Revista: Turydes Revista Turismo y Desarrollo. ISSN 1988-5261


O TURISMO ARQUEOLÓGICO NO ESTADO DE RORAIMA - BRASIL: PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES

Autores e infomación del artículo

Mariana Dias*

Raul Ivan Raiol de Campos**

Universidade Federal do Pará, Brasil

1990@gmail.com

RESUMO: O estado de Roraima possui um rico patrimônio arqueológico que é desconhecido em sua maioria, apesar de possuir mais de oitenta sítios arqueológicos registrados.  Porém, os sítios mais conhecidos do público têm problemas como a falta de gestão eficiente e destruição. Este artigo tem como objetivos analisar o processo de gestão do patrimônio arqueológico, e apresentar propostas para o desenvolvimento do turismo arqueológico no estado de Roraima. A metodologia consistiu de pesquisa bibliográfica e documental, com a finalidade de se fazer um levantamento histórico da área pesquisada e para a construção de referencial teórico. A pesquisa de campo foi realizada nos meses de fevereiro e março de 2013, com atualização de dos em 2015 e inicio de 2016, por meio de observação direta e coleta de material fotográfico, além de entrevistas realizadas com pessoas ligadas diretamente a gestão do patrimônio arqueológico no estado de Roraima.

Palavras-chave: Patrimônio Arqueológico, Turismo Arqueológico, Roraima.
ABSTRACT: State of Roraima has a very rich archaeological heritage, but most of it is unknown, even though more than eighty archaeological sites are cataloged. However, the most known sites have problems such as lack of efficient management and destruction. This paper has the objectives to analyze the process of archaeological heritage management and to present proposals for the development of archaeological tourism in the State of Roraima. The methodology consisted of bibliographic and documental research in order do a historical survey of the research area and to produce the theoretical background. The field research was conducted in February and March 2013 and updated in 2015 and beginning of 2016, involving direct observation, photographic material collecting, and also interviews with people responsible for archaeological heritage management of State of Roraima.
Key-Words: Archaeological Heritage; Archaeological Tourism; Roraima.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Mariana Dias y Raul Ivan Raiol de Campos (2016): “O turismo arqueológico no estado de Roraima - Brasil: perspectivas e possibilidades”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 20 (junio 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/turydes/20/roraima.html


1 INTRODUÇÃO

O patrimônio cultural tem atraído o interesse das sociedades devido à crescente vontade de entrar em contato com diferentes culturas, e diante disso, o patrimônio arqueológico brasileiro vem sendo cada vez mais procurado. Funari (2003: 27) afirma que o

Crescente interesse têm despertado os aspectos públicos da arqueologia, seja no que se refere à legislação de proteção do patrimônio, seja nas praticas de caráter educativo em museus, bem como na importante defesa dos direitos das comunidades indígenas, negras e populares em geral.

Com esse interesse, surge a necessidade de controle da atividade turística visando à proteção, conservação e preservação dos sítios arqueológicos que recebem fluxo de turistas cada vez maior. Para que isso de fato aconteça, é de fundamental importância a participação do poder público nesse processo, tanto na elaboração de políticas de proteção a esses sítios, quanto na fiscalização e controle de acesso. De acordo com Scatamacchia (2005: 10)

(...) é importante que os órgãos oficiais valorizem e elaborem mecanismos de proteção às culturas tradicionais de suas regiões, principalmente do patrimônio arqueológico, pois este representa um elemento que fica a parte desse processo (...).

As pesquisas arqueológicas tornaram-se importante a partir da década de 1960 com a intensificação de estudos e maior divulgação de seus resultados, além de artigos acadêmicos e matérias publicadas em revistas científicas. De acordo com Barreto (2010), nessa mesma época formaram-se os primeiros arqueólogos profissionais do país. Depois dos anos de 1980 houve um crescimento de projetos de arqueologia de contrato que atuam em áreas de infraestrutura econômica.

Projetos desse tipo coletavam dados para a emissão de um diagnóstico arqueológico, relatório indispensável para uma avaliação dos impactos do empreendimento sobre os sítios arqueológicos e para a elaboração de medidas destinadas a mitigar os prováveis danos aos bens arqueológicos situados nas ditas áreas (BARRETO, 2010: 226).

O aumento da divulgação das pesquisas acadêmicas proporcionou a discussão sobre a preservação e valorização do patrimônio arqueológico nacional, que é constantemente depredado e ameaçado de destruição pelo crescimento econômico e pela falta de informação e conscientização no que diz respeito a sua importância enquanto bem cultural. Nas últimas décadas, a questão da valorização do patrimônio arqueológico, vem ganhando particular destaque social, contudo, o seu reconhecimento, no plano das políticas, quer urbanas, quer nacionais, não tem acompanhado, na prática, esse desenvolvimento.
No estado de Roraima há crescente interesse turístico relacionado aos sítios arqueológicos. Porém, a falta de políticas de proteção  nesses sítios os torna suscetíveis à destruição e descaracterização. Em Roraima o interesse turístico diz respeito, tanto aos sítios, quanto a paisagem em torno dos mesmos, o que envolve também a população local. O estado possui mais de 80 sítios cadastrados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), sendo que o mais conhecido é o da Pedra Pintada, que também é um ponto turístico do estado. E como tal, sofre as consequências da atividade turística.
O estado de Roraima precisa de um programa de gestão de seu patrimônio arqueológico que envolva esfera pública, iniciativa privada e principalmente participação ativa da população que reside nos arredores dos sítios arqueológicos. Por isso, este trabalho tem como objetivos analisar o processo de gestão desse patrimônio arqueológico, e apresentar propostas para o desenvolvimento do turismo arqueológico no estado de Roraima.
A metodologia utilizada neste trabalho consistiu em pesquisa bibliográfica e documental, com a finalidade de se fazer um levantamento histórico da área pesquisada e para a construção de referencial teórico. A pesquisa de campo foi realizada nos meses de fevereiro e março de 2013 através de observação direta e coleta de material fotográfico, além de entrevistas realizadas com pessoas ligadas diretamente a gestão do patrimônio arqueológico no estado de Roraima.

2 PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO NO BRASIL

A Arqueologia representa a ciência ou estudo das sociedades antigas. Segundo Barreto (2010: 13), “o vocábulo surgiu no final do século XVI era associado ao estudo das antiguidades clássicas e monumentos pré-históricos existentes na Europa”. Ainda segundo o autor, “a concepção da arqueologia como uma ciência autônoma, com embasamento teórico e metodologia de pesquisa própria se dá somente a partir do inicio do século XX” (BARRETO, 2010: 14).
No Brasil, a arqueologia surgiu com os estudos de Peter Wilhem Lund sobre a paleontologia em Lagoa Santa, Minas Gerais, quando no período de 1834 a 1844 localizou 800 cavernas com fósseis de animais antigos e restos humanos (FUNARI, 2003).
Entretanto, segundo Funari (2003), as pesquisas arqueológicas só tiveram ampliação com a criação do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e a vinda de estudiosos estrangeiros para realizar expedições no país a partir de 1870. Nesse período começam as pesquisas o Museu Paulista, em São Paulo, e o Museu Paraense, em Belém, foram responsáveis pelas iniciativas de preservação mais amplas do patrimônio arqueológico. Segundo Funari (2003), a pesquisa arqueológica começou por influência de Paulo Duarte por seu contato com Paul Rivet - diretor do Museu do Homem de Paris.
            Segundo Schmitz (2003), os pioneiros na re-fundação da arqueologia no Brasil foram o Dr. José Loureiro Fernandes, da Universidade Federal do Paraná, e o Dr. Paulo Duarte, que fundou o Instituto de Pré-História da Universidade de São Paulo (USP), responsáveis pela vinda de pesquisadores estrangeiros que treinaram os primeiros pesquisadores nacionais em teoria e método arqueológico.
Entre esses estrangeiros estão Wesley R. Hurt, que estudou os abrigos sob rochas em Minas Gerais e os Sambaquis no Paraná, e Josef Emperaire e Annette Laming-Emperaire, que pesquisaram sambaquis de São Paulo e do Paraná. Especialista em arte rupestre, esta última pesquisadora introduziu uma metodologia francesa para documentá-las e analisá-las. Nos estudos de cerâmica, os pioneiros foram Betty J. Meggers e Clifford Evans, que contribuíram para o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) e para o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas da Bacia Amazônica (PRONAPABA).
Até o inicio da década de 1960, a arqueologia era considerada apenas uma técnica destinada a coletar, descrever e classificar os patrimônios oriundos de épocas antigas, no entanto, nesse período deu-se inicio um movimento conhecido como New Archeology (Nova Arqueologia). O movimento originou-se nos Estados Unidos e dava ênfase no estudo de padrões de comportamento da sociedade através do tempo. A partir da divulgação dessas ideias, cresceu o grupo de autores que passaram a acreditar que a arqueologia deveria preocupar-se tanto com as transformações das sociedades humanas como com seu funcionamento (FUNARI, 2003).
No decorrer do tempo, a arqueologia foi conceituada de diversas maneiras por diversos autores, e atualmente pode ser conceituada como “a ciência que estuda as sociedades humanas passadas através de seus vestígios materiais” (BARRETO, 2010: 16), não apenas uma técnica, como era considerada anteriormente.
Partindo para um conceito mais abrangente, Funari (2003) afirma que a arqueologia diz respeito não somente a vestígios materiais deixados por sociedades passadas, mas também com relação à apropriação da natureza pelo homem.

[...] a porção da totalidade estudada pela arqueologia não se restringe ao produto do trabalho humano [...], também são estudados pela arqueologia os ecofatos e biofatos, ambos ligados a apropriação da natureza pelo homem. Os arqueólogos criaram o conceito de ecofato e biofato para se referirem a vestígios do meio ambiente e restos de animais associados aos seres humanos (FUNARI, 2003: 14).

Sendo assim, seu conceito afirma que a arqueologia estuda “a totalidade de material apropriada pelas sociedades humanas, como parte de uma cultura total, material e imaterial, sem limitações de caráter cronológico” (FUNARI, 2003: 15).
O patrimônio arqueológico, também, faz parte da herança cultural que constitui a identidade de um grupo ou nação. Barreto (2010: 227) afirma que,

O patrimônio arqueológico de um país é formado pelos objetos, estruturas e quaisquer indícios materiais deixados por populações que habitaram determinada região. [...] Abrange todos os artefatos e fosseis oriundo da atividade social humana que foram recuperados através de técnicas arqueológicas.

A preservação desse patrimônio é de extrema importância tanto para a herança cultural quanto para fins de referências materiais. O patrimônio arqueológico necessita ser identificado e protegido por meios legais de valorização social e política.
No que diz respeito à identificação do patrimônio, Menezes (1987: 206) afirma que a “identificação do patrimônio arqueológico é indispensável para o recorte de campo”, definindo assim o que será objeto de estudo para a valorização e preservação. Para a interpretação desse patrimônio, o autor reitera que apesar do caráter antropológico, a pesquisa necessita da influência de várias outras disciplinas.

A intervenção arqueológica nessas circunstâncias é de caráter eminentemente antropológico, fundamentada, porém, em evidencias de várias naturezas que, para sua identificação, recuperação e organização, necessitam da intervenção de várias disciplinas (biociências, geociências, ciências exatas e tecnológicas) (MENEZES, 1987: 207).

Quanto à preservação do patrimônio arqueológico, ainda segundo Menezes (1987: 208), diz respeito à “proteção física (preservação, conservação ou restauração), legal (medidas de restrição e intervenção) e social (uso)”. A proteção legal cabe ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de acordo com a legislação existente. Menezes apresenta as responsabilidades atribuídas ao IPHAN.

Dentro do leque de responsabilidades abrangidas pela proteção legal, podem ser salientadas: a. autorizações para pesquisa de campo [...]; b. vistorias, avaliação de impactos de obras e intervenções. c. autorizações e embargos de obras e intervenções em sítios arqueológicos; d. estudos e propostas de tombamento, preservação, restauração, uso; e. definição das áreas de interesse arqueológico (e respectivas consequências), nos projetos de planejamento urbano e territorial; f. peritagem relativa a exportação, importação e circulação de material arqueológico. (MENEZES, 1987: 208).

A necessidade de tais cuidados se dá devido à fragilidade e a natureza não reciclável dos bens e também ao mau uso praticado pela sociedade devido à falta de informação ou má fé. Por fim, quanto à valorização do patrimônio, o autor citado afirma que, “trata-se do uso, mas não como forma de conservação, e sim na justificativa social da proteção que é a introdução de valores e de qualidade de vida que os bens culturais podem proporcionar” (MENEZES, 1987: 2008).
Nesse sentido, a iniciativa privada, a comunidade e o poder público, devem unir-se para a execução de ações mais efetivas no que diz respeito à proteção patrimônio arqueológico, pois só assim é possível estimular a conscientização da importância da valorização desse patrimônio.
Somente em 1920 foi criada a primeira proposta efetiva de preservação que visava à desapropriação dos sítios arqueológicos, que passariam a ser bens culturais nacionais. Porém o projeto foi não foi adiante por ir contra a constituição de 1891. No entanto, o assunto ganhou visibilidade e passou a ser objeto de debate por parte de alguns políticos e intelectuais. Com a criação do Decreto nº 24.735, em julho de 1934, o governo iniciou a organização de serviço de proteção aos monumentos históricos e às obras de arte, porém, sua eficácia estava limitada pelo seu caráter de norma apenas regulamentar (BARRETO, 2010).
Apenas com o governo varguista do Estado Novo foi promulgado o decreto lei nº 25 em 1937, que instituiu a primeira legislação para gerir os bens histórico-culturais nacionais definidos como interesse público; seja por apresentarem valor histórico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico seja por fazerem parte de momentos importantes na história brasileira (BRASIL, 1980).
Contudo, em 1961 foi criada a lei especifica para a proteção dos sítios arqueológicos, a lei nº 3.924. De acordo com esta lei, no artigo 2º, considera como bens arqueológicos as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos de cultura dos paleoameríndios do Brasil, os sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupação pelos paleoameríndios; os sítios identificados como cemitérios e sepulturas; as inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros vestígios de atividade de paleoameríndios (BRASIL, 1961).
A legislação proíbe a destruição e mutilação dos sítios, mas autoriza escavações para fins arqueológicos em terras de domínio público ou privado, desde que haja prévio consentimento do órgão administrativo competente, que na época seria o DPHAN, o atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) “acompanhado de prova de idoneidade técnico cientifica e financeira do requerente e nome do responsável” (BARRETO, 2010: 232).
Nesse contexto, como órgão federal de proteção do patrimônio, o IPHAN é a mais antiga entidade oficial de preservação dos bens culturais da América Latina, e como tal, tem o dever de fiscalizar e fazer cumprir a legislação de proteção e conservação do patrimônio público.
No entanto, a lei possui falhas como não contemplar os sítios históricos e dá prioridade aos sítios que exigiam escavação para serem pesquisados, deixando de lado outros tipos de sítios que também possuíam muita relevância cientifica, como os de arte rupestre. Mas apesar de suas debilidades, a lei representou um grande avanço no que diz respeito à salvaguarda de sítios arqueológicos, pois põem em proteção todos os tipos de sítios arqueológicos, sendo utilizada como instrumento de proteção até os dias atuais. “Existem também leis estaduais e municipais sobre da proteção e preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural e arqueológico” (BARRETO, 2010: 233).

3 PATRIMÔNIO E PESQUISA ARQUEOLÓGICA NA AMAZÔNIA

A Amazônia foi inicialmente ocupada por grupos de forrageio, isto é, grupos pré-coloniais de caçadores-coletores. Segundo Roosevelt (1991), pesquisadores do século XIX encontraram evidências estratigráficas e artefatos no Pleistoceno Tardio (11 mil 200 anos AP) e no inicio do Holoceno (11 mil anos) no Baixo Amazonas da existência de forrageadores. Os grupos de forrageio viviam em bandos, eram nômades e dependentes dos recursos florestais.
Existem teorias que explicam a ocupação humana na Amazônia. A primeira influenciada pela teoria do determinismo ecológico ou ambiental defendida por Betty Meggers e Clifford Evans. Segundo Roosevelt (1991), para os defensores do determinismo ecológico, a pobreza dos recursos ambientais teria limitado o desenvolvimento de sociedades indígenas, devido aos solos ácidos, lixiviados e frágeis. Para a autora, segundo a teoria, o ambiente amazônico não poderia produzir recursos alimentares em grande escala, conseqüentemente, não poderia desenvolver sociedades complexas (cacicados). Portanto, os teóricos que defendiam essa teoria concluíram que as sociedades complexas vieram dos Andes e da Mesoamérica, que eram os centros de civilização da América (ROOSEVELT, 1991).
A segunda teoria defendida por Roosevelt (1991) contrária a anterior, afirma a existência de sociedades complexas (cacicados) autóctones na Amazônia. Para a autora havia cacicados complexos que praticavam a agricultura intensiva e tinham sítios com arquitetura em escala urbana de aterros monumentais e agrícolas. Contudo, segundo Schaan (2009), Roosevelt propôs que o cultivo de milho poderia ter dado condições econômicas para o surgimento de cacicados centralizados, mas como ela não obteve evidências da existência do cultivo de milho no teso dos Bichos (ilha de Marajó), mas uma economia baseada na coleta e pesca sazonal, propôs que as sociedades não eram economicamente e politicamente centralizadas. 
A terceira explicação para ocupação humana na Amazônia é defendida por Schaan (2009). A autora usa dados ecológicos, etnológicos e arqueológicos para explicar o surgimento de sociedades complexas na Ilha do Marajó, tendo como base a economia da pesca intensiva. Para Schaan (2009), a exploração intensiva de recursos aquáticos e não a agricultura intensiva pode estar na base do desenvolvimento de cacicados na Amazônia antes da conquista pelos europeus.
Para Schaan (2009), a construção aterros ou tesos não era para escapar da cheias sazonais como defendiam Meggers e Evans, mas as escavações de lagos artificiais eram para reter grande quantidade de peixes durante o período de estiagem na ilha. Para a autora, os cacicados surgiram nas cabeceiras dos rios, onde era necessário para garantir água anualmente e manter o controle dos recursos aquáticos. A localização dos aterros cerimoniais junto aos reservatórios para peixes indicaria o controle religioso e político sobre a economia.
Na Amazônia, o patrimônio arqueológico começou a ser conhecido na década de 1860 com a chamada Cultura Maracá do sul do estado do Amapá (BERTHO, 1994; LANGER 2002). Segundo os autores, foi o doutor Francisco da Silva Castro que encontrou os primeiros vestígios de cerâmica no Marajó e no rio Maracá. Em 1871, Dr. Castro doou uma urna funerária antropomorfa da região da Guiana Brasileira ao Museu Paraense (BARRETO, 1992; PENNA, 1973). De acordo com Bertho (1994: 66), “[...] constava de um sarcófago imitando a figura humana e contendo ossos”. Ainda de acordo com Bertho (1994) e Langer (2002), foi a partir das informações repassadas pelo Dr. Castro e por sua influência que Domingos Soares Penna, fundador do Museu, iniciou suas expedições arqueológicas na região do Maracá.
Em 1871, Penna realizou a primeira expedição arqueológica a ilha do Marajó, no aterro do Pacoval, onde durante as escavações duas urnas funerárias incompletas e vários fragmentos de cerâmica (BARRETO, 1992). Em 1872. Penna visitou a região de Maracá duas vezes (janeiro e outubro), onde coletou urnas antropomorfas e zoomorfas que ele denominou respectivamente de “tubulares” e “tartarugas terrestres” (PENNA, 1973). Ele retornou em 1877 a Maracá, onde coletou mais urnas, algumas inclusive com crânios. Penna (1877: 50-51) afirma que “[...] as urnas oferecem grande interesse tanto por suas fórmas, como pelo facto de conterem ossos humanos, e às vezes esqueletos completos”.
Em 1895, Emílio Goeldi realizou expedição científica ao rio Cunaní, onde no monte Curú encontrou em poços funerários 18 urnas que continham restos humanos (BARRETO, 1992). Em 1896, Aureliano Lima Guedes, auxiliar de Emílio Goeldi no Museu Paraense, realizou expedição à região de Maracá, mais precisamente ao rio Igarapé do Lago, afluente da margem direita do rio Maracá. Nesse local, ele realizou escavações nas ilhas de Cunhaí, Fortaleza e Terra Preta, onde encontrou nos "necrotérios indígenas" urnas semelhantes às encontradas por Penna. Na ilha de Terra Preta encontrou uma urna (igaçaba) do sexo feminino com um colar nos braços, o que o levou a supor que o sítio era contemporâneo à colonização (GUEDES, 1897).
O Museu Paraense Emilio Goeldi tem sido desde sua fundação em 1866, a principal instituição de pesquisa arqueológica da Amazônia, portanto, detém o maior acervo arqueológico da região. Dentre as principais coleções destacam-se as culturas: Maracá, Cunaní, Marajó, Tapajônica. Além de uma coleção de peças africanas.
Segundo o IPHAN, na Amazônia Legal existe mais de 4.000 sítios arqueológicos registrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos. Apesar da existência de um número expressivo de sítios arqueológicos, isso não garante a preservação dos mesmos. Schaan (2009) relatou a pilhagem de sítios arqueológicos das culturas Marajoara e Tapajônica. Campos (2008) demonstra a pilhagem e o saque de um sítios arqueológico da cultura Maracá, no sul do estado do Amapá. Há também o vandalismo que compromete a preservação de sítios arqueológicos, como é o caso sítio Igreja de Pedra na Serra dos Martírios/Andorinhas, conforme aponta Campos (2008).
Existe também a destruição não intencional de sítios arqueológicos por comunidades locais, devido muitas dessas comunidades viverem assentadas ou próximas a esses sítios. Exemplo dessa natureza foi registrado por Campos (2008) na Vila Santa Cruz dos Martírios, localizada sobre o sitio arqueológico, onde é comum os moradores encontrarem fragmentos de cerâmica, vasilhas de cerâmica e urnas funerárias quando cavam seus quintais para fazer fossas, enterrar lixo ou mesmo fazer construções. Outro exemplo de destruição não intencional é apontado por Schaan (2009) nas comunidades ribeirinhas que depredam os sítios na construção de casas e retirada de vasos de cerâmica arqueológica para uso doméstico. A destruição do patrimônio arqueológico pode ser evitada se as políticas de gestão envolverem as comunidades locais.

4 PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO EM RORAIMA

O estado de Roraima possui um patrimônio arqueológico diversificado em seu território. Entanto, parte desse patrimônio ainda não foi devidamente estudado ou sequer descoberto, sendo que uma das grandes dificuldades é a falta de profissionais qualificados para realizar tal estudo.
Um dos primeiros estudos realizados na região foi o projeto arqueológico de salvamento na região de Boa Vista, capital do estado, que teve sua primeira etapa realizada em 1985. O estudo foi requerido pela Fundação Nacional Pró-Memória solicitando ao Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) para que fossem enviados à Boa Vista arqueólogos com o intuito de investigar a destruição intencional de sítios arqueológicos existentes na região. Depois de constatada a destruição humana e também natural no sítio Pedra Pintada, foi sugerido em relatório que se criasse um plano de proteção para este e outros sítios existentes e havia também a proposta de um plano de pesquisa a médio prazo. A sugestão foi aceita e foi assinado um convênio entre o Governo de Roraima e o MPEG (RIBEIRO; GUAPINDAIA; MACHADO, 1987).
Em março de 1985, teve inicio a realização do plano de pesquisa. O estudo foi conduzido por Mentz Ribeiro, financiado pelo governo do estado de Roraima e coordenado pela Divisão de Arqueologia do MPEG. O trabalho de campo foi realizado em três etapas entre os anos de 1985 e 1987 e foram registrados entorno de 40 sítios arqueológicos. Ao final de cada etapa, foram elaborados relatórios que continham todas as informações coletadas durante o campo e também a respeito da análise do material coletado, identificando o tipo de material como pintura (figura 1),cerâmica (figura 2), urnas funerárias (figura 3), etc. (RIBEIRO; GUAPINDAIA; MACHADO, 1987).

Atualmente, existem 87 sítios arqueológicos do estado de Roraima catalogados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do IPHAN. Porém, de acordo com a superintendência do IPHAN em Roraima, existem muitos outros sítios que foram descobertos, mas ainda não foram devidamente registrados.
Dentre os sítios arqueológicos mais conhecidos e frequentados pela população em geral, estão a Pedra Pintada e as Corredeiras do Bem-Querer, sendo que atualmente, o sítio da Pedra Pintada tem seu acesso restrito.

4.1 Sítio da Pedra Pintada

O sítio arqueológico da Pedra Pintada está localizado a cerca de 800 metros da margem esquerda do rio Parimé, dentro da terra indígena São Marcos, distante aproximadamente 143 km da capital do estado Boa Vista (RIBEIRO; GUAPINDAIA; MACHADO, 1987), que tem como principal acesso a BR-174 sentido ao município de Pacaraima que faz fronteira com a Venezuela (figura 4).

O sítio arqueológico caracteriza-se como um monólito de forma arredondada em granito, que se destaca em meio à savana pela sua altura (30 metros) e pela monumentalidade dos registros rupestres nela efetuados, uma vez que os mesmos podem ser vistos à distância (BRASIL, 2011), conforme figura 5 e 6.

Os registros rupestres identificados no sítio da Pedra Pintada estão distribuídos em três locais: painel principal, que está a norte, painel próximo à entrada da caverna, na porção leste e a “pedra do sacrifício” na porção oeste do sítio. A face externa contém pinturas rupestres em vermelho e uma caverna na base que afunila gradativamente numa extensão aproximada de 12 metros. Sendo que todos estes dados foram descritos anteriormente pelo projeto de salvamento arqueológico realizado por Mentz Ribeiro e equipe. De acordo com este mesmo estudo, o material encontrado pertence à mesma tradição cultural da fase Rupununi, que viveram na área de savana ao norte do estado, próximo à fronteira da Guiana. Vestígios apontam que eles estiveram na região desde 1.200 anos atrás, até os primeiros contatos com os europeus, no século XVIII (SANTOS, 2010).
Atualmente o local está sofrendo processo de degradação devido a fatores naturais e humanos
Grande parte das pinturas rupestres do sítio vem sofrendo com a ação de agentes naturais, principalmente com o intemperismo físico (ação do sol e chuvas, além do vento) e químico (precipitação de sais da rocha) sendo também observável o intemperismo biológico (instalação de insetos por sobre as pinturas, tais como abelhas e “maria-pobre”). O sítio encontra-se sendo alvo de vandalismo por toda à sua extensão (BRASIL, 2011: 3).

Devido a esse processo de degradação que o sítio vem sofrendo ao logo dos anos, surge à necessidade imediata de atitudes por parte do poder público em conjunto com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), para que se inicie o quanto antes projetos para a preservação da Pedra Pintada.
A Pedra Pintada é um dos locais que evocam a identidade roraimense, e a atividade turística pode ser uma maneira de garantir a conservação do local e ao mesmo tempo promover uma fonte de renda para a comunidade que reside nas proximidades.
Porém, para que o turismo ocorra de maneira sustentável, sem se tornar um novo fator de destruição, deve existir uma infraestrutura mínima para à recepção de turistas. Deve ser feito processo de musealização in situ, bem como placas de orientação e sobre a proteção legal do mesmo.
O documento de informação técnica do IPHAN a respeito da Pedra Pintada sugere que além da estruturação básica para o turismo, também é indispensável que haja a reunião de representantes da comunidade indígena do Perdiz, na qual o sítio arqueológico está inserido, para que seja discutido de que forma serão empreendidos esforços para a preservação do referido sítio, de modo que a comunidade seja capaz de geri-lo de forma eficiente.

4.2 Corredeiras do Bem-Querer

As Corredeiras do Bem-Querer estão localizadas na região do médio Rio Branco, em área que se insere no município de Caracaraí (figura 7) a aproximadamente 120 km da capital Boa Vista, que tem acesso pela rodovia BR-174, no sentido sul, para Manaus.

O local abriga centenas de vestígios arqueológicos impressos nas rochas banhadas pelo rio (figura 8), que são as chamadas bacias de polimento, onde grupos humanos ancestrais confeccionaram instrumentos de pedra polida para atender às suas necessidades cotidianas de sobrevivência (BRASIL, 2012).

Também há outros tipos de sítios no local, que são um sitio cerâmico e signos gravados em técnica mista numa face plana de um bloco de granito, sendo que os sulcos das gravuras foram preenchidos com pigmento de cor avermelhada (figura 9 e 10), bastante incomum para a região. A julgar pela quantidade de vestígios existentes na beira d’água, estima-se que deve ter sido um local de ocupação contínua e prolongada.

Há também o apelo turístico devido à beleza natural das corredeiras, que são propícias à prática de esportes de aventura, além de o local possuir praias que permitem o banho, conforme figuras 11 e 12.

O sitio arqueológico Corredeiras do Bem-Querer atualmente está sofrendo grande risco de desaparecimento devido a possível construção da hidrelétrica do Bem-Querer na região. De acordo com a superintendência do IPHAN em Roraima, no dia 31 de outubro de 2012, foi protocolada uma abertura de pedido de tombamento do referido sítio através de um abaixo assinado promovido pelo Movimento Puraké, que está mobilizando a população para manifestar-se contra a construção da hidrelétrica. O documento tem como objetivo a preservação das corredeiras como um relevante bem de importância cultural, arqueológica, antropológica, ambiental e histórica, além de também possuir valor afetivo para a população.
O Movimento Puraké mantém um blog que contém as informações a respeito do manifesto e as ações que estão sendo realizadas contra a instalação da hidrelétrica do Bem-Querer. No dia 29 de junho de 2012, foi publicado um manifesto que explica o objetivo e as diretrizes que o movimento segue:
O Movimento Puraké tem como objetivo favorecer a participação da sociedade no debate sobre o futuro de Roraima, através da divulgação de informações e da abertura de espaços para o diálogo, em busca de um futuro com justiça social, ambiental e econômica. [...] O Movimento Puraké levanta bandeira em defesa do rio Branco, o maior patrimônio natural do povo de Roraima, artéria que drena quase toda a superfície do Estado, lembrando que a saúde deste rio, de seus afluentes e suas nascentes, é indispensável para o futuro de todo o seu povo, rural, urbano e indígena, e que suas águas e margens devem ser protegidas de toda a forma de agressão. [...] O Movimento Puraké chama atenção para o potencial turístico das praias do Rio Branco, um potencial ainda pouco explorado e que pode se tornar uma nova alternativa de desenvolvimento. [...] O Movimento Puraké, finalmente, faz questão de lembrar que a contribuição do rio Branco para o rio Negro e o rio Amazonas, levando em conta o volume e a qualidade da água, a riqueza e a quantidade de peixes, é um valioso serviço ambiental que Roraima presta para o Brasil, e que ainda precisa ser reconhecido, divulgado e valorizado (MANIFESTO..., 2012).

Estes trechos do manifesto deixam clara a preocupação que o movimento tem com a preservação do rio como uma fonte de renda e lazer para a população que vive na região. Menciona, ainda, do potencial turístico que a região possui e que ainda é pouco utilizado, além da existência de sítios arqueológicos que seriam destruídos com a construção do lago da hidrelétrica. Além do movimento Puraké, mais de 30 organizações, empresários, entidades do setor pesqueiro, agricultura e pecuária, igrejas católicas e evangélicas e membros da sociedade estão envolvidos nessa mobilização.
Segundo o Movimento Puraké, a construção do lago da hidrelétrica do Bem-Querer alagaria uma região de cerca de 560 km² e atingirá seis municípios incluindo a capital Boa Vista, além de alagar trecho da BR-174 e da estrada Perimetral Norte. O alagamento vai atingir propriedades rurais às margens do Rio Banco, praias e sítios arqueológicos, prejudicando atividades de lazer, turismo, pesca, agricultura e pecuária.
Conforme reportagem do Jornal Folha de Boa Vista e organizadores do movimento, tudo começou com a edição da Emenda Constitucional nº 03, de 23 de outubro de 2012, pela Assembleia Legislativa de Roraima, que retirou o tombamento das corredeiras do Bem-Querer, no município de Caracaraí, e da faixa de 500 metros das margens do rio Branco, bens anteriormente protegidos pelo artigo 159 da Constituição do Estado de Roraima (ATIVISTAS PROTESTAM..., 2013).
Em outubro de 2012, o Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito civil público recomendando o tombamento federal do sítio arqueológico Corredeiras do Bem-Querer, e encarregando os órgãos responsáveis a tomada de medias imediatas para a preservação do referido sítio. O documento aponta todas as ponderações feitas levando em consideração a legislação brasileira, o documento possui as seguintes resoluções:
[...] a) á Ilma. Sra. Superintendente do instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Estado de Roraima que tome todas as medidas concretas necessária para a proteção do sitio arqueológico das Corredeiras do Bem Querer;
b) á Ilma. Sra. Presidente do instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional que adote as medidas necessárias à garantia da proteção do patrimônio Histórico Nacional, decretando o tombamento do sitio arqueológico das Corredeiras do Bem Querer ou outra medida equivalente;
c) ao Ilmo. Sr. Superintendente do serviço do Patrimônio da União no Estado de Roraima que requisite a titulação da área correspondente ao sitio arqueológico das Corredeiras do Bem Querer para registro junto ao Cartório de Registro de Imóvel;” (BRASIL, 2012).

O descumprimento da recomendação, segundo o MPF/RR, poderá acarretar a propositura de ações judiciais para a reparação de danos causados pelas condutas ilícitas, além de a apuração da responsabilidade civil e criminal dos agentes públicos envolvidos.
De acordo com reportagem da Assessoria de Comunicação Social (ASCOM) da Procuradoria da República em Roraima o procurador da República Fernando Machiavelli Pacheco afirma que o dever de tombar bens imóveis de interesse histórico e cultural é do IPHAN. Conforme o procurador, as Corredeiras do Bem Querer constituem sítio arqueológico reconhecidamente relevante para a história do estado, bem como para a história da nação, o que já foi registrado pelo próprio IPHAN no ano de 2007 (BRASIL, 2012).
O IPHAN deu início ao processo de tombamento das corredeiras do Bem-Querer no final do ano de 2012, sendo que atualmente, o processo está em tramitação. Para dar inicio ao processo, foi levada em consideração a importância cultural, cientifica e ambiental que o sítio representa.
O sítio arqueológico das Corredeiras do Bem-Querer está inserido no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos – CNSA deste instituto, estando assim automaticamente tutelado por legislação específica para a arqueologia (Lei nº 3.924/61), que garante ampla proteção a este tipo de bem independente de ato administrativo de tombamento. Avaliada a pertinência da abertura de processo de tombamento por este órgão, deve-se agora buscar o aprofundamento do conhecimento acerca da relevância deste sítio para a nação brasileira, uma vez que o tombamento de bens arqueológicos é realizado excepcionalmente, por interesse científico ou ambiental (BRASIL, 2012: 5).

O parecer da superintendência do IPHAN em Roraima afirma que a região necessita de estudos mais detalhados para que sejam obtidas mais informações sobre a ocupação do período pré-colonial e histórico, além de uma melhor caracterização da diversidade ambiental. Sendo assim, o IPHAN se coloca contra a destruição do sítio, afirmando que, “a preservação dos sítios arqueológicos é uma das prerrogativas deste instituto, de modo que o mesmo é terminantemente contra qualquer ação que implique na destruição destes bens culturais” (BRASIL, 2012: 6). Porém, após tramitar por vários órgãos entre os anos de 2012 e 2014, o processo de tombamento do Sítio Arqueológicos das Corredeiras do Bem Querer foi indeferido, e atualmente encontra-se arquivado.
As Corredeiras do Bem-Querer representam para a população mais do que apenas um local de lazer, significam também identidade cultural, além do rio servir como fonte de renda e alimentação para muitas famílias que vivem em seu entorno. A destruição desse patrimônio significa a perda de conhecimento que jamais poderá ser reavido, conhecimento esse que ainda não foi sequer descoberto em sua plenitude.

5 TURISMO ARQUEOLÓGICO

            Embora o turismo arqueológico seja consolidado em países como México e Peru, somente recentemente este tipo de turismo vem sendo desenvolvido no Brasil. Segundo Manzato (2007: 100) o turismo arqueológico:
 
Consiste no processo decorrente do deslocamento e da permanência de visitantes a locais denominados sítios arqueológicos, onde são encontrados os vestígios remanescentes de antigas sociedades, sejam elas pré-históricas e/ou históricas, passíveis de visitação terrestre ou aquática.

Esse tipo de turismo permite ao turista um contato direto com vestígios remanescentes de sociedades históricas e pré-históricas, agregando valor cultural à população de maneira geral.  Os monumentos arqueológicos são testemunhos da vida passada de um povo. Em torno deles se formam lendas e histórias que resistiram ao tempo contando a aventura do homem na terra no decorrer de milhares de anos. Esses monumentos desempenham um papel importante na reconstrução do passado dos povos e das raças (SCATAMACCHIA, 2005). Nesse contexto, o turismo arqueológico possui enorme potencial de atração por possuir valor histórico agregado, além de ser singularizar por apresentar acervo arqueológico de natureza peculiar como objetos, construções e cidades de beleza incomparável.
Dessa forma, a atividade turística pode ser utilizada como um meio de conservação e preservação dos sítios arqueológicos, tornando-se um motivador econômico de manutenção e adaptação dos sítios. Porém, o turismo se praticado de forma predatória pode acabar por depredar os sítios, pois estes são frágeis e de cunho não renovável. Além disso, a tendência à homogeneização da diversidade cultural das sociedades acaba por transformar o produto cultural em mercadoria para ser “consumido de forma rápida e massificada como qualquer outro produto” (BARRETO, 2010: 262), o que pode vir a descaracterizar os sítios arqueológicos que recebem visitação turística. Ainda de acordo com Barreto (2010: 263) “o turismo descontrolado e o acesso não tutorado a esses espaços os deixam a mercê de visitantes mal-educados ou mal-intencionados”, o que traz ameaças a sua integridade física e singularidade cultural.
De acordo com Pardi (2007: 320), as práticas arqueológicas no Brasil podem ser classificadas em três grupos conforme os tipos de projetos e iniciativas. O primeiro deles é o de grande porte, de dedicação exclusiva ou modelo Niède Guidon, que são iniciativas estatais que dispõem de capital público e privado, abrangendo grandes áreas com centenas de sítios colocados sob proteção legal com gestão de médio e longo prazo, contando com assessoria permanente de profissionais especializados e com cooperação da comunidade local. Este grupo tem como único exemplo, o Parque Nacional Serra da Capivara.
O segundo grupo é o modelo de médio porte, que envolve iniciativas estatais e municipais. A maior parte diz respeito a criação de projetos compensação ambiental, como a criação de parques ambientais para a amenização dos impactos ambientais. Abrange áreas de médio porte com dezenas de sítios em ambiente natural, tendo apoio de capital público e privado, com gestão de curto e médio prazo, apoio periódico de profissionais especializados e da comunidade local, podendo se transformar em referência regional e nacional. Esse modelo possui vários exemplos, como Monte Alegre e Serra das Andorinhas (PA) (PARDI, 2007: 320).
O terceiro modelo é o de pequeno porte, proveniente de iniciativas municipais, comunitárias, privadas e de pessoas físicas. Abrange áreas de pequeno porte com um ou mais sítios, com apoio de capital essencialmente privado, efetuado com proteção legal e gestão de curto e médio prazo, apoio eventual de profissionais especializados e da comunidade, podendo envolver diversos atores regionais e locais. Este último modelo possui diversos exemplos espalhados por todo o país (PARDI, 2007, p. 320).
Segundo Barreto (2010: 265), os sítios com maior potencial para o turismo são os de arte rupestre, porém, são também os mais vulneráveis a atividade humana não monitorada. Os sítios sofrem com a pichação, depredação e ate o furto de seu acervo, e muitas vezes essas ações ocorrem dentro das áreas de proteção ambiental, principalmente naqueles que não possuem infraestrutura adequada para a implantação da atividade turística.
Nesse sentido, a preservação do patrimônio arqueológico através da atividade turística representa uma boa política, uma vez que já vem sendo realizada informalmente em escala bastante expressiva (PARDI, 2010). Assim, não pode existir o uso turístico do patrimônio arqueológico sem antes haver planejamento de estratégias que assegurem a preservação e conservação dos sítios arqueológicos, sendo que essa questão tem amadurecido, mas a falta de modelos viáveis é um problema existente em varias regiões.
De acordo com Barreto (2010: 267) a existência do turismo arqueológico autossustentável depende de projetos bem estruturados para que o empreendimento tenha longevidade. A elaboração de propostas para a turistificação de um sítio de uma determinada área necessita de colaboração de vários agentes sociais.

As instituições e os indivíduos envolvidos podem variar, mas geralmente incluem a comunidade local, as universidades e/ou museus, os arqueólogos que estudam a região, o IPHAN, os poderes públicos em uma ou mais de suas instancias governamentais (municipal, estadual e federal), as empresas privadas e entidades da sociedade civil (BARRETO, 2010: 267).

No caso da arqueologia, além de conhecer a população que vive na região do sitio, é necessário conhecimento com relação às características dos povos e culturas que ocuparam a região em diferentes momentos cronológicos, além de conhecer as características dos sítios que representam um panorama bastante diversificado. Para tanto, Pardi (2007: 327) afirma que,
É fundamental que o setor seja regulamentado e inserido nas políticas públicas, com diretrizes definidas, planejamento estratégico, programa com lançamento de editais, acompanhamento e fomentos contínuos. O público brasileiro e internacional demanda e merece fluir da beleza e do imaginário que os sítios arqueológicos propiciam por meio do turismo cultural (...).

Esse tipo de estratégia representa um eficiente método de educação patrimonial, pois facilita ao cidadão o cumprimento de seu papel na preservação desses bens, pelo fato de se identificar com o patrimônio e entender seu significado e assim se orgulhar dessa memória e compreender que esta herança ancestral pode melhorar sua qualidade de vida.

6 TURISMO ARQUEOLÓGICO EM RORAIMA: PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES

A atividade turística no estado de Roraima ainda não se encontra desenvolvida em toda a sua capacidade, apesar de o estado possuir um grande potencial em seu território. O turismo é uma atividade de crescimento modesto, com pouca participação na formação da renda local.
O estado possui grande potencial para o turismo receptivo, devido a sua riqueza natural que conta com praias, lagos, cachoeiras, entre outros. Além de sua atração mais conhecida, o Monte Roraima (figura 13).

Recentemente, um novo tipo de turismo vem ganhando visibilidade na região: trata-se do Turismo Arqueológico. De maneira geral, a região amazônica possui um diversificado patrimônio arqueológico representado por sítios espalhados por toda a Amazônia.
Atualmente, vem ocorrendo um crescente interesse nos sítios arqueológicos existentes no estado de Roraima, que devido à falta de planejamento, gestão e controle, se encontram suscetíveis à destruição ou descaracterização. Pois os vestígios arqueológicos encontram-se na superfície, logo são mais frágeis e necessitam de políticas de proteção e conservação maior, sendo que os mais conhecidos e requisitados para a visitação são o da Pedra Pintada e o Acampamento da Pedra Pintada, que ficam localizados na região nordeste do estado (SANTOS, 2010).
Atualmente, a entrada neste sítio é restrita a pessoas que possuem autorização da FUNAI. Porém, quando o acesso era livre, o sítio sofreu as consequências do turismo desordenado, uma das consequências é a pichação que ainda existe no local (figura 14).

Por ser uma atividade muito recente na região, os investimentos são muito escassos, principalmente por parte do poder público. As poucas iniciativas que existem são oriundas da iniciativa privada, em sua grande maioria vinda de agências de viagens, que não tem a devida preocupação com a preservação dos sítios arqueológicos.
Durante muito tempo, a própria comunidade se manteve resistente ao fomento do turismo como atividade econômica para a região, mantendo, inclusive, o sítio da Pedra Pintada fechado ao acesso público. Essa realidade vem mudando aos poucos e hoje já existe uma estreita relação entre as associações da Reserva Indígena de São Marcos e o poder público através da Secretaria do Índio.
Em entrevista com a Profª. MSc. Shirlei Santos, que é arqueóloga e professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR), a falta de conhecimento das pessoas em relação à importância dos bens arqueológicos é um dos fatores que contribui para a destruição dos mesmos. A professora participa de um projeto de educação patrimonial chamado Arqueologia e Semântica no ensino Médio, que tem como objetivo a valorização, promoção e apropriação do conhecimento proveniente de sítios arqueológicos por meio de educação patrimonial, com o intuito de criar atores sociais multiplicadores deste conhecimento. A professora também relata que a falta de apoio do poder público é outro grave fator que impossibilita que projetos como esse se espalhem por todo o estado.
Em visita a superintendência do IPHAN em Roraima, outro problema foi apontado com relação à descoberta de sítios arqueológicos e consequentemente, as possibilidades de seu uso turístico. De acordo com o arqueólogo do instituto Roberto Oliveira, as pessoas que descobrem sítios arqueológicos em suas terras não costumam relatar as autoridades por medo de que isso seja motivo para a desapropriação de suas terras e sua transformação em reserva indígena. Essa atitude vinda da própria comunidade deixa muito clara a falta de informação que as pessoas possuem a respeito desta questão.
Ainda segundo o arqueólogo do IPHAN, quando há a descoberta de um novo sítio arqueológico, como procedimento, são realizadas palestras com o intuito de apresentar o IPHAN, sua missão e os instrumentos de proteção existentes na legislação federal que incluem o patrimônio cultural em sua amplitude. Porém, devido ao reduzido número de funcionários que a superintendência possui, a promoção de ações que visem à divulgação da importância da preservação de áreas que possuem sítios arqueológicos em seu interior torna-se mais difícil.
Em Roraima, o interesse turístico recai nos sítios arqueológicos e a paisagem em seu entorno, nos fragmentos cerâmicos e urnas funerárias, que são elementos dos grupos étnicos locais. A questão arqueológica relacionada ao estado de conservação dos sítios é uma precondição para que se possa validar a unidade de análise da informação estudada, que tanto pode ser o sitio, como o conjunto de artefatos. A atividade turística ligada à arqueologia e ao ecoturismo possibilita à realização de atividades voltadas a sustentabilidade do meio ambiente, gerando a reciprocidade da comunidade local com os valores culturais e sociais preexistentes, a construção do conhecimento, o resgate cultural e a educação patrimonial (SANTOS, 2010).
O planejamento da atividade turística deve ser feito levando em consideração as especificidades dos sítios arqueológicos existentes na região, como sua fragilidade. Nesse sentido, é imprescindível a participação da comunidade local, e para que isso ocorra se faz necessária a conscientização da importância da valorização do patrimônio arqueológico como resgate da identidade local. Outro fator fundamental é o conhecimento das pesquisas arqueológicas da região, com o intuito de subsidiar sua execução e gestão.
Para que seja feito um planejamento sustentável em áreas de sítios arqueológicos, deve-se ter em mente que não é qualquer sitio arqueológico que pode ser aberto à visitação. Principalmente, pelo fato de que grande parte dos sítios encontrados no estado se caracteriza por possuírem pinturas rupestres ou vestígios cerâmicos conforme mostrados nas figuras 15 e 16, portanto, mais frágeis e suscetíveis à descaracterização.

Sendo assim, é necessário que se faça a observância de procedimentos que venham a facilitar o acesso e a visualização do local sem esquecer a preocupação com a conservação dos sítios. Além de garantir retorno financeiro, gerando renda para população local envolvida.
A gestão do patrimônio arqueológico (GPA), segundo Pardi (2002: 20),

[...] é vista como um conjunto de estudos, análises, reflexões e ações que buscam equacionar informações sobre os bens culturais, os parceiros envolvidos (comunidade, cientistas, autoridades, mídia...), as estruturas (física e administrativa) e as questões econômicas inerentes, visando a otimizar o uso e o retorno à atual geração, a valorização e difusão, bem como a preservação dos sítios ou blocos testemunhos, do acervo gerado, da documentação e do conhecimento produzido para as gerações futuras.

Sendo assim, a GPA abrange diversos setores da comunidade assim como esferas governamentais a fim de gerir valores e recursos que envolvem toda a questão do patrimônio arqueológico, sendo o IPHAN o órgão responsável. Pardi (2002) discorre a respeito de vertentes de proteção e promoção da GPA que podem ser aproveitadas como modelo de atuação para o estado de Roraima.

A ação se inicia com as atividades de Identificação e Documentação dos bens, as quais serão tratados juntamente com o item referente ao papel da documentação na GPA. Sobre a outra vertente, proteção, pode ser proteção física, quando trata dos vestígios diretos do sítio, como a conservação dos registros e estruturas ou restauração, no caso da arqueologia histórica. A proteção pode ser legal quando se refere ao tombamento, tipos de zoneamento ou outros tipos de restrição que ocorrem quando os sítios estão também situados em áreas de preservação ambiental ou indígena, quando são protegidas pelo estado ou município etc. (PARDI, 2002: 57-58).

Após as ações de identificação, documentação e proteção legal, vêm as medidas de conservação.

A conservação é um conjunto de medidas de caráter operacional que visa a conter a deterioração do bem, parcial ou integral, em relação aos agentes deletérios ou pela ação do tempo. Ela opera através de acompanhamento, consolidação, manutenção, segurança, reutilização e outros (PARDI, 2002: 58).

Essas medidas iniciais tornam o patrimônio menos suscetível a descaracterização e destruição, além do comércio das peças que são encontradas nos sítios. Porém, é apenas o inicio do processo.
Após as medidas de proteção, o próximo passo consiste na promoção do patrimônio, que “constitui o setor em que a devolução deste patrimônio é efetuada para a sociedade nacional”, ou seja, torna acessível ao público. Ainda de acordo com a autora,
[...] a política de promoção deve buscar parcerias e cooperação inter institucional para identificação e equacionamento das múltiplas visões e interesses sociais sobre o patrimônio visando integrar a população, seu acervo cultural e promovê-lo local, regional, nacional e internacionalmente. Este trabalho tem por diretrizes o incremento do debate relativo à preservação, à proposição de instrumentos de trabalho, ao desenvolvimento de ações para o usufruto deste patrimônio, à difusão dos referencias culturais à divulgação do patrimônio em todas as instâncias e o estímulo ao interesse e compromisso com a preservação, através da efetiva participação dos diferentes segmentos da sociedade civil e do Poder Público (PARDI, 2002: 61).

Deve sempre ser levado em consideração que é a comunidade que deve gerir a atividade turística com o apoio de políticas públicas promovidas pelo poder público. Para que isso ocorra, parcerias devem ser firmadas envolvendo o setor público e privado para que haja a criação de cursos profissionalizantes para as pessoas que se envolverão diretamente com a atividade.
A educação patrimonial é outra medida de importante valor, pois estimula a consciência da importância da valorização e do uso seguro do patrimônio arqueológico existente na região. Pardi (2002, p. 66) afirma que “o turismo, no nosso entender, constitui uma poderosa ferramenta da educação patrimonial”, pois a atividade turística pode ser utilizada como instrumento de preservação, regularizando o uso inapropriado dos bens e sensibilizando o usuário a assumis responsabilidade comum em sua proteção (PARDI, 2002: 67-68).
Para que a atividade turística se desenvolva de maneira sustentável no estado de Roraima, é imprescindível que ocorra a colaboração todos os setores envolvidos, pois somente com colaboração mutua, é que a população de maneira geral vai passar a conhecer e valorizar o patrimônio cultural existente na região.
A primeira ação a ser tomada no estado de Roraima é o incentivo a promoção de um projeto de pesquisa arqueológica, sendo esse a primeira ação a ser realizado, de acordo com Pardi (2002: 192).
O primeiro passo de qualquer município, no nosso entender, é a prospecção e registro dos sítios existentes em seu território [...]. A partir destes resultados e da avaliação da relevância, significância e do estado de conservação destes bens, avalia-se a necessidade de implantação de um setor que mantenha periodicamente a vigilância e demais serviços de educação patrimonial.

Roraima ainda é carente de profissionais capacitados para a gestão de seu patrimônio arqueológico, como também de um órgão em nível estadual e municipal que possam vir a servir de apoio a superintendência regional do IPHAN nessa tarefa. Parcerias devem ser feitas para que as pesquisas de cunho emergencial (como em sítios que já sofrem depredação) possam ser realizadas o quanto antes.
Antes que a atividade turística seja incentivada como um instrumento de conservação e preservação de sítios arqueológicos, é imprescindível a criação de uma secretaria de turismo atuante, com recursos e profissionais habilitados para que a atividade se desenvolva de maneira sustentável e não tenha enfoque apenas nos principais sítios arqueológicos do estado.
A parceria entre setor público e privado se dá no turismo através de melhorias na infraestrutura turística necessária para o desenvolvimento da atividade. No caso das prefeituras, o investimento em sinalização turística, melhoria nos acessos aos municípios envolvidos, investimento em transporte público, pavimentação, entre outros. No caso do setor privado, deve-se investir em qualidade nos meios de hospedagem, criação de pacotes turísticos sustentáveis que envolvam visitas aos sítios arqueológicos, investimento em mão de obra qualificada ou parcerias com outras instituições para capacitação.
A população precisa ser envolver por meio de educação ambiental, visto que grande parte da população desconhece sua existência, ou apenas conhece superficialmente os principais, como Pedra Pintada e as Corredeiras do Bem-Querer. Este conhecimento precisa ser ampliado. Por isso, a importâncias das pesquisas serem realizadas e amplamente divulgadas. Projetos de educação patrimonial como os da professora Shirlei Santos precisam ser ampliados e levados a maior quantidade de escolas possível, juntamente com o apoio do departamento de turismo do estado, o IPHAN e a UFRR, para que a promoção do turismo nessas comunidades seja fonte de renda sustentável.
A partir de 2015, a Secretaria de Planejamento, o Departamento de Turismo e a Secretaria do Índio do estado de Roraima iniciaram a elaboração de um plano de desenvolvimento sustentável para as comunidades indígenas, entre elas a Reserva de São Marcos, onde se localiza o sítio da Pedra Pintada. Entre as atividades, o plano inclui o fomento da atividade turística gerida pela própria comunidade. A representação estadual trabalha em conjunto com as associações e entidades que representam as comunidades indígenas para a identificação das principais demandas que serão apontadas no plano de desenvolvimento. Devido ao apelo turístico da região, o turismo será desenvolvido como uma atividade econômica sustentável através de capacitação dos agentes comunitários realizada em parcerias. Além de melhorias e criação da infraestrutura básica necessária.
Como parte do plano, no início de 2016 está previsto pela Câmara Técnica de Turismo – Povos Indígenas uma expedição cujo percurso é de 500 km para fazer um levantamento da situação da Reserva Indígena de São Marcos como o objetivo de criar uma trilha que, a princípio, se chamará “Caminhos de Makunaima”. Mas para isso, os índios, primeiramente, terão que aceitar e permitir o início dos trabalhos.
Além do levantamento, a expedição aproveitará a oportunidade para dialogar com as comunidades que serão envolvidas, pois o projeto será apresentado na assembleia geral dos povos indígenas que acontece em março de 2016, quando se saberá se vai ser possível ou não o trabalho nas comunidades indígenas. Sendo que as atividades turísticas nessa região não necessitam mais da aprovação da FUNAI visto que a Instrução Normativa 03/2015 (regulariza a visitação em área indígena com fins turísticos), determina que a própria comunidade indígena pode decidir se aceita ou não a referida atividade.
Essa iniciativa está apenas começando, mas já indica uma mudança de comportamento por parte do poder público e das comunidades indígenas. Principalmente no que diz respeito à valorização dos anseios da própria comunidade, já que o plano será desenvolvido a partir dos apontamentos da demanda fornecido pelos próprios moradores através de seus representantes. Dessa forma, espera-se uma gestão compartilhada do patrimônio arqueológico e da atividade turística da Pedra Pintada, e que essa iniciativa sirva como exemplo para os outros sítios arqueológicos existentes no estado de Roraima.

7 CONCLUSÃO

O patrimônio cultural representa a identidade cultural de uma nação, ele é elo com o passado, especialmente se tratando do patrimônio arqueológico, pois este remete diretamente as sociedades passadas e seu modo de vida, que são as origens de como vivemos hoje. O patrimônio arqueológico vem obtendo visibilidade nos últimos anos, logo, torna-se mais exposto e suscetível à descaracterização e depredação por parte de pessoas desavisadas e, às vezes, mal intencionadas.
A atividade turística surge nesse meio como uma alternativa para a preservação de sitos arqueológicos, desde que seja planejado com base na sustentabilidade e participação da comunidade envolvida.
O estado de Roraima possui um potencial muito grande para a atividade turística, pois possui belezas naturais e culturais únicas em seu território. Quanto ao patrimônio arqueológico, o estado possui diversos sítios catalogados no IPHAN, dentre estes, muitos possuem potencial para o turismo. Entre eles os que foram citados neste trabalho, o sitio da Pedra Pintada e as Corredeiras do Bem-Querer.
Ambos sofrem com o descaso e abandono. No caso da Pedra Pintada, por estar em terra indígena, teve seu acesso proibido. Contudo, o governo do estado de Roraima e as comunidades indígenas estão iniciando um projeto de desenvolvimento sustentável que inclui o fomento a atividade turística no sítio da Pedra Pintada.
No caso das Corredeiras do Bem-Querer, esta sofre com o turismo de massa desordenado, além do risco de desaparecer devido à construção de uma hidrelétrica. Nesse caso, o uso turístico planejado do local poderia além de trazer renda para o município de Caracaraí (onde estão localizadas as corredeiras), haveria também a proteção do sitio arqueológico, trazendo beneficio para a população e para o patrimônio arqueológico ali existente.
O grande problema na questão da preservação do patrimônio arqueológico no estado de Roraima é a falta de interesse do poder público e a falta de profissionais qualificados que tenham interesse de desenvolver projetos para a região. Outra questão é a falta de conhecimento da população a respeito do tema, o que torna ainda mais difícil a conscientização das pessoas que moram próximo as regiões onde os sítios estão inseridos.
A ausência de pesquisas arqueológicas na região contribui para o desconhecimento de seu potencial e importância de preservação, principalmente pelo fato de que a última grande pesquisa para a identificação e classificação dos sítios arqueológicos ocorreu entre 1985 e 1987 sob o comando de Mentz Ribeiro. Desde então, a pesquisa que foi realizada nesse campo não abrange o grade número de sítios arqueológicos existentes na região.
Para que a atividade turística ocorra de maneira sustentável e seja geradora de renda, é preciso que a população, o poder público, a iniciativa privada e a comunidade acadêmica estejam envolvidas e unindo recursos para o desenvolvimento do turismo e a conservação e preservação dos sítios arqueológicos existentes no estado de Roraima.
Uma proposta de gestão eficiente para o estado de Roraima envolve primeiramente a pesquisa arqueológica como meio de identificação e classificação dos sítios arqueológicos. Em seguida, a educação patrimonial deve começar pelas escolas para que o senso de responsabilidade comum seja despertado nas crianças da região, promovendo, assim, a preservação e conservação dos sítios já descobertos por todo o estado, pois os mesmos encontram-se suscetíveis a depredação e ao comércio das peças existentes nos mesmos.
Para a utilização da atividade turística como forma de educação patrimonial e medida protecionista, o planejamento precisa ser feito de maneira responsável pelo estado com participação da população envolvida e o setor privado, podendo ser uma fonte de renda para ambas as partes.
No caso do sítio da Pedra Pintada, a parceria está prevista com o envolvimento da comunidade indígena que habita a região do sitio, pois eles devem ser qualificados para gerir o patrimônio arqueológico e fazer uso do turismo como fonte de renda e solução para a preservação do local. Visitas monitoradas com quantidade limitada de visitantes e comércio de lembranças confeccionadas pelos próprios índios é um exemplo de uso sustentável.
Em relação ao sítio Corredeiras do Bem-Querer, a situação torna-se mais complexa, pois existe um processo de construção da Hidrelétrica do Bem-Querer em andamento, logo existe um conflito de interesse entre população e setor público, mas o que deve ser levado em consideração é a importância da preservação dos vestígios encontrados no local e o que eles representam para a construção da identidade cultural do estado.

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* Possui graduação em Turismo pela Universidade Federal do Pará (2013). Atualmente atua no Departamento Estadual de Turismo de Roraima, como chefe da divisão do Núcleo Delegado do Ministério do Turismo.

** Possui graduação em Bacharelado em Turismo pela Universidade Federal do Pará (1992), Especialização em Turismo Ecológico pelo Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (1993), Especialização em Gerenciamento de Coleções Arqueológicas no National Park Service (USA) com bolsa da Fulbright (1996), Mestrado em Museum Studies pela Escola de Columbia de Artes e Ciências da George Washington University (2001) com bolsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) e Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pela Universidade Federal do Pará/Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (2008). Foi técnico de pesquisa do Museu Paraense Emilio Goeldi, sendo que 1988 à 1994 trabalhou na Coordenação de Museologia e de 1995 à abril de 2009 trabalhou na Área de Arqueologia da Coordenação de Ciências Humanas. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Pará da Faculdade de Turismo e do Curso de Museologia. Tem experiência na área de Turismo, com ênfase em Ecoturismo e Turismo Cultural e na área de Museologia e de Gestão de Patrimônio Cultural, principalmente arqueológico. Trabalha principalmente nos seguintes temas: gerenciamento de coleções arqueológicas, unidades de conservação, museologia, patrimônio cultural, e turismo cultural.


Recibido: 23/02/2016 Aceptado: 20/06/2016 Publicado: Junio de 2016

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