Viviane Santos Salazar*
Walter Fernando Araújo de Moraes**
Yákara Vasconcelos Pereira Leite***
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
viviane_salazar@yahoo.com.brResumo
Este artigo tem o objetivo geral de analisar quais são as estratégias de negócios de restaurantes gastronômicos na América Latina e como correu o processo de formação dessas estratégias. A metodologia utilizada foi um estudo de múltiplos casos de cunho qualitativo desenvolvido nos restaurantes Mocotó, Epice e Astrid y Gaston. Para coletar os dados, foram realizadas nove entrevistas semiestruturadas além de documentos – cardápios, matérias e livros – e fotos que foram examinados por meio da análise de conteúdo com apoio do ATLAS.ti. Os resultados indicam que, nos três casos estudados, as estratégias de negócios estão embasadas na qualidade do produto, na vanguarda, no storytelling e que estas estão relacionadas à figura do chef de cozinha. Quanto ao processo de formação dessas estratégias constatou-se que no início da empresa as estratégias eram mais emergentes e que com o crescimento e amadurecimento da empresa passaram a ser mais planejadas. A partir dos resultados, identificou-se que os chefs criaram uma identidade distinta para suas empresas, os diferenciando da concorrência e gerando vantagem competitiva sustentável.
Palavras-chave: Estratégia, Processo, Restaurantes Gastronômicos, América Latina.
Abstract
This article has the general objective to analyze what are the gastronomic restaurants business strategies in Latin America and how was the process of formation of these strategies. The methodology used was a multiple case study of qualitative approach and was developed in the restaurants Mocotó, Epice and Astrid y Gaston. To collect the data, there were nine semi-structured interviews as well as documents - menus, materials and books - and photos that were examined through content analysis with ATLAS.ti. support. The results indicate that in the three cases studied, business strategies they are based in the quality of the product, at the forefront in the storytelling, and these are related to the chef figure. As for the process of formation of these strategies it was found that at the beginning the company's strategies were emerging more and with the company's growth and maturation became more planned. From the results, it was found that the chefs have created a distinct identity for their business, differentiating competition and creating sustainable competitive advantage.
Keywords: Strategy. Process. Gastronomic restaurants. Latin America.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Viviane Santos Salazar, Walter Fernando Araújo de Moraes y Yákara Vasconcelos Pereira Leite (2016): Era uma vez...: Processo de Formação das Estratégias dos Restaurantes Gastronômicos na América Latina, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 20 (junio 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/turydes/20/gastronomia.html
1 Introdução
Como campo de investigação científica, a administração estratégica surgiu na década de 60 com os escritos de Chandler (1962), Andrews (1965) e Ansoff (1965) e, atualmente, é uma das áreas mais consolidadas da administração. Estratégia empresarial foi definida por Barney (2002) como uma teoria da empresa sobre como competir de forma a ser bem sucedida. Ao longo da trajetória de desenvolvimento de uma empresa, esta pode utilizar diferentes estratégias. Enquanto alguns pesquisadores (Ansoff, 1973; Porter, 1986; Chandler, 1998) defendem a pró-atividade organizacional, admitindo que, na maioria das vezes, os dirigentes de uma determinada organização possam prever tudo e definem as estratégias como planos. Outros (Mintzberg, 1978; Quinn, 1978; Idenburg, 1993) advogam que as estratégias são padrões seguidos pelas empresas originados por estratégias emergentes. Aceitando essa perspectiva, tem-se do que seja estratégia algo que se relaciona também com o passado (Mintzberg, 1978), ocorrendo por meio de um processo.
No segmento turístico, os restaurantes estão se multiplicando, assim desponta-se a exigência por parte dos gestores de buscar uma gestão com o aparato da administração estratégica. Inicialmente, ressalta-se que nas últimas décadas, por outro lado, o setor de serviços em geral e o da indústria de alimentação fora do lar em particular vem ganhando destaque.
Em alguns países da América Latina, notadamente Brasil e Peru, este setor econômico passou por uma verdadeira revolução - de modo geral, a oferta transformou-se em uma profusão de restaurantes de alto nível, os chamados restaurantes gastronômicos ou gourmets. Estes são conceituados como empresas que estão associadas a um chef de cozinha de renome e a um cardápio com grande inventividade, além de normalmente apresentarem ambientes decorados de maneira muito elegante e com uma brigada de sala e cozinha muito bem treinada (Fonseca, 2000). Esses restaurantes têm um papel relevante para a indústria de alimentação fora do lar na medida em que: ditam tendências; estabelecem padrões de qualidade que guiarão toda a indústria; e têm papel de destaque tanto na mídia quanto nas pesquisas acadêmicas por revelar a expressão cultural de uma sociedade. E por este papel relevante parece ser oportuno investigá-lo para compreender a dinâmica das organizações que o compõem. Neste sentido, o presente artigo está norteado pelo seguinte problema de pesquisa: Como ocorreu o processo de formação das estratégias de restaurantes gastronômicos da América Latina? Portanto, o objetivo geral busca analisar quais são as estratégias de negócios de restaurantes gastronômicos na América Latina e como correu o processo de formação dessas estratégias
2 Referencial teórico
2.1 Estratégia empresarial e processo de formação das estratégias
O termo estratégia pode ser definido de diferentes maneiras (De Wit e Meyer, 2004), devendo-se ressaltar que, apesar das diferentes visões sobre o processo de sua formação, percebe-se que os autores adotam em comum em suas definições a importância do padrão de decisões e respectiva consistência no comportamento das empresas, independentemente de ser de natureza deliberada ou emergente.
Chandler (1998), Ansoff (1973) e Porter (1986) são exemplos de autores que propõem uma abordagem prescritiva para as estratégias das empresas. Na opinião de Chandler (1998, p. 136), “[...] estratégia é a definição dos principais objetivos em longo prazo de uma empresa, bem como a adoção de linhas de ação estratégica e a alocação de recursos tendo em vista esses objetivos”. Nessa perspectiva, a estratégia é reconhecida como um plano, um curso de ação conscientemente engendrado numa diretriz, possuindo duas características essenciais, a preparação prévia e o desenvolvimento consciente e deliberado (Mintzberg, 2001).
Por outro lado, há outra corrente teórica que conceitua estratégia como algo não tão ordenado e prescritivo. Para esses autores a estratégia pode ser considerada como “[...] um padrão no curso das ações” (Mintzberg, 1978; Mintzberg e Waters, 1985), que se desenvolve enquanto os gestores agem e reagem aos problemas e pressões que surgem. Assim, as empresas tanto desenvolvem planos para seu futuro, estratégias pretendidas, e também adotam padrões de seu passado, estratégias realizadas, que tanto podem ter sido deliberadas (pretendidas, intencionadas) ou emergentes – padrões realizados na ausência de intenções explícitas (Mintzberg e Mchugh, 1985). Esta corrente aborda a estratégia como um processo que está ligado a diferentes aspectos organizacionais. Para Van de Ven (1992), o processo é considerado como o desenvolvimento histórico da organização, que contempla a sequência de eventos, atividades e estágios que ocorreram durante o período de existência da empresa.
Mintzberg (1978) conclui que a formação da estratégia, na maioria das organizações, pode ser considerada em torno da relação entre três forças básicas: (a) um ambiente que muda continuamente, com frequente descontinuidade e grandes oscilações na taxa de mudança; (b) um sistema de operação organizacional (ou burocracia) que, acima de tudo, leva à estabilidade da empresa; e (c) uma liderança cujo papel é mediar essas duas forças para manter a estabilidade do sistema de operação da organização enquanto, ao mesmo tempo, garante sua adaptação às mudanças ambientais. Assim, a mudança estratégica pode ser vista como a resposta da organização ao ambiente em mudança, limitada pelo crescimento da burocracia e acelerada ou abafada pela liderança. As pesquisas demonstram a evidência de dois padrões de mudança. O primeiro é o ciclo de vida de uma estratégia como um todo – sua concepção, elaboração, decadência e morte. A segunda é a presença de periódicas ondas de mudança e continuidade dentro dessa fase maior que é o ciclo de vida.
Por fim, outra temática relevante da estratégia empresarial e que é estudada sob a ótica processual é o papel da liderança. Mintzberg (1978) defende que o papel da liderança no processo de formação das estratégias é mediar a relação entre a dinâmica ambiental e a burocracia organizacional. Pettigrew (1987) defende que a mudança de liderança esteve sempre associada às transformações estratégicas e o papel do líder foi de condutor da mudança, reorientando estrategicamente a organização.
2.2 Gastronomia e restaurantes gastronômicos
Historicamente, a gastronomia sempre esteve associada ao luxo, pois nasceu para servir a uma classe social abastada na Europa, notadamente na França. Foi este país que também estabeleceu e disseminou as bases da alta gastronomia (Atala e Dória, 2008). Na França, surgiram os chefs renomados, as regras, as técnicas, as nomenclaturas das práticas na cozinha, as receitas e as relações hierárquicas no espaço da cozinha comercial. Personagens como Antonin Carême, Auguste Escoffier e todos os percussores do movimento da nouvelle cuisine foram responsáveis por treinar cozinheiros em todas as partes do mundo e disseminar as técnicas, a nomenclatura e as receitas clássicas francesas (Lane, 2011). A hegemonia francesa foi mantida até o início do século XXI quando surge na Espanha, mais especificamente na Catalunha um movimento de inovação encabeçado pelo chef de cozinha Ferran Adrià para “sacudir a monotonia” que inevitavelmente toma conta de tempos em tempos, da alta gastronomia (Dória, 2006, p. 113).
A partir deste movimento, os restaurantes e, por conseguinte, os chefs espanhóis começaram a despontar nos melhores guias gastronômicos do mundo e a primazia da gastronomia francesa começou a ser contestada. Atualmente, a alta gastronomia não é mais um fenômeno europeu e muito menos francês, afinal “no início do século XXI já não se observa mais um quadro mundial de dependência da França” (Atala e Dória, 2008, p. 129).
Como reflexo dessa mudança, restaurantes de vários lugares do mundo como Espanha, Dinamarca, México, Peru e Brasil surgiram nas listas de guias gastronômicos mundiais. Estas publicações exercem um papel importante não só pela natureza técnica do seu conteúdo, mas também porque as informações disponíveis de outras fontes são difusas e imperfeitas e, na maior parte das vezes, subjetivas. Ademais, por ser um gênero jornalístico opinativo sobre o trabalho de um chef ou sobre um restaurante, influenciam a demanda, o que afeta, consequentemente, o preço e a frequência aos restaurantes (Chossat e Gergaud, 2003).
Na América Latina a alta gastronomia surgiu inspirada e praticada por chefs europeus, principalmente franceses e italianos que migraram para o continente a partir do séc. XIX. No Brasil, especificamente, na década de setenta, esses chefs, discípulos dos mestres franceses da nouvelle cuisine, vieram para comandar as cozinhas dos restaurantes das principais cadeias hoteleiras que começavam a se instalar no país. Por isso, a alta gastronomia ficou restrita a uma classe com alto poder aquisitivo para consumi-la no eixo Rio-São Paulo (Freixa e Chaves, 2008). Porém, esse panorama mudou e bons restaurantes hoje são encontrados em várias cidades do país.
O cenário atual é consequência de uma transformação ocorrida entre as décadas de 80 e 90 quando houve uma efervescência sobre todos os aspectos que envolvem a gastronomia, incluindo a formação de profissionais em escolas nacionais, proliferação de restaurantes e programas de televisão com o tema da gastronomia, e principalmente reinvenções e resgates das culturas locais por meio de adaptações de técnicas, produtos e pratos. Entretanto, apesar da importância econômica, social e cultural da América Latina, ainda há poucos restaurantes latino-americanos em guias gastronômicos de alcance internacional como o “The restaurants”. Em 2014, das cem empresas listadas apenas oito restaurantes eram latino-americanos. Do ponto de vista da estratégia empresarial, tem-se como certa a premissa de que essas empresas possuem estratégias que as diferenciam dos seus concorrentes e que as permitem obter vantagem competitiva sustentável. Assim, busca-se entender quais são as estratégias implementadas e como foram formadas e ou formuladas.
Para responder à pergunta de pesquisa deste trabalho, a opção metodológica mais adequada foi a perspectiva qualitativa por auxiliar na compreensão e explicação do fenômeno social com o menor afastamento possível do ambiente natural (Merriam, 1998). Ademais, na pesquisa qualitativa, o fenômeno pode ser melhor compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte e a coleta de dados acontece nesse contexto; o pesquisador é o instrumento principal para a coleta de dados. Há vários tipos de dados e diversas maneiras de coletá-los; a análise de dados é indutiva; e a pesquisa busca “captar" o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vistas relevantes (Godoy, 1995; Creswell, 2007).
Dentre as abordagens possíveis propostas por Creswell (2007), optou-se pelo estudo de caso que envolve a investigação de um tema explorado por meio de um ou mais casos dentro de um sistema limitado e tem como características principais a descrição intensa e holística do tema pesquisado. Permite compreender os fenômenos individuais e organizacionais, principalmente, quando os objetos são complexos e contemporâneos (Yin, 2010). Quanto à unidade de análise do estudo de caso deve-se atentar para as pesquisas prévias que investigaram o mesmo tema, visto que a maioria dos pesquisadores deseja comparar seus achados com pesquisas anteriores (Yin, 2010), que no caso deste estudo são os restaurantes gastronomicos localizados na América Latina e as unidades de observação o contexto e o processo de formação das estratégias destas empresas.
O mercado de alta gastronomia foi o primeiro critério de seleção devido à sua importância qualitativa e ao papel de destaque no mercado de alimentação fora do lar. Depois, optou-se por estudar uma região específica, a América Latina, por apresentar um contexto peculiar e bastante diferente dos países europeus (onde a maioria das pesquisas sobre restaurantes foi realizada) e, portanto pode gerar insights acadêmicos interessantes. Para escolher na região as empresas pesquisadas adotou-se a lista lançada em 2013 dos 50 melhores restaurantes da região publicada pelo guia inglês “The restaurants”, assim foram selecionados três restaurantes: dois no Brasil e um no Peru.
Tendo em vista a natureza do fenômeno, diferentes técnicas de coleta de dados foram utilizadas, dentre elas, a entrevista semiestruturada, a análise de fotos, a análise de documentos e a bibliográfica (Patton, 2001; Taylor e Bogdan, 1984). Foram realizadas nove entrevistas - chefs de cozinha das três empresas, jornalistas e críticos gastronômicos, um gerente e um sócio de um dos restaurantes e um professor - que foram gravadas e transcritas, perfazendo 489 minutos no total.
Para dar suporte aos dados coletados nas entrevistas foi usada também a observação não participante que permite ao pesquisador avaliar detalhadamente as condições e dimensões do ambiente (Patton, 2001). Foi elaborado um formulário preenchido durante a visita aos restaurantes selecionados. Um dos pesquisadores deste estudo fez pelo menos uma refeição nas empresas estudadas e assim teve a oportunidade de experienciar como cliente dos serviços ofertados pelos restaurantes. Para analisar o cardápio, o serviço e ambiente, foram investigadas fotos que permitiram obter informação de maneira econômica e confiável (Mendonça, Barbosa e Durão, 2007).
Por fim, a pesquisa documental, ou seja, dados secundários “[...] coletados por pessoas que não estavam presentes por ocasião da sua ocorrência” (Godoy, 1995, p. 22-23) impresso e digital, foram obtidos com os interlocutores, nos momentos das entrevistas, em sites, revistas e publicações da área, em sites institucionais e das três empresas pesquisadas. Ao total foram gerados 104 documentos no ATLAS.ti que compuseram o corpus da pesquisa.
Por fim a análise dos dados seguiu os pressupostos da pesquisa qualitativa, caracterizada pela grande quantidade de informações (Patton, 2001), sendo a codificação uma sistemática de desenvolvimento e refino que ajuda a interpretação dos dados (Taylor e Bogdan, 1984). Adotou-se a análise de conteúdo (Bardin, 1977) para identificar as conexões, códigos e categorias existentes no corpus da pesquisa e desenvolveu-se fielmente ao método de análise de conteúdo proposto pela autora supracitada, composto por três etapas: (1) pré-análise; (2) exploração do material; (3) tratamento dos resultados e interpretações que foram operacionalizadas com o auxílio do ATLAS.ti.
4 Análise dos resultados
4.1 Restaurante Mocotó
O Restaurante Mocotó, localizado na Vila Medeiros, subúrbio de São Paulo-Brasil, em 2013 ocupou o 16º lugar, e, em 2014 a 12ª posição entre os 50 melhores restaurantes, na publicação “The restaurants”, sendo o quarto restaurante brasileiro da lista. Ademais, ao longo de seus 41 anos de existência tem acumulado vários outros prêmios que o destacam no cenário nacional e internacional.
Apesar de todo este sucesso, o Restaurante Mocotó não foi idealizado com o propósito de ser gastronômico e nem de ser reconhecido mundialmente como um dos melhores restaurantes latino-americanos listados pela publicação inglesa de vanguarda “The Restaurants”. A história desta empresa familiar de sucesso teve início em 1973, começou com um pequeno empório, cresceu com um pequeno boteco, virou um bar, um restaurante e hoje ainda não sabe se é um restaurante com ar de boteco ou se é um boteco com ar de restaurante.
4.1.1 O processo de formação das estratégias adotadas pelo restaurante Mocotó
A estratégia do restaurante Mocotó está assentada na hospitalidade e na qualidade do produto, pois para o chef Rodrigo “[...] a receita para manter a casa por tanto tempo tem dois ingredientes: boa comida e hospitalidade. Mesmo parecendo simples, é algo que só se consegue com trabalho, sacrifício e muita paixão”.
No restaurante a qualidade das receitas elaboradas está diretamente relacionada à qualidade da matéria-prima e às técnicas empregadas. Quanto à matéria-prima, o restaurante optou por trabalhar com fornecedores especializados e atualmente o restaurante tem um cadastro ativo de cerca de 170 fornecedores. Trabalhar com este número “[...] não significa economia financeira, mas, sim, ganho de qualidade” afirma o chef Rodrigo, gerando um custo operacional mais elevado. Outro eixo que sustenta a qualidade das receitas é formado pelas técnicas empregadas. Nesse eixo vale destacar o papel do chef que usa toda e qualquer técnica, seja clássica ou moderna, para fazer melhor o que já é realizado. Para Balazs (2001) a técnica é uma das bases da criatividade dos chefs, uma vez que seu trabalho depende primeiramente de um grande conhecimento técnico. Para o chef a técnica está sempre a serviço da criatividade e da inovação, pois é preciso dominar a técnica para alcançar os resultados almejados quando se tenta criar e inovar.
Outro pilar que sustenta a estratégia seguida pelo restaurante desde a sua inauguração até os dias atuais é a hospitalidade. Este termo se refere ao ato de acolher, bem receber um hóspede em casa, ou seja, ser hospitaleiro significa hospedar bem aquele que não é da nossa família. Esta sempre foi uma característica da personalidade do Sr. Zé Almeida e incorporada mais tarde pelo chef Rodrigo: “O Mocotó sempre foi um restaurante muito mais inclusivo do que exclusivo, e meu pai sempre foi um grande anfitrião, que tem prazer em servir. Sem dúvida, eu herdei essas características dele”.
Com o aumento da empresa, a cultura do bem receber foi paulatinamente transferida aos funcionários do Mocotó e posteriormente institucionalizada, por exemplo, incorporada nas diretrizes de atendimento do pessoal do salão. Esta simbiose entre comportamento individual do gestor e o processo de formulação e implementação das estratégias é corroborado por Gimenez (2000) e Pinheiro (1996) ao defenderem que há uma ligação entre as características pessoais do dirigente - personalidade, valores, motivação e intuição - e o processo de administração estratégica utilizado principalmente nas pequenas empresas.
A análise do processo de formação dessas estratégias, no início do restaurante e no começo da carreira de Rodrigo como chef, foi totalmente emergente. O gerente da casa, Ricardo afirma que: “A gente planejou depois que aconteceu, porque o Mocotó não foi criado pra atender essa demanda, o Mocotó não foi criado pra ganhar prêmio, o Mocotó não foi criado pra ser destaque da mídia.
Este processo emergente de formação das estratégias do restaurante Mocotó é corroborado por outros estudos em Micro, pequenas e médias empresas (MPME) (Santos. Alves e Almeida, 2007; Oliveira, Salazar, Crêspo, Costa e Kovacs, 2015). Mas ao mesmo tempo esses estudos também reconhecem uma tendência à inovação e às mudanças gradualmente projetadas nas estratégias dessas pequenas empresas aspectos estes também evidenciados neste caso. Fundamental destacar que este processo emergente de formação das estratégias no Mocotó diverge dos achados de Balazs (2002) que investigou os restaurantes estrelados franceses cujas estratégias eram deliberadas e cuidadosamente planejadas.
Com a efetiva entrada de Rodrigo na gestão e condução da cozinha do Mocotó, além da qualidade do produto e da hospitalidade foram acrescidas mais duas estratégias que de alguma maneira se complementam: contar uma história e a estratégia de tradição e vanguarda.
O storytelling é a arte e a técnica utilizada para contar qualquer tipo de história (Núñez, 2009) possui suas raízes no branding(gestão de marca) para transmitir os valores da estratégia de diferenciação da empresa (Srinivasan, 2005), pois contar uma história interessante é uma das maneiras mais eficazes de obter a atenção dos consumidores. A história que o restaurante conta é a história do sertão, sendo este uma inspiração direta ou indireta, mas sempre sendo o fio condutor. Nas palavras do chef Rodrigo: “Fazer cozinha brasileira pra mim é fazer a comida do sertão, que é o meu chão e o de minha família, é contar nossa história. De lá vem nossa riqueza, nosso entendimento e posicionamento no mundo. É o que e como servimos. É nossa paixão”.
Estudos anteriores já relacionaram a estratégia empresarial e as práticas de storytelling. Borges e Gonçalo (2009) propuseram que a utilização da storytelling pode identificar o gap entre a estratégia pretendida e a estratégia realizada e ajudar a diminuí-lo. A storytelling também já foi investigada como prática gerencial (Garciulo, 2000), como uma maneira de transferir conhecimento (Swap, Leonard, Shields e Abrams, 2001) e como divulgação da mensagem estratégica (Marzek, 2007), mas ainda não como uma estratégia empresarial como no referido caso.
O termo vanguarda foi deslocado para as artes pelos seus seguidores e aplicado aos movimentos artísticos que produzem ruptura de modelos pré-estabelecidos. A estratégia de mesclar tradição é vanguarda e está diretamente relacionada ao modo como a empresa decidiu contar a história do sertão. A opção foi por uma maneira diferente de contar esta história, sem caricatura ou estereótipos. A estratégia de tradição e vanguarda é percebida também na concepção das receitas elaboradas. Apesar de manter a originalidade dos pratos, quando o chef Rodrigo assumiu a cozinha, todas as receitas foram repensadas do início - desde os produtos utilizados até as técnicas – para que a receita tivesse cada vez mais equilíbrio porém sem perder caráter e sabor.
O processo de formação das estratégias nesta última fase do restaurante, apesar de ter ainda um componente emergente foi mais planejado, pois como afirma o gerente: “Hoje a gente tenta antever um pouco algumas situações, mas até pela crescente do Mocotó, a gente acabou sendo muito mais reativo do que proativo. A gente não tinha tempo de planejar o próximo passo, a gente tinha que reagir ao passo anterior”.
Alguns fatos corroboram este processo mais formal e planejado. A própria condução do negócio por Rodrigo Oliveira é mais profissionalizado e estruturado graças também ao maior crescimento da empresa – número de refeições servidas e número de funcionários. Além disso, as últimas reformas do ambiente já foram executadas sob a supervisão de um escritório de arquitetura, o Lab. Outro fato que atesta essa fase de planejamento mais formal é a contratação de um profissional especialista para auditar as contas do restaurante e dar suporte na gestão financeira da casa.
4.2 Restaurante Epice
O Restaurante Epice, localizado no elegante bairro dos Jardins em São Paulo-Brasil, ocupou a 41ª posição em 2013 e em 2014 subiu cinco posições ficando em 36º lugar entre os 50 melhores restaurantes da América Latina, na publicação inglesa “The restaurants”. Apesar dos pouco mais de três anos de existência, o restaurante e o seu sócio e o chef de cozinha Alberto Landgraf vêm acumulando vários outros prêmios que também o destacam no cenário nacional e internacional.
4.2.1 O processo de formação das estratégias adotadas pelo restaurante Epice
A análise de dados do restaurante Epice permitiu a identificação de três estratégias adotadas pela empresa que estão bastante imbricadas e foram planejadas desde o princípio: a estratégia de criatividade e inovação, de qualidade do produto e a estratégia de sustentabilidade – não só ambiental, mas também social e econômica, principalmente, por meio dos movimentos gastronômicos de locavorismo e nose to tail.
A primeira e mais importante estratégia do restaurante Epice é a estratégia de criatividade e inovação. Argumenta-se na literatura que os restaurantes gastronômicos para se manterem competitivos devem sistematicamente criar e inovar (Ottebacher e Harrington, 2007; Horng e Lee, 2009; Slavich, Cappetta e Salvemini, 2014). Ser inovador e criativo parece ser uma característica importante do chef Alberto Landgraf e consequentemente do restaurante Epice. Esta estratégia pode ser atestada de várias maneiras. A primeira delas se refere à concepção das receitas, porquanto não há repetição das receitas e o chef tem um método de criação diferente e afirma que: “[...] todo mundo vai da concepção simples de que comida é proteína, carboidrato e legume. Eu, não. Eu vou que o prato de comida é o ingrediente, aí eu acho elementos de acidez, de sal, do salgado, amargo e doce”.
A criação do chef é sustentada por outra estratégia seguida pelo Epice que é a sustentabilidade e o papel social que o cozinheiro no mundo atual tem. No Epice esta estratégia de sustentabilidade se manifestou por meio de algumas tendências da alta gastronomia mundial como os movimentos de locavorismo e nose to tail, e a estreita relação com os fornecedores, e outras estratégias mais operacionais como a compostagem do lixo produzido no restaurante. Perpassando estas duas estratégias tem-se a qualidade dos ingredientes escolhidos, das técnicas empregadas, e dos serviços do salão do restaurante.
Como já enfatizado, as estratégias do Restaurante Epice foram deliberadas na sua concepção macro e emergente nos detalhes. O chef Alberto Landgraf teve um papel fundamental na concepção e implementação das estratégias. Foi possível perceber que o chef criou uma identidade distinta para o restaurante, combinando uma mente criativa com talento gerencial corroborando os achados de Slavich, Cappetta e Salvemini (2014).
Talvez este traço de ser criativo e inovador do chef tenha sido construído ao longo das suas experiências profissionais ao estudar gastronomia em Londres e os chefs com os quais estagiou. São chefs conhecidos por seus altos níveis de exigência, pela busca constante da perfeição, por serem inovadores. Pierre Gagnaire, por exemplo foi pioneiro do movimento cozinha “fusion” que mistura técnicas de cocção antigas e modernas, e a enfrentar as convenções da cozinha clássica francesa e introduzir novos sabores, texturas e ingredientes. Sua declarada missão é “[...] apresentar uma cozinha voltada para amanhã, mas respeitosa com a de ontem” (tourné vers demain mais soucieux d’hier). Estas experiências podem ter contribuído para não só a escolha das estratégias do Epice mais também no modo como implementar essas estratégias.
4.3 Restaurante Astrid y Gaston
O Restaurante Astrid y Gaston está localizado em Lima, capital do Peru, foi inaugurado em 1994 no elegante bairro de Miraflores onde permaneceu até fevereiro de 2014 quando mudou-se para uma elegante hacienda Casa Moreyra, uma construção do século XVIII que é patrimônio cultural. Em 2013, eleito o melhor restaurante da América Latina pela publicação “The restaurants” e em 2014 ficou em segundo lugar.
Ao contrário dos outros casos estudados, o restaurante Astrid y Gaston é parte de um conglomerado de empresas chamado de Acurio Restaurantes cujo objetivo é promover e exportar a cozinha peruana por meio de conceitos novos e diferenciados que atendem ao mundo de hoje e tentar posicionar a cozinha peruana entre as mais reconhecidas no mundo.
4.3.1 O processo de formação das estratégias adotadas pelo restaurante Astrid y Gaston
No Astrid y Gaston, foram identificadas as seguintes estratégias de negócios: no começo do restaurante, a estratégia adotada de diferenciação estava assentada na oferta de um cardápio francês e seu processo de formação foi intencionalmente planejado. A partir dos anos 2000 a diferenciação permanece, mas a forma de se diferenciar muda – o cardápio passa a ser predominantemente de inspiração peruana. No início este cardápio é apresentado de modo ainda muito tradicional, e, a partir de 2011 o menu torna-se mais vanguardista contando a história do Peru por meio da cozinha, das artes e da tecnologia. No início esta estratégia foi emergente e formada aos poucos de maneira incremental e depois passou a ser deliberadamente planejada.
O restaurante Astrid y Gaston foi inaugurado em julho de 1994 com a proposta de ser um restaurante francês diferenciado no então bairro calmo de Miraflores. Era uma cozinha francesa, mas, de vanguarda, pois era muito influenciada pelas ideias do movimento da nouvelle cuisine que se contrapunha à cozinha clássica francesa que à época era feita no Peru. Algumas inovações que o Astrid y Gaston implementaram na época foram: a cozinha era totalmente aberta, à vista do cliente; tudo era servido empratado, incluindo a sobremesa; todos os produtos eram frescos, nada se congelava e, por fim, a figura do chef no salão. Assim, a estratégia de diferenciação estava fortemente assentada em oferecer um cardápio afrancesado baseado em ingredientes exclusivos e, portanto considerados de luxo.
Estes primeiros anos do restaurante são marcados por uma dinâmica de por um lado apego ao passado e por outro um lento movimento de valorizar a cozinha peruana. E foi a partir desta dinâmica que começou a emergir a nova estratégia de diferenciação (Mintzberg, 1978) do Astrid y Gaston, de ser um restaurante gastronômico peruano. Este foi um processo de mudança estratégica que durou quatro anos para se concretizar totalmente no ano 2000, sendo já caracterizada como uma mudança evolucionária (De Wit e Meyer, 2004).
Nos anos 2000, começa efetivamente a estratégia de vanguarda do Astrid y Gaston. Lauer (2012) afirma que assim como a vanguarda catalã foi liderada por Ferran Adrià, Gastón Acurio encabeça um movimento de chefs peruanos que estão tratando de divulgar a vanguarda peruana que é pautada na biodiversidade e qualidade da gastronomia e na diversidade cultural (fruto da já discutida formação do povo peruano) e por fim a inclusão social.
Esta estratégia de vanguarda foi operacionalizada embasada em quatro vetores: o estético, o emocional-sensorial, o refinamento e a maneira de juntar estes três primeiros por meio de uma história. Assim, percebe-se que o Astrid y Gaston, de tal modo como o Mocotó utiliza a estratégia de storytelling, e neste caso específico as histórias contadas são sobre o Peru.
A ideia do chef Gastón Acurio é valorizar a gastronomia peruana e fazer com que o povo se orgulhe desta, tal como os brasileiros se orgulham do seu futebol. À época esta ainda era uma nova ideia e para tanto precisava ser contada de forma cativante para ser ouvida (Brown, 2010, p. 133). Este mesmo autor advoga que “[...] no outro extremo, uma história ganha impulso quando é recebida pelo público-alvo, que se sente motivado a levá-la adiante” (Brown, 2010, p.136). Este parece ser o caso do Peru, pois Lauer (2012) afirma que a revolução gastronômica peruana começou como um fenômeno ocorrido essencialmente entre uma cúpula de chefs e comensais e foi se expandindo ao encontro do popular, onde encontrou uma grande receptividade.
Foi a partir da contratação do chef Diego Muñoz, em 2011, que esta estratégia de contar histórias tornou-se ainda mais ousada com o início dos menus degustação, pois estes são considerados um meio de se exprimir na cozinha de vanguarda, sendo um dos 23 mandamentos do Manifesto Espanhol lançado em 2006 durante o Madrid Fusión.
A estratégia de vanguarda de contar histórias teve o aporte da chamada economia criativa - conceito emergente que trata da interface entre criatividade, cultura, economia e tecnologia em um mundo dominado por imagens, sons, textos e símbolos. Segundo a UNCTAD (2010), dentre as características desta tem-se: estruturação em forma de rede (gama de possibilidades de muitos produtores para muitos consumidores); novos modelos de consumo; atuação de micro e pequenas empresas; amplo espectro setorial; uso de novas tecnologias e valor agregado da intangibilidade.
No Astrid y Gaston, é importante salientar as duas últimas características já que o processo criativo do menu degustação é baseado nos aspectos culturais peruanos corroborando Reis (2008, p. 29) que defende a ideia que “[...] quando a criatividade é associada à cultura, graças a sua unicidade, é capaz de gerar produtos tangíveis com valores intangíveis”.
A mescla de várias linguagens e áreas tornou-se prática comum nesta nova economia, estimulada tanto em função das facilidades geradas pelas novas tecnologias, quanto pela capacidade criativa de se construir e se interagir de modo multidisciplinar. Pelo exposto os preceitos de economia criativa agregam mais valor à estratégia de vanguarda do restaurante Astrid y Gaston a partir do lançamento do menu degustação “El viaje”.
O menu foi lançado em julho de 2013 e participaram da sua concepção e operacionalização deste cardápio mais de 34 profissionais das mais diversas áreas – atores, escultores, designers, compositores e músicos. A história homenageia os cem anos da imigração italiana para o Peru e conta a trajetória de um italiano que, em 1930, sai da Ligúria e desembarca no porto de Calao (perto de Lima). Dentre as pessoas envolvidas tinha artistas peruanos como Mercedes Salem, Abel Bentin, Loreta Haaker, Edward Venero e Marcelo Wong que aceitaram o desafio de criar peças de arte para servirem as receitas criadas por Diego Muñoz e sua equipe.
Como já enfatizado, as estratégias do Restaurante Astrid y Gaston planejadas no começo da primeira fase, na segunda e terceira fases e emergente apenas no fim da primeira fase se tornou planejada. O chef Gaston Acurio teve um papel fundamental na concepção e implementação dessas estratégias. Inclusive suas experiências pessoais – como a viagem, o programa de televisão, as viagens e a rede de relacionamento – moldaram as estratégias do restaurante.
5 Conclusões
A partir dos dados coletados, pode-se afirmar que todos os casos estudados adotaram a estratégia de diferenciação - as empresas buscam ganhar vantagem competitiva aumentando o valor percebido de seus produtos ou serviços em relação ao valor percebido dos produtos ou serviços dos concorrentes – produzindo experiências extraordinárias para os seus clientes.
As estratégias adotadas pelos casos analisados orbitam em torno da capacidade de criação e inovação dos seus chefs e corroboraram a pesquisa de Hu (2010) que relacionou a competência inovadora destes com o sucesso do restaurante. Para materializar a sua filosofia, o chef criativo deve se posicionar em relação ao que pensa sobre o comer, como se posiciona diante das matérias-primas, dos processos de transformação e das sensações que pretende provocar nos clientes. Todos os chefs pesquisadosdefendem a importância dos fornecedores e produtores para a cadeia produtiva da alimentação - nomeando os fornecedores no cardápio ou discursando publicamente a favor destes. Estes chefs também assumem um papel social importante ao defenderem a gastronomia como um mecanismo de mudança social, de sustentabilidade e de valorização da cultura. Parece haver também entre os três chefs de cozinha uma consciência das sensações que pretendem provocar nos clientes, buscando ofertar uma experiência sensorial, sentimental e cognitiva (Schmitt, 2002).
A estética desponta como uma dimensão importante nos achados. Foi na corte de Borgonha no século XV que “[...] o lado físico do comer é deslocado para o prazer estético do olhar” (Lunardelli, 2012, p. 41), mas foi na França que questões estéticas foram incorporadas à gastronomia. Os chefs dos restaurantes estudados têm a estética efetivamente como uma dimensão da sua competência inovadora apesar de apresentarem algumas diferenças nesta dimensão. O chef Rodrigo Oliveira utiliza-se da estética dos pratos para apresentar a cozinha sertaneja de uma maneira contemporânea, ou seja, para este chef, a estética é um meio. Já Alberto Landgraf do Restaurante Epice tem a estética como um fim em si mesmo e fruto de um processo racional e estruturado do chef. Já no Restaurante Astrid y Gastón, a estética é uma dimensão maior, principalmente a partir da concepção dos menus degustação e vai além do modo como Diego Muñoz dispõe os alimentos nos pratos e envolve a própria criação, por artistas, dos objetos de arte onde estes alimentos serão servidos.
A dimensão produto também está presente nos três casos estudados e como afirma Hu (2010, p.70) “[...] o chef que consegue romper conceitos e barreiras culturais limitantes e apresenta ingredientes conhecidos de uma maneira nova e inesperada, consegue colocar o consumidor diante de uma experiência comum, que é alimentar-se, reconstruída de uma nova maneira, que a torna inusitada, constituindo um novo serviço que vai além da necessidade biológica do alimento e projeta uma experiência gastronômica única”. Todos os chefs estudados enfatizaram a importância da qualidade dos ingredientes utilizados, o uso de ingredientes inusitados na alta gastronomia e o uso de ingredientes locais.
O serviço merece destaque, pois, nestes estabelecimentos parece haver uma valorização desta dimensão a despeito da menor importância do papel destes na oferta da experiência em restaurantes gastronômicos desde a nouvelle cuisine quando as atividades do garçom foram minimizadas devido à preparação dos pratos que passou a ser totalmente finalizada ainda dentro da cozinha (Almeida, 2012). O serviço do salão é tão importante quanto o da cozinha e há nos três casos estudados uma valorização do profissional de salão – garçons, maitres e commis – e treinamento destes, inclusive, no caso específico do Astrid y Gaston, com a contratação de um diretor de teatro para treinar o pessoal do salão.
Por fim, ao analisarmos especificamente o posicionamento dos casos brasileiros, Dória (2014, p. 223) afirma que “[...] o país é visto como a bola da vez da gastronomia internacional, e os restaurantes com referências às tradições brasileiras são, a cada dia, mais numerosos”. E dentre os restaurantes que tem a proposta de representação moderna da gastronomia brasileira, o autor destaca alguns estilos mais amadurecidos e os classifica em categorias distintas: o Restaurante Mocotó representa um estilo etnográfico e o Restaurante Epice enquadra-se na categoria experimental.
O estilo etnográfico parte do pressuposto que a modernidade tem destruído formas de comer que tradicionalmente fazem parte da identidade da cozinha brasileira. Na base desta culinária está a pesquisa e o uso de receitas, ingredientes e técnicas tradicionais que os chefs têm pouca interferência cabendo aos mesmos apenas modernizar aspectos que caíram em desuso no gosto do público – como acabar com os excessos como no caso específico do Mocotó em que o chef Rodrigo Oliveira usa a macaxeira para engrossar o caldo de mocotó e não mais a farinha de trigo como fazia o seu pai. Já o estilo do Epice rompe com os padrões de tratamento dos ingredientes brasileiros, hipervalorizando-os e combinando-os de maneira livre. Os chefs adeptos deste estilo usam técnicas modernas e se valem de experiências internacionais que se tornaram referência para mostrar que também podem ser universais. Segundo Dória (2014) esta categoria inclui os chefs mais importantes da cena brasileira, como Alex Atala e Helena Rizzo, e tende a ser adotado de maneira crescente.
Ao comparar o processo de formação das estratégias nos três casos estudados surgiram padrões. Houve estratégias que foram planejadas e realizadas, como também estratégias emergentes que se tornaram padrão, como no caso do Restaurante Astrid y Gaston ao modificar paulatinamente o cardápio adotando ingredientes peruanos. Esses achados corroboram Mintzberg (1978), em relação a investigação na Volkswagen e o governo dos Estados Unidos na guerra do Vietnã. Na fase atual de todas as empresas pode-se argumentar que há uma tendência das estratégias serem mais deliberadas principalmente no caso do Restaurante Astrid y Gaston pelo tamanho e importância que a organização tem no grupo empresarial e no contexto mundial. No Restaurante Mocotó, graças à transição na gestão que agora é de responsabilidade do chef Rodrigo Oliveira também há uma tendência ao planejamento das ações e estratégias seguidas. Por fim, no Restaurante Epice, a estratégia foi planejada no aspecto geral e emergente nos detalhes.
Sobre a vanguarda da gastronomia latino americana, pode-se afirmar que há alguns direcionamentos comuns sobre a concepção da cozinha do futuro, quais sejam: a recuperação e valorização dos ingredientes do entorno do restaurante; a inclusão da gastronomia como um modo de valorizar o meio e a sociedade em torno dela; estabelecimento de vínculos com os produtores; desenvolvimento de propostas a cada dia mais respeitosas com o meio ambiente e, acima de tudo, uma culinária preciosa, em certas ocasiões aparentemente simples e em outras de extrema sofisticação, mas sempre surpreendente e marcante.
Referências
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** Graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Pernambuco (1972); Mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (1975); Doutorado em Management Sciences - University of Manchester Institute of Science and Techonology (1988); Pós-Doutorado - University of Texas at Austin (1998). Diretor Científico, eleito, da ANPAD - Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Administração (janeiro, 2005 -dezembro, 2006) e (janeiro, 2007 - dezembro, 2008). Diretor Acadêmico da Faculdade Boa Viagem (outubro, 1999 - setembro, 2001) e (abril, 2006 - março, 2009). Coordenador do Curso de Mestrado em Administração (1995 - 1997) e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Administração, Cursos de Mestrado e Doutorado (2001-2002) e (2010-2014). Experiência na área de Administração, com ênfase em Administração Estratégica, atuando principalmente nos seguintes temas: estratégia empresarial, estratégia de internacionalização, competição, recursos competitivos e desempenho empresarial. Consultor na área de Estratégia Empresarial. Membro da Strategic Mnagement Society e da Academy of International Business. E-mail: walter.moraes@ufpe.br Endereço: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Ciências Administrativas
*** Atualmente é Professora Adjunta do curso de Administração e vice-coordena do Programa de Pós-graduação em Cognição, Tecnologias e Instituições (PPGCTI) - mestrado acadêmico interdisciplinar da Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Doutorado (2012- bolsista CAPES), mestrado (2006- bolsista) e graduação (2002) em Administração (UFPE). É professora do mestrado acadêmico em Cognição, Tecnologia e Instituições da UFERSA. Esteve na coordenação da especialização em Gestão Estratégica de Serviços (2015-2016) e na graduação em Administração (UFERSA) entre 2012 e 2014. Obteve experiência profissional ao trabalhar numa multinacional francesa e em diferentes instituições de ensino (UFPB, UERN, Faculdade Mater Christi, FBV, UFPE, ESUDA, FUNESA e Senac-Recife). Membro do Grupo de Pesquisa da UFPE: Câmara de Estudos em Estratégias das Organizações, Grupo de Pesquisa da UFERSA: Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração (GEPAR) e do Grupo de Pesquisa da UERN: Núcleo de Estudos Organizacionais do Alto Oeste Potiguar. Pesquisa principalmente os seguintes temas: empreendedorismo internacional, competição, processo de formação das estratégias, liderança, mudança estratégica, marketing, turismo e hotelaria. Possui trabalhos acadêmicos publicados em eventos e periódicos científicos. É avaliadora de livro (EdUFMT), artigos do ENANPAD, 3E´S, AIB (Academy of International business), GESPET, Strategic Management Society, SEMEAD e das revistas Alcance, RAUNP, Estudios y Perspectivas en Turismo, Revista de Administração de Empresas (RAE), Gestão & Regionalidade, Revista Eletrônica de Administração e Turismo - ReAT, Gestão & Planejamento, Revista Organizações Rurais & Agroindustriais, Revista de Administração Contemporânea (RAC), Revista FAROL e AFRICAN JOURNAL OF BUSINESS MANAGEMENT. Consultora na área de Estratégia Empresarial e Marketing.E-mail: yakarav@gmail.com
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