Patrick Heleno dos Santos Passos*
Dalcione Lima Marinho**
Manuel Fabio Matos Barros***
IFPA, Brasil
ckpassos@hotmail.comResumo
O artigo trata sobre as dificuldades e desafios de três agricultores para desenvolver agricultura de base agroecológica na região nordeste do Pará.
Palavras chaves: Agricultura de base agroecológica, agroecologia, campesinato na Amazônia.
Abstract
The article discusses the difficulties and challenges of three farmers to develop agroecological farming in northeast Pará.
Key words: Basic Agriculture agroecology, agroecology, peasants in the Amazon.
Resumen
El artículo analiza las dificultades y los retos de tres agricultores para desarrollar el cultivo agroecológico en el noreste de Pará.
Palabras clave: Agroecología Agricultura básico, agroecología, campesinos de la Amazonia
Para citar este articulo puede utilizar el siguiente formato:
Patrick Heleno dos Santos Passos, Dalcione Lima Marinho y Manuel Fabio Matos Barros (2016): "Estudo de caso: sobre agricultura de base agroecologica do nordeste Paraense, Amazonia Brasil", Revista DELOS: Desarrollo Local Sostenible, n. 26 (junio 2016). En linea: http://www.eumed.net/rev/delos/26/agroecologia.html
O presente documento versa sobre as observações realizadas estudantes do curso de Mestrado Profissional em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA, Campus Castanhal, referente à disciplina de Agricultura Familiar Camponesa e Agroecologia.
A atividade consistiu em uma visita de campo, cujo objetivo foi conhecer a experiência sócia produtiva de três agricultores de base agroecológica da região do Nordeste Paraense, e posteriormente relacioná-las com os conhecimentos adquiridos durante a formação teórica, sendo que a mesma foi sistematizada no primeiro momento em formato de relatório e posteriormente como artigo.
A disciplina abordou os elementos teóricos que constituem o pano de fundo para o estudo da agricultura camponesa na perspectiva da agroecologia, apresentando conceitos e definições, a importância desta categoria social para o desenvolvimento rural, bem como, Tecnologias e inovações das diferentes agriculturas de base ecológica.
Essas observações foram feitas em três unidades de produção familiar, a primeira da família do Senhor Manoel, localizada na comunidade São João, onde residem desde o ano de 1989 no município de Marapanim-Pa; a segunda propriedade, localizada na comunidade Novo Brasil, onde reside a família do senhor Raimundo Lobo, conhecido como “Nengo”, presente nesta propriedade desde1988, sendo que está localizada no município de Igarapé Açu-PA. Já a terceira propriedade visitada pertence a família do senhor Pedro e dona Zinalva, localizada no município de São domingos do Capim e lá residem desde 1986.
A pesquisa teve como lócus os municípios de Igarapé - Açú, Marapanim e São Domingos do Capim, situado no nordeste paraense e possuem ligação econômica com agricultura familiar.
A natureza da pesquisa será básica e partiu do levantamento bibliográfico sobre o tema, a abordagem visou os métodos qualitativos das ciências sociais, como imersão em campo, sendo guiado pelos atores sociais locais, teve como subsidio a técnica da observação participante que consiste na coleta de dados para conseguir informações a respeito de determinados aspectos da realidade. Essa ajuda o pesquisador a “identificar e obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento” (Lakatos & Marconi, 2008).
Compreendemos o camponês como um sujeito que
[...] mantém a autonomia sobre o processo de trabalho. A condição de proprietário da terra e dos outros meios de produção, fato que assegura ao camponês o domínio sobre o processo de trabalho e assim lhe dá condição de trabalhador independente. Ainda que subordinado formalmente ao capital. Em consequência tem se na produção camponesa um processo de trabalho não especificamente capitalista e no camponês a personificação desse processo e um participante das classes subalternas da sociedade capitalista. (SANTOS, 1979).
A reflexão trazida acima se confirma, pois existe nexo entre a teoria e a forma organizativa e o modo de vida dos camponeses visitados, fato que se confirma com as falas colhidas em campo e pela expressão dos atores sociais em destacarem suas dificuldades e carências no processo produtivo, dificuldades de acesso a politicas publicas para desenvolver a atividade rural de maneira que possa se desenvolver economicamente..
As carências relatadas expressam-se pela necessidade de assistência técnica e extensão rural contextualizada e com um enfoque diferenciado que dê conta da diversificação produtiva e compreenda a cultura do camponês amazônica. Outro ponto é a falta de vias de acesso (estradas vicinais) para o escoamento da produção, situação que se agrava no período do inverno amazônico e que é determinante para baixa da produção, pois a mesma corre risco de não ser comercializada devido às questões estruturais.
Outro ponto relevante é o fomento a atividade e o acesso ao crédito para desenvolver a produção agropecuária. Cabe destacar que para esse item se faz necessário o acesso básico a documentos pessoais como Registro Geral, Cadastro de Pessoa Física, comprovação de renda entre outros documentos que os entrevistados não possuem e que são barreiras que não foram percebidas ao longo do processo de desenvolvimento da agricultura na Amazônia por parte do poder público e não se sabe se de forma intencional, visando a manutenção dos currais eleitorais ou por mero descuido no planejamento e formulação de politicas públicas para o meio rural.
E o fato não pode ser negado pelo governo, como falta de planejamento, pois as pastas ministeriais que possuem competência para atuar no meio rural são muitas, tais como Ministério da Integração Nacional, Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Desenvolvimento Social, Desenvolvimento agrário. Instituições não faltam no meio rural, o que temos percebido é que planejamento para essa seara aconteceu ao longo dos governos brasileiros, mas a boa vontade em perceber o analfabetismo, a falta de acesso a documentos pessoais são óbices claros de que falta é boa vontade para com as polpações rurais e na forma de execução das políticas públicas para o norte do Brasil.
O conceito de agroecossistema proporciona uma estrutura com a qual podemos analisar os sistemas de produção de alimentos como um todo, incluindo seus conjuntos complexos de insumos e produção e as interconexões entre as partes que os compõem. (GLIESSMAN, 2005).
O ecossistema é também definido como um sistema funcional de relações complementares entre organismos vivos e seu ambiente, delimitado por fronteiras escolhidas arbitrariamente, as quais, no espaço e no tempo, parecem manter um equilíbrio dinâmico, porém estável. Assim, um ecossistema tem partes físicas com suas relações particulares – a estrutura do sistema – que juntas participam de processos dinâmicos – a função do sistema. (GLIESSMAN, 2005).
Segundo Toews (1987) e Lawrence et al.(1984) escrevem que os agroecossistemas podem ser definidos como “entidades regionais manejadas com o objetivo de produzir alimentos e outros produtos agropecuários, compreendendo as plantas e animais domesticados, elementos bióticos e abióticos do solo, rede de drenagem e de áreas que suportam vegetação natural e vida silvestre.
Nesse sentido, os agroecossistemas incluem de maneira explícita o homem, tanto como produtor como consumidor, tendo, portanto dimensões socioeconômicas, de saúde pública e ambientais.
Exposto isso, observa-se a integração entre todos os componentes de um agroecossistema. Deste modo, há necessidade de analisar estas “entidades regionais manejadas” como um todo observando as interações existentes, classificada como visão sistêmica (CAPRA, 2006).
Ademais os agroecossitemas são relacionados a cultivos e policultivos, e destaca algumas vantagens na adoção de processos de diversificação da produção como estratégia tradicional para a geração de uma dieta alimentar diversificada; produção estabilizada; redução dos riscos à medida que um cultivo pode compensar a baixa produção ou a perda de outro; diminuição de pragas; uso eficaz de mão de obra e rentabilidade com baixo nível de tecnologia, além de outras vantagens como a cobertura eficaz do solo. (Altiere, 1999)
Reconhecer o papel de cada agroecossistema inserido em um estabelecimento agroalimentar (ou ainda em um espaço institucional de produção de conhecimento e produtos alimentares, como é o caso do Instituto Federal de Educação-Campus Castanhal), significa compreender os diferentes papéis que juntos dão conta da produção, que não é apenas de feijão, milho, farinha, arroz, carne, leite, frutas etc., mas também produção da vida e de culturas e comportamentos que identificam o homem e a mulher, a família ou a comunidade, no caso do campus Castanhal (composta por discentes, docentes e servidores administrativos e aqueles que a compõem direta ou indiretamente).
No processo de produção, os atores sociais masculinos e femininos interagem diretamente entre si como sujeitos sociais do processo e produção nessa seara rural, assim como interagem, usam e exploram o meio natural. Fazendo-se necessário a produção a partir da colaboração e cooperação de maneira determinada. Outro ponto são os antagonismos encontrados, onde a produção se desenvolve sem que se estabeleça um intercâmbio de atividades.
Para produzir, os homens contraem determinados vínculos e relações uns com os outros, e é através desses vínculos e relações sociais que se estabelece a sua ação sobre a natureza, que se efetua a produção.
Nesse sentido o trabalho é uma relação do ser humano com a natureza, uma ação criativa de transformação da natureza, que cria relações sociais determinadas e que, nesse processo, transforma os próprios seres humanos. (Marx, 1987)
A Agroecologia reconhece e se nutre dos saberes, conhecimentos e experiências dos agricultores (as), dos povos indígenas, dos povos da floresta, dos pescadores(as), das comunidades quilombolas, bem como dos demais atores sociais envolvidos em processos de desenvolvimento rural, incorporando o potencial endógeno, isto é, presente no “local”.
No enfoque agroecológico o potencial endógeno constitui um elemento fundamental e ponto de partida de qualquer projeto de transição agroecológica, na medida em que auxilia na aprendizagem sobre os fatores socioculturais e agroecossistêmicos que constituem as bases estratégicas de qualquer iniciativa de desenvolvimento rural ou de desenho de agroecossistemas que visem alcançar patamares crescentes de sustentabilidade.
Nesta perspectiva, pode-se afirmar que a Agroecologia se constitui num paradigma capaz de contribuir para o enfrentamento da crise socioambiental da nossa época. Uma crise que, para alguns autores, é, no fundo, a própria crise do processo civilizatório (CAPORAL et al, 2006). Diante dessa crise, os problemas ambientais assumiram um status que ultrapassa o estágio da contestação contra a extinção de espécies ou a favor da proteção ambiental, para transformar-se numa crítica radical do tipo de civilização que construímos. Ele é altamente energívoro e devorador de todos os ecossistemas (...). Na atitude de estar por sobre as coisas e por sobre tudo, parece residir o mecanismo fundamental de nossa atual crise civilizacional. (BOFF, 1995), razão pela qual necessitamos de novas bases epistemológicas, novas perguntas e novos conhecimentos, como nos proporcionam a Agroecologia, para o enfrentamento e superação desta crise.
Portanto, a Agroecologia, mais do que simplesmente tratar sobre o manejo ecologicamente responsável dos recursos naturais, constitui-se em um campo do conhecimento científico que, partindo de um enfoque holístico e de uma abordagem sistêmica, pretende contribuir para que a sociedade possa redirecionar o curso alterado da co-evolução social e ecológica, nas suas múltiplas inter-relações e mútua influência. Não obstante, antes também é preciso demarcar que a perspectiva agroecológica possui em seus princípios a preocupação e a defesa de uma nova ética ambiental.
A unidade de produção do Senhor Manoel está localizada no município de Marapanim, situado na região Nordeste do Pará, especificamente na comunidade Nova Olinda, distante aproximadamente 100 km da sede desse município. Contudo, todas as relações comerciais e sociais de dão na sede do município vizinho que é Igarapé Açu.
Considerando as observações, pode se dizer que a unidade de produção desempenha sua exploração agrícola com base nos princípios agroecológicos, sendo o principal deles a adoção de tecnologias que substituem o uso do fogo como principal forma de preparo de área para a implantação de cultivos.
As atividades exploradas estão implantadas em diversos pontos da unidade de produção, essas atividades são: cultivo de pimenta do reino em formato de Sistemas Agroflorestais – SAF`S em uma área de uma tarefa (0,3 ha), abacaxi solteiro numa área de 1,5 tarefa (0,45ha), reflorestamento de com mogno, paricá, pupunha com cerca de 2 tarefas(0,6ha), cultivo de hortaliças em 1 tarefa (0,3ha).
Além disso, uma área de SAF (quintal) com espécies frutíferas, espécies madeireiras e medicinais com uma área de 1ha e ainda a área de cultivo de mandioca que geralmente é cultivada em consórcio com milho e outras culturas anuais como inhame, batata doce, dentre outras.
A mão de obra familiar é composta principalmente pelo chefe da família, sua esposa e um filho, sendo que em alguns momentos faz-se necessário a contratação de trabalhadores externos. Esses momentos são principalmente colheita e beneficiamento da produção.
A principal estratégia de produção é a adoção das práticas de substituição do uso do fogo para preparo de área, o que de certa forma deixa o agricultor dependente de máquinas que ele não possui. Geralmente essas máquinas (tratores e implementos) são cedidos pelo Projeto Raízes, e ainda, em alguns momentos a contratação de um trator com um determinado implemento (roçadeira de arrasto e grade aradora) foi contratado para fazer a trituração da capoeira para acamar a vegetação de modo a permitir o plantio das culturas. Além do fogo, também se busca a substituição do uso de insumos químicos como agrotóxicos (adubos e herbicidas) e a adoção da tecnologia da enxertia de plantas visando a otimização da produção a partir de plantas tolerantes e resistentes ao ataque de pragas e doenças.
A unidade de produção está inserida em uma realidade muito comum no meio rural do Estado do Pará. Não conta com a regularização fundiária demarcação, emissão de Contrato de Concessão e Uso, emitido pelo INCRA e DAP. Declaração de Aptidão para Pronaf. Documento necessário para acesso às linhas de financiamento para a produção agropecuária, concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, via Agentes financeiros oficiais. Banco do Brasil e Banco da Amazônia e mais recentemente pela Caixa Econômica Federal.
Além dessas, outras dificuldades enfrentadas são a baixa qualidade das estradas vicinais de acesso e que acarreta problemas na comercialização, fazendo com que a presença do atravessador seja constante e de certa forma instalando uma relação de dependência da família para com este indivíduo, a falta de escola na comunidade, o que obriga os filhos da família a tomarem transporte escolar e se dirigirem até a sede do município de Igarapé-Açu para estudar. Isso por sua vez, diminui o tempo desses jovens de participar das atividades produtivas e de beneficiamento da produção.
Ademais, a falta de assistência técnica e extensão rural contextualizada, que reconheça a opção pelo modo de produção diferenciado adotado pela família. Por falta desse conhecimento, os técnicos que visitam a propriedade em raros momentos insistem em recomendar o uso de insumos químicos, principalmente adubos e herbicidas.
As relações sociais e associativas segundo o agricultor, ainda estão em estágio simples e tênues, carecendo de mais envolvimento e fortalecimento das relações de confiança e de solidariedade. Outro ponto vulnerável nessas relações é à saída dos jovens do campo rumo à cidade, buscando principalmente estudo e emprego, visto que a geração de renda no meio rural está em baixa.
A visita de estudo foi realizada no dia 27 de setembro no período da manhã. O senhor “Nengo” é residente no município de Igarapé-Açu que fica na região nordeste do Pará, Possui território equivalente a 785,93 km², população estimada em 37.333 pessoas. (IBGE 2015).
O agricultor possui unidade produção possui aproximadamente 25 ha, localizada a beira de estrada vicinal rural e as proximidades do campo de futebol da comunidade.
O sistema de produção é constituído por sistemas agroflorestais (açaí, cupuaçu, pimenta do reino, banana, mogno, paricá, limão, laranja, cedro, murici, dendê e outras), cultivos de mandioca e macaxeira para a produção de farinha, cultivo de maracujá em consorcio com tangerina, pimenta do reino e açaí e a criação de pequenos animais.
O sistema agroflorestal tem apresentando uma alta incidência de ataque de formigas, situação essa que tem dificultado a realização dos tratos culturais, como também aumentado o custo de produção, uma vez que o senhor “Nengo” passou a utilizar defensivos químicos constantemente, tornando o sistema menos estável e mais de pendente de insumos externos.
As áreas cultivadas foram preparadas com o processo de trituração da capoeira, o mesmo relata que já faz mais de cinco anos que não utiliza o fogo na unidade de produção, como prática cultural.
O Agricultor afirma que a assistência técnica que recebeu dos órgãos oficiais foi de “péssima qualidade” e que os conhecimentos utilizados para implantação de seu sistema de produção foi provindo do projeto em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA.
A comercialização ocorre na unidade de produção, sendo que os principais produtos comercializados são: polpa de açaí e cupuaçu e farinha. No começo do ano foi iniciado o processo de beneficiamento com uso de uma despolpadeira. O senhor “Nengo” afirma que necessita melhorar sua estrutura de beneficiamento, com a aquisição de novos freezers e a construção de um espaço físico adequado. Uma estratégia de beneficiamento e comercialização que pensar em desenvolver é a produção de geladinho, justificada pela localização privilegiada de sua propriedade.
Com relação à força de trabalho, o agricultor afirma que está é uma situação limite, pois dispõem para realizar as atividades, apenas a mão de obra dele e do filho, que recentemente está empregado, auxiliando nos serviços da unidade de produção apenas nos períodos de folga. Porém, está falta de força de trabalho tem influenciado a família a não aumentar as atividades produtivas, realizando apenas a manutenção dos sistemas adotados na propriedade.
O agricultor possui uma estratégia de produção diferente da maioria dos agricultores da região, principalmente pela opção em abolir o uso do fogo como trato cultural e pela resistência há implantação da pecuária bovina extensiva unidade de produtiva. O sistema adotado está em fase de consolidação e apresenta uma diversidade produtiva com predominância dos cultivos. E, também há uma diversificação na renda resultado do escalonamento sazonal do sistema, e, por conseguinte, uma maior sustentabilidade ao longo do tempo.
O Sítio São Pedro, como é conhecido à unidade de produção familiar do Senhor Pedro e da senhora Zinalva está localizada em uma área de várzea, à margem do rio Capim na comunidade Monte Sião no município de São Domingos do Capim, região Nordeste do Estado do Pará. O município possui população estimada e 30.843 pessoas com grande concentração na área rural e com forte ligação com agricultura familiar (IBGE, 2015) .
A família é composta pelos chefes e mais cinco filhos, sendo que desses apenas quatro moram na mesma.
Trata-se de uma propriedade altamente produtiva, com produção de base agroecológica. Essa propriedade tem como principal fonte de renda a venda de produto que recebem a agregação de valor para posterior comercialização.
A gestão social do trabalho é feita da seguinte forma: a parte do sistema de produção, mais especificamente dos SAFs é conduzida pelo senhor “Pedreco”, que cuida de todas as etapas, além do planejamento das atividades a serem desenvolvidas como as podas de formação, organização da produção de frutos na entressafra, contratação de mão de obra temporária no período da colheita do açaí, implantação de novas atividades. O beneficiamento da produção, a manipulação de ervas medicinais e a comercialização são feita pela senhora Zinalva, que juntamente com o senhor “Pedreco” fazem as anotações concernentes as atividades de gestão financeira e administrativa da unidade familiar de produção.
A propriedade atualmente tem em seu sistema de produção as seguintes culturas: açaí, cacau, banana, cupuaçu, bacaba, patauá, cupuaí, bacuripari, andiroba, limão, castanha do Pará, goiaba, acerola, taperebá, caju, pupunha, urucum, pimenta do reino e acará do ar (inhame). Os principais produtos beneficiados são: biscoitos, chocolate, medicamentos fitoterápicos, doces, geleias e compotas além da produção de artesanato a partir de cascas, madeira e sementes da floresta.
O sistema de criação é composto principalmente por galinha caipira que tem como principal função a alimentação da família.
Outra atividade desenvolvida pela família na unidade familiar de produção é o recebimento de visitantes das mais diversas categorias: estudantes, pesquisadores, agricultores, professores universitários além de institutos de desenvolvimento e preservação do meio ambiente da biodiversidade e de práticas agroecológicas de produção. Atrelada atividade de recepção, a família tem como estratégia a comercialização de seus produtos e a venda de alimentação natural a base de produtos do Rio Capim (peixe e mariscos) e dos SAFs.
Faz-se pertinente destacar o processo de evolução social no meio rural brasileiro, avanços que promovem uma diferenciação social, no qual predomina a divisão do trabalho. De acordo com Durkheim (2004), O caso da moderna sociedade industrial, as tarefas são extremamente divididas. Com a divisão do trabalho social, cada vez mais, os indivíduos desempenham funções diferentes umas das outras. Tal processo se radicalizou com o capitalismo que levou a uma superespecialização das tarefas. Como é o caso das diferentes tarefas e funções expressas pelo trabalho desenvolvido por dona Zinalva que além de agricultora é responsável pela organização do núcleo familiar, além de eximia manipuladora de ervas medicinal local. Fatos que confirmam a diferenciação social.
O arquétipo criado no imaginário popular trás a tona, ou melhor, não desvela a figura da mulher que no modelo rural vivenciado em grande parte do século XX, essa construção se deu a partir da negação da mulher como sujeito de direitos, visto que o modelo patriarcal no qual a figura masculina é preponderante tratou de colocar a figura do gênero feminino como papel secundário, submisso a essa identidade masculina.
Fato é que o trabalho das mulheres campesinas existe cotidianamente, ocorre de fato e pode ser notado no trabalho das agricultoras, como no caso das marisqueiras na pesca artesanal litorânea, assim como expresso no trabalho das catadoras de caranguejo da pesca artesanal do caranguejo, das agricultoras familiares que tratam das atividades ditas e vistas pelo olhar preconceituoso como menos complexas e que não necessitam fazer tanta força pela percepção masculina que em sua maioria não compreende o saber, a diversidade de conhecimentos e as muitas tarefas no campo familiar, econômico e produtivo que essas atrizes sociais passam a ter nas comunidades rurais em que vivem e se destacam.
A divisão sexual do trabalho é fato narrado por Chayanov (1974). Para o autor, a família é um conjunto de produtores e de consumidores centrados num casal e seus filhos, aos quais se podiam agregar outros membros. Ela seria um grupo doméstico hierarquizado economicamente a partir de valores culturais. Assim, se o exercício da atividade agrícola está fortemente relacionado às posições na família, a prática da agricultura pressupõe os papéis de homens e mulheres e as hierarquias de gênero e idade existentes naquela família.
Corrobora para o fato a gratuidade do trabalho da mulher na agricultura brasileira tem como hipótese a sua invisibilidade na agricultura familiar, a não identidade, o não reconhecimento do seu trabalho nessa classificação de produtores agrícolas. Conforme Melo (2002), o trabalho da mulher na agricultura familiar é gratuito e considerado “ajuda”, revelando que a atividade desenvolvida nessa forma de produção pertence ao homem, é da sua responsabilidade, é sua obrigação.
O que se percebe nessa divisão do trabalho é certo preconceito com a figura feminina no que diz respeito ao universo de trabalho no meio rural. Importante destacar a evolução e a forma com que os teóricos clássicos observaram e descreveram os fatos sociais de seus tempos e atuais na sociedade moderna.
Fato expresso na solidariedade por diferença e não mais por semelhança. É o que Durkheim (2004) chama de solidariedade orgânica. Nessa, as pessoas estão juntas porque fazem coisas diferentes e, portanto, para viver dependem das outras, que fazem coisas que elas não querem ou não são capazes de fazer.
Situação evidente, pois na unidade produtiva administrada por Sr. Pedro e Sra. Zinalva, existe um processo de união entre as pessoas e entre essas e a terra, o meio de vida, a forma dinâmica de interagir entre estes e a natureza que influenciou diretamente seus filhos.
Verifica-se que naquela propriedade as pessoas estão juntas e fazem atividades diferentes, devido um fator importante o consenso, visto que Sr. Pedro se interessa pela produção nos preceitos agroecologicos e se direciona para o aprofundamento nessa área. Já a Sra. Zinalva, se direciona para áreas como o beneficiamento da produção, a agregação de valor a cadeia como um todo; a difusão das técnicas ali implementadas, além de cuidar da culinária de iguarias como forma de evidenciar as qualidades do que ali é produzido e por fim, a manipulação, o zelo no beneficiamento das ervas naturais que fazem parte dos hábitos e da tradição daquela comunidade de são Domingos do Capim.
Cabe destacar que a agricultura sustentável inclui em seus objetivos de forma conjunta os fatores econômicos, ambientais, culturais, sociais, políticos e éticos envolvidos na produção agropecuária. Esses objetivos têm sido definidos de acordo com diversas filosofias, práticas e políticas, tanto sob o ponto de vista do agricultor como do consumidor. Assim dentro da perspectiva da agricultura sustentável está a agricultura biodinâmica, orgânica, natural, biológica, de base ecológica e permacultural.
Ressalta-se ainda que neste trabalho utiliza-se o termo “agricultura familiar de base ecológica”, por entender que o mesmo reflete de uma forma mais adequada a condição do sistema de produção enquanto agroecossistema, cuja produção inclui as dimensões citadas anteriormente. Utiliza-se aqui a Agroecologia conforme definida por Caporal e Costabeber (2004).
Nesse contexto é relevante o papel da mulher campesina visto que essa rompe com os preconceitos e os arquétipos concebidos ao longo do processo histórico e com base nos argumentos descritos na historia e com base na Antropologia é que Lovatto et al (2010) Frisa:
verifica-se que, no campo da produção, a mulher tem sido precursora dentro da unidade familiar, assumindo os desafios de começar algo novo, ao mesmo tempo em que desafia a agricultura convencional ao colocar em prática saberes adquiridos em outras gerações, questionando as formas de produzir e demonstrando descontentamento nos casos em que a lucratividade imediata sobrepõe o bem-estar da família.
Ainda, Lovatto et al (2010) Em muitos casos é a mulher a responsável pela introdução das novas práticas de produção, na medida em que testa formas e preparados nos cultivos, dedica-se ao artesanato, à culinária, aos agrupamentos sociais, recuperando desta forma a cooperação em todas as esferas produtivas. Ela aparece como o centro deformação das articulações no meio rural, conectando, às vezes, através da religiosidade, a família e a comunidade, movimentando a vizinhança para uma mudança de hábitos.
Cabe destacar que Sra. Zinalva se apresenta como agricultora e mãe de cinco filhos percebe-se em sua expressão o apego a terra, a forma de produzir sem se agredir e causar mal a quem consome os produtos de sua propriedade e destaca que a agroecologia é expressão e postura perante a vida, é a escolha que essa e seu esposo fizeram.
Ainda o valor que tem pra ela pertencer aquele núcleo familiar, o valor que os vizinhos e parentes possuem nessa conexão com o coletivo e o significado expressivo de pertencer a floresta, de ter contato direto com as águas dos rios, te ter acesso a terra agricultável, do valor que possui os animais e principalmente do respeito de interagir de forma integra com a natureza.
As experiências visitadas apresentam lógicas de produções baseadas na diversificação produtiva e na estabilização das relações ecológicas dentro do estabelecimento, sendo este o resultado de um processo evolutivo e de interação entre os bens naturais e o meio envolvente, fato este que tem conduzido há um processo de transição para um sistema mais integrador, resiliente e durador, ou seja, uma condição mais sustentável de produção.
Vale ressaltar há existência de particularidades entre as experiências vivenciadas, fruto das condições existenciais - material e simbólica - as quais os camponeses amazônicos foram condicionados, o que tem gerado diferentes estratégias de produção resultando em distintos graus de campesinidade, principalmente no que consiste a busca por uma autonomia produtiva.
Pertinente destacar que nas três unidades de produção visitadas pelos discentes. É representativo o fato de encontrarmos uma interlocutora feminina, com tamanho conhecimento do ambiente local, de sua relação com as redes de vizinhos e com a comunidade daquele município. Além do fato de exercer papel fundamental na gestão da unidade em parceria com seu marido e ter função destacada, posto que atue no beneficiamento e valorização da produção agregando valor as cadeias ali agricultadas e sua interface com mercado consumidor de maneira mais qualificada ao que tange a boas práticas, a manipulação de forma correta e nos padrões higiênicos sanitários acaba por constituir a interlocutora em atriz social de conhecimento tradicional inequívoco e de grande expressão no meio rural.
O fato de encontrarmos atriz social de expressão latente e de valioso conhecimento tradicional e de práticas agroecológicas, constituindo-se como protagonista da cena naquele sistema agroflorestal.
É um feito expressivo, porém pequeno visto que Anjos (2009), em análise realizada sobre a inserção de homens e mulheres na agricultura brasileira a partir de suas inserções na família, com base nos micro dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2005, constata que é possível observar a distribuição desigual entre homens e mulheres nas posições de ocupação na agricultura. As mulheres dedicadas à atividade agrícola se concentram em certas categorias, desvalorizadas em termos de inserção produtiva e dominadas em termos de inserção familiar.
Em duas das três unidades de produção familiar visitadas já existe uma espécie de verticalização da cadeia produtiva, onde a agregação de valor é a estratégia adotada como meio de aumento da renda com a venda dos produtos. Já em uma propriedade, foi constatada a forte presença do atravessador. Esse sujeito tem seu papel social, sendo visto como um “benfeitor” que faz favores para a família e que compra a produção a um preço “mais ou menos justo” conforme o depoimento do agricultor.
No tocante a organização social, cada unidade tem sua particularidade, o senhor Manoel na primeira reclama que a associação e os associados têm dificuldades de se organizar e percebe essa dificuldade como um dos principais entraves para o desenvolvimento social, produtivo e econômico da sociedade.
O senhor “Nengo” da segunda unidade, tem a percepção de que a associação poderia melhorar a desenvolver a economia local, mas não apontou como essas melhorias podem ser conduzidas e em ultimo caso, porém não menos importante, a unidade do senhor Pedreco, que está localizada na comunidade Monte Sião tem na organização social um dos maiores ganhos para todas as famílias, como por exemplo, a diminuição do uso do fogo em 95% das unidades de produção, todos os jovens estudam na cidade, mas mora com as famílias, consciência de manutenção e preservação da floresta, implantação de SAFs como estratégia de produção sustentável.
No geral, as unidades de produção representam o meio rural do estado do Pará, onde existem agricultores em vários estágios de desenvolvimento e de autonomia junto ao mercado e à comunidade onde estão inseridos, sendo necessários novos estudos para avançarmos na temática em análise.
ALTIERI, M. A. AGROECOLOGIA Bases científicas para una agricultura sustentable. Montevidéu: Nordan–Comunidad, 1999.
ANJOS, GABRIELI DOS. Família e divisão sexual do trabalho na agricultura brasileira. Textos para Discussão FEE nº 65, 2009, p. 1-24.
Brasil. IBGE. CIDADES-PARÁ-IGARAPÉ-AÇÚ. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=150320&idtema=16&search=para|igarape-acu|sintese-das-informacoes. Acesso em: 29 de Fev. 2016.
Brasil. IBGE. CIDADES-PARÁ- SÃO DOMINGOS DO CAPIM. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=150720. Acesso em: 29 de Fev. 2016.
CHAYANOV, A.V. La organisación de la unidad económica campesina. B. Aires, Nueva Vision, 1974.
CAPORAL, F. R., COSTABEBER, J. A. Agroecologia: Alguns princípios e conceitos. Brasília: MDA-SAF-DATER; IICA, 2004. 24 p.
CAPORAL, F.R, COSTABEBER, J.A, PAULUS, G. AGROECOLOGIA- Matriz disciplinar ou novo paradigma para o desenvolvimento sustentável. Abril 2006.
CAPRA, F. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1998. 33- p.
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
EMBRAPA MEIO AMBIENTE. Indicadores de sustentabilidade em agroecossistemas, 1ª. Edição. Jaguariúna, São Paulo, 2003.
FREITAS et al. Insetos como indicadores ambientais In CULLEN JR, L.et al. Métodos de estudos em biologia da conservação e manejo da vida silvestre. Curitiba: Ed. Da UFPR; Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2003. 123- 151p.
GLIESSMAN, STEPHEN R. Agroecologia: Processos Ecológicos em Agricultura Sustentável, 3ª. Edição, Ed. UFRGS, Porto Alegre. 2005.
LOVATTO, Patrícia.; CRUZ, Patrícia Postali.; MAUCH, Carlos Rogério.; BEZERRA, Antônio Amaral. Gênero, sustentabilidade e desenvolvimento: uma análise sobre o papel da mulher na agricultura familiar de base ecológica. IN: REDES, Santa Cruz do Sul, v. 15, n. 2, p. 191 - 212, maio/ago. 2010.
MARX, Karl. Trabalho Assalariado e Capital. São Paulo: Global editora, 1987.
MELO, Lígia de Albuquerque. Injustiças de Gênero: o trabalho da mulher na agricultura familiar. Resumos Expandidos do XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil, novembro de 2002, p 1-14.
TOWES, D. W. Agroecosystem health: a framework for implementing sustainability in agiculture. In: WORLD COMISSION ON ENVIRONMENTAL DEVELOPMENT. Our common future. London: Oxford University Press, 1987. Apud in EMBRAPA MEIO AMBIENTE. Indicadores de sustentabilidade em agroecossistemas, 1ª. Edição. Jaguariúna, São Paulo, 2003.
QUINTANEIRO, Tânia. BARBOSA, Maria Ligia de O. OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos: Marx, Dürkheim e Weber. 2ª ed. Ver. Amp., Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
** Licenciatura Plena em Ciencias Agrarias pela Universidade Federal do Para (2002) e Especializacao em Agricultura Familiar Camponesa e Educacao do Campo (UFPA/UFAC/MDA - 2007), Especialista em Educacao do Campo, Agroecologia e Questoes Pedagogicas (IFPA/CRMB - 2012) e Mestre em Desenvolvimento Rural e Gestao de Empreendimento Agroalimentares. IFPA-Campus Maraba Rural.
*** Licenciatura Plena em Ciencias Agrarias pela Universidade Federal do Para (2001); Especializacao em Economia; Especializacao em Educacao do Campo, Agroecologia e Praticas Pedagogicas. Mestre em Desenvolvimento Rural e Gestao de Empreendimento Agroalimentares. IFPA-Campus Maraba Rural.
Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.
Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.
Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.
El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.
Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.
Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.
Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor,pulse aqui.