Daniela da Silva Pieper
Greici Maia Behling
Gabriella Domingues
danypieper@gmail.com
Universidade Federal de Pelotas
O presente artigo apresenta reflexões acerca de significados que através do tempo e do espaço permeiam o subjetivo sentido de pertencimento e sua relação com a noção de patrimônio e identidade cultural nos indivíduos na perspectiva de uma sociedade sustentável. Durante a revisão bibliográfica dentro do processo de conclusão do mestrado em Educação Ambiental construímos, através de leituras em diversos pesquisadores, um diálogo que reúne estes temas específicos, no qual inserimos também nossa contribuição para ao debate e compreensão da presente temática. Concluímos tecendo algumas impressões que, pontuam o que se constitui no “elo afetivo” que conduz os membros de uma comunidade ou grupo social perceberem-se como “sujeitos de história”, a partir de sua identificação com aquilo que valorizam e, portanto se inclinam a defender preservar e proteger, por considerarem como seu patrimônio cultural. No mesmo sentido, como a educação ambiental e patrimonial podem contribuir na formação desses sujeitos.
Palavras chave: Pertencimento, Educação Ambiental, Educação Patrimonial, Patrimonio, Sociedade Sustentável
ResumenEste artículo presenta reflexiones sobre los significados que a través del tiempo y el espacio permean el sentido subjetivo de pertenencia y su relación con el concepto de patrimonio y la identidad cultural de los individuos, con miras a una sociedad sostenible. Durante la revisión de la literatura dentro del proceso de realización del Máster de Educación Ambiental, construímos a través de lecturas de diversos investigadores, un diálogo que reúne a estos temas específicos en los que hemos insertado nuestra contribución al debate y la comprensión de este problemaPor último, llegamos a la conclusión de tejer algunas impresiones que sin pretender agotar la discusión, marcan lo que constituye el "vínculo afectivo" que conduce los miembros de una comunidad o grupo social perciben a sí mismos como "sujetos de la historia", a partir de su identificación con lo que valoran y por lo tanto, se inclinan por defender a preservar y proteger, ya que consideran que su patrimonio cultural. En la misma línea que la educación ambiental y el patrimonio puede contribuir a la formación de estos temas
Palabras clave: La pertenencia, Educación ambiental, Educación del Patrimonio, Patrimonio, Sociedad Sostenible
AbstractThis article presents reflections about the meanings through time and space permeate the subjective sense of belonging and its relationship to the concept of heritage and cultural identity in individuals with a view to a sustainable society. During the bibliographic review within the conclusion of Masters in Environmental Education process we have built, through readings in various researchers, a dialogue that brings together these specific topics in which we have inserted our contribution to the debate and understanding of this issue. Finally, we conclude by weaving some impressions that prior to want exhaust the discussion, punctuate what is constituted the "affective link" which leads the members of a community or social group perceive themselves as "subjects of history", from their identification with what they value and therefore are inclined to defend preserve and protect, as they consider their cultural heritage. In the same vein as the environmental and heritage education can contribute to the formation of these subjects.
Keywords: Belonging, Environmental Education, Heritage Education, Heritage, Sustainable Society
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Daniela da Silva Pieper, Greici Maia Behling y Gabriella Domingues (2014): “Pertencimento, patrimônio e meio ambiente: um diálogo necessário para a sustentabilidade”, Revista DELOS: Desarrollo Local Sostenible, n. 21 (octubre 2014). En línea: http://www.eumed.net/rev/delos/21/pertencimento.html
O almejado desenvolvimento de uma consciência ecológica nos diferentes segmentos, que compõem as comunidades deve surgir a partir da formação de novos sentimentos e valores em seus agentes com relação ao meio ambiente, refletindo consequentemente, em novas posturas, comportamentos e no surgimento de uma relação de alteridade entre a natureza e os humanos.
Neste contexto, a Educação Ambiental configura-se como elemento determinante para a consolidação de sujeitos cidadãos, cujo sentido de pertencer aparece relacionado à memória, demandando a necessidade de preservação também do meio ambiente construído, em função dos sentidos que desperta e dos vínculos que mantêm com suas identidades culturais.
Na busca de fundamentação para este entendimento, apresentamos um diálogo com diversos autores como Brandão (2005), Sá (2205), Pellegrini (2006), entre outros, que em suas reflexões, discutem possíveis significados que através do tempo e do espaço permeiam o subjetivo sentido de pertencimento e sua relação com a noção de patrimônio e identidade cultural nos indivíduos numa perspectiva para uma sociedade sustentável.
O sentido do pertencerDentre os vários significados para o verbo pertencer, encontramos o ato de pertencer, do qual deriva o substantivo masculino “pertencimento” 1.
Começamos por considerar que pertencer e se identificar com um grupo é tãonecessário ao ser humano quanto para a maioria dos animais. Por essa sensaçãoinconsciente e subjetiva, o indivíduo reúne-se em agrupamentos formando tribos, comunidades, famílias,torcidas e até gangues.
Brandão introduz o assunto em sentido ampliado referindo-se a ao planeta Terra:
Houve um momento em que eu nasci (...) em que você, eu e todas e todos nós nascemos e começamos a viver a aventura da vida em algum lugar do Planeta Terra. E a Terra é a casa de todas e de todos nós. Ela é o nosso lar. Nascemos em um dia, em um lugar. E, a partir de então, nós existimos. Somos alguém. Somos uma pessoa no mundo em que nascemos e onde vivemos (Brandão, 2005:12).
E pela sensação de nascer, existir, viver em algum lugar e ser alguém no Planeta Terra, desde os primeiros tempos da história humana, vivemos e transformamos sem cessar o meio natural em espaços e lugares socializando-o. Por uma necessidade latente de sentir-se parte, pertencente, o ser humano se organiza para conviver em relacionando-se com o outro e consigo mesmo, compartilhando uma cultura tecida por visões de mundo, regras de convivência, em suas preces, cantos, danças, culinária, com uma maneira singular de viver no ‘seu mundo’.
Vivemos a cada momento de nossas vidas interagindo com o meio ambiente natural ou construído. Desde os grupos mais tradicionais, seja uma pequena tribo de indígenas do Mato Grosso até os mais cosmopolitas no seio das grandes metrópoles, vivemos em lugares antes naturais forjados pelo trabalho humano, transformados em quartos e casas, em ruas e em bairros, em cidades e em municípios (Brandão, 2005). Socializando o meio natural para sua sobrevivência, aos seus modos de viver, os humanos agem como aliados, da mesma forma que como seus potenciais inimigos.
No processo de socialização, cada vez que precisamos nos identificar ou situar, utilizamos diferentes expressões, para definir a nós mesmos e aos outros: quem somos; de onde somos ou vivemos. Nesse movimento, vamos dando aos “nossos” lugares, sentidos, saberes, significados e valores ora semelhantes, ora diferentes, de acordo com a maneira como os vivenciamos através das nossas sensibilidades. Assim, desde a antiguidade, os povos tradicionais referenciam fenômenos da natureza, animais, plantas, rios para situar-se no meio em que vivem.
Em tom sensivelmente poético, Brandão (2005:38) se questiona: “onde é que começa e onde é que acaba o que é meu?”. Indagação que segundo ele, guarda pelo menos dois sentidos: que “o meu pode ser: aquilo que é meu; aquilo que é minha propriedade, minha posse; aquilo que eu achei, ganhei, herdei, produzi, criei, comprei, e assim por diante: É meu, porque não é dos outros” (...). No mesmo sentido, (...) aquilo que é meu pode ser também: aquilo que eu compartilho com os outros” (...) “aquilo que é meu e deles”. E, “sendo meu e deles é então: nosso”.
Se pensarmos bem, a palavra: “nosso”, torna-se decisiva, dependendo da dimensão atribuída a ela: Exemplificando: ao adquirir uma propriedade com lago, árvores, pedras, flores na qual dela desfrutem também pássaros e animais silvestres e seus ninhos, que naturalmente habitam aquela biodiversidade, tudo me pertence, incluindo o que está no seu subsolo. Considerando as leis de proteção ambiental, aquilo que eu fizer com o que lá estiver (e for ilegal) poderá me acarretar punição apenas por denúncia. E assina-lo que poderá, postas as dificuldades de descoberta do dano causado pelas autoridades ambientais.
Nesse sentido, pode-se dizer que vários motivos nos levam a agir em favor da natureza que me pertence por força do meu direito de propriedade: a sua valorização no sentido estético e vida produtiva ou o temor das pesadas multas que recaem pela transgressão da lei.
Podemos nos sentir responsáveis por aquilo que faz parte do meio natural onde nos inserimos, a partir do cuidado que observamos pelo que nos cerca. Esse sentimento se manifesta quando inconscientemente assentimos que tudo o que é material ou cultural ao adquirirmos será “nosso” por algum tempo e sempre haverá de ser apenas pelo tempo de nossa existência. Assim podemos nos considerar gestores da parte da natureza que nos cabe como beneficiários e usuários.
Ao investigar e refletir sobre o assunto, Sá (2005:249), registra que, desde o início do século passado, autores como Tonnies e Weber já teorizavam sobre o que faz com que as pessoas se sintam parte de território comum, de uma mesma origem: “Participantes de uma comunidade em laços pessoais de reconhecimento mútuo e no sentimento de adesão a princípios e mesma visão de mundo”. A autora considera que a noção de “pessoa humana” é uma das mais relevantes para o entendimento da crise socioambiental que vivemos hoje, e na sua crítica sociedade capitalista moderna, afirma que um “individualismo ideologizado” (idem, 2005:247) construiu uma representação de pessoa humana como um ser mecânico, desenraizado e desligado do seu contexto. Tais sujeitos desconhecem as relações que os tornam humanos e ignoram tudo o que não esteja direta e imediatamente vinculado aos seus próprios interesses e bem estar.
Considera-se que, somente pelo sentido do pertencimento, os indivíduos podem reconhecer-se unidos por uma crença subjetiva de origem comum, numa coletividade cujos símbolos compartilhados expressam valores, medos e aspirações, que acabam por configurar-se em características sociais, culturais ou raciais. Nesse sentido, por uma identificação étnica, nossos antepassados se reuniram em diversos clubes sociais (formados por imigrantes: clubes de italianos, alemães, portugueses, etc.). Assim como, nós gaúchos2 , também encontramos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) marcando a presença Rio-grandense pelo mundo afora. Não obstante, tais associações e/ou empresas, governos, partidos e impérios correm o risco de desestruturação quando o senso de pertença que une seus participantes deixa de existir.
O sujeito ao sentir-se pertencente a tal grupo, comunidade ou lugar e, ao mesmo tempo, que estes nos pertencem, permite-nos agir de forma a intervir nos fatos e acontecimentos que direcionam os seus rumos. Isto nos dá a sensação de participarmos de "alguma coisa maior do que nós mesmos". O sentimento de pertencimento, neste contexto, se relaciona com a noção de participação: à medida que o grupo se sinta sujeito ativo e passivo das atividades do cotidiano daquele meio, desenvolverá a corresponsabilidade pelo que for sendo construído de forma participativa. Os resultados, sejam quais forem, são pertencentes a todos os seus integrantes.
Na perspectiva do sentido de pertencer, a noção de participação se refere à Educação Ambiental, situada em contexto mais amplo, o da educação para a cidadania, configurando-a como elemento determinante para a consolidação de sujeitos cidadãos. Considerando que o exercício da cidadania tem a ver com a identidade e o pertencimento a uma coletividade, Jacobi ratifica:
O desafio do fortalecimento da cidadania para a população como um todo, e não para um grupo restrito, concretiza-se pela possibilidade de cada pessoa ser portadora de direitos e deveres, e de se converter, portanto, em ator corresponsável na defesa da qualidade de vida (Jacobi, 2003:9).
A ação das comunidades tradicionais, detentoras de saberes transmitidos oralmente entre as gerações, nos dá um exemplo do que ocorre quando há manifestação de pertencimento e de cidadania. Nos processos pela manutenção de Unidades de Conservação3 , encontramos testemunhos desse sentimento, haja vista que os saberes dos seus integrantes e seu modo de vida foram obtidos e desenvolvidos naquele lugar. Dessa forma, conseguem formar o consenso de que, para ajudar na conservação da comunidade, precisam sentir-se e ser reconhecidos como parte integrante do todo, como “pertencendo” aquela região, cujas condições e peculiaridades conhecem e aprenderam a respeitar e assim permitir a continuidade da vida local.
Em tempos de globalização, os lugares vêm perdendo a sua autenticidade ao serem absorvidos pelo espaço neutro e homogêneo da ciência moderna. Isto dificulta ao ser humano sua noção e percepção de “fazer parte”, “integrar” o meio ambiente, colaborando paulatinamente para o aprofundamento da crise ecológica.
As práticas mais ecologicamente orientadas demandam nos sujeitos o “sentir-se em algum lugar” sendo que, tal sentimento ou noção de lugar como um modo de pertencer ao mundo é de suma importância para nossa percepção primária e as interconexões com o mundo não-humano. Por este entendimento, a visão individualista e fragmentada do ser humano na sua relação natureza/homem, aliada a sua desconexão com o pertencer a algum lugar, além de constituir-se como uma de suas causas, também se transforma no principal obstáculo para a superação da capacidade política de reverter os riscos ambientais e a exclusão social.
A noção de cultura e do meio ambiente como patrimônioAs relações entre a natureza e a cultura, desde a Antiguidade clássica até o Renascimento vêm sendo permeadas por interpretações que tendem a afirmar a superioridade humana frente à natureza, no contexto das relações de complementaridade entre o homem e o meio natural. Na modernidade, com o desenvolvimento científico e a evolução das descobertas na área da engenharia genética, as alterações ambientais começam a ser percebidas, e também admitido como possível, o aniquilamento da biodiversidade, a par de suas relações com a fragilidade da condição biológica humana.
Diversas correntes encamparam a questão da preservação do patrimônio natural gerando debates polêmicos desde o século XIX: Pela visão wilderness (ou mundo selvagem), as correntes naturalistas apostavam no afastamento do homem das áreas naturais como garantia da proteção destas, promovendo a criação de parques e estações ecológicas americanas e paralelamente uma representação de incompatibilidade entre existência humana e a conservação da natureza.
Atualmente, o reconhecimento das chamadas populações tradicionais e da sua possível contribuição para a conservação e manutenção da diversidade biológica apontou o surgimento de um ecologismo diferenciado daquele emergente nos países industrializados que sacralizavam o mito da “natureza intocada”, dois séculos antes.
O alargamento do significado de cultura emerge das discussões em convenções promovidas pela UNESCO, a partir de 1980, sacramentando-se em 1985, na “Declaração do México”. Nesse momento começa a ser considerada a importância da preservação de bens materiais e imateriais dos grupos sociais: sua língua, seus ritos e suas crenças, os lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte e os arquivos e bibliotecas.
O meio natural passa a ser concebido como um fenômeno em permanente transformação assim como, a ser considerado que categorias tradicionalmente definidas como patrimônio cultural, paisagístico e arqueológico, inter-relacionam a cultura e o meio. O conceito de patrimônio ambiental adquire dimensões sociais, a partir do reconhecimento da cultura como construção histórica, dinâmica e ininterrupta, através do contato entre os saberes de consecutivas gerações bem como dos saberes tradicionais de grupos distintos.
A consciência do uso comum do meio e, principalmente, a responsabilidade coletiva pelo espaço encaminhou progressivamente a politização desta temática, nos fóruns públicos de discussão, ocasionando a necessidade de proteção do patrimônio natural e cultural da humanidade e, portanto a normatização das formas de apropriação dos territórios (Pelegrini, 2006).
Pode – se considerar que esta visão ampliada acerca da necessidade do “equilíbrio dos ecossistemas” e o surgimento de novas perspectivas sobre o natural e o humano, manifestos através dos movimentos sociais, primou pela diversidade cultural e pela busca da inter-relação entre o homem e a natureza de modo a garantir uma gestão cada vez mais democrática dos espaços territoriais e um manejo mais adequado das APPs no que se refere a sua proteção e manutenção ambiental. Ainda assim, não se deve descuidar das visões simplistas que, por um lado, apostam que a ciência e a tecnologia serão capazes de reverter os impactos das ações humanas sobre a natureza, da mesma forma que pregam as ações das populações tradicionais plenas de conhecimentos da dinâmica do mundo natural.
No decorrer do século XX, a noção de patrimônio ambiental urbano amplia-se passando a ser considerado indicativa de reconhecimento dos núcleos históricos. A redação da Constituição de 1937 refere-se aos bens naturais como “monumentos” da nação brasileira. Tal proteção se restringiu, entretanto, aos “sítios e paisagens” valorizados esteticamente pela natureza ou pela interferência humana (art.1º). Já em 1988 o art.216 da nova CF manteve articulada à noção de patrimônio ambiental circunscrita aos “conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” reconhecendo, também, que o tombamento ainda persiste como o instrumento mais eficaz para a proteção dos bens naturais e culturais (art.119).
Bortolozzi, (2002) considera que os bens culturais não possuem uma identidade própria, posto que refletem a identidade dos grupos sociais a que pertencem. Torna-se necessário, por isso, a busca de novas práticas socioambientais a partir do pertencimento cultural das comunidades às áreas do seu entorno que contribuam para o reconhecimento e valorização do seu patrimônio natural e cultural. Tal perspectiva infere dimensões sociais, ao patrimônio ambiental, indicando a materialização dos sentidos atribuídos pela dinâmica do processo histórico proporcionando a consciência do uso comum do meio e, consequente responsabilidade coletiva pelo espaço.
Para Santos (2012) a noção de patrimônio não se delimita apenas pelo conjunto de bens materiais de uma comunidade, abarcando tudo o que é cultural, historicamente significativo e compartilhado pelos seus integrantes.
E assim se expressa a UNESCO quanto ao patrimônio cultural:
As práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas– junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana (UNESCO,2003).
Por essa linha de pensamento considera-se que os bens culturais são preservados em função dos sentidos que despertam e dos vínculos que mantêm com as identidades culturais. Do ponto de vista de Jaques Le Goff (1997), a memória individual e coletiva estabelece um vínculo entre as gerações humanas e o tempo histórico que as acompanha, destacando que a identidade cultural de um grupo social o dispõe a preservar e divulgar os seus bens culturais.
Grün (2008) entende a reapropriação social dos lugares como uma das tarefas da Educação Ambiental. No que tange a preservação, citamos Horta, (1999:06) a “apropriação consciente pelas comunidades do seu patrimônio são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania”.
Nesta perspectiva, a preservação do patrimônio constitui um desdobramento do pertencimento dos sujeitos-históricos e seu apreço pelos seus artefatos, seus espaços, enfim, a sua cultura, aqui entendida como o processo contínuo de transmissão de valores e crenças, de saberes e de modos de fazer e de viver que caracterizam um grupo social, uma comunidade (HORTA, 2000).
Tecendo impressões finaisOs modos de viver humano vão construindo sua forma de civilização e produzindo sua cultura, incorporando também paisagens que representarão essa sociedade, através do relacionamento homem, meio ambiente.
Desde o final do século XX, ampliou-se para além do velho mundo o reconhecimento do patrimônio natural e cultural como instrumento de identidade das comunidades latino americanas. A conscientização dos povos, entretanto, seu sentimento de pertencimento e apreço a esses bens culturais tem – se constituído em um grande desafio para as ações de defesa do patrimônio e do meio ambiente. Nesse sentido a necessidade de investimento em educação patrimonial e ambiental, para a formação da consciência da amplitude nesse campo que se faz representar para muito além dos bens matérias ou das produções humanas, atingindo também inúmeras formas de manifestações imateriais. A percepção dessas manifestações torna-se fundamental o sentido de interação do ser humano em seu grupo social e o meio ambiente que o envolve e no qual se relaciona com todos esses entes para desenvolvimento de sua vida como um todo.
Tais relações se materializam pela linguagem, pela dança e pela música, artesanato, em histórias, lendas e mitos, pela culinária, pelos saberes medicinais entre outras manifestações sociais. Nesse contexto a Educação Ambiental e Patrimonial atua como instrumento de resgate da memória e das representações culturais e sociais dos grupos, contribuindo para que os seus integrantes se descubram como produtores de sua cultura e consequentemente sujeitos de sua história.
Assim o processo de ensino\aprendizagem deve pontuar pela identificação como legítimos agentes e sujeitos de sua etnia acima e paralelamente aos naturais conflitos internos ocasionados pelas mudanças que se processam pela evolução dos tempos. Deve-se partir da perspectiva do respeito e preservação ao patrimônio que representa seus valores, sua identidade como grupo social sem, entretanto, abrir mão da ciência inovadora que pode beneficiar o manejo de áreas protegidas, restauração de imóveis e outros produtos culturais necessários a manutenção da dinâmica social e econômica do grupo onde estão inseridos.
As reflexões, análises e críticas acima descritas, não tem a pretensão de esgotar o debate sobre assunto tão permanentemente contemporâneo que atravessa a história do universo e sua existência fluindo a partir do movimento constante de luta pela sobrevivência da natureza como força motriz da vida.
O que se quer é manter em diálogo constante as noções de Pertencimento, Patrimônio Cultural e Ambientalmente Sustentável entendidas como um processo intrinsecamente vinculado a memória, a identidade e a cidadania.
Nesse sentido, nos reportamos ao pensamento de Diegues (2003:5) que numa visão portadora de grandes desafios, refere-se “possibilidade da existência de uma diversidade de sociedades sustentáveis, desde que pautadas pelos princípios básicos da sustentabilidade ecológica, econômica, social e política”. Para tanto seria necessária a elaboração de novos paradigmas baseados na necessidade de se manter a diversidade ecológica, social e cultural dos povos, das culturas e modos de vida. Nessa medida, os agrupamentos societários passam definir seus padrões de produção e consumo, bem como o de bem-estar a partir de sua cultura, de seu desenvolvimento histórico e de seu ambiente natural.
Afirma-se aqui a necessidade de se criarem novas utopias para o século XXI. E assim trilhamos o repensar caminhos de acordo com a diversidade com opções econômicas e tecnológicas diferenciadas, voltadas principalmente para o desenvolvimento harmonioso das pessoas e de suas relações inseridas no mundo natural.
Dentro dessa visão, o sentimento de pertencimento se relaciona com a noção de participação que é a chave para o desenvolvimento, a organização, a educação e o fortalecimento do indivíduo como cidadão. Consideramos que sociedades ambientalmente saudáveis, não se mantêm por um longo período quando a distribuição dos seus benefícios e dos custos é extremamente injusta, especialmente quando parte da população está submetida a um debilitante e crônico estado de pobreza. Uma nova forma de pensar o desenvolvimento econômico e sustentado, portanto, é o desafio do século XXI para o encaminhamento dos conflitos socioambiental estabelecidos.
No que tange a contribuição da Educação Ambiental, assim como a Educação Patrimonial, acreditamos que devam ser inovadoras nos níveis formal e informal, direcionada como um ato político voltado para a transformação da sociedade. Embasada no potencial criativo do ser humano, na sua sensibilidade, disposição para alteridade e valorização da diversidade, na qual o indivíduo se sinta potencializado e estimulado a rever seu modo de conceber e se relacionar ecologicamente com seu entorno.
Consideramos, por fim, que o sentido do pertencimento proporciona ao indivíduo relações plenas, subjetivas e objetivas nas quais se tramam e tecem ações permanentemente direcionadas a interação com o meio ambiente considerado como patrimônio culturalmente preservavel de um grupo social ou comunidade. .
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2 Termo correntemente usado como gentílico para denominar os habitantes do estado brasileiro do Rio Grande do Sul, assim como de outros países como Argentina e Uruguai. Também serve para denominar um tipo folclórico e um conjunto de tradições codificado e difundido por um movimento cultural agrupado em agremiações, criadas com esse fim e conhecidas como CTGs.
3 Reguladas pela Lei no. 9.985, de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Estão divididas em dois grupos: as de proteção integral e as de uso sustentável. Mais informações ver legislação indicada.
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