Revista: DELOS Desarrollo Local Sostenible. ISSN: 1988-5245


O MITO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL DA AMAZÔNIA

Autores e infomación del artículo

Josimar da Silva Freitas
Gelson Dias Florentino
José Valderi Farias de Souza
NAEA/UFPA
josimar-freitas@hotmail.com


Resumo

O debate socioambiental adentrou nas universidades, conferências internacionais, nos Estados e no mercado com o discurso de conciliar desenvolvimento social com preservação ambiental. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi avaliar os resultados das intervenções públicas no período de duas décadas na Reserva Extrativista do Alto Juruá – REAJ (AC), considerando o modelo de gerenciamento implementado pelo Estado nas unidades de conservação da Amazônia Brasileira. Em termos metodológicos, a pesquisa de caráter qualitativa se desdobrou numa investigação com base nos grupos ambiental, cultural, econômico e social para melhor entender as vivências dos seringueiros, pescadores, caçadores, coletores extrativistas, produtores entre outros povos tradicionais a partir da avaliação das políticas públicas. Ao consolidar todas as informações levantadas em campo, evidenciou-se que as teorias alardeadas sobre as unidades de conservação categorizadas como Reservas Extrativistas de Uso Sustentável na Amazônia não passam de discursos politiqueiros e oportunistas, de modo a garantir benesses e/ou financiamentos de organismos internacionais em nome das populações tradicionais que habitam a Região Amazônica. Nestes termos, as políticas públicas que vem sendo efetivadas nas Reservas Extrativistas da Amazônia não garantem o atendimento mínimo de necessidades essenciais, tais como educação, saúde, segurança alimentar, saneamento básico, transporte, habitação e assistência técnica primária.
Palavras-chave: desenvolvimento socioambiental, unidades de conservação, políticas públicas, Amazônia.

Abstract

The environmental debate entered in universities, international conferences, and in the market with the speech of reconciling social development with environmental preservation. In this sense, the objective of this study was to evaluate the results of public interventions in the period of two decades in the Upper Reserva Extrativista do Alto Juruá – REAJ (AC), considering the management model implemented by the State in protected areas of the Brazilian Amazon. In terms of methodology, qualitative research study unfolded in an investigation on the basis of environmental, cultural, economic and social groups to better understand the experiences of rubber tappers, fishermen, hunters, gatherers collectors, producers and other traditional peoples from the evaluation of policies public. By consolidating all the information gathered in the field, it was observed that the vaunted theories of categorized protected areas as sustainable use Extractive Reserves in the Amazon are just politicians and opportunistic speeches, to ensure handouts and/or financing of international organizations on behalf of traditional populations that inhabit the Amazon region. Accordingly, the public policy that has been effected in Amazonian extractive reserves do not guarantee a minimum service of essential needs such as education, health, food security, sanitation, transportation, housing and primary technical assistance.
Keywords: environmental development, conservation units, public policies, Amazon.


Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Josimar da Silva Freitas, Gelson Dias Florentino y José Valderi Farias de Souza (2015): “O mito das unidades de conservação de uso sustentável da Amazônia”, Revista DELOS: Desarrollo Local Sostenible, n. 22 (febrero 2015). En línea: http://www.eumed.net/rev/delos/22/sociedad-ambiente.html


1. Introdução

A política ambiental brasileira tem percorrido vários pontos geográficos do país demarcando territórios e instituindo legalmente áreas protegidas. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (2014), estão espalhadas em todos os biomas brasileiros (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa, Pantanal e Marinho) 313 unidades de conservação federais geridas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), sem contar as 526 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), as áreas de proteção estadual e municipal e as áreas que se encontram aguardando sansão homologatória. Popularmente conhecidas como parques e reservas, as Unidades de Conservação (UCs), são áreas ricas em biodiversidade e beleza cênica, constituindo-se, basicamente, em dois grupos, as de Uso Sustentável e as de Proteção Integral.
As Reservas Extrativistas, tipo de unidade de conservação discutidos neste estudo constituem, prioritariamente, o grupo das unidades de uso sustentável que vem sendo criadas desde 1990 a partir do estado do Acre. Oriunda do debate dos seringueiros e de alguns ambientalistas na década de 1980, as chamadas Resex não romperam os limites da demarcação de territórios, simplesmente pelo fato de não atender a solicitação escrita pelos seus precursores. O Estado brasileiro reconhece teoricamente essa solicitação demandada e elaborada pelos moradores, entretanto, diante da atual situação de desprezo, abandono e ausência de políticas públicas, está caracterizado que o poder público não está verdadeiramente comprometido e interessado em melhorar a vida destes povos tradicionais.
O Estado é responsável? Certamente. De acordo com a Lei nº 11.516, de 28/08/2007, o ICMBIO foi criado com a função de executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), de modo a propor políticas públicas, implantar projetos e programas, gerir, proteger, fiscalizar, monitorar, executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade nas Unidades de Conservação (UCs) instituídas pela União em todo o território nacional.
A partir do cenário de responsabilidade legal e de descaso que surgiu a questão: já que a proposta obteve êxito por ser elaborada e sancionada com base nas aspirações dos seringueiros, quais os efeitos da intervenção governamental para o gerenciamento da Reserva Extrativista do Alto Juruá-AC? Ancorado neste debate, e por entender que o ser humano é mais importante que as políticas autoritárias que visam apenas à conservação e preservação da biodiversidade, o objetivo deste trabalho foi avaliar os resultados das intervenções públicas de duas décadas na Reserva Extrativista do Alto Juruá (REAJ), no período de 1990 a 2010 considerando o modelo implementado pelo Estado no gerenciamento das unidades de conservação na Amazônia.

2. Metodologia

A pesquisa qualitativa é a forma de pesquisa mais crítica e potencialmente emancipatória, pois seu significativo torna o pesquisador um forte conhecedor da realidade do entrevistado (BAUER, 2002). Ludke & André (1989, p. 85-91) afirmam os resultados tornam-se mais consistentes, uma vez que os elementos constroem novos paradigmas de desenvolvimento regional, assim como defronta o pesquisador com problemas distintos a partir do depoimento dos entrevistados.
As revisões bibliográficas (documentos oficiais, notícias de jornais, artigos científicos, livros, teses e dissertações) foram realizadas para melhor definição dos conceitos em estudo, a exemplo das políticas públicas, desenvolvimento regional, relações socioambientais e povos tradicionais. Na fase de campo, realizou-se uma reunião com os grupos de pesquisa na qual se definiu quatorze das oitenta comunidades as margens dos rios: Tejo, Bajé, Breu, Caipora e Acuriá, e igarapés: São João, Paraná do Machadinho, Manteiga e Riozinho, todos situados na Reserva Extrativista do Alto Juruá (REAJ), localizada no município de Marechal Thaumaturgo, no Estado do Acre.
Concernente aos dados primários foi realizada entrevistas semiestruturadas (aplicação de formulários, entrevistas gravadas em áudio e fotografias) com os seringueiros e trabalhadores rurais chefes de famílias que moravam há 20 anos ou mais na Resex, porque conhecem o modelo e as políticas públicas implementadas pelo Estado nesse período. Em paralelo, as entrevistas com alguns gestores do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBIO) inelutavelmente foram aplicadas e cruzadas com as respostas dos povos tradicionais. 
A discussão dos assuntos tratados se dividiram em questões socioeconômicas, ambientais, migrações, dados complementares e perceptivos, de forma a designar os efeitos da intervenção governamental na qualidade de vida familiar a partir dos grupos supracitados.           A entrada da dialética neste cenário em estudo, por sua vez, se desenhou para melhor compreender que um programa de desenvolvimento não pode priorizar somente a compreensão dos modos de vida das comunidades, a avaliação de sua realidade e as ponderações das políticas públicas no nível global, regional e local, assim como a descrição de todos os elementos que estejam diretamente implicados na inter-relação de vida das pessoas, afetadas pela intervenção governamental implementada na REAJ.
A aliança constituída de desenvolvimento social e preservação ambiental entre os seringueiros e o Estado brasileiro não pode ser desprezada, conforme Edgar Morin (2001), a questão paradigmática vai além de simples questões epistemológica e metodológica, já que envolve o questionamento dos quadros gnosiológicos (pensamento da realidade) e ontológicos (natureza da realidade), os quais se referem aos fenômenos e o pensamento. Para ele, a proposta metodológica pede para pensarmos nos conceitos sem nunca dá-los por concluídos, para quebrarmos as esferas fechadas, para estabelecermos as articulações entre o que foi separado, para tentarmos compreender a multidimensionalidade, para pensarmos na singularidade com a localidade, com a temporalidade, para nunca esquecermos as totalidades integradoras (MORIN, 1998, p. 192).
A luz do objeto espacial investigado, diversos instrumentos de gestão institucional e regulação têm sido propostos e efetivados com vistas à redução do desflorestamento desordenado, na perspectiva a atender os diversos conflitos socioambientais da Reserva.  Além disso, o apoio técnico do Projeto de Monitoramento e Desflorestamento da Amazônia Legal (PRODES) por meio de imagens LandSat sintetizou diversos pontos de desflorestamento guiados por coordenadas geográficas, cuja abordagem descritiva permitiu analisar as informações percentuais do desflorestamento periodicamente.
Em termos gerais, a Reserva Extrativista do Alto Juruá (REAJ) mostrou seu perfil e análise caracterizando seus resultados identificados ao viés de desenvolvimento regional e, em seu turno, se limitou a análise de duas décadas (1990-2010). Este feito contribuiu com o desabafo de pessoas desesperadas que clamam por socorro, assim como refletiu diretamente nos dados capturados pelas imagens e números disponibilizados pelo INPE.

3. Discussão teórica

3.1 Contexto histórico das unidades de conservação no Brasil

A teoria territorial de desenvolvimento de unidades de conservação se consitui a partir de ligações e políticas econômicas externas motivadas pelos efeitos dominantes da globalização, dos interesses locais e das mudanças estruturais oriundas de evoluções tecnológicas. A ideia de território é o resultado de uma história que foi sendo configurada a partir do viés institucional, econômico e organizacional, do qual proporcionou uma identidade própria ao responder as estratégicas e os desafios da globalização (FRIEDMANN, WEAVER, STOHR & TODTLING, 1979; SACHS, 1980; STOHR, TAYLOR, 1981).
Nestes termos, as regiões experimentaram diversas experiênicas desenvolvimentistas em busca de formular novos conceitos para os problemas existentes a partir das novas teorias e definições que eram criadas com o propósito de subsidiar racionalmente novas economias. A chegada do desenvolvimento endógeno a partir de 1920 em todas as regiões da Europa e da América Latina sistematizaram formas alternativas frente aos novos desafios. Foi no início dos anos 80 que a convergência de duas linhas de pesquisa deu lugar à formação do paradigma conhecido como desenvolvimento endógeno (FRIEDMANN, DOUGLAS, 1978, p. 103; STOHR, 1981, p. 39-72):
Uma é de caráter teórico que nasceu da tentativa de encontrar uma noção de desenvolvimento que levasse em conta os efeitos da atuação pública na evolução das localidades e regiões atrasadas. A outra, de natureza empírica fundada da interpretação dos processos de desenvolvimento industrial em localidades e regiões do Sul da Europa (BECATTINI, 1979; BRUSCO, 1982; FUÀ, GAROFOLI, VÁZQUEZ BARQUERO, 1983).

A base de criação das unidades de conservação do Brasil teve como modelo o parque norte-americano de Yellowstone, legalmente instituído no mundo em 1º de março de 1872. Para Leuzinger (2007, p. 68), as diretrizes ambientais preconizavam que a natureza deveria ser mantida em estado primitivo promovendo a expansão espiritual das pessoas e baseada na filosofia sob designação de preservacionismo. Após Yellowstone, as discussões ainda levaram 62 anos para a criação do Parque Nacional de Itatiaia (PARNA Itatiaia ), no Estado do Rio de janeiro, primeira unidade de conservação federal brasileira, criada por meio do Decreto nº 1.713, de 14 de Junho de 1937.
A concepção do PARNA Itatiaia motivou a criação de novas unidades de conservação, tais como o Parque Nacional de Iguaçu no Paraná e Parque Nacional Serra dos Órgãos no Rio de Janeiro, ambos criados em 1939. Horowitz (2003, p. 121) afirma que a criação de parques nacionais fundamentou-se nas Constituições Federais de 1934 e 1937, e no artigo 9º do Código Florestal de 1934 , ao afirmar que os monumentos públicos naturais que se perpetuam em sua composição florística primitiva por circunstâncias peculiares constituem responsabilidade e prerrogativas exclusivas do Serviço Florestal Federal (SFBr ).
Na década de 1940 as questões ambientais evoluíram paradigmaticamente com as primeiras florestas nacionais e as reservas biológicas. Na ótica de Salomão (1997), as florestas nacionais foram tipificadas como florestas de rendimento previstas no Código Florestal de 1934, tendo como marco a Floresta Araripe-Apodi/CE criado pelo Serviço Florestal em 1946, e os parques florestais estabelecidos pelo Instituto do Pinho nas regiões Sul e Sudeste em 1944.
O surgimento de novos parques foi notavelmente observado por Quintão (1983, p. 13-28), quando cita a criação dos PARNA Aparados da Serra (RS/SC), Araguaia (GO, depois TO) e Ubajara (CE), todos criados em 1959, durante a gestão do então presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. As novas unidades de conservação fundadas localizaram-se em locais mais remotos do país, numa tentativa de conter o desflorestamento provocado pelo o avanço da fronteira agrícola. Desse modo, em 1961 nove parques nacionais foram instituidos – Emas e Chapada dos Veadeiros (GO), Caparaó (MG/ES), Sete Cidades (PI), Monte Pascoal (BA), São Joaquim (SC), Tijuca (RJ), Brasília (DF) e Sete Quedas (PR). Este último seria extinto em 1980 por causa da grande hidrelétrica de Itaipu.
No período de 1970 e 1982 os vários Planos elaborados de Unidades de Conservação no Brasil consistiam basicamente na identificação de áreas estratégicas que se limitavam a conservação, a criação de novas unidades e priorização de áreas com espécies de manejo existente. O lançamento destes planos coincidiu com a elaboração do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) que abrangia o quinquênio de 1975 a 1979 (MORSELLO, 2001).
Vale ressaltar que em 1979 foi possível vislumbrar na I Etapa do Plano Nacional de Unidades de Conservação a intenção de implementar 13 (treze) propostas de UCs na Amazônia Brasileira. Essa meta motivou o movimento de integração da Amazônia liderado pelos governos militares, que em sua essência priorizava as áreas de criação de UCs e evitava maiores transtornos primários a agricultura, pecuária, mineração, etc. Das treze áreas propostas, nove foram decretadas até 1982 resultando na proteção de mais de sete milhões de hectares de floresta (PÁDUA, 1983).
Nessa época, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF ), era o órgão representativo do governo federal que possuía a função de fiscalizar, gerenciar e controlar as questões de caráter ambiental, assim como estabelecer contrato para instituir lei que tratasse de um sistema nacional de unidade de conservação. Conforme assegura Leuzinger (2007, p. 127), já estava prevista a revisão e atualização dos conceitos e as tipificações do conjunto de categorias de unidades de conservação estabelecidas no Plano Nacional de Unidades de Conservação, que compunha o Programa Nacional de Meio Ambiente.
Assim, com o propósito de unificar a política ambiental brasileira no âmbito das unidades de conservação, a Lei nº 7.732 de 14 de fevereiro de 1989 extinguiu o IBDF e passou suas atribuições ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA) .
No ano seguinte, o IBAMA em conjunto com a Fundação Pró-Natureza (FUNATURA) elaborou uma proposta de Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC), propondo uma revisão e reorganização nos conceitos, objetivos e tipos de UC (LEITE, 2004).
Essa proposta seguiu para o Congresso Nacional com características de projeto de lei, cujos desdobramentos resultaram na criação de mais duas novas categorias de UCs, a Reserva Extrativista – RESEX, criada pelo Decreto nº 98.863, de 23 de janeiro de 1990, e permitia atividades produtivas de comunidades tradicionais sob efeito de contrato de concessão de uso, e a Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN, criada pelo Decreto nº 98.914, de 31 de janeiro de 1990 .
Atualmente, as UCs são regulamentadas pela Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000 (Sistema de Unidade de Conservação - SNUC), garantindo proteção às áreas naturais protegidas e seus limítrofes em escala federal, estadual, municipal e particular. O SNUC além de organizar as áreas naturais protegidas, integra de forma complementar e coerente todas as unidades já criadas ou a criar pelo Poder Público, de modo a associá-las as áreas naturais particulares que satisfaçam exigências previamente estabelecidas (IBAMA, 2001).
Os dois grupos de UCs existentes são de Uso Sustentável e as de Proteção Integral gerenciados pelo o SNUC. O primeiro alia biodiversidade ao uso direto dos recursos naturais, além de limitar as ações a um nível compatível com o estoque permanente da comunidade vegetal e animal e, a segundo procura preservar a biodiversidade com a menor interferência antrópica possível.
Com efeito, o processo de criação de Unidades de Conservação no Brasil foi considerado a saída para muitos problemas de natureza socioambiental, pois a intervenção do Estado Nacional com leis e diretrizes disseminaram propósitos para reduzir os impactos causados pela ação do homem no ambiente, o desflorestamento, a organização territorial e a presença mais constante do Estado. Drummond (1998, p. 149) faz sua crítica ao afirmar que o surgimento dessas áreas apareceu para providenciar lazer à classe de funcionários públicos que se instalavam na capital do país e não como resultado de uma política autônoma de interiorização de parques.
Dessa forma, o número de unidades de conservação no país cresceu de forma desordenada e sem a atenção necessária para manter-se em ponto de equilíbrio. Segundo Allegretti (2002, p. 464), um desses exemplos é o que acontece na construção da proposta de Reserva Extrativista, que ficou no centro de diferentes esferas de poder requerendo muita habilidade de seus líderes inexperientes para lidar com muitas complexidades em pouco tempo, de modo que uma proposta inovadora como esta não teria tido sucesso sem apoio internacional, uma vez que ele propiciou o equilíbrio de forças necessárias para contornar a forte oposição organizada nos diferentes segmentos sociais e políticos nacionais.

3.2 A conquista das Resexs e o extrativismo na Amazônia

A luta do poder capitalista (fazendeiros vindos das regiões Sul e Sudeste do país) em nome de construção de fazendas bovinas versus seringueiros do Acre em busca de viver em paz e harmonia em suas colocações no final da década de 1970 e início de 1980 foram às pautas de brigas armadas e sangrentas que assustou o mundo. A morte do líder sindical Wilson Pinheiro em 1980 representou uma onda de violência que prometia assustar a classe desprovida de poder político e econômico naquele momento. É o que aborda Cruz (2010, p. 2):
O sindicato de Brasiléia mesmo com a perda do líder sindical conseguiu evoluir significativamente ao passo de iniciar com 890 sócios fundadores rurais de Xapuri e alcançar 4.000 na época dos “empates” (maior movimento que impedia peões e capatazes de fazendeiros derrubarem a floresta para a formação de pastagens em áreas griladas).

A organização dos movimentos de seringueiros subsidiados por pesquisadores/cientistas pôs em prática um novo paradigma de extrativismo ao criar o conceito de Reservas Extrativistas. O pronunciamento de Chico Mendes e Raimundo de Barros valorizou o desabafo do grupo de seringueiros em relação ao futuro da Amazônia:
A implantação das Reservas Extrativistas pode ser entendida como a realização da reforma agrária na Amazônia na medida em que vai garantir a terra, o desenvolvimento econômico compatível com o meio ambiente e a preservação da floresta. Quando se fala em defesa da floresta Amazônica, muitas pessoas pensam que as Reservas Extrativistas são parques florestais para conservação, mas não sabem ou não fazem questão de saber que ela não é uma região desabitada. Na floresta vive há séculos as populações ribeirinhas, os seringueiros e índios que tiram seu sustento da mata. Nós queremos um desenvolvimento econômico para a Amazônia, mas respeitando as características da região, porque não é devastando e tocando fogo para fazer pastagens ou com projetos de colonização falidos de modelos agrícolas vindo do Sul que mudará a nossa relação que buscamos e sonhamos com a natureza. (Seringueiros defendem reservas extrativistas - Folha de Londrina 15/09/1988, apud ALLEGRETTI, 2004, p. 722).

Os seringueiros conquistaram uma de suas mais importantes vitórias rumo à concretização das reservas extrativistas, que é a institucionalização do Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) introduzido pela Portaria nº 647, de 30 de julho de 1987 do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), assim como incorporou a proposta dos seringueiros do Estado do Acre ao Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA (ANDRADE, 2004).
De acordo com Reydon & Cavalcante (2000), o processo de criação de Resex foi fruto de uma luta política e social dos movimentos locais da qual deve ser entendida como uma alternativa à criação de reservas conservacionistas ao estabelecer um novo paradigma de regulação ambiental. Teoricamente, a proposta contemplava detalhado plano de assentamento incluindo melhoria das condições de produção, educação, saúde, previdência social, habitação, promoção agrária, infraestrutura física, associativismo, crédito e comercialização (ALLEGRETTI, 2002, p. 528).
O extrativismo nasce de um conceito abstrato de alguns cientistas e ambientalistas que sonham aliar preservação e conservação dos recursos ambientais com práticas extrativistas de povos tradicionais da Amazônia. Considerado de baixa tecnologia, o extrativismo contempla produtos vegetais de diversos e distintos aspectos que compõem as floras tropicais. Nessa dimensão, Cunha & Almeida (2002, p. 19) exemplifica a agricultura dos seringueiros como uma parte essencial de seu modo de vida, tendo uma ordem de magnitude desprezível (1%) em relação ao território total que ocupam, embora sejam seringueiros e também agricultores, assim como os demais moradores que ocupam o território são reconhecidos por suas técnicas extrativistas.
O debate que entrou em vigor após o entendimento que este seria um modelo viável para o desenvolvimento rural e agrário para a região Amazônica, lamentavelmente após alguns anos os resultados foram opostos, uma vez que o novo modelo extrativista declinou e contrapôs a categoria de uso sustentável definida por interesses governamentais de Estado. Neste contexto, Homma (1993, p. 10) ressalta que não tem nada contra o extrativismo vegetal e as reservas extrativistas, porém entende que a economia extrativa como depende do processo de desenvolvimento e cujo fim é inexorável ao seu gradativo desaparecimento.
O modelo econômico do extrativismo prometia ser o mais eficiente do ponto de vista do conservacionismo e preservacionismo, Jatoba, Cidade & Vargas (2009, p. 73) discute a partir da fortiori que a experiência de gestão compartilhada das Resexs apresentam a limitação da fraca sustentabilidade econômica do extrativismo como fonte de sobrevivência das populações que dele dependem. E ainda, os moradores estão sem opção econômica e optam pela liquidez e bom preço do boi pela falta de política pública e dinheiro para as Resex, isto é, precisa-se de R$ 210 milhões para aliviar as tensões desmedidas, e apenas R$ 100 milhões previstos prometem classificar o modelo extrativista falido para Amazônia (ALLEGRETTI, 2008). 
Além de possuir mais discurso ideológico do que medidas socioambientais, o discurso de Cavalcante (2002, p. 49) endossa que as Resex seriam incapazes de incorporar progresso técnico por falta de inadaptabilidade natural a um sistema de alta escala de produção e pela impossibilidade de gerar uma rentabilidade média compatível com os padrões estabelecidos na região. No mesmo campo, Homma (1989) assegura que a instabilidade extrativista vegetal não permite considerá-la um modelo de desenvolvimento viável para a Amazônia, ao mesmo tempo em que reproduz uma cadeia de fatores econômicos fadados a fortes indícios de desequilíbrio.
Nestes termos, o extrativismo de baixa tecnologia precisa ser repensado para consolidar melhores resultados e amenizar os conflitos mais comuns nessa relação sociedade-ambiente. As reservas extrativistas consideradas de uso sustentável estão longe de alcançar efetivamente desenvolvimento e sustentabilidade, porque as políticas ambientais não são suficientes para subsidiar a aliança de desenvolvimento pessoal e conservação ambiental promulgada e selada pelo o Estado brasileiro.

4. Resultados e discussão

4.1 O modelo REAJ na voz de comunitários e gestores

Um servidor público que há quase 30 anos atua como gestor dessa instituição que se denominou Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), Instituto de Desenvolvimento Florestal (IBDF), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), e atualmente Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBIO) desabafa:
Fui coordenador da REAJ até 2000 e tive a participação direta no Programa Piloto dos Sete Países mais Ricos do Mundo (PPG-7), projeto que viabilizou investimentos nos grupos social, econômico e cultural, dos quais a saúde, educação e incentivos produtivos tiveram mais destaques. Eu digo em especial a agricultura de subsistência pelo falido extrativismo da borracha e a saída do PPG-7 a REAJ ficou desamparada. Às vezes me pergunto qual o objetivo desta Reserva Extrativista, ora pelos os ínfimos investimentos e as condições subumana que vivem essas pessoas, ora por pensar que a preocupação ambiental é mais importante que a famílias que moram nesta Resexs. Certo dia quase chorei ao relembrar o passado e ver aqueles barracões que utilizávamos para reuniões, pois não existem mais. A ausência do governo provocou a construção de pastos e criação de gado que cresce a cada ano, lamentavelmente é inacreditável essa situação. Eu lhe digo que boas intenções são as melhores possíveis por parte do governo e o mundo está cheio, mas na prática são as piores, basta observar os tímidos orçamentos e valores oriundos das ações governamentais (J. FIGUEIREDO, 51, ICMBIO, 2011).

Ratificando as informações do entrevistado acima, uma antiga moradora da REAJ não se esquece dos momentos de aflições e da história de luta ao se referir ao modelo de uso sustentável implementado pelo Estado. As inconveniências provocadas pelos efeitos da intervenção governamental foram absurdas ao prevalecer os sistemas politiqueiros e descompromissados com centenas de famílias presentes nas 80 comunidades da Reserva. Essa nota faz valer a declaração da comunitária:
Nasci e me criei aqui dentro, até agora esse modelo não trouxe nada de bom para a minha família, só se vai chegar agora. Aqui não tem um barco no porto para nós, nem casa de farinha, a escola ainda estão prometendo fazer né, mas só promessa, a saúde é outro desastre, os agentes de saúde não pisam aqui nem pra furar um dedo. Quando cai uma pessoa dentro de casa ficamos pedindo canoa com motor e gasolina emprestados dos outros e gastamos 5 horas pra chegar até um posto na cidade de Marechal Thaumaturgo. Lá é a maior decepção, o posto não tem remédio e saio pedindo de um e outro para comprar e poder voltar pra casa. Aqui minha família é unida, mas precisamos urgentemente de um barco, casa de farinha, escola pros meninos estudar direitinho, porque os alunos aqui passaram um mês e quatro dias sem ir à escola, digo e provo. Somos quatro aqui dentro de casa e não tenho marido, e nós só ganha R$ 90,00 do bolsa família mais umas sacas de farinha que agente faz e vende. Compro metade de gasolina para o transporte e fazer nova farinha, e o resto compro umas coisas para casa, às vezes não compro nem o sal porque não dá. Já pensei em ir embora com minha famíla daqui, mas não fomos porque não temos condições de sair. O IBAMA não dar autorização nem pra mim fazer uma casa em Marechal Thaumaturgo  pra mim colocar os meninos na escola. O governo não trouxe nada de bom para a nossa comunidade, às vezes temos que dormir cedo por não ter querosene para alumiar a casa. (M. PEREIRA, 55, Maranguape Velho/REAJ, 2011).

As críticas feitas pelos os moradores ultrapassam as fronteiras da tolerância, a ponto de famílias estarem desacreditadas com a (in) gerência do Estado e as promessas de seus representantes. Não basta criar modelos para agradar acordos entre estados e/ou criar parques e reservas sem conciliar desenvolvimento social com preservação ambiental. A linguagem da intransigência é semelhante nas comunidades pesquisadas, é o que afirma outro morador:
Falar da REAJ é dizer que parece não ter presidente e responsáveis, o governo é ausente, o ICMBIO só ouvi falar, mas não anda aqui. Antes, na época dos seringais era melhor. Hoje só tem direito vagabundo, homem que trabalha não tem. A Reserva é um modelo sem alternativa, é isso que eu tenho a falar de bom. O modelo que temos aqui é como se o governo colocasse um monte de porco num chiqueiro e tivesse todo o controle. A solução hoje é desmatar porque não temos outra alternativa, o boi a gente vende em Marechal Thaumaturgo e garante o sustento de nossa família. O posto de saúde é do Estado, mas quem põe o médico às vezes é a prefeitura. Incentivo agrícola é um sonho porque não temos de nenhum poder público. Olhe que conheci a REAJ com outra cara, no início tínhamos todo o apoio do BNDES através do programa saúde da família. Esta Reserva é uma verdadeira bagunça e ninguém cumpre o que está no plano de uso e estatuto, se cumprisse o que está lá seria uma maravilha conviver em nossa comunidade. (F. NINO, 52, Restauração/REAJ, 2011).

Apesar disso, a luta dos movimentos de seringueiros na década de 1970 e 1980 parece não ter sido valorizada pelo o poder executivo federal brasileiro. Hoje, ao retratar a dimensão histórica de líderes e manifestantes sindicais surge o seguinte questionamento: valeu a pena todo o sonho e a luta que travaram se comparado ao apoio governamental de duas décadas na REAJ? A experiência histórica de um ex-presidente da REAJ e gestor da Reserva Extrativista do Alto Liberdade/ICMBIO informa com detalhes, a seguir:
A acomodação das políticas públicas tem provocado alguns prejuízos aos povos tradicionais em Unidades de Conservação de uso sustentável. As políticas ambientais estão muito atrasadas, precisa-se de investimento maciço e sair do papel, só discurso de gabinete não resolve, a categoria de uso sustentável é insustentável, sustentável é quando se oferece condições de viver com boa saúde, educação, habitação, renda, assistência técnica e outros benefícios. A ausência de políticas produtivas e alimentar tem causado desordem nos sistemas primários, e é vergonhoso quando algumas escolas recebem farinha de mandioca de outras regiões do país quando temos a melhor farinha do Brasil. A péssima educação e saúde são os dois eixos de expulsão das famílias da Reserva para a cidade, porque os pais querem sonhar com a formação de seus filhos e uma saúde que dê condições de mínimo atendimento básico. (C. GINU, 52).

A falta de sensibilidade das intervenções governamentais é caracterizada única e exclusivamente pelo modelo preservacionista sem se importar com o reflexo causado aos proprietários fruto dessas ações, a exemplo das famílias que não encontram alternativas e vivem apenas em função da sobrevivência.  A rigor, a figura política do Estado é ausente e ineficaz do ponto de vista de programas e projetos declarados por este anfitrião:
Tivemos muitos benefícios na REAJ, mas as coisas mudaram no momento em que o governo entra em conflito com as comunidades, a desapropriação provocou o descontentamento e a troca de florestas em pastos de alguns espaços da Reserva. Outro fato de grande importância foi à substituição do extrativismo para a agricultura e pecuária, algo que determinou a perda dos recursos ambientais e o controle do governo brasileiro. O Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBIO) não agiu como deveria e os indenizados se transformaram em fazendeiros porque estão criando seu gado lá até hoje. A REAJ ficou esquecida, houve morosidade desde as desapropriações à falta de acompanhamento técnico pelo governo (A. PAULA, 84, ex-presidente da REAJ e atual integrante da Amigos das Águas do Juruá - AMAJ, 2011).

Contudo, o setor primário ficou esquecido de modo a provocar crise no grupo ambiental e desmistificar os demais sistemas de natureza socioambiental no âmbito das mais de 506 mil hectares da REAJ. De acordo com a fala de V. Torquato, 41, Maranguape Novo/REAJ (2011), enquanto não aparecer um governo descente para melhorar suas vidas, eles continuarão desmatando para criar o boi e plantar o milho, feijão, arroz e a mandioca. Não, não é possível caracterizar esse modelo como sendo de uso sustentável quando se desloca da teoria. Na prática, o morador E. Calixto, 62, Prainha - REAJ (2011), responde da seguinte forma:
O antigo modelo era melhor porque pelo menos não tinha essa perseguição dessa regra que estão colocando hoje. Não pode criar, não tem sistema de poder pescar, e é por isso que sou o modelo antigo, pelo sistema que era muito melhor do que agora. Se é para caça tem que ter um sistema, se é para pesca tem que ter um sistema, o cabra não pode tirar madeira, e se tirar mesmo que seja no roçado de roça que a gente vai plantar a árvore tem que apodrecer lá, porque a gente não pode aproveitar aquela árvore. Então, a gente acha que o pau tem mais valor que o ser humano, porque aquilo que a gente tinha que aproveitar, vamos dizer, pra comprar alguma coisa pra casa não se tem o direito de aproveitar aquela árvore. Isso é o que acontece aqui, e fico aqui porque nasci aqui e me criei aqui. Meu pai vai inteirar 99 anos e nunca morou fora, e por esse motivo tenho que acompanhar ele e morrer com ele dentro da Reserva. Não tenho plano de morar fora nunca da minha terra natal.

E ainda, o líder da Associação da Reserva Extrativista do Alto Juruá - ASAREAJ faz um diagnóstico das décadas de 1990 e 2000, e não é nada otimista quanto ao futuro da REAJ, esclarecido nessa nota:
Muitos saíram das comunidades por motivo de não existir educação pros seus filhos. No início da Reserva a comunidade Vitória conseguia abastecer a cidade com a produção do café e cana-de-açúcar. Isso entrou em crise em poucos anos porque o governo não instituiu mecanismo de suporte ao desmate. O ideal é uma política de valoração das florestas de pelo menos um salário mínimo para cada família. A REAJ está abandonada tanto pelo poder público federal como pelo estadual, e em poucas décadas a maioria dessas áreas estarão desertas e pastadas. No ano passado o Ministério Público decretou que na área da Reserva não poderia desmatar e queimar, e formou fila dos chefes de família no escritório da associação da REAJ preocupados em como sustentar sua família e eu respondi: companheiro, quem vai dizer quando iremos parar de queimar e desmatar somos nós, se for preciso levantaremos um movimento, mas não precisou, entramos com recurso e ganhamos. Até agora não apareceu uma política que amparasse o agricultor para não desmatar. Estou desde 1982 na REAJ e não melhorou nada porque não temos assistência técnica e muito menos outros incentivos governamentais pra auxiliar na produção (J. DOMINGOS, 55, Presidente, 2011).

Diante de todas as falas apresentadas pelos moradores e gestores da Reserva Extrativista do Alto Juruá pode-se afirmar que são indispensáveis à viabilização de sólidos programas sociais, plano de manejo madeireiro, incentivos produtivos ao setor primário, valoração das florestas da Reserva, fiscalização, acompanhamento e gerenciamento sistemático dessas políticas públicas. Estes instrumentos são fundamentais para atender de forma cabal aos anseios dos povos tradicionais.

4.2 Cenário das áreas desflorestadas

Nas duas últimas décadas, a região Amazônia sofreu diversas transformações de origem antrópica. As principais causas dessas transformações ocorreram devido à degradação ambiental e crescimento desordenado de áreas desmatadas destinadas a campo de pastagens, grãos, construção de hidrelétricas, estradas e extração mineral, entre outras formas de exploração.
Não diferente das demais áreas da Amazônia, a REAJ intensificou o desflorestamento com a construção de pastagens e retirada ilegal de madeira expandindo-se gradativamente com vários focos espalhados em suas comunidades. A extração madeireira pelos os antigos proprietários que aguardavam suas indenizações continuou sendo realizado normalmente com baixo investimento em capital físico e financeiro, ao passo de impedir o gerenciamento da UC (IBAMA & WWF, 2005).
As incompatibilidades de planejamento caracterizaram o agravamento dos problemas ambientais da REAJ causando externalidades negativas e/ou pressão humana. Essas ocorrências descritas pelas instituições indicam que o desequilíbrio ambiental da Reserva vem aumentando consideravelmente. Conforme o Plano de Manejo - REAJ (2010), em 1991 uma família utilizava em média 2,57 hectares para os roçados e a criação de gado, contudo, 15 anos mais tarde essa média subiu para 11,78 hectares por família. A imagem espacial a seguir indica os dados sobre desflorestamento de 1990 a 2009 (figura 1).
Verifica-se que mesmo com os investimentos oriundos de ações governamentais na década 1990 (Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7) não foi suficiente para manter a preservação dos recursos ambientais, o principal objetivo descrito no plano de uso. Além disso, as comunidades obtiveram índices até 1997 de desflorestamento superior aos períodos posteriores, possivelmente em função dos tímidos investimentos e distanciamento do Estado com os moradores.
Com base na figura 1, constata-se que o desflorestamento nas oitenta comunidades da REAJ até 1997 esteve associado às vulneráveis relações dos gestores públicos com as famílias que habitam da Resex, ora pela fronteira humana do ponto de vista da ausência, ora por entender que a pecuária bovina emitia outros resultados financeiros mais rápidos do que a cultura especificamente agroextrativista. Assim, os pontos amarelos espalhados às margens dos rios e colocações da unidade de conservação apontam que 0,2% representam a perda de 9,4 km² de floresta e recursos naturais por ano, totalizando 65,5 Km² desflorestados, conforme mostra a tabela 1.
A partir do segundo período observa-se pequenas mudanças nas relações dos comunitários com o meio ambiente local, com exceção do ano 2000, ocasião de maior índice de desflorestamento desde a criação da REAJ. Essa notação torna-se mais realista quando observado os 0,4% equivalente aos 24,1 km² de práticas ocorridas pelas vulneráveis relações dos gestores públicos com os seringueiros e produtores rurais. Em 2001 a queda do desflorestamento foi considerável, descendendo para 1,8 km² ao se referir à área pressionada, valor que o INPE desconsidera em termos percentuais, no entanto, o número é bastante significativo quando visto a luz de ações predadoras.
Em contrapartida, em 2002 a média de desflorestamento herdou o primeiro período, porque 0,2% significam que 11,2 km² em extensão territorial da UC foram degradados para utilização de pastagem. Já no ano de 2003, o desflorestamento representou o menor índice (1,1 km²) em todos os intervalos estudados, de modo a representar para o Instituto de Pesquisa Espacial (INPE) 0,0% em termos percentuais.
Obviamente, tanto as informações espaciais quanto os dados percentuais referentes aos anos de 2004 e 2005 mostram-se semelhantes, porquanto o primeiro denota 5,9 km² e o segundo 5,5 km² em área desflorestada. Em ambos os casos, o valor é de 1%. Todavia, ao comparar o ano de 2003 com os dois seguintes nesta discussão, nota-se um aumento de mais de 500% de externalidade negativa ambiental. Condizente com os dados discutidos no primeiro período e metade do segundo (1990 a 2005) convém noticiar que o desflorestamento total na REAJ causou diminuição de 115,1 km², constituindo razão de existência de apenas 5.537,7 km² de área preservada.
Analisando a segunda parte, do qual corresponde ao último período, nota-se que o mesmo está condicionado ora pela análise espaço-tempo, ora pelo o incremento de desflorestamento (Tabela 2). Nessas circunstâncias percebe-se queda acentuada destes últimos intervalos se considerado os anteriores, a exemplo de 2006 e 2007, onde o desflorestamento atingiu média de 1,53 km², distribuídos em 1,7 km² e 1,8 km², respectivamente. 
Diferentemente dos dois intervalos da década de 1990 discutidos anteriormente, 2008 obteve médias pertinentes de 0,2%, manifestando nível de desflorestamento de 8,5 km², dados que desencadeiam externalidades negativas para o clima e seus efeitos afetam a qualidade de vida humana. Num panorama preservacionista, 2009 se destaca entre os demais anos por não apresentar nenhum índice de desflorestamento, visto que tanto o valor percentual quanto a área em km² foram iguais à zero superando os demais anos desta série.
Em contraponto, a forte alteração em 2010 demonstrou que apenas o ano de 2000 conseguiu superá-lo com margem percentual de 1%, o que equivale a 24,1 km². Evidentemente, a marca desflorestada estacionou em 3% marcando 18,7 km², sendo possível constatar diferença de 1%, ou seja, 5,4 km² de área desflorestada. Em relação a essa segunda parte estudada, percebe-se que o último intervalo apresentou índice de 0,5% a ponto de classificar os 30,7 km² de desflorestamento menor que a primeira parte estudada e reduzir a área de floresta a 5.507,1 km² no ano de 2010.
Em síntese, os dados espaciais permitiram observar a REAJ em dois ângulos diferentes. O primeiro diz respeito à figura que contempla os focos de desflorestamento informados na legenda com respectivas cores e anos, e o segundo, a amostragem dos dados numéricos abordando valores percentuais e área em km². Portanto, a média geral de desflorestamento nesta análise foi de igual e/ou aproximado a 0,2%, o que significa notar perda de 12,2 km², uma vez que exatos 2,3% equivalem a 145,8 km² de área desflorestada em toda Reserva Extrativista do Alto Juruá (REAJ).

5. Considerações finais

Duas décadas, este é o tempo que representa uma análise apurada do modelo de Unidade de Conservação de Uso Sustentável, que para uns representa um modelo de uso racional, e para outros, o falido desenvolvimento sustentado para os povos tradicionais locais e migrantes que observam as intervenções governamentais neste período (1990 a 2010). Apesar de alguns eventos terem sido significativo na década de 1990, na seguinte (2000), a ausência de políticas públicas foi fortemente criticada pelos moradores tradicionais dos diversos recantos das Reservas Extrativistas (Resex) da Amazônia Brasileira.
Diante do pontencial existente, as Unidades de Conservação deveriam assumir lugar de destaque em noticiários de todo o mundo, e não representar apenas interesses das elites político-partidárias. Neste cenário, este trabalho investigou as políticas públicas efetivas na Reserva Extrativista do Alto Juruá (REAJ) norteada pelos grupos ambiental, cultural, econômico e social no período de duas décadas, assim como respondeu a questão em discussão: quais os efeitos da intervenção governamental para o gerenciamento da Reserva Extrativista do Alto Juruá-AC? A resposta foi compreendida a partir da análise das falas dos moradores e gestores entrevistados e das informações cedidas pelas instituições colaboradoras nos limites deste artigo.
Com base no depoimento dos entrevistados, nota-se que os moradores estão muito insatisfeitos com a forma que vem sendo tratados pelos gestores, a exemplo da falta de compromisso, ausências de visitas periódicas, programas e projetos que os diferencie de animal irracional selvagem e/ou domesticado que vive com muita dificuldade em espaço limitado à sobrevivência. Estamos falando de atores humanos que pensam e sentem das mais distintas necessidades tanto quanto aqueles que trabalham em escritórios luxuosos despachando decisões arbitrárias sem ao menos consultar e conhecer a verdadeira realidade dos povos tradicionais que residem em meio às florestas tropicais, a mercê da fome, frio, doenças e animais selvagens.
As políticas de comando e controle da forma como vem sendo aplicadas implicam na mudança de atitude de cada indivíduo da REAJ, fazendo com que os moradores passem a pensar como fazendeiros e não mais como seringueiros que apostaram imensuravelmente conquistar o sonho da proteção e apoio do Estado.
O estágio que se encontram as unidades de conservação de uso sustentável (Reservas Extrativistas) pode ser denominado de UCs que promovem pobreza e estimula agressão a natureza. É importante salientar que teoricamente o estatuto e as leis asseguram lindas maquetes dos moradores vivendo em nível elevado de qualidade de vida e plena harmonia com os recursos ambientais, porém, com base nas constatações em campo fomos levados a acreditar que este estudo debateu Reservas Extrativistas de uso (in) sustentável.
Para contornar esta situação e amenizar os conflitos socioambientais na REAJ é imperioso que o Estado reconsidere as políticas e prioridades aos moradores das Reservas Extrativistas, de modo a viabilizar maiores aportes financeiros e reconheça a importância do respeito e uso racional dos recursos socioambientais por parte dessa população. Estas medidas seriam significativas para desenvolver grandes projetos e programas na perspectiva de aliar desenvolvimento social com preservação ambiental.

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Entrevistados

Antônio de Paula, 84, ex-presidente da REAJ e atual coordenador da AMAJ: entrevista - [Fevereiro de 2011]. Entrevistador: Josimar da Silva Freitas. Cruzeiro do Sul-AC, 2011. Gravação digital, 29 min. e 20 seg., estéreo. Entrevista concedida para elaboração da dissertação de mestrado do entrevistador.
Chico Ginu, 52, ex-presidente da REAJ e atual gestor da Reserva Extrativista do Alto Liberdade: entrevista – [Fevereiro de 2011]. Entrevistador: Josimar da Silva Freitas. Cruzeiro do Sul-AC, 2011. Gravação digital, 31 min. e 34 seg., estéreo. Entrevista concedida para elaboração da dissertação de mestrado do entrevistador.
Esterlite Calixto, 62, produtor rural da comunidade Prainha/REAJ: entrevista - [Fevereiro de 2011]. Entrevistador: Josimar da Silva Freitas. Marechal Thaumaturgo-AC, 2011. Gravação digital, 14 min. e 9 seg., estéreo. Entrevista concedida para elaboração da dissertação de mestrado do entrevistador.
Francisco Nino, 52, produtor rural e sub-prefeito da comunidade Restauração/REAJ: entrevista - [Fevereiro de 2011]. Entrevistador: Josimar da Silva Freitas. Marechal Thaumaturgo-AC, 2011. Gravação digital, 23 min. e 28 seg., estéreo. Entrevista concedida para elaboração da dissertação de mestrado do entrevistador.
José Domingos, 55, presidente da Reserva Extrativista do Alto Juruá/REAJ: entrevista - [Fevereiro de 2011]. Entrevistador: Josimar da Silva Freitas. Marechal Thaumaturgo-AC, 2011. Gravação digital, 27 min. e 3 seg., estéreo. Entrevista concedida para elaboração da dissertação de mestrado do entrevistador.
José Figueiredo, 51, técnico do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBIO): entrevista - [Fevereiro de 2011]. Entrevistador: Josimar da Silva Freitas. Cruzeiro do Sul-AC, 2011. Gravação digital, 41 min. e 19 seg., estéreo. Entrevista concedida para elaboração da dissertação de mestrado do entrevistador.
Maria Pereira, 55, produtora rural da comunidade Maranguape Velho/REAJ: entrevista - [Fevereiro de 2011]. Entrevistador: Josimar da Silva Freitas. Marechal Thaumaturgo-AC, 2011. Gravação digital, 15 min. e 51 seg., estéreo. Entrevista concedida para elaboração da dissertação de mestrado do entrevistador.

Recibido: Febrero 2015 Aceptado: Febrero 2015 Publicado: Febrero 2015


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