Carlo Alessandro Castellanelli
Luise Medina Cunha
Universidade Federal de Santa Maria
castellanelli@bol.com.brO aumento dos preços da energia, a geopolítica e as preocupações sobre o impacto das emissões de gases de efeito de estufa sobre as alterações climáticas estão aumentando a demanda para a produção de biocombustíveis. A contribuição dos biocombustíveis para o fornecimento de energia deve crescer rapidamente, com impactos benéficos, incluindo reduções de gases de efeito estufa, a melhoria da segurança energética e novas fontes de renda para os agricultores. No entanto, a produção de biomassa para energia, também vai competir com culturas alimentares, dados os escassos recursos de terra e água, sendo esta uma grande preocupação na produção agrícola em muitas partes do mundo. Este artigo explora as implicações do aumento da produção de biocombustíveis versus a produção de alimentos, a partir de uma visão sistêmica da evolução da energia mundial. Conclui-se que, embora de menor preocupação a nível mundial, o impacto local e regional pode ser substancial.
Palavras-Chave: Segurança Alimentar, Biocombustíveis, Energia, Impactos Sócio-Ambientais, Desenvolvimento.
Rising energy prices, geopolitics and concerns over the impact of greenhouse gas emissions on climate change are increasing the demand for biofuel production. The contribution of biofuels to energy supply is expected to grow fast with beneficial impacts including reductions in greenhouse gasses, improved energy security and new income sources for farmers. However, biomass production for energy will also compete with food crops for scarce land and water resources, already a major constraint on agricultural production in many parts of the world. This paper explores the land implications of increased biofuel production globally, from a systemic view of the world´s energy evolution. It concludes that, although of lesser concern at the global level, local and regional impact could be substantial.
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Carlo Alessandro Castellanelli y Luise Medina Cunha (2015): “A geração de energia e o futuro: Haverá uma batalha entre os alimentos e os biocombustíveis?
”, Revista DELOS: Desarrollo Local Sostenible, n. 23 (junio 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/delos/23/biocombustiveis.html
A energia é considerada como questão estratégica das nações e a extensão de seu uso sempre esteve diretamente associada ao grau de desenvolvimento de um povo. Ao longo da história, pode-se constatar que a disponibilidade e a acessibilidade que as pessoas têm à energia estão ligadas ao crescente conforto humano e à produção de bens.
O esgotamento das fontes de energia fóssil para os próximos 40 ou 50 anos, destacam a necessidade latente de se buscar outras fontes alternativas. Somado a isso, os constantes conflitos políticos, envolvendo os países do Oriente Médio, onde estão localizadas quase 80% das reservas comprovadas de petróleo no mundo, conferem instabilidade ao suprimento e aos preços do combustível, incentivando várias nações a reduzirem a dependência em relação às importações do produto. Assim, energia e tecnologia são dois fatores importantes para o desenvolvimento econômico. Graças a eles será possível sustentar uma população mundial de 9 bilhões prevista pela ONU para 2070.
Além disso, a crescente preocupação com o meio ambiente e, em particular, com as mudanças climáticas globais coloca em xeque a própria sustentabilidade do atual padrão de consumo energético. Conforme o pensamento de Hawking (2001), durante anos, parte da comunidade científica se enganou atribuindo o aquecimento aos ciclos naturais do planeta e às mudanças na atividade solar. Hoje existe uma quase unanimidade de que o problema é causado por nós mesmos. Todos esses fatores, cuja importância varia de país para país, têm viabilizado economicamente novas fontes de energia em vários países do mundo.
As sociedades exploram seus ambientes e tem de estabelecer limites racionais para a conservação dos recursos que necessitam, seja para matéria-prima, fins energéticos, entre outros. A busca do equilíbrio tornou-se um projeto da comunidade global no século XXI, em contrapartida à era de industrialização do século XIX, a qual era desfavorável à conservação.
Machado (1998), admitiria ainda que termodinamicamente o homem só conseguiria existir se conseguisse repor a energia que usa no processo de viver. Isso, dito no começo da década de 1950, no apogeu do desenvolvimentismo pós-guerra, não torna esta teoria menos atual diante das decisões, cada vez mais urgentes, em relação às formas de geração energéticas e em relação ao ambiente. De fato, é fácil encontrar exemplos na estratégia de escolha e de aplicação de fontes energéticas nos quais se a energia é abundante nem sempre as escolhas recaíram sobre as mais eficientes, econômica, ambiental ou socialmente falando.
Esta visão se confirma também com Newcomb (1976), que, além disso, ainda menciona o fato de que a mobilização de recursos energéticos pode trazer prejuízo para a saúde, o bem estar e o ambiente. Quanto maior o nível de uso da energia maior é a possibilidade de que os benefícios econômicos e tecnológicos sejam ultrapassados pelos custos sociais e ambientais.
Quando a humanidade deu o grande salto, conhecido como a Revolução Agrícola, teve início um processo de acúmulo de alimentos, pelas populações que o praticavam. Este processo baseou-se no favorecimento de algumas espécies, vegetais e animais, através do estabelecimento de condições para que estas espécies eleitas pudessem complementar ou até substituir vantajosamente a simples caça e a coleta de alimentos para a subsistência. O estabelecimento do novo modelo de vida exigiu toda uma mudança de comportamento, que se por um lado pode ter permitido períodos mais livres após as grandes colheitas, pode também ter trazido a necessidade de uma maior disciplina coletiva e de um trabalho metódico, sem os quais os resultados não apareceriam.
O preço desta mudança de hábitos foi absorvido durante milênios. A percepção das vantagens relativas que as populações começaram a ter umas diante das outras, a capacidade de organização e mobilização, melhores condições de vida, fizeram com que o Homem se afastasse cada vez mais de seu ambiente natural no seu trajeto adaptativo, primeiro ao ambiente primitivo, depois às condições que ele mesmo passou a criar. Price (1995), em um trabalho sobre a energia e a evolução humana, ressaltou a capacidade única da humanidade, em relação às outras formas de vida do planeta, de adaptação extra-somática. Este tipo de adaptação faria com que a tradicional tendência da evolução fosse acelerada. Com ela o homem poderia dispor dos recursos ao seu alcance para contornar as eventuais dificuldades que o clima e a busca por alimentos. Neste trajeto a humanidade aprendeu como gerar mais energia, de um modo diverso do que era proporcionado pelas próprias mãos humanas, ou posteriormente por animais.
Passou-se, com isso, a produzir muito mais do que poderia imaginar o primeiro caçador ou agricultor. Esta energia, quando extraída dos ventos ou das correntes de água, através de mecanismos ou instrumentos, pouca ou nenhuma alteração introduzia no ambiente, a não ser a possibilidade de um aumento da concentração das populações em torno das fontes naturais desta ‘’energia’’ e dos locais mais propícios, primeiramente à caça, posteriormente às culturas agrícola e pecuária. O controle energético do vento e da água permitiria principalmente a diminuição de mobilização de trabalho para a irrigação, transporte, moagem ou outros beneficiamentos da produção (MARTIN 1990).
O aumento das concentrações humanas nestes locais propícios, porém, fazia com que as epidemias e os grandes cataclismos naturais tivessem proporções mais devastadoras. Mas, tão prejudicial quanto esta desvantagem, o ônus da abundância ficaria evidenciado na dependência de estruturas, tanto produtivas quanto administrativas, fundamentais para a manutenção deste novo patamar de existência. No antigo sistema a natureza tinha um poder maior de controle, no sentido de que tudo dela provinha, mas as quantidades eram também por ela proporcionadas, sendo este o limite de qualquer expansão ou concentração populacional (ODUM, 1983).
Enquanto esta energia extra-somática provinha de fontes naturais ou renováveis não houve na atmosfera mudança significativa de origem antrópica, salvo a mais rápida devastação de florestas do que a natureza conseguia naturalmente renovar. Esta fase da humanidade é historicamente encerrada em meados do século XVIII. A partir de então a nova ‘’revolução’’ em curso, baseada na força do vapor como força motriz, passou a demandar mais do que a natureza conseguiria repor, nos acelerados prazos que esta nova revolução determinava. A lenha para alimentar as caldeiras já não seria mais suficiente, e passou-se a usar o carvão mineral como combustível. Toda a tecnologia advinda deste processo acelerou de forma nunca vista a produção de bens e o consumo cada vez maior de recursos. Porém um limite estava sendo ultrapassado. Ao se queimar cada vez mais combustíveis fósseis o nível de gás carbônico na atmosfera começou a aumentar, não sendo suficientes os recursos naturais de absorção deste gás para que o equilíbrio se restabelecesse. A temperatura média da superfície do planeta desde então vem aumentando pelo agravamento artificial do Efeito Estufa. O aproveitamento do petróleo sucedeu rapidamente, a partir do final do século XIX, ao carvão como principal combustível da máquina desenvolvimentista das nações mais ricas.
Deste somatório de ofertas de combustíveis fósseis resultou o aceleramento do processo de acúmulo dos gases responsáveis pelo efeito de aquecimento, muito além do equilíbrio conhecido. A maior facilidade de obtenção e uso dos subprodutos do petróleo tornou a queima deste combustível quase que universal pela inércia da infraestrutura técnica e dos hábitos, pela disponibilidade de tecnologia e pelo preço sem concorrente (MARTIN 1990). Quem não consumisse petróleo, ou seu eventual substituto o carvão, estaria fora do concerto das nações. Entretanto, alternativas renováveis aos combustíveis fósseis eram conhecidas, mas somente em ocasiões de grande crise ou guerra foram usadas pela desproporção do preço que as tecnologias voltadas exclusivamente ao aproveitamento de fósseis, com uma oferta abundante e barata de combustível e que a economia de escala da produção de equipamentos impunham. Como exemplo, ainda recente, o uso de etanol de batatas e beterrabas na Alemanha e de gasogênios veiculares (gaseificadores de carvão vegetal), durante a Segunda Guerra Mundial, para substituir a gasolina. Estes últimos dispositivos inclusive no Brasil, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV 2003).
Na tentativa de fazer com que fosse possível a expansão sem limites das comodidades adquiridas, a humanidade, dita civilizada, ficou refém de um modo de vida insustentável. Esta insustentabilidade, já evidenciada por Meadows (1973) e ONU (1987), revela-se desproporcional e injusta quando colocada diante do fato de que para alimentar o enorme desperdício de uma minoria, a totalidade, inclusive esta minoria, depara-se com perspectivas catastróficas pela rápida erosão das condições de vida na atmosfera do nosso planeta. Esta injustiça agravar-se-ia na medida em que os primeiros a sentir esta erosão nas condições de vida, na maioria das vezes já bem degradada, são exatamente aquelas populações que menos condições e recursos teriam de se proteger e sobre as quais pesam menos responsabilidade na degradação das condições atmosféricas, sem querer mencionar aqui a poluição dos solos e das águas, de profundidade ou de superfície. Segundo Capra (1996), no âmago do problema, como de costume, estão a miopia ecológica e a ganância empresarial.
Com os custos ambientais cada vez mais altos e com a possibilidade de produção de energia renovável cada vez mais disponível, caberia agora, e na velocidade dos nossos tempos, uma nova ‘’revolução’’, que se não trouxer em seu bojo a mesma importância material das suas duas predecessoras, tem como premente função uma modificação acentuada na maneira como a humanidade terá que dispor dos recursos que ainda lhe restam. Isto inclui a forma como se dará a relação do Homem com os processos naturais de regulação da atmosfera e diz respeito à forma de obtenção e uso da energia. A proposição para a gradativa substituição dos combustíveis fósseis por renováveis já faz parte da agenda mundial em vários fóruns de debates, como o de Kioto no Japão em 1997. Neste encontro foi assinado, por muitos paises, o propalado Protocolo de Kioto. Neste documento, é proposta a redução das emissões de gases do Efeito Estufa.
Novos conceitos, como a da sustentabilidade, são sempre passíveis de várias interpretações, e ainda não foram assimilados, principalmente pelas visões econômica e política que tendem a enxergar o planeta como uma massa uniforme ou globalizada. O exame da questão do desenvolvimento sustentável expõe, da perspectiva política de geração de energia, as posições conservadoras ou convencionais de grandes corporações ou mesmo de governos que têm no rápido retorno de investimentos, na manutenção de monopólios ou da hegemonia econômica os únicos interesses.
Por um lado existe uma confiança de que a pesquisa em tecnologia resolverá todos os problemas, e que esta mesma tecnologia será a mercadoria do futuro, vendida a preços que tornarão mais profundas as diferenças entre os que têm e os que não a tem. Por outro, a geopolítica do petróleo torna seu preço sujeito a todo o tipo de especulação, fazendo com que as tecnologias “limpas” encontrem nas incertezas do preço do petróleo a maior dificuldade para a sua generalização.
Portanto, a contradição entre as posturas convencionais e o verdadeiro conceito de sustentabilidade deverá ser o principal, senão o único, grande moto argumentativo para as decisões em torno de qual deverá ser o cenário para a humanidade do futuro.
Os biocombustíveis líquidos como o biodiesel podem oferecer uma alternativa promissora para a geração de energia. Por causa do aumento dos preços do petróleo especialmente após a crise do petróleo em 1973 e depois da Guerra do Golfo em 1991, e a geograficamente reduzida disponibilidade de petróleo e regulamentações governamentais mais rigorosas sobre as emissões, os investigadores têm estudado os combustíveis alternativos (DEMIRBAS, 2009). O uso de biocombustíveis reduz a dependência energética externa, a promoção de engenharia regional, diminuição do impacto da produção e transformação de energia elétrica, aumenta o nível de serviços para a população rural e a criação de emprego (BALAT, 2008).
Os biocombustíveis têm sido parte das discussões de energia ao longo de décadas. No entanto, ao longo dos últimos anos, a discussão aumentou com os aumentos nos preços do petróleo bruto. Mas, além de preços, há um número de razões pelas quais os governos estão mostrando interesse em biocombustíveis, mesmo quando os subsídios são necessários para torná-los comercialmente viáveis. Estes incluem a segurança energética, as preocupações sobre saldos comerciais, o desejo de diminuir as emissões de Gás de Efeito Estufa e benefícios potenciais para os meios de subsistência rurais (Dufey, 2006).
A segurança de energia e a volatilidade dos preços mundiais do petróleo, a distribuição global desigual dos fornecimentos de petróleo (75% no Oriente Médio), as estruturas não competitivas que regem o fornecimento de óleo (ou seja, o cartel da OPEP) e uma grande dependência dos combustíveis importados deixam alguns países vulneráveis à ruptura do aprovisionamento de importação (Dufey, 2006). Recentes interrupções no aprovisionamento de petróleo da Rússia e Bielorrússia por causa de desacordos políticos ilustram esta vulnerabilidade. Os biocombustíveis são muitas vezes vistos como parte de uma estratégia para diversificar as fontes de energia e reduzir os riscos de fornecimento.
Estudos de redução de emissões de GEE indicam que o uso de biocombustíveis reduzem a emissão de gases em comparação com os combustíveis fósseis (IEA, 2004), embora a extensão da redução é contestado e depende da cultura e tecnologia de produção (Sims et al, 2006; Farrell et al., 2006).
O desenvolvimento rural e geração de renda baseada nos Biocombustíveis podem também gerar uma nova demanda para os produtos agrícolas, criando postos de trabalho em áreas rurais e aumento da renda dos agricultores através do aumento do preço das mercadorias.
Os biocombustíveis ganham importância à medida substituem os combustíveis derivados do petróleo. Hoje o bioetanol é o combustível não-fóssil alternativo mais utilizado no mundo. A escolha da matéria-prima depende das condições locais. O bioetanol é um bom exemplo de combustível alternativo que é produzido quase inteiramente a partir de culturas alimentares. A matéria-prima principal deste combustível é o milho nos Estados Unidos por exemplo, e a soja no Brasil e Argentina.
Autores como Harri et al. (2009) e Ciaian e Kancs (2010), sugerem que as mudanças no preço do petróleo tem um efeito sobre o preço das commodities como matéria-prima. Embora a possibilidade de uma forma mais complexa, não linear de relação entre petróleo e alimentos através de um mecanismo de transmissão de biocombustíveis seja apresentada no trabalho de Natanelov et al. (2011) e Nazlioglu (2011).
Os preços do petróleo também tem um efeito sobre os preços das commodities agrícolas através de fatores impulsionadores de custos (Chantret e Gohin, 2009), como por exemplo, os produtos à base de óleo que são significativos em processos agrícolas modernos. Se os aumentos no preço do petróleo são refletidos significativamente nos mercados de commodities agrícolas, as implicações de aumento dos preços do petróleo para o mundo em desenvolvimento, o qual se baseia em commodities como fonte de alimento chave, podem ser devastadoras. A crise alimentar de 2008 mostrou os altos preços das commodities agrícolas em países em desenvolvimento.
A grande questão da recente escalada de investimentos para a produção de biocombustível reside no debate alimento X combustível. De acordo com relatório publicado pelo Banco Mundial, com 240 quilos de milho são produzidos 100 litros de etanol. No entanto, essa mesma quantidade de milho seria suficiente para alimentar uma pessoa por um ano (WORLD BANK, 2008). Outro relatório escrito em abril de 2008 por Donald Mitchell (MITCHELL, 2008), do Banco Mundial, foi divulgado com exclusividade pelo Jornal The Gardian, de Londres. Ele afirma que o índice de preço do alimento cresceu 140% entre janeiro de 2002 e fevereiro de 2008 e que esse aumento foi causado por uma confluência de fatores, porém a mais importante foi o grande aumento da produção de biocombustíveis nos EUA e na Comunidade Européia.
Se não fosse pela pressão dos biocombustíveis, os estoques globais do trigo e do milho não teriam declinado consideravelmente e o aumento dos preços por outros fatores teria sido moderado. Mitchell, no entanto, defende o etanol brasileiro produzido a partir da cana-de-açúcar, pois ele não contribuiu para o recente aumento nos preços das sementes usadas para alimento porque a produção de cana-de-açúcar brasileira cresceu rapidamente e as exportações de açúcar quase triplicaram desde 2000. O Brasil usa quase a metade da cana que produz para a produção de etanol para consumo doméstico e exportação e a outra metade para produzir açúcar. A participação do Brasil nas exportações mundiais de açúcar aumentou em 2007, o que pôde manter o preço do açúcar a níveis baixos. Deve ser ressaltado também que o Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo (principalmente carne e soja) e a produtividade agrícola vem crescendo anualmente devido ao uso de melhores práticas agrícolas e métodos conservacionistas de exploração dos solos e da água (MITCHELL, 2008).
Em Escobar et al. (2009), a pobreza, em termos de renda, acesso à educação, recursos agrícolas, tecnologia e linhas de crédito para a produção de alimentos, é vista como o principal motivo para a insegurança alimentar. Na maioria dos países que sofrem de insegurança alimentar o desenvolvimento rural, incluindo a produção de biocombustíveis, é um caminho importante para a redução da pobreza e da insegurança alimentar. No entanto, tendo em conta que a quantidade de terra agrícola é limitada, é necessário definir a fração de terra que pode ser utilizado para a produção de biocombustíveis sustentáveis. A utilização das terras agrícolas e grãos que poderiam ser consumidos por seres humanos para a produção de biocombustíveis já envia sinais de alerta em alguns lugares do mundo.
De acordo com recente publicação do Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP), no caso dos países desenvolvidos, em especial nos EUA, a viabilidade da produção de etanol depende de pesadas tarifas protecionistas através de subsídios governamentais pagos aos produtores de biocombustíveis, caso contrário a sua produção não seria rentável. Ainda não há consenso se os governos dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos teriam condições de suportar tais políticas, além de políticas de aumento de algumas sementes que podem ser utilizadas para a produção de biocombustíveis. Ainda segundo o UNEP, essas questões só serão resolvidas quando os biocombustíveis de segunda geração forem introduzidos, porém isso não acontecerá imediatamente por imaturidade tecnológica uma vez que, na curva de aprendizado, ainda são tecnologias economicamente não competitivas com as atuais. E, mesmo assim, essas futuras tecnologias deverão ser utilizadas com extremo cuidado a fim de não colocarem em risco a agricultura e a biodiversidade (UNEP, 2008).
Importante citar que uma constatação do estudo do Banco Mundial é que o crescimento da produção agrícola mundial e, consequentemente, das demandas e transações de compra de terras, se concentra na expansão de apenas oito commodities. Estas são milho, dendê (óleo), arroz, canola, soja, girassol, cana de açúcar e floresta plantada, sendo que o Brasil contribui com a produção de três (milho, soja e cana de açúcar) (TWB, 2010), melhores preços dos agrocombustíveis e os subsídios governamentais levaram a expansão desses cultivos. Em 2008, a estimativa era de 36 milhões de hectares a área total cultivada com matérias-prima para os agrocombustíveis, área duas vezes maior que em 2004 (TWB, 2010). Segundo Borras et al. (2011), são exatamente essas commodities as principais responsáveis pelos investimentos estrangeiros em países como no Brasil, mas também em outros na América Latina.
Conseqüências ambientais negativas advindas de combustíveis fósseis e as preocupações sobre o abastecimento de petróleo têm estimulado a busca de biocombustíveis renováveis. Para ser uma alternativa viável, um biocombustível deve fornecer um ganho líquido de energia, ter benefícios ambientais, ser economicamente competitivo e ser passível de produzir em grandes quantidades sem reduzir o abastecimento de alimentos.
A ascensão dos biocombustíveis como uma fonte de combustível convencional somado às grandes flutuações de preços, tanto em petróleo bruto e os mercados de commodities agrícolas nos últimos anos levou a várias investigações sobre o efeito bruto os preços do petróleo exercem sobre os preços das commodities agrícolas.
Importante considerar no fator ambiental, que problemas como a erosão do solo e poluição da água a partir de adubos e pesticidas pode se tornar pior com o aumento da produção de biocombustíveis. O fato é que mesmo se todas as culturas disponíveis, florestas e gramíneas foram utilizados para os biocombustíveis, não poderíamos nos tornar independentes de combustíveis fósseis.
Com relação a futuros desenvolvimentos tecnológicos, a mudança para a 2º e 3º geração de biocombustíveis poderia, pelo menos, aliviar este problema, porque as áreas de culturas alimentares não competitivas representam a base de recursos para eles. Pasto, madeira, palha, resíduos de madeira provenientes da indústria e de outras matérias-primas (por exemplo, plantas herbáceas, gramíneas e de crescimento rápido e espécies arbóreas perenes) podem se tornar a base destes recursos. Biocombustíveis de 2ª geração também tem maior rendimento energético e demandam um menor de agro-químicos, além de possuírem maior potencial de redução de GEE. Portanto, a questão gira em torno de saber se a produção de biocombustíveis forçada aumentará os preços dos alimentos ou será obsoleta no futuro. O único problema é que esses biocombustíveis ainda estão em fase desenvolvimento e segundo OFID (2009), pode se tornar comercialmente disponível apenas nos próximos 10-20 anos.
Uma questão-chave é saber se haverá alguma coisa nova ou diferente sobre os biocombustíveis que poderiam permitir os países em desenvolvimento a superarem estas dificuldades de modo a apoiar o crescimento agrícola, redução da pobreza e segurança alimentar. Acredita-se que pode haver, mas não há garantias e os desenvolvimentos políticos nacionais e internacionais recentes não são animadores. Os biocombustíveis poderão ajudar a quebrar o ciclo da pobreza e da fome que retém muitas das pessoas mais pobres do mundo, ou será que eles representam apenas mais um boom dos preços das commodities?
O crescimento da produtividade agrícola é essencial para evitar um conflito entre alimentos e combustível. Importante frisar que a adoção de tecnologia e participação de mercado por parte dos países em desenvolvimento mais pobres é essencial. Quando os países não têm instituições de mercado básicas e infra-estrutura física, os mesmos não são suscetíveis de produzir biocombustíveis para os mercados doméstico e internacional de forma a apoiar a redução da pobreza e a segurança alimentar.
Os países em desenvolvimento que não são economicamente eficientes produtores de commodities agrícolas, não são suscetíveis de se tornar produtores eficientes de biocombustíveis. Pode haver alguma justificativa económica para a substituição de importações de produtos petrolíferos, mas a falácia da auto-suficiência energética pode ser tão enganosa como a auto-suficiência alimentar. Pode ser muito mais vantajoso para esses países continuar a importar produtos petrolíferos do que tentar desenvolver uma indústria de biocombustíveis.
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