Giovanna Augusta Pedrosa Rangel Pereira
Jean Henrique Costa**
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil
gihr_@hotmail.comRESUMO: Objetivou-se nesta pesquisa compreender algumas condições e relações de trabalho vigentes nas agências de viagens do município de Mossoró/RN, bem como, as estratégias de flexibilização do trabalho implementadas pelas empresas que se constituíram campo de pesquisa. Realizou-se um estudo de caráter exploratório, mediante aplicação de questionários e entrevistas semiestruturadas, aos agentes de viagens das respectivas agências. Como resultado da pesquisa, observou-se que os trabalhadores possuem baixos salários (fundamentalmente salário mínimo), perfis flexíveis para o trabalho e, em sua maioria, não recebem remunerações pelas horas extras que fazem nas empresas; contudo, mais da metade dos pesquisados afirma estar satisfeita com o seu trabalho, em virtude de algumas variáveis específicas, tais como viagens de trabalho e comissões de vendas. As viagens de trabalho (denominadas de Famtour) motivam o trabalho, já que se conhecem destinos diversos através das operadoras turísticas. Trata-se de uma espécie de ‘consolo externo’. Para tais funcionários, a viagem é sinônimo de trabalho e ‘lazer’. Portanto, a possibilidade de viajar reveste-se de uma importância simbólica e, neste contexto de precarização as viagens de trabalho entram como um motivador a mais para o agente continuar atuando no cargo. Além disso, as comissões de vendas terminam por, apesar de flexibilizar, dinamizar a renda mensal do trabalhador.
PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Trabalho, Flexibilização, Agentes de Viagens, Mossoró/RN.
FLEXIBILITY AND WORK PRECARIOUS: A STUDY IN TRAVEL AGENCIES IN MOSSORÓ/RN (BRAZIL)
The objective of this study was to investigate some working conditions and relationships existing in the travel agencies in the Mossoro/RN city. The study, exploratory, was performed from field research conducted by questionnaires and semi-structured interviews among the counties largest travel agents. As a result of the research, it was found that the workers have low wages (minimum wage), mainly flexible profiles for work and, mostly, do not receive remuneration for overtime that make the companies; however, more than half of respondents say they are satisfied with their work because of some specific variables, such as business trips and sales commissions. Working trips (named Fam Tour or Familiarization - FAM - Tour) motivate the work, since they know many destinations through tour operators. It is a sort of 'external consolation'. For these employees, the trip is synonymous with work and 'leisure'. Therefore, the possibility of traveling is of symbolic importance and, in this context, business trips come as a motivator more for the agent to continue acting in the position. In addition, sales commissions end up, though flexible, boost worker's monthly income.
KEYWORDS: Tourism; Work; Flexibility; Travel Agents; Mossoro/RN.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Giovanna Augusta Pedrosa Rangel Pereira y Jean Henrique Costa (2016): Flexibilização e precarização do trabalho: um estudo nas agências de viagens em Mossoró/RN (Brasil), Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 20 (junio 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/turydes/20/mossoro.html
O presente estudo teve por objetivo compreender algumas condições e relações de trabalho vigentes nas agências de viagens do município de Mossoró/RN (Brasil), bem como, entender determinadas estratégias empresariais de flexibilização do trabalho.
Nas últimas décadas, a expansão da atividade turística mundial tem despertado discussões em várias searas acadêmicas, pois tal crescimento reflete seu desenvolvimento para a economia e para a sociedade (SOARES, 2005). Com base nesta relação, o turismo se cerca de novos olhares, que o compreendem, conforme Soares (2005, p. 90),
... como um sistema de negócios e consumo do tempo livre e uma oferta de serviços indissociável de uma gama de impactos, e que, portanto, não pode ser compreendido por meio de análises isoladas. Para tanto, o estudo do Turismo deve livrar-se da concepção ‘salvadora’, muitas vezes promovida em estudos econômicos e mercadológicos, sem questionar seus impactos.
Assim, o turismo, como campo acadêmico, motiva o estudo de algumas de suas repercussões e conduz o questionamento crítico de certas perspectivas apologéticas, contrapondo os modelos circunstanciais que o exaltam sem qualificar seus resultados.
É imprescindível, neste sentido, destacar que a atividade turística gera trabalho e emprego, reforça os fluxos financeiros e possibilita a troca de capitais em seus espaços de consumo, revelando assim alguns de seus benefícios. Contudo, determinado senso comum acadêmico omite questões ligadas a qualidade destes empregos, suas jornadas flexíveis de trabalho, a informalidade do setor e suas baixas remunerações.
O mundo do trabalho tem passado por mudanças estruturais e a competitividade empresarial vem sendo cada vez mais acirrada. Nesse meio tempo, tende-se a produzir, logicamente, duas categorias de trabalhadores: os ‘empregáveis’ e os supérfluos – superabundantes no mercado de trabalho. Os qualificados sofrem pressões para que se mantenham sempre atualizados, flexíveis e dinâmicos; já os sem qualificação encontram bastante dificuldade em manter-se no mercado, mormente a permanência no emprego.
Neste contexto, muitos dos discursos acerca da flexibilidade do trabalho, em vez de constatarem as novas dinâmicas do capitalismo (precárias, do ponto de vista humano), pregam a flexibilidade pautada em uma reorganização do trabalho e do emprego em nome do crescimento do mercado, ou seja, os indivíduos são levados a adaptar-se à insegurança do mercado e a aprender a gostar dela.
Concomitante à flexibilização, há a precarização do trabalho, que se constata, grosso modo, pelo grau de insegurança das condições gerais de trabalho, incluindo o tipo de contrato e as formas flexíveis de remuneração e regime de trabalho.
A partir da lógica da flexibilização organizacional e sua relação com a precarização do trabalho, surgiu a motivação deste estudo em conhecer as condições e relações de trabalho vigentes nas agências de viagens do município de Mossoró/RN, buscando compreender como tal lógica influencia no cotidiano dos agentes de viagens. Para tanto, necessário se fez, conhecer as características estruturais de suas rotinas de trabalho, os perfis dos trabalhadores, as formas de contrato de trabalho, remuneração, jornadas de trabalho, saúde ocupacional, segurança no trabalho e as relações sindicais.
A pesquisa foi realizada durante o mês de abril de 2015, através da aplicação de 19 questionários (caráter quantitativo) e 3 entrevistas (caráter qualitativo) – em 7 agências 1 – com os agentes de viagens da cidade de Mossoró/RN.
Devido às dificuldades encontradas ao longo do desenvolvimento da pesquisa, como a indisponibilidade de algumas empresas, inviabilizou-se um estudo de caráter censitário, pois estima-se que, na cidade, existem atualmente entre 25 e 30 trabalhadores atuando nas agências de viagens, incluindo-se, nessa estimativa, aqueles que são proprietários de suas pequenas empresas, que dispensam mão-de-obra, exercendo, neste caso, o papel de agente.
O questionário e o roteiro de entrevista seguiam orientados com um número entre 35 e 40 questões, divididas entre perfil do trabalhador, contrato de trabalho, remuneração, jornada de trabalho, saúde ocupacional, segurança no trabalho e relações sindicais.
Os dados aqui apresentados representam um total de 19 trabalhadores averiguados (em estimativa, cerca de 70% dos agentes do município).
O mercado de trabalho na atividade turística tem sido descrito por alguns estudos como estruturalmente precário, caracterizado por mão de obra desqualificada, longas jornadas de trabalho e um acentuado número de trabalhadores informais (CAVALCANTE; COSTA, 2011). Além disso, verifica-se forte flexibilização da mão de obra (principalmente a feminina), grande presença de jovens e, ainda, baixa remuneração.
Tal precarização do trabalho contradiz um sistema onde se exige eficiência dos trabalhadores, contudo, não lhes são fornecidas, na maioria das vezes, as condições necessárias para a execução das atividades.
Conforme afirma Standing (2014, p. 02): “está a surgir uma nova classe – o precariado -, que se caracteriza por incerteza e insegurança crônicas”. Standing afirma que a classe trabalhadora viveu momentos de grande expansão e de muitas transformações sociopolíticas, contudo, a partir de 1980 chega a um estágio em que deixa de se preocupar com a qualidade dos seus empregos, em detrimento da quantidade.
Diante disso, este estudo buscou entender esse chamado ‘precariado’ (STANDING, 2014) a partir do trabalho dos agentes de viagens na cidade de Mossoró, RN (Brasil). Logo, os dados a seguir evidenciam certas condições e relações de trabalho presentes nas agências de viagens de Mossoró, apresentando parte da realidade em que vivem os agentes de viagens, este novo ‘precariado’ local, marcado por um público feminino, jovem, universitário e flexível.
Adentrando na empiria, a primeira variável considerada no estudo foi com relação às informações da empresa. O percentual pesquisado com relação à procedência do investidor revela que 78,95% do capital advêm de investidores locais, do município de Mossoró/RN, enquanto os outros 21,05% informa que provêm de outros estados. Percebeu-se ainda que a presença de franquias se apresenta em número bastante significativo.
Discutindo especificamente o perfil do trabalhador investigado, nota-se uma presença marcante de mulheres atuando no setor, uma vez que dos agentes de viagens entrevistados, 89,47% são mulheres e 10,53% homens. Antunes e Alves (2004) afirmam que há um significativo aumento do número de mulheres exercendo funções no mundo do trabalho, e ainda, com relação à remuneração, os níveis salariais das mulheres são, em média, inferiores aos dos homens, o que ocorre com relação aos direitos sociais e do trabalho.
Quanto às rotinas desempenhadas por esses agentes de viagens, as que se destacam em primeiro lugar são as relativas ao envio de orçamento (aéreo nacional, aéreo internacional, cruzeiros, pacotes nacionais e internacionais), seguidas de atendimento ao público ou ao cliente, administração das vendas, reservas, atendimento telefônico, divulgação dos pacotes, seguro viagem, locações de veículos, traslados e passeios.
No que concerne à idade do trabalhador, há uma predominância de agentes com idade entre 26 e 33 anos, somando 52,63% dos entrevistados (um total de dez agentes); seguidos de sete trabalhadores com faixa etária entre 18 e 25 anos (36,84%) e somente dois agentes com idade entre 34 e 41 anos, representando 10,53% dos pesquisados. Percebe-se, pois, que há um alto percentual de jovens neste pequeno mercado de trabalho local e uma exclusão dos trabalhadores de idade mais avançada. Nesse aspecto, Antunes e Alves (2004) reiteram que os trabalhadores com idade acima ou próxima de 40 anos são considerados “idosos” pelo capital, sendo excluídos do mercado trabalho e apresentando sérias dificuldades de se reintegrarem.
Observou-se que predominantemente os empregados do setor de agências de viagens são solteiros (sem união estável), representando 73,68% dos entrevistados, seguidos de 26,31%, que se encontram em uma união estável. Já com relação aos filhos, 68,43% não possuem, seguidos de 31,57% que os possuem.
Faz-se necessária uma atenção especial para os dados acima, tendo em vista que, o fato de a maioria desses empregados não possuírem filhos e serem predominantemente jovens, os tornam vulneráveis para adoção, por parte das empresas, de estratégias de flexibilização de horários e de execução de horas extras. Sendo assim, é possível afirmar que tais fatores contribuem de forma significativa para uma maior dedicação desses ao trabalho.
Quanto a escolaridade, o mercado de agência de viagens exige, no mínimo, trabalhadores com ensino médio completo, os quais necessitam lidar com os mais diversos tipos de clientes e precisam operar sistemas informacionais, sendo necessário certa facilidade e familiaridade com a tecnologia. Dos pesquisados, verifica-se que 63,15% possuem ensino superior completo, 21,05% possuem o ensino superior incompleto e, 15,78% possuem ensino médio completo.
Observando esses dados, percebe-se que, mesmo exercendo funções que não exigem um grau de escolaridade como a graduação completa (ensino superior), os agentes de viagens apresentam qualificação técnica em nível superior. Isso se deve ao fato de Mossoró contar com um curso superior em turismo (numa instituição pública), formando anualmente bacharéis para seu pequeno mercado de trabalho ‘turístico’, geralmente focalizado em hotéis, pousadas e agências. No mais, o trabalho de agente de viagem em Mossoró é realizado por um público feminino, jovem e qualificado, marcas deste novo ‘precariado’.
No que diz respeito ao nível de experiência de trabalho no setor turístico, constatou-se que 63,16% nunca haviam atuado na atividade turística e 36,84% já haviam tido exercido atividades na área.
No tocante a questão motivacional de atuação na atividade turística, questões ligadas a “Afinidade, motivação pessoal ou desejo pela área” aparecem em primeiro lugar, sendo apontadas por 68,42% dos pesquisados, seguidos de 26,31% que afirmaram atuar na atividade através de “Indicações de terceiros (amigos, parentes, etc.). Um dos entrevistados deixou de responder a essa pergunta, equivalente a 5,27%. Nenhum dos 19 questionados mostrou-se desmotivado a trabalhar no setor. Tal fato expressa certa conformidade ou satisfação pessoal por seus respectivos empregos.
Com relação ao tempo em que os funcionários permanecem atuando na empresa, identificou-se que 21,05% estão na empresa atual há menos de um ano, 31,58% estão entre 1 a 2 anos; 26,32%, entre 2 e 3 anos, 5,27%, entre 4 e 5 anos, e 15,79% estão entre 6 e 10 anos trabalhando na mesma empresa. Percebe-se, portanto, que a rotatividade no setor é elevada, sobretudo considerando-se que quase 80% está na empresa há, no máximo, 3 anos. Nesse aspecto, Fonseca e Petit (2002) afirmam que o trabalho gerado pela atividade turística é caracterizado por uma grande precariedade. Isto se constitui em um problema estrutural da atividade e dificulta a permanência dos funcionários qualificados que nela operam.
No intuito de compreender melhor as estratégias utilizadas pelas empresas na flexibilização organizacional e como essas influenciam no cotidiano dos agentes de viagens, perguntou-se a esses, além de outros assuntos apresentados a seguir, se os mesmos já haviam realizado ou se costumam realizar viagens de trabalho através da empresa. Dos entrevistados, 84,21% informaram que costumam viajar a trabalho, enquanto 15,79% responderam que nunca viajaram no exercício do ofício.
Acerca desse dado, é importante destacar que estas viagens não são bancadas pelas agências, mas sim pelas operadoras, e estas têm total interesse que os agentes obtenham conhecimento acerca dos destinos. Como complementa um entrevistado:
[...] eles fazem uma parceria junto com os meios de hospedagem, com as companhias aéreas, com os restaurantes, uma espécie de permuta, e aí organizam os chamados famtour, que é a familiarização com o destino, organizam, as operadoras organizam e aí a empresa acaba cedendo a gente, só que é tudo custeado através das operadoras (Entrevistado 03).
Percebe-se que essas viagens motivam o trabalho, já que se conhecem destinos através da empresa; é uma espécie de "consolo externo". Para tais funcionários, a viagem é sinônimo de trabalho e ‘lazer’. Portanto, a possibilidade de viajar reveste-se de uma importância simbólica para o trabalhador. Neste contexto de precarização, as viagens entram como um motivador a mais para o agente continuar atuando no cargo.
Ao se avaliar a questão de qualificação para atuação na área através de cursos profissionalizantes, 63,16% dos pesquisados responderam que fizeram cursos nas suas áreas de atuação e 36,84% responderam que não. Dentre os que realizaram, aparecem cursos como os dos sistemas “Tam Viagens”, treinamentos internos (vendas, destinos, sistema), marketing e vendas aplicadas ao turismo, atendimento ao público e capacitação profissional.
Quando se questiona o tipo de contrato de trabalho, apenas um informante (5,26%) possui tipo de contrato diferenciado, o de “trabalhador temporário sem carteira assinada pela própria empresa”, o qual justificou, em seu questionário, que se tratava de um estágio. Os demais, 18 pesquisados, ou seja, 94,74%, possuem carteira de trabalho assinada pela própria empresa.
Acerca das remunerações mensais dos trabalhadores, constatou-se que 10,53% recebem até um salário mínimo, 73,78% recebem entre 1 e 2 salários mínimos, 10,53% recebem de 2 a 3 salários e, apenas 5,26% recebem entre 3 e 4 salários mínimos. Não há, entre os agentes de viagens questionados, nenhum que receba mais do que 4 salários mínimos.
Outra informação pesquisada foi referente ao recebimento de remunerações extras (não fixas), sejam elas gratificações, comissões de vendas etc. A grande maioria informa o percebimento de algum tipo de remuneração extra (84,21%). 15,78% dos participantes afirmam receber tão e somente o seu salário fixo. Acerca dessas remunerações extras, questiona-se o que estas representam em suas rendas mensais, constatando-se que um percentual expressivo dos trabalhadores pesquisados (68,42%) conta com esse tipo de remuneração que varia de 1 a 2 salários mínimos, representando assim um importante incentivo financeiro na percepção da população estudada.
É imprescindível destacar que, de acordo com as suas respostas, caso não houvesse esta remuneração extra, 63,16% não continuariam no trabalho atual. 31,58% afirmam que continuariam a exercer suas funções mesmo que recebessem unicamente seus salários fixos. Apenas um dos entrevistados não se manifestou acerca do assunto, deixando de responder tal questionamento.
Conforme evidenciado, as gratificações (ou remunerações extras) representam o dobro ou metade dos salários fixos dos agentes que participaram da pesquisa. Trata-se, pois, da chamada flexibilização da renda, mantendo o trabalhador vigilante, ativo e dinâmico perante as chamadas flutuações do trabalho.
O precariado possui, portanto, suas relações de distribuição bem definidas. Depende quase que inteiramente ou exclusivamente de salários nominais, sujeitando-se a flutuações em seus salários e não podendo contar com um rendimento seguro e fixo a cada mês (STANDING, 2014). Isso se faz presente também nas agências de viagens, pois, conforme constatado mediante a pesquisa, a maior parte dos trabalhadores tem um representativo rendimento a partir das remunerações não-formais, dependendo delas, portanto, para que seus respectivos salários possam conceder-lhes uma melhor condição de vida. Então, a motivação está condicionada à existência de remuneração extra, pois esta remuneração representa um aumento significado nos salários dos trabalhadores.
Em relação ao regime de trabalho dos entrevistados, identificou-se que 78,95% atuam no horário comercial do município de Mossoró, ou seja, turnos matutino e vespertino. Apenas 10,53% dos informantes atuam somente no horário vespertino e 10,53% trabalham entre os turnos vespertino e noturno, que geralmente representa horário de funcionamento de shoppings centers. Nenhum dos que participaram da pesquisa mostrou ter horários indefinidos (os chamados ultraflexíveis).
É evidente que os mercados de trabalho têm buscado estratégias para aumentar os ritmos de trabalho, produzindo uma maior exploração do trabalho. No turismo, não é diferente. Há a predominância de mulheres na atividade, principalmente nas agências de viagens que foram alvos desta pesquisa, contudo, a maioria ainda exerce jornadas de oito horas diárias. Em Mossoró, a rotina fordista ainda não caducou neste setor, embora o espírito toyotista o guie.
Em referência à jornada diária de trabalho, 68,42% desempenham suas funções com 8 horas diárias, 26,32% trabalham 6 horas diárias e 5,26%, apenas 4 horas diárias. Do total de 19 pesquisados, 78,95% trabalham 6 dias por semana, 15,79% não responderam a esta pergunta e 5,26% desempenha sua função 7 dias por semana.
Ao tratar das horas extras na empresa, constatou-se que 57,89% fazem horas extras e que 42,11% não as realizam. A frequência com que esses fazem essas horas extras apresentou-se de maneira esporádica, ou semanalmente, ou seja, grande parte dos trabalhadores afirmaram fazê-las esporadicamente, quando há necessidade, e, principalmente, quando acontecem promoções de pacotes ‘aéreos’. Apenas um afirmou que faz estas horas diariamente. Dos que relataram não fazer hora extra, apenas um informou o motivo. Este alegou estudar no outro horário e não ter tempo para trabalhar além da sua jornada de trabalho fixa.
No momento em que se investigaram as formas de remuneração das horas extras feitas pelos colaboradores, constatou-se que, em metade dos casos, essas horas não são remuneradas. Apenas um funcionário informou ser remunerado em dinheiro, o que corresponde a 5,26%. Outros 36,84% relataram receber suas horas extras em folgas; 31,58% recebem de outra forma e 26,32% não responderam a este questionamento. Dos que recebem de outra forma, cinco relataram que a instituição não os remunera, ou que recebem conforme suas vendas. O que significa dizer que sentem a necessidade de permanecer mais tempo nas empresas para que possam aumentar o seu comissionamento.
Nesse sentido, Standing (2014, p. 12) expõe,
Todas estas formas de trabalho “flexível” têm vindo a crescer um pouco por todo o mundo. O que já não é tão visível é que, nesse processo, o precariado se vê obrigado a desempenhar uma proporção elevada e em crescimento de trabalho-para-trabalhar relativamente ao trabalho propriamente dito.
Sendo assim, o trabalhador acaba por ver-se explorado fora do seu local de trabalho, tendo em vista que algumas empresas estudadas utilizam do plantão 24horas, onde o agente encontra-se ‘disponível’ a qualquer horário para emitir bilhetes aéreos e demais serviços ofertados pelas agências. Este fator distingue o precariado do antigo proletariado.
Em suma, neste setor investigado, predominam:
No geral, são trabalhadores relativamente motivados diante da deprimida conjuntura econômica da cidade de Mossoró, pois, apesar da flexibilização do trabalho, há certa comodidade no exercício da condição laboral a que estão inseridos, uma vez que atuam em ambientes climatizados, situação distinta de parte do comércio varejista presente no semi-árido mossoroense.
Dos benefícios extras, muitos relataram não os receber. 4 pesquisados deixaram a questão em branco, 2 não especificaram, 7 recebem ajuda de transporte, 6 recebem plano de saúde, 1 possui alimentação na empresa, 2 obtêm incentivos profissionais e 4 recebem outros tipos de benefícios; não obstante, desses 4, dois não especificaram o tipo. É imprescindível destacar que muitos dos que responderam a essa questão recebem mais de um tipo de benefício, chegando a atingir até três tipos diferentes.
Ainda sobre os benefícios extras, identificou-se que 42,10% os possuem descontados de seus respectivos salários, integral ou parcialmente, e 47,36% não possuem descontos em seus salários referentes a estes. 10,53% não responderam a esta questão.
Quanto às questões ligadas a saúde ocupacional, somente um agente revelou estresse decorrente da sua função. Os demais, que representam 94,74%, não manifestaram nenhum tipo de doença ou problema de saúde.
Por fim, a partir da análise dos dados acima apresentados, pode-se afirmar que as condições dos empregos ofertados pelas agências de viagens em Mossoró/RN possuem caráter flexível – sobretudo na flexibilização da renda, e que as estratégias utilizadas por essas empresas influenciam, sobremaneira, nas condições de vida dos agentes de viagens, principalmente no item remuneração. Cabe ressaltar que a jornada de horas extras se constitui uma condição quase “obrigatória” para esses trabalhadores, já que a melhoria de sua remuneração depende exclusivamente da venda dos produtos, da obtenção das metas (com plantões de 24 horas) e do comissionamento, que são também, condições que esboçam flexibilidade. Essa estratégia vem sendo adotada pelas empresas para maximizar a produção e minimizar os custos.
A implantação da flexibilidade aparece como estratégia empresarial do setor turístico para manter seus funcionários sempre preparados para atender eventuais demandas de mercado. Um exemplo disto nas agências de viagens pode ser visualizado através dos plantões de 24 horas. Como visto nos resultados e análise dos dados, o ‘comissionamento’ representa um incentivo importante para o trabalhador, todavia está condicionado exclusivamente ao fluxo de vendas que o mesmo realiza durante o mês. Por isso, a flexibilidade aparece como uma importante ferramenta para que as empresas do segmento de agências de viagens possam manter-se competitivas. Em contrapartida, impera-se uma significativa exploração da força de trabalho, com a valorização das remunerações extras. Ou seja, quanto mais o trabalhador vender (render), maior será sua remuneração.
Ainda que muitos questionamentos tenham sido feitos aos agentes entrevistados, foi impraticável penetrar afundo no cotidiano destes funcionários, pois muitos sentem medo de colocar em risco a sua condição de empregado. Além disso, a falta de oportunidade por melhores empregos na cidade de Mossoró, ou ainda as condições em que vivem cada um desses indivíduos, condicionam suas respectivas necessidades de se submeterem diariamente a empregos flexíveis, pois são exatamente essas ocupações que reproduzem materialmente as suas vidas.
Como resultado sinóptico da pesquisa, observou-se que os trabalhadores possuem baixos salários (fundamentalmente salário mínimo), perfis flexíveis para o trabalho e, em sua maioria, não recebem remunerações pelas horas extras que fazem nas empresas; contudo, mais da metade dos pesquisados afirma estar satisfeita com o seu trabalho, em virtude de algumas variáveis específicas, tais como viagens de trabalho e comissões de vendas. As viagens de trabalho (denominadas de Famtour) motivam o trabalho, já que se conhecem destinos diversos através das operadoras turísticas. Trata-se de uma espécie de ‘consolo externo’. Para tais funcionários, a viagem é sinônimo de trabalho e ‘lazer’. Portanto, a possibilidade de viajar reveste-se de uma importância simbólica e, neste contexto de precarização as viagens de trabalho entram como um motivador a mais para o agente continuar atuando no cargo. Além disso, as comissões de vendas terminam por, apesar de flexibilizar, dinamizar a renda mensal do trabalhador.
REFERÊNCIAS
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Antunes, R.; Alves, G. (2004): “As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital”. In: Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335-351, maio/ago. 2004.
Cavalcante, S. A. S.; Costa, J. H. (2011): “A Canoa Furada: condições e relações de trabalho no setor de hospedagem em Canoa Quebrada (CE)”. In: Caderno Virtual de Turismo, vol. 11, n. 1, 2011.
Fonseca, M. A. P. da; Petit, A. M. C. (2002): “Turismo e trabalho em áreas periféricas”. In: Scripta Nova (Barcelona), Barcelona, v. VI, n. 119, 2002.
Standing, G. (2014): “O precariado e a luta de classes”. In: Revista Crítica de Ciências Sociais [online]. 2014.
Soares, L. A. S. (2005): “Turismo e trabalho informal: um binômio inevitável”. In: Revista Gerenciais, São Paulo, v. 4, 2005, p. 89-98.
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