que contribuem para o seu grau de satisfação. Compreender o processo da satisfação do turista cultural em cidades património mundial é fundamental para o futuro de um destino turístico. O presente artigo pretende identificar o grau de satisfação global do turista e/ou visitante na cidade de Évora.
Palavras-chave: Cidades Património Mundial, Autenticidade, Turista Cultural, Satisfação, Centro Histórico de Évora
TOURISM AND AUTHENTICITY IN WORLD HERITAGE CITIES: THE CULTURAL TOURIST’S DEGREE OF SATISFACTION IN ÉVORA TOWN (PORTUGAL)
ABSTRACT
World Heritage Cities (WHC) recognition are a key element to capturing tourists and visitors. UNESCO “Word Heritage” qualification creates a symbolic distinction and consequently a growing attracting influence for tourists travelling with the main purpose of knowing and experiencing the local cultural authenticity and the history of a certain people. Évora was recognized as “World Heritage” by UNESCO in 1986, mainly due its singular and well preserved city center architectonic characteristics. The cultural tourists revealed different motivations, which may be linked too social, personal and education issues. Cultural tourists’ motivations are linked to cultural attributes of the destination which are explained through their degree of satisfaction. Furthermore, understanding cultural tourists’ degree of satisfaction process in WHC is vital for the future of destinations. Thus, present paper intends to identify the tourists and/or visitors’ degree of satisfaction in the city of Évora.
Keywords: World Heritage Cities, Authenticity, Cultural Tourist, Satisfaction, Historic Center of Évora
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Noémi Marujo, Jaime Serra y Maria do Rosário Borges (2016): Turismo e autenticidade em cidades património mundial: o grau de satisfação do turista cultural na cidade de Évora (Portugal), Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 21 (diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/turydes/21/evora.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/turydes21evora
1-INTRODUÇÃO
As Cidades Património Mundial, certificadas pela UNESCO, funcionam como uma ferramenta poderosa para a promoção de um destino turístico (Vareiro e Mendes, 2015). Elas possuem autenticidade e uma identidade singular e, por isso, são constantemente projetadas para o consumo turístico. Ou seja, “são usadas como ícones para o marketing dos destinos” (Body e Timothy, 2006: 56).
De facto as Cidades Património Mundial constituem, de certa forma, um elemento fundamental para a captação de turistas e visitantes. O estatuto de ‘Património Mundial’ faz com que estas cidades, com a chancela da UNESCO, funcionem como uma distinção simbólica para atraírem turistas que procuram conhecer e experienciar a cultura e história de um outro povo. Sublinhe-se que o património cultural constitui o núcleo da identidade cultural das cidades históricas e, de forma idêntica, a base do seu principal atrativo turístico (Marujo, Serra e Borges, 2013). Nelas, o turista dirige o seu olhar para os atributos culturais que estabelecem uma ligação com o passado.
A cidade de Évora foi classificada, em 1986, pela UNESCO como Património Mundial devido, especialmente, ao seu centro histórico que contempla características arquitetónicas singulares. A sua classificação assentou essencialmente em dois critérios: No facto de Évora ‘ser o melhor exemplo de cidade da idade do ouro portuguesa após a destruição de Lisboa pelo terramoto de 1775’ e, ainda, no facto da ‘paisagem urbana de Évora permitir compreender a influência exercida pela arquitetura portuguesa no Brasil em sítios como Salvador da Baía’ (Simplício e Camelo, 2015). A classificação da UNESCO foi, de certa forma, um selo para Évora se afirmar como cidade turística. Fomentou não só a preservação do património, mas também a promoção turística de uma cidade interiorizada (Marujo, Serra e Borges, 2013). Sublinhe-se, no entanto, que a presença do turismo na cidade é bastante anterior a esta distinção. Segundo Simplício e Camelo (2015), o turismo já se fazia sentir desde o final do século XIX e início do século XX. De acordo com os autores, nessa época a preservação e divulgação do património histórico eborense já mobilizava os responsáveis pelo turismo.
2-TURISMO E AUTENTICIDADE
Nas pesquisas em turismo, não há muito acordo sobre o conceito de autenticidade (Richards, 2007). A noção de autenticidade tem sido objecto de uma série de estudos e existem várias interpretações para a sua aplicação. A temática da autenticidade tem desempenhado um papel fundamental na compreensão da motivação e da experiência turística (Cohen, 2004). A autenticidade é vista como “algo que emerge de um processo social” (Olsen, 2002: 163), e funciona como uma imposição na área dos estudos do turismo (Hughes, 1995).
Embora o conceito de autenticidade seja utilizado em diversas pesquisas, “as suas ambiguidades e limitações têm sido crescentemente expostas. Os críticos questionam a sua utilidade e validade porque muitas das motivações e experiências dos turistas não podem ser explicadas em termos do conceito convencional de autenticidade” (Wang, 1999: 349). Nos estudos em turismo, o conceito é usado para “caracterizar um critério de avaliação utilizado pelo turista moderno como observador” (Cohen, 2004: 103). Para este autor é possível identificar na literatura três questões sobre a autenticidade: a) o turismo conduz à exploração da popularização cultural; b) o turismo destrói a autenticidade ao expô-la; c) o turismo contraria o desejo do turista por uma experiência autêntica. Cohen (1988) argumenta que o conceito de autenticidade é socialmente construído, negociável e que varia de acordo com os turistas e o seu ponto de vista. Por isso, Dias (2009: 138) afirma que a autenticidade “é um componente essencial do imaginário turístico”.
O dilema da autenticidade está longe de ser consensual e, portanto, ela é abordada em diferentes perspectivas na investigação em turismo. Daí, que a sua definição não seja consensual. Ou seja, “a noção de autenticidade é demasiado instável para reivindicar o estatuto paradigmático de um conceito” (Reisinger e Steiner, 2006: 66). É, portanto, um conceito aberto a muitas interpretações, mas de grande importância no contexto do turismo cultural (Getz, 2002).
Segundo alguns autores (McKercher e Cros, 2002; Sharpley, 2008), a autenticidade em turismo está relacionada com o sentido genuíno da cultura tradicional e à sua origem, ao real e ao único. Logo, “a autenticidade é característica do que é genuíno, inalterado ou verdadeiro. Com respeito ao turismo, o termo frequentemente refere-se a uma motivação, como em busca de experiências culturais autênticas” (Getz, 2002: 425). Wang (1999) também define autenticidade como algo que é genuíno e historicamente exacto. No entanto, o autor considera que algo que é percebido inicialmente como inautêntico pode tornar-se autêntico ao longo do tempo. Para este autor, “os turistas não desejam apenas a autenticidade do outro. Eles também procuram a autenticidade entre eles próprios. Os objectos visitados ou o turismo podem ser apenas meios através dos quais os turistas se reúnem e, deste modo, experimentarem relações interpessoais autênticas” (Wang, 2000: 68).
Segundo MacCannell (2003), o turista moderno procura a autenticidade porque esta tornou-se um bem escasso nas sociedades modernas. Ou seja, “o turista é uma espécie de peregrino contemporâneo, procurando autenticidade em outras épocas e em outros lugares, distanciados da vida quotidiana” (Urry, 1996: 24-25). Mas, a procura do turista pela autenticidade pode não corresponder às suas expectativas devido essencialmente à encenação dos espaços turísticos.
MacCannell (2003), apoiando-se nos conceitos de Erving Goffman (front region and back region), considera que o nível de autenticidade oferecida ao turista é muito baixo, ou seja, “a artificialização dos ambientes e os arranjos (turísticos e promocionais) dos lugares impedem o turista de definir com clareza a fronteira entre as regiões de bastidores (autêntica e vernacular) e as regiões de fachada (encenação e artificialidade) dos ambientes sociais ou naturais que visita” (Fortuna, 1995: 30). Note-se que “a consciência turística é motivada pelo desejo de viver experiências autênticas, e o turista pode acreditar que está avançando nessa direcção, embora muitas vezes seja difícil saber se a experiência é, de facto, autêntica. Sempre existe a possibilidade de que o que supostamente é a entrada numa back region seja na realidade uma entrada numa front region totalmente preparada para a visita turística” (MacCannell, 2003: 133-134).
Wang (2000) refere que a natureza complexa da autenticidade no turismo é evidente e, por isso, sugere que ela seja classificada em três abordagens:
1- Autenticidade Objectiva: refere-se à realidade dos objectos originais. Ou seja, as experiências autênticas no turismo são comparadas a uma experiência epistemológica (cognição) da autenticidade dos originais;
2- Autenticidade Construtiva: está associada à autenticidade que é projectada nos objectos turistificados pelos turistas ou pelos produtores do turismo em termos de imagens, expectativas, preferências, opinião, poder, etc. “As coisas parecem autênticas não porque são inerentemente autênticas, mas porque a sua veracidade é construída pela crença, pontos de vista, perspectivas ou poderes” (Wang, 2000: 49). O autor sublinha que as experiências autênticas no turismo e a autenticidade de objectos turistificados são constitutivas de uma outra e, por isso, considera que a autenticidade de objectos turistificados é, de facto, uma autenticidade simbólica. Ou seja, o que o turista procura são signos de autenticidade (Culler, 1981). Esta ideologia e os seus sub-conjuntos caracterizam a autenticidade como uma interpretação socialmente construída da genuidade das coisas observadas, mais do que um fenómeno real e objectivo discernível empiricamente (Reisinger e Steiner, 2006). Para os construtivistas, os turistas estão de certa forma à procura de autenticidade. No entanto, o que procuram não é a autenticidade objectiva ou autenticidade original, mas a “autenticidade simbólica que é o resultado da construção social” (Wang, 1999: 356). O recurso a reconstituições ao vivo de acontecimentos históricos tem sido uma das formas de satisfazer a procura de experiências estruturadas por parte dos turistas (Janiskee, 1996). De facto, “as reconstituições históricas podem muito bem ser um catalisador das impressões de autenticidade, na medida em que transportam psicologicamente os participantes para outros tempos e outras culturas” (Dias, 2009: 133).
3- Autenticidade Existencial: refere-se a um estado vivencial da forma de estar que é activada pelas actividades turísticas. A autenticidade existencial tem pouco a ver com a autenticidade dos objectos visitados. Ela envolve os sentimentos pessoais ou intersubjectivos, activados pelo processo liminar das actividades turísticas (Wang, 2000).
Conclui-se que a autenticidade varia de turista para turista e da forma como ele reconhece ou não as dimensões da autenticidade. A questão da autenticidade é relativa a cada tipo de turista que pode ter a sua própria definição, experiência e interpretação do conceito.
3- TURISMO CULTURAL EM CIDADES PATRIMÓNIO MUNDIAL
As Cidades Património Mundial são ricas em história. Elas funcionam como referências para o turismo cultural mas, também, para o turismo de massas (Morales-Fernández e Lanquar, 2014). É óbvio que todos os lugares possuem história. Mas há cidades que pelo seu valor histórico e universal, como é o caso das cidades património mundial, contribuem para o conhecimento e a compreensão do processo de uma civilização. A cultura é o selo da identidade de uma sociedade (Vicente e Guzmán, 2004) e, portanto, é a herança cultural e histórica que, de certa forma, faz com que estas cidades sejam projetadas como joias de atração turística para muitos turistas, especialmente, os culturais. Sublinhe-se que a principal motivação para visitar um destino cultural baseia-se essencialmente nas características patrimoniais do lugar que o turista pretende visitar (Poria, Butler e Airey, 2001). Em algumas cidades património mundial, “o turista tem a oportunidade de vivenciar algo que acredita ser ‘real’ na cultura visitada” (Marujo, Serra e Borges, 2013: 143).
As cidades património mundial proporcionam diferentes experiências aos turistas. Mas elas devem oferecer, especialmente, uma educação cultural (Garrod e Fyall, 2000; Thimothy e Boyd, 2003). Ou seja, o património histórico (material e imaterial) de um destino turístico deve proporcionar aos turistas e visitantes um maior conhecimento sobre a história do lugar que visitam e a razão da existência desse património. Saliente-se que neste tipo de cidades, “a maioria dos visitantes alega que as experiências em que eles aprendem algo de novo são mais gratificantes e inesquecíveis” (Timothy, 2011: 35).
O turismo cultural é um processo social que tem como elemento distintivo a referência a um conjunto de processos simbólicos que formam a cultura e a identidade de uma sociedade (Vicente e Guzmán, 2004). Ele pode ser um estímulo para revalorizar, afirmar e recuperar os elementos culturais que caracterizam e identificam cada comunidade perante um mundo globalizado (Toselli, 2006). E, portanto, atrair turistas culturais é uma das estratégias mais comuns de muitas regiões para conservarem as suas culturas tradicionais, criarem uma imagem cultural e desenvolverem novos recursos culturais (Richards, 2009).
O turismo cultural assenta em dois pilares: o primeiro está associado à motivação que os turistas devem ter para visitar um determinado lugar. O segundo centra-se na perceção do lugar por parte dos turistas, ou seja, na satisfação pessoal que obtêm com a visita (Vicente e Guzmán, 2004). O turista cultural é, nomeadamente, aquele que procura o conhecimento, a aprendizagem e a satisfação da sua curiosidade em relação ao património que visita. De facto, a componente cultural subjaz na totalidade das deslocações turísticas, pois a curiosidade em conhecer outras formas de vida e outros lugares está na mesma génese do fenómeno turístico (Vaquero, 2006). No destino, o turista cultural movimenta-se à procura de ícones que caracterizam a identidade local e a memória coletiva de um povo. Para este turista, a cultura assume um papel fundamental no processo de decisão da escolha do destino e, também, nas atividades que pretende desenvolver sejam elas passivas ou ativas.
As Cidades Património Mundial, utilizando os estudos de Thimothy e Boyd (2003) e Jansen-Verbeke (1997), podem ser consumidas por dois tipos de turistas culturais: a)Os turistas culturais fortemente motivados: aqueles turistas que selecionam o destino em função das características patrimoniais que ele apresenta. Eles estão altamente motivados para o processo de aprendizagem sobre a cultura que visitam. Ou seja, estão mais inclinados para uma educação cultural. Não recorrem somente aos livros, mas também aos painéis de interpretação das atrações culturais e procuram, sempre que possível, interagir com a comunidade anfitriã. Para Jansen-Verbeke (1997), estes turistas ficam mais de uma noite no destino e representam apenas uma pequena minoria; b) Turistas de inspiração cultural: os turistas que são atraídos pelas atrações culturais específicas que a cidade património mundial apresenta como por exemplo, no caso de Évora, o templo romano, as fontes, a capela dos ossos, etc. Para estes turistas o importante não é o conhecimento, mas sim a possibilidade de visitar um lugar em evidência. Aliás, em alguns casos, os turistas são influenciados pelas informações turísticas e pelas imagens que são veiculadas pelos meios de comunicação. E, portanto, uma vez no destino procuram o reconhecimento dos ícones projetados pela promoção turística. Este tipo de turista procura várias experiências em distintos lugares e nunca ficam muito tempo num só lugar (Jansen-Verbeke, 1997).
3.1- PRINCIPAIS ATRACÇÕES TURÍSTICAS DO CENTRO HISTÓRICO DE ÉVORA
O centro histórico de Évora possui um elevado valor patrimonial material e imaterial. Tal facto, e o slogan Património Mundial, fazem com que a cidade seja visitada por milhares de turistas de diversas nacionalidades que, através do seu olhar, das suas máquinas fotográficas e câmaras de filmar, percorrem as mais distintas ruas estreitas à procura de registos do passado e dos estilos de vida da população eborense (Marujo, Serra e Borges, 2013). Sublinhe-se que o turista, especialmente o cultural, viaja para observar e experienciar lugares com importância histórica. Ele procura as diferenças culturais e o contacto com outras culturas.
A cidade de Évora possui um conjunto de atracções turísticas que, uma vez veiculadas pelos meios de comunicação, despertam no turista o desejo de vivenciá-las. O património construído, a gastronomia típica e o artesanato fazem com que esta ‘cidade-museu’ receba milhares de turistas e visitantes durante todo o ano. Ao nível do património material destacam-se as seguintes atracções:
a) As muralhas que envolvem o centro histórico guardam ruas e monumentos com autenticidade. As Muralhas de Évora apresentam uma multiplicidade de estilos marcados, especialmente, por várias transformações e restauros que foram levados a cabo em diferentes épocas por distintos povos (Romanos, Visigodos, Mouros e Portugueses Medievais). Elas circunscrevem o centro histórico quase por completo, e constitui uma das imagens mais características da cidade.
b) O Templo Romano constitui um marco histórico e turístico da cidade. É o ícone que maior visibilidade tem nos guias turísticos e, portanto, é um excelente ‘cartão-de-visita’ para os turistas e visitantes.
c) O Colégio do Espírito Santo da Universidade de Évora também funciona como uma forte atracção turística para os visitantes. A criação da Universidade de Évora remonta ao século XVI quando o Cardeal D. Henrique, com a autorização do rei D. João III, mandou construir, em 1450, um edifício para alojar uma comunidade de seminaristas jesuítas. Em 1553, as instalações foram ampliadas e foi erguido o Claustro da Botica que deu origem ao Colégio do Espírito Santo. Em 1559, este edifício em estilo clássico-gótico passou a universidade. Neste edifício destacam-se o claustro renascentista, a sala de actos com fachada barroca guarnecida com azulejos do século XVII, a biblioteca que apresenta um tecto pintado em que a figura central é nossa senhora (mãe) da sabedoria. As salas de aula estão embelezadas com os seus púlpitos e azulejos do século XVIII que representam temas dedicados a algumas disciplinas.
d)O centro histórico de Évora apresenta diversas igrejas, mas a mais visitada é a Igreja de Santa Maria (Sé Catedral). Trata-se de um monumento imponente e bastante atraente. A igreja possui, ainda, um museu de arte sacra com um espólio precioso nas áreas da pintura, escultura e ourivesaria. A igreja de S. Francisco que apresenta uma arquitectura gótico-manuelina também é muito visitada pelos turistas. Trata-se de um monumento que está profundamente associado à história de Portugal, nomeadamente, ao período que marcou a expansão marítima. Uma outra igreja que é visitada pelos turistas é a Igreja da Graça ou Convento de Nossa Senhora da Graça.
e) A capela dos ossos dirige o olhar do turista para o designado dark tourism. A Capela dos Ossos foi erguida no século XVII e teve como objectivo principal transmitir a mensagem da transitoriedade e fragilidade da vida humana. Tal mensagem encontra-se visível ao olhar dos turistas e visitantes logo à entrada através do slogan ‘Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos’. As paredes da Capela dos Ossos e os oitos pilares que a constituem encontram-se cobertos com ossos e crânios humanos. As abóbadas são de tijolo estucado a branco e pintadas com motivos que simbolizam a morte. As arcarias apresentam-se embelezadas com filas de caveiras, cornijas e naves brancas.
Quanto ao património imaterial destaca-se especialmente os museus, a gastronomia e o artesanato. Os museus preservam a história de um povo e são, cada vez mais, transformados para as visitas dos turistas. Os museus de Évora ajudam a melhorar a imagem da cidade enquanto destino turístico e contribuem para o enriquecimento cultural do turista. A gastronomia eborense é rica em tradições. Ela faz parte da cultura alentejana e, portanto, é uma excelente motivação para aqueles turistas que procuram conhecer e experienciar a cultura gastronómica de uma região. Sublinhe-se que gastronomia proporciona a oportunidade para muitos encontros autênticos com culturas diferentes” (Fields, 2002: 39). Relativamente ao artesanato em Évora, podemos considerar que ele é um produto que sustenta o turismo cultural da cidade. É baseado essencialmente na cortiça.
4- A SATISFAÇÃO DO TURISTA CULTURAL
Compreender o processo da satisfação do turista cultural em cidades património mundial é fundamental para o futuro do destino. A análise da satisfação do consumidor é importante para os profissionais da área e para os próprios promotores do turismo porque ela influencia a escolha do destino (Kozak e Rimmington, 2009), a decisão de regressar ou não e, ainda, a decisão de recomendação. Note-se que um turista cultural insatisfeito é a pior publicidade que pode existir para um destino património mundial.
Os contributos académicos sobre a satisfação em turismo têm apresentado diferentes perspetivas e teorias (Yoon e Uysal, 2005) e, por isso, o conceito é bastante complexo uma vez que se encontra enraizado na psicologia social e na teoria do comportamento do consumo (Hede, Jago e Deery, 2004).A ausência de uma definição universal conduz à impossibilidade dos investigadores selecionarem uma definição adequada para um determinado contexto, desenvolver medidas válidas de satisfação, comparar e interpretar os resultados empíricos (Giese e Cote, 2000).
Para Yoon e Uysal (2005), há quatro principais teorias que têm sido empregadas na literatura do turismo para determinar o nível de satisfação do turista: a) a teoria da expectativa/desconfirmação: os consumidores do turismo desenvolvem expectativas sobre um produto turístico antes da compra. Seguidamente eles comparam o consumo do produto com as expectativas; b) teoria da equidade: a satisfação dos consumidores pode ser vista como uma relação entre os custos que o consumidor em turismo gasta e as recompensas ou benefícios que ele obtém; c) teoria da norma: as normas são um ponto de referência para o consumidor avaliar o produto turístico e, portanto, a insatisfação pode surgir como um resultado da desconfirmação em relação a essas normas. Esta teoria utiliza, em alguns casos, o padrão da comparação. Ou seja, os consumidores podem comparar o produto que compraram com outros produtos. Os turistas podem ainda comparar os actuais destinos de viagem com outros destinos alternativos que visitaram no passado; d) teoria do desempenho percebido: a insatisfação do consumidor é apenas uma função do desempenho percebido, independentemente das expectativas dos consumidores. Esta teoria é eficaz quando os turistas não sabem o que querem experienciar e não têm qualquer conhecimento sobre as circunstâncias do destino (Yoon e Usyal, 2005).
Giese e Cote (2000), numa revisão da literatura sobre o conceito de satisfação em turismo, identificaram três elementos compartilhados nas definições: a) a satisfação do consumidor é algum tipo de resposta, emocional e cognitiva; b) a resposta é baseada numa avaliação de fatores específicos (expectativas, atributos do produto, experiência de consumo, etc.); c) as respostas ocorrem num período de tempo específico (antes da compra, depois da compra, depois do consumo, depois da experiência alargada).
5- METODOLOGIA
A metodologia segue uma abordagem quantitativa. Sublinhe-se que a pesquisa quantitativa, no turismo, é fundamentada no paradigma positivista, e adopta o modelo dedutivo para o processo da investigação (Jennings, 2010; Altinay e Paraskevas, 2008). Uma das razões para o impulso da aplicação das técnicas quantitativas no estudo do turismo está, especialmente, associada ao aparecimento e desenvolvimento dos destinos turísticos, o que faz com que o sector do turismo necessite, cada vez mais, de estudos quantitativos para se tornar mais competitivo no mercado (Marujo, 2013). Assim, o presente artigo pretende identificar e analisar o grau de satisfação que os turistas/visitantes obtiveram durante a sua visita à cidade de Évora.
Para atingir o objetivo da investigação elaborou-se um inquérito por questionário que procurou, através de um conjunto de questões fechadas e abertas, identificar o perfil sociodemográfico do turista/visitante, os motivos para se deslocar à cidade, o grau de satisfação que obteve sobre os atributos culturais que visitou e a intenção de comportamento futuro. Refira-se que os inquéritos por questionário constituem um dos mais populares métodos de recolha de dados entre os investigadores do turismo, e são muito eficazes na recolha sistemática de informações de um grande número de pessoas (Altinay e Paraskevas, 2008). De facto, esta técnica é bastante útil para o investigador que estuda o turismo. Ela fornece informação sobre o perfil sociodemográfico do turista e sobre o seu comportamento turístico, mas também oferece um conjunto de informações de carácter quantitativo sobre determinadas características do turismo enquanto fenómeno social e cultural. Por outro lado, a pesquisa através do questionário oferece ao profissional do sector turístico uma informação pormenorizada. Este facto “pode ter incentivado os investigadores interessados na análise de dados quantitativos para dar maior prioridade à indústria do turismo na sua agenda de pesquisa” (Dwyer et al, 2012: 1).
Na investigação, optou-se pela amostra não-probabilística por conveniência entendida como um procedimento no qual a representatividade da amostra é sacrificada em prol da facilidade na obtenção do modelo (Pizam, 1994). A amostra por conveniência é composta por sujeitos que são facilmente acessíveis e estão presentes num determinado local e num momento preciso (Fortin, 2003). A amostra “…é conveniente precisamente porque é, por definição, a essência da preocupação de um estudo ou porque satisfaz o parâmetro geral dos objectivos de um estudo” (Clark et al, 1998: 87). Assim, no presente estudo foram aplicados 465 inquéritos por questionário, em 2015. De acordo com o pré-teste, os inquéritos foram aplicados junto dos monumentos mais visitados: Templo Romano, Igreja S. Francisco, Praça do Giraldo, Catedral de Santa Maria (Sé) e Universidade de Évora.
6- ANÁLISE DOS DADOS
Através da análise aos dados, e dos 465 inquéritos por questionário aplicados, verificou-se que 51% eram do sexo masculino e 49% do sexo feminino. Quanto à faixa etária apurou-se que a categoria ’46-60 foi a que atingiu maior percentagem, ou seja, 31,8%. Seguidamente surge a faixa etária ’31-45’ com 25,5%, a faixa etária ’61-80’ com 23,2% e finalmente a faixa etária ‘18-30’ com 19,4%.
Relativamente à nacionalidade dos inquiridos aferiu-se que 37,6% eram de Portugal, 10,3% do Reino Unido, 10,1% da Espanha, 9,9% do Brasil, 6,7% da França, 4,9% do Canadá, 4,5% da Alemanha, 4,1% dos Estados Unidos, 2,8% da Holanda, 2,4% da Bélgica, 4,5% na categoria ‘outros da europa’ e 2,2% na categoria ‘outros do mundo’. Verificou-se ainda que a maioria dos inquiridos possui ao nível das habilitações literárias licenciatura (54,6%).
Para avaliar o grau de satisfação do turista cultural sobre as principais atracções culturais (materiais e imateriais) aplicou-se a escala de likert (insatisfeito, pouco satisfeito, satisfeito, muito satisfeito, extremamente satisfeito). Nos resultados apurou-se que na categoria do ‘património monumental construído’ 48,6% dos turistas inquiridos ficaram satisfeitos, 38,8% extremamente satisfeitos, 11,2% satisfeitos, 0,7% pouco satisfeitos e 0,7% insatisfeitos. No que concerne à gastronomia aferiu-se que 47,9% dos turistas ficaram muito satisfeitos, 39,4% extremamente satisfeitos, 10,8% satisfeitos e 1,5% pouco satisfeitos. O que concerne aos museus verificou-se que 44,2,% dos turistas ficaram muito satisfeitos, 34% satisfeitos, 13,7%% extremamente satisfeitos, 7,2% pouco satisfeitos e 0,9% insatisfeitos. Finalmente na categoria do artesanato aferiu-se que 43,1% dos turistas estavam muito satisfeitos, 36,1% satisfeitos, 14,4% extremamente satisfeitos, 6,2% pouco satisfeitos e 0,3% insatisfeitos.
No nível de satisfação global da visita a Évora, 54,7% dos turistas/visitantes ficaram muito satisfeitos, 23,8% satisfeitos, 19,9% extremamente satisfeitos, 1,4% pouco satisfeitos e finalmente 0,3% dos inquiridos insatisfeitos. É o grau de satisfação que o turista atinge num destino que, de certa forma, contribui para ele regressar ou não. Assim, na questão colocada sobre o regresso à cidade de Évora, verificou-se que 24,7% dos turistas responderam a categoria ‘muito provável’, 23,7% ‘certamente regressará’, 22,2% disseram que seria ‘pouco provável’, 8,8% dos turistas referiram que ‘provavelmente’ regressariam, enquanto 8,8% ‘improvavelmente’ repetirá a visita. Refira-se que 11,8% sublinhou a categoria ‘não sabe/não responde’
7-CONCLUSÃO
Évora é uma cidade que apresenta características culturais autênticas, especialmente, na área do património material construído. O desenvolvimento do turismo cultural em cidades património mundial é crucial para afirmar ou recuperar elementos culturais e históricos que caracterizam essas cidades. Por outro lado o turismo cultural, caso seja planeado de forma equilibrada, pode contribuir para a valorização das singularidades culturais de uma localidade.
Alegre e Garau (2010) referem que a literatura indica que tanto a satisfação global do turista como a intenção do turista para regressar ao destino é parcialmente determinada pela sua avaliação dos diferentes atributos que ele faz do lugar que visita. No caso da cidade de Évora, os atributos culturais que um turista visita pode influenciar fortemente o seu grau de satisfação. Sublinhe-se que é a avaliação da experiência que ele faz sobre tais atributos que também contribuem para a satisfação/insatisfação. Assim, e de acordo com os resultados, pode-se afirmar que Évora é uma cidade que prende a atenção dos turistas para os principais atributos culturais que são veiculados através dos meios de comunicação, mas também para outros atributos que despertam nele no local da visita a curiosidade como, por exemplo, os museus e o artesanato.
Conclui-se que o centro histórico de Évora possui um conjunto de atributos culturais reveladores de autenticidade que captam a atenção do turista. No entanto, começam a surgir dentro da cidade produtos de expressão universal como, por exemplo, os designados meios de transporte ‘Tuc, Tuc’ que descaracterizam de certa forma a singularidade cultural e histórica de Évora.
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Nota de Agradecimento: Este trabalho de investigação foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, COMPETE, FEDER, Portugal 2020 sob o projecto: UID/HIS/00057/2013 (POCI-01-0145-FEDER-007702) – CIDEHUS.
** Doutorado em Turismo pela Universidade do Algarve (Portugal). Professor da Licenciatura em Turismo e do Mestrado em Turismo e Desenvolvimento de Destinos e Produtos da Universidade de Évora. Investigador do CIDEHUS.
*** Doutorada em Turismo pela Universidade de Aveiro (Portugal). Professora da Licenciatura em Turismo e do Mestrado em Turismo e Desenvolvimento de Destinos e Produtos da Universidade de Évora. Investigadora do CIDEHUS
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