SETOR SUCROENERGÉTICO BRASILEIRO:
OS CUSTOS AMBIENTAIS COMO FATOR DE DIFERENCIAÇÃO
Ido Luiz Michels (CV)
idomichels@uol.com.br
Sueli Regina Moura V. Arakaki (CV)
sueliarakaki@yahoo.com.br
RESUMO
O objetivo deste trabalho é evidenciar, dentro do contexto controverso que se apresenta o Setor Sucroenergético, a importância do reconhecimento dos custos ambientais como fator de diferenciação visando ao alcance de uma melhor performance para o negócio e sua continuidade no mercado, dada a sua relevante contribuição ao País no tocante ao suprimento de uma alternativa de energia “limpa” e contribuição para redução do aquecimento da terra. Apresenta-se assim, um elenco de inquietações e até mesmo visões bastante diferenciadas que tem permeado as discussões relativas ao setor sucroenergético brasileiro junto aos seus diversos atores, pesquisadores e ambientalistas. Por um lado, justificando sua expansão como estratégica diante do cenário nacional e mundial de crescente demanda por combustíveis, já que, sabidamente, os combustíveis fósseis são finitos, sendo o biocombustível capaz de atender essa demanda futura. Por outro lado, a grande e emergente preocupação ambiental, as dificuldades de se conciliar crescimento econômico com desenvolvimento sustentável.
Palavras-Chave: Setor sucroenergético, variável ambiental, custos ambientais.
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1 INTRODUÇÃO
O Setor Sucroenergético brasileiro, diante de um histórico de altos e baixos já vivenciados, em função das altas elevações e quedas dos preços internacionais de petróleo, somadas ainda às inquietações e visões bastante diferenciadas dos distintos segmentos e atores que o envolve, faz com que o mesmo se mantenha em permanente estado de xeque, o que será pontuado em breve histórico nas Seções 2 e 3 deste artigo. Convive-se com visões que contemplam o atual quadro como muito promissor ao Brasil, a exemplo do estudo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), intitulado “Bioetanol combustível: uma oportunidade para o Brasil”, resultado de um projeto iniciado em 2005 pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE) da Universidade Estadual de Campinas, que teve como objetivo o estabelecimento de um plano visando substituir 10% da gasolina consumida no mundo até o ano de 2025 pelo etanol de cana brasileiro, que avaliou com boas perspectivas o bioetanol, apresentando-o como a principal alternativa global em termos de combustíveis renováveis. Visões também nada otimistas surgem neste cenário quando se verifica a acumulação de um enorme passivo social e ambiental.
Este artigo, assim, tem por objetivo o desenvolvimento de pesquisa exploratória, a partir de dados obtidos em bases secundárias, livros, jornais, revistas, internet (artigos, dissertações, teses, sites oficiais, entre outros), visando evidenciar, dentro deste contexto controverso que se apresenta o Setor, a importância do reconhecimento dos custos ambientais como fator de diferenciação visando à melhor condução do mesmo rumo à sua consolidação no mercado. O artigo estrutura-se em seções, incluindo esta introdução. A segunda e terceira seção, como acima mencionado, traz um breve histórico do setor, evidenciando os fatos mais marcantes da sua trajetória e as suas controvérsias a partir de visões diferenciadas apresentadas por diversos segmentos, respectivamente. A quarta seção apresenta a necessidade da inserção da variável ambiental como fator preponderante a sua viabilidade futura de forma que a sua expansão seja respaldada por sólidas práticas ambientalmente sustentáveis. A quinta seção apresenta algumas considerações a respeito da importância do reconhecimento dos custos ambientais e a sexta e última seção traz as considerações finais com sugestões que, uma vez implementadas, poderiam dar maior credibilidade ao Setor.
O trabalho avança na perspectiva da condução a uma maior reflexão e discussão sobre o futuro do setor sucroenergético em face da sua relevância, trazendo algumas das importantes controvérsias no tocante ao alcance e limites dos biocombustíveis, suas vantagens e os riscos socioambientais que oferecem e algumas sugestões visando uma melhor estruturação do setor considerando que um dos maiores desafios hoje que envolvem as questões ambientais é o de conciliar o crescimento econômico com a preservação ambiental.
2 BREVE HISTÓRICO DO SETOR NO BRASIL
Historiadores registram a cultura da cana-de-açúcar no Brasil desde seu descobrimento, e a partir do início dos anos 1900 o seu uso como fonte energética. Em 1933, fazendo parte das agendas governamentais, teve sua posição reforçada na chamada Era Vargas, com a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), órgão regulatório do mercado sucroenergético nacional.
Já em 1975, registra-se um grande marco desse setor com o lançamento do Programa Nacional do Álcool - PRÓ-ÁLCOOL, por meio do Decreto n.º 76.593/1975, com o objetivo de substituir os combustíveis derivados do petróleo por álcool, em função, principalmente, das grandes altas registradas no preço do barril do petróleo.
O governo federal, à época, decidiu encorajar a produção do álcool em substituição à gasolina pura, com o objetivo de reduzir as importações de petróleo, então com um grande peso na balança comercial externa. Naquela época, o preço do açúcar no mercado internacional vinha decaindo rapidamente, o que tornou conveniente a mudança de produção de açúcar para álcool.
O programa teve seu auge na safra dos anos 1986-1987, quando foram produzidos 12,3 bilhões de litros de álcool, encerrando esse ciclo em 1990, quando da extinção do Instituto de Açúcar e Álcool, marcando o final do Pró-álcool.
Desde então, a cana-de-açúcar colhida tem sido destinada preferencialmente ora para a produção de açúcar, ora para a produção de álcool, de acordo com as vantagens econômicas que essa escolha possa proporcionar e fundamentalmente, da decisão privada dos empresários do setor.
Em razão do aquecimento global e de outros problemas ambientais decorrentes do uso dos combustíveis fósseis e das exigências ambientais traduzidas nas regulamentações do Protocolo de Kyoto, surge o discurso de que é necessário adotar fontes renováveis de energia, entre as quais o etanol seria uma das melhores opções.
Segundo o diretor da Agência Internacional de Energia (AIE) da OCDE, Fatih Birol, o mundo pode ficar desprovido de petróleo mais rapidamente do que o esperado ao considerar que neste momento estão faltando 12,5 milhões de barris por dia, cerca de 15% da demanda global de petróleo (Jornal cana - Edição abril, 2010).
Com base na discussão mundial sobre a substituição das energias fósseis por energias renováveis, no início desta década e em razão da queda do preço do açúcar no mercado mundial, o Brasil considerou a necessidade da retomada do Programa Pró-Álcool (etanol).
No ano de 2002, foi apresentado o primeiro veículo com motor flex-fuel, modelo desenvolvido por empresas alemãs e produzido em série no Brasil a partir de março de 2003. Motores flex-fuel são movidos a gasolina, a etanol ou com uma mistura dos dois. Em março de 2004, 16% dos veículos novos vendidos no Brasil já eram equipados com esse tipo de motor. Em fevereiro de 2006 já havia 76,6%, em novembro de 2007, 86,1%, e hoje mais de 92%. Desde então, é possível fazer a escolha do tipo de combustível de acordo com o preço (ÚNICA, 2010).
Esta crescente demanda mundial por agrocombustíveis, especialmente pelo etanol, tem gerado um aumento expressivo da área plantada, da produção de cana-de-açúcar, e também do número de agroindústrias processadoras nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do país, conforme se pode comprovar com os dados estatísticos apresentados na página oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Destacamos as significativas taxas de crescimento da cana no período de 2000 a 2006/2007 nos Estados, de São Paulo (50,67%), de Minas Gerais (79,55%), de Mato Grosso (92,29%), do Paraná (41,17%) e da região Centro-Oeste (85,75%) (MAPA, 2011).
Atualmente, o setor sucroenergético no Brasil gera, por ano, um faturamento equivalente a 2% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Até 2020, possivelmente o setor sucroenergético deverá representar de 5 a 8% do PIB (quase duas vezes mais o peso do setor automobilístico), com não mais de 50 empresas operadoras, que poderão estar consorciadas em menos de uma dezena de grupos econômicos, com forte predominância do capital estrangeiro e significativa determinação nos rumos da economia nacional (MAPA, 2011).
Neste contexto, a produção de cana-de-açúcar deverá ser ampliada substancialmente, visando atender à demanda de açúcar e de etanol.
Surge aí a grande e emergente preocupação com a sustentabilidade da expansão do complexo sucroalcooleiro, pois a crise socioambiental vivenciada já é de toda perceptível, pelos diversos efeitos que tem provocado nos mais variados locais do Planeta, seja na forma de distribuição de riquezas e poder entre as nações e dentro delas, da fome, das mudanças climáticas que vem sendo ocasionadas, da destruição de grande parte dos ecossistemas e biomas, além do explosivo crescimento populacional e do consumo voraz dos recursos naturais.
3 VISÕES DIFERENCIADAS DO SETOR
Pivô das discussões mais acaloradas nos meios acadêmicos, políticos, sindicatos, ONGs e sociedade de uma forma geral, esta última em função da constante presença do tema na mídia, e também em função do agravamento dos problemas ambientais, de indiscutível impacto em todos os seres vivos do planeta.
Resultados apresentados por estudo realizado, dentro da perspectiva agroecológica, em região canavieira de Ribeirão Preto, para avaliação dos impactos provocados decorrentes da sua expansão, é contundente em afirmar que a expansão da monocultura canavieira no Brasil tem se dado de forma desordenada, sem mecanismos de regulação que protejam os interesses da sociedade em relação ao uso sustentável dos recursos naturais, provocando sérios danos à biodiversidade (RAMOS FILHO; PELLEGRINI, 2007).
Segundo conclusões do Seminário ‘A expansão da agroenergia e seu impacto sobre os ecossistemas brasileiros’, realizado no Rio de Janeiro, nos dias 26 e 27 de março de 2007, os impactos ambientais da expansão do cultivo da cana-de-açúcar para produção de etanol nos Cerrados podem ser extremamente negativos, uma vez que 70% dos locais onde a cana encontra condições ideais de cultivo são considerados áreas de extrema importância biológica.
Na visão do pesquisador Georges Flexor, do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura, o aumento das áreas do cultivo de cana já começa a elevar os preços da terra e pode incentivar o deslocamento da fronteira agrícola para áreas ainda virgem ou beneficiar certos cultivos em detrimento de outros. O crescimento das áreas agrícolas de cana é, nesse sentido, um fator que pode se transformar em um problema para a segurança alimentar. E continua, exemplificando com a situação vivenciada pelos Estados Unidos, onde, o uso do milho para produção de etanol já afeta as cadeias de carnes e contribui para elevar substancialmente o custo das “tortilhas” no México, que importa grande volume do grão necessário para sua preparação (FLEXOR, 2007).
O setor sucroenergético tem se expandido em regiões de fronteira agrícola já consolidada e ocupada por produtos considerados como tradicionais. Exemplo disso é a conversão de áreas tradicionais de pecuária no Mato Grosso do Sul à produção de cana. Com tradição em pecuária, as regiões do oeste paulista e do Mato Grosso do Sul renderam-se à cana por conta dos preços atrativos do etanol nos últimos anos. Essas regiões atraíram pesados investimentos na construção de novas usinas sucroenergéticas (BRASILAGRO, 2010).
No artigo “Etanol de cana-de-açúcar: uma solução energética global sob-ataque”, os autores Marcos Sawaya Jank e Márcio Nappo, respectivamente, presidente e assessor de meio ambiente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Única), afirmam que o etanol de cana é um excelente exemplo de como questões sociais, econômicas e ambientais podem ser utilizadas em prol do desenvolvimento sustentável. Defendem que esse combustível reduz em até 90% as emissões de gases de efeito estufa da gasolina, um balanço energético praticamente inigualável. Além disso, os autores afirmam que o etanol não causa desmatamento, por ser produzido no Centro-Sul do país, e que atualmente, 50% do consumo de gasolina no Brasil são substituídos por etanol produzido em apenas 1% das terras agricultáveis do Brasil (3,4 milhões de hectares). Tecnologicamente, dizem que tem um grande potencial para ser introduzido, além dos veículos leves, também em ônibus e motocicletas (JANK, NAPPO, 2009).
Posição semelhante é trazida por José Carlos Grubisich, presidente da ETH Bioenergia em artigo titulado "Consumo de Etanol consolida importância do setor para o país", onde afirma que o aumento da produção se dará com alta eficiência, aliando-se sustentabilidade e competitividade. Que o setor terá investimentos em novas tecnologias, os processos agrícolas e industriais serão totalmente mecanizados, o que, na sua visão, irá impulsionar ainda mais o setor sucroenergético nos próximos anos, à medida que o etanol se consolida no Brasil como um combustível competitivo, eficiente e ambientalmente muito melhor (GRUBISICH, 2010).
Apesar do título “Agrocombustíveis: solução ou problema?”, o artigo do economista e coordenador do Programa de Políticas Públicas da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Jean Marc Von Der Weid, caminha desde o início em direção à segunda opção. Para ele, a batalha sobre os cálculos do balanço energético dos agrocombustíveis é antiga e os resultados variam de acordo com a metodologia utilizada. Assim, o balanço do etanol de cana-de-açúcar, conforme o cálculo pode ser de oito por um em relação à energia fóssil, até ter um balanço energético negativo, ou seja, seriam necessárias 1,29 unidades de energia fóssil para produzir uma unidade de agroenergia. Em sua avaliação conclusiva a respeito dos agrocombustíveis, afirma que estes causam mais emissões de gases de efeito estufa que os combustíveis convencionais, se forem computadas a totalidade de emissões, desde o desmatamento até o consumo. Finaliza ainda, com a afirmação taxativa que os biocombustíveis colaboram para o desmatamento, para a concentração da terra e para a insegurança alimentar (WEID, 2009).
No artigo “Bioenergias: uma janela de oportunidades”, do economista e sociólogo francês Ignacy Sachs (2009), tem-se uma visão intermediária, onde há espaço para as energias alternativas, entre elas os biocombustíveis. Para Sachs, o alto preço do petróleo contribuiu para o encarecimento dos alimentos, mas há outros fatores, como o aumento do consumo nos países emergentes, a especulação dos estoques de alimentos e também a produção dos biocombustíveis a partir de grãos, embora em proporções menores do que alguns setores querem fazer crer. Segundo o autor, os dois maiores desafios deste século são as mudanças climáticas e o déficit de oportunidades de trabalho decente e, à primeira vista, a promoção dos biocombustíveis “afigura-se como uma excelente janela de oportunidade para atacar simultaneamente os dois desafios”, com a condição de “não entrar em conflito com a segurança e a soberania alimentares, consideradas justamente como objetivos primordiais do desenvolvimento”.
Na visão de alguns especialistas do setor a cana-de-açúcar só terá um impacto positivo do ponto de vista de emissões de gases se sua expansão não implicar em desmatamento. E, pelos pronunciamentos do governo brasileiro na mídia quando aborda o assunto, o desmatamento não irá acontecer. Porém, também estudiosos do assunto, são unânimes em afirmar que, em termos de desmatamento direto, ou seja, cortar floresta para plantar cana, certamente não terá um efeito maior. Mas existe o efeito indireto, que é muito poderoso: o cultivo de cana está deslocando outras culturas e, sobretudo, a criação de gado das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que está se expandindo para a área da Amazônia. É um fato relevante a ser considerado, principalmente porque, atualmente, já existe uma grande discussão em torno dos criadores de gado que desmatam na Amazônia, e dos frigoríficos que não podem comprar carne desses matadouros. Há indícios de que 30% da produção de carne no Brasil vêm da região amazônica (ABRAMOVAY, et.al., 2009).
O Governo, por sua vez, argumenta que isso não precisa ser necessariamente assim, quer dizer, é possível aumentar a produtividade das pastagens nas outras regiões e, portanto, ter uma maior quantidade de gado sem crescimento de área de pastagem. (PORTAL BRASIL, 2011).
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) prepara um instrumento da certificação para provar quais são os locais que produzem cana-de-açúcar de maneira ambientalmente sustentável.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estuda a criação dessa certificação para produtores de álcool. O MAPA considera esse mecanismo importante para que os produtores brasileiros de álcool atinjam novos mercados de exportação (PORTAL BRASIL, 2011).
São grandes os desafios a serem enfrentados visando o monitoramento dos aspectos relacionados à sustentabilidade da produção de etanol no Brasil, de acordo com Luciano Rezende. A começar com o monitoramento do dinâmico mercado de terras e da expansão geográfica do cultivo da cana que se observa no Brasil. Para ele, os dados são contraditórios entre o setor produtivo, os governos estaduais e municipais e sindicatos de trabalhadores sobre a substituição das atividades rurais pela cana. Este é um aspecto a ser monitorado em tempo real nos próximos anos através de outros métodos que não somente as estatísticas consolidadas oficiais que apresentam certa defasagem. Complementa ainda, que existe no Brasil uma ausência de divulgação da informação sistemática das taxas de desmatamento anual dos biomas brasileiros, à exceção da Amazônia. Assim, as informações e o monitoramento a este respeito deverão contar com esforços específicos por parte dos governos estaduais e federal e ONGs nos próximos anos (REZENDE, 2010).
Segundo o Documento de referência elaborado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), novembro/2008, apresentado na Sessão Plenária III - Biocombustíveis e Sustentabilidade, da Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, a produção de bioetanol de cana de açúcar, efetivamente, considerando a realidade de boa parte das usinas brasileiras, se apresenta desde já como uma alternativa concreta, disponível e competitiva para promover a transição dos sistemas energéticos baseados em fontes fósseis para fontes renováveis de energia, utilizando energia solar de forma sustentável em todas suas dimensões; ambiental, social e econômica. Dentro dos limites de atendimento de uma demanda de 10% do atual mercado global de gasolina, a produção deste biocombustível pode ser desenvolvida sem maiores implicações sobre a oferta de alimentos e aporta claros benefícios para a geração de empregos e agregação de valor econômico ao longo de toda sua cadeia produtiva.
Nessas perspectivas e, de acordo com o CGEE, o setor privado investe anualmente cerca de R$ 80 milhões em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Já as instituições públicas de ciência e tecnologia (C&T) disponibilizam algo em torno de R$ 25 milhões por ano. Embora esses dados sejam controversos, o valor destinado à P&D é inferior a 1% do faturamento do setor, estimado pelo Ministério da Agricultura em R$ 40 bilhões no último ano. Quando os investimentos são tomados em relação à área plantada de cana, o Brasil sai perdendo para os outros países. Enquanto o Brasil investe anualmente US$ 1,20 por hectare plantado, na Argentina o investimento é de US$ 3/ha e na Austrália US$ 10/ha.
Diante desse quadro, iniciativas como a criação do Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), inaugurado em janeiro de 2010 em Campinas, é de importância imensurável. Patrocinado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, o novo laboratório trabalha focado na pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) do ciclo cana-de-açúcar/etanol para a produção, em larga escala, do chamado álcool de 2ª geração ou etanol celulósico. O CTBE desenvolverá tecnologia eficiente e sustentável de conversão da biomassa da cana-de-açúcar em energia química renovável. Para isso, contará com uma ampla infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento (P&D), com destaque para a Planta Piloto para Desenvolvimento de Processos (PPDP). A PPDP permitirá o escalonamento de tecnologias relacionadas à produção de etanol a partir do bagaço de cana. Traz ainda, como diferencial, tratar-se de um Centro de P&D o que abre as portas para outras instituições, convidando pesquisadores de diversos setores a encontrar soluções para o desenvolvimento do bioetanol de cana-de-açúcar em todo seu ciclo produtivo (JORNAL DA UNICAMP, 2010).
É bem verdade que, como se pode depreender de dados constantes do MAPA, MDIC, CTC entre outros agentes públicos e privados que fazem parte do ambiente organizacional de apoio ao setor, a tecnologia de produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil avançou bastante nos últimos trinta anos em razão do investimento em pesquisa, notadamente com a introdução de novas cultivares de cana desenvolvidas para as condições brasileiras, o desenvolvimento do uso integral da vinhaça na fertirrigação, os controles biológicos na produção da cana, o avanço na automação industrial e a introdução dos motores flex-fuel.
Contudo, o sentimento que paira é o de que ainda existe um caminho longo a ser percorrido, e de forma acelerada, visando atingir as metas do setor. Investimentos em tecnologias em desenvolvimento avançado como o estudo da hidrólise e a gasificação da biomassa, vão necessitar de uma política de Estado que privilegie mais os investimentos em pesquisas e estudos.
Conforme Marcos Jank, o que vemos, portanto, é o resultado de mais de três décadas de conquistas do setor sucroenergético nacional, que fizeram do Brasil exemplo de sucesso na produção e uso em larga escala de um combustível renovável e de baixo carbono, como hoje quer o mundo. Conquistas, duramente testadas por questionamentos de toda sorte e compreensíveis, na medida em que algo que é parte do dia-a-dia dos brasileiros desde a década de 70 surgiu como novidade recente para quem vive em outras partes do planeta. Cresce também, rapidamente, o número de novas vertentes que vão gerar crescimento adicional nos próximos anos, como a bioeletricidade, os bioplásticos e a produção de hidrocarbonetos, como diesel e querosene de aviação, “limpos” a partir da cana-de-açúcar. Sem falar em ganhos adicionais de eficiência e produtividade na produção de etanol.
Também, visando a ordenar a expansão da agroindústria da cana no Brasil, foi desenvolvido em 2008, sob a coordenação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) o Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar, classificando as áreas de acordo com sua aptidão e disponibilidade para essa cultura. Consubstancia-se em um estudo de envergadura a ser utilizado como instrumento norteador de políticas de financiamentos, investimentos em infraestrutura e aperfeiçoamento do marco tributário.
Rafael Feltran-Barbieri (2011) contesta a funcionalidade do zoneamento:
É preciso salientar ainda que nem mesmo o Zoneamento da Cana deverá ser capaz de reverter esse quadro. Ao contrário do que pensa a maioria dos leigos e mesmo dos especialistas, o Zoneamento, como de qualquer outra cultura, não tem o poder legal de disciplinar e restringir a ocupação canavieira às pastagens, senão o de mapear as macrozonas recomendadas para os plantios, com o direito garantido de reclamarem seguros agrícolas em eventuais sinistros. Uma vez inseridos na área mapeada - vale dizer a Região dos Cerrados, se a Amazônia e Pantanal foram salvos - a escolha das áreas a serem efetivamente convertidas obedecerá aos critérios que cabem exclusivamente às estratégias das usinas (Jornal Valor, 2011).
Para Goldemberg (2006):
A expansão sustentável da cultura da cana é algo plenamente factível e o Brasil precisa dar o melhor exemplo ao mundo, difundindo por outros países sua experiência positiva e contribuindo para substituir uma parte substancial da energia de origem fóssil, utilizada nos setores de transportes e de produção de eletricidade.
Assim, a expectativa de aumento de produção de biocombustíveis, se por um lado, apresenta-se como solução singular ao enfrentamento da escassez de energias fósseis, como o petróleo, por outro, tem levado a questionamentos por parte de diversos segmentos, como o político, por Organizações Não Governamentais, por pesquisadores e ambientalistas, entre outros, conforme apresentadas, com preocupações no tocante a possibilidade de gerar concentração de terras, de intensificação do êxodo rural, de degradação ambiental e até mesmo de poder vir a comprometer a segurança alimentar , haja vista a diminuição das áreas destinadas à agricultura familiar, a baixa diversidade de produção, com regiões inteiras com apenas uma espécie plantada – como a monocultura cana-de-açúcar.
4 INSERÇÃO DA VARIÁVEL AMBIENTAL
Claramente evidenciada está hoje no contexto nacional e mundial, a relevância das questões ambientais, não só no setor produtivo como nas esferas, econômica e social. A necessidade de se preservar o meio ambiente deixou de ser preocupação única de ambientalistas e de ONGs, e passou a ser de toda a humanidade. Fatores estes que levam, consequentemente, a variável ambiental a assumir um papel diferencial importantíssimo no quesito competitividade com o qual as empresas devem se preocupar.
De acordo com Kraemer (2002), o novo contexto econômico caracteriza-se por uma rígida postura dos clientes, voltada à expectativa de interagir com organizações que sejam éticas, com boa imagem institucional no mercado e, que atuem de forma ecologicamente responsável.
Diante deste novo cenário, as organizações necessitam direcionar suas estratégias para a variável ambiental, no tocante a preocupação com gastos relevantes, devendo fazer parte destes, os gastos de natureza ambiental, os quais devem ser identificados, controlados e gerenciados.
De acordo com Alves (2001), a variável ambiental é um aspecto significativo a ser considerado e tratado na estratégia das organizações. A gestão ambiental, por sua vez, deve ser gerida eficientemente, monitorando-se os custos de controle, a poluição e os custos das falhas da falta de controle de gestão.
5 CUSTOS AMBIENTAIS COMO FATOR DE DIFERENCIAÇÃO
Para que as empresas possam tomar decisões corretas quanto à relação existente entre meio ambiente e meio empresarial elas necessitam de informações confiáveis sobre o quanto vêm gastando com as questões ambientais, sendo assim, devem preocupar-se em identificar seus custos ambientais.
O controle dos custos ambientais conforme Ribeiro, Gonçalves e Lima (2002), passou a ser muito relevante em função do significativo volume que representam e, portanto, seus efeitos influem diretamente na continuação da empresa. Esse controle refletirá o nível de falhas existentes e o volume de gastos necessários para eliminar e/ou reduzir estas falhas, seja na forma de investimentos de natureza permanente, ou de insumos consumidos no processo operacional.
A linguagem dos custos além de ser universal, é aquela mais compreendida pela alta direção, permitindo-lhe realizar as escolhas corretas e visualizar de forma precisa (quantificada) grande parte dos benefícios e lucros decorrentes da gestão ambiental (MOURA, 2000).
Contudo, em se tratando de custos ambientais, Amaral e Silva (2008) apresentam, conforme Quadro 1 abaixo, que estes possuem graus de abrangência distintos. Cada autor associa a sua definição a outros conceitos, de acordo com a dimensão que deseja dar aos custos ambientais.
Souza e Ribeiro (2004) acrescentam ainda que, o conhecimento dos tipos de custos ambientais permitirá à empresa a avaliação dos prováveis riscos ambientais que ela esteja assumindo, de maneira que sejam conhecidos e analisados pelos dirigentes da empresa e evidenciados aos usuários externos.
O custo é um dos elementos essenciais da gestão estratégica. Assim as empresas necessitam dedicar uma maior atenção, estudo e análise aos custos relevantes, dentre eles, os custos ambientais, internos e externos, objetivando atingir a melhor performance para o negócio como um todo e sua continuidade no mercado.
Na literatura existem autores que diferenciam custos ambientais de gastos ambientais, tratando aos primeiros como aqueles que se referem ao interior da empresa e aos segundos para o exterior.
Na verdade, as empresas incorrem em custos e/ou gastos que estão relacionados com a prevenção, redução ou remediação da poluição resultante da sua atividade produtiva, e segundo Peneda, Marçal, et. al. (2001), a tarefa mais importante é assegurar que todos os custos ambientais significativos e relevantes sejam considerados na tomada de decisões empresariais. E reforçam, por outras palavras:
Os custos “ambientais” são apenas um subconjunto de um mais vasto universo de custos necessários a uma adequada tomada de decisões. Os custos “ambientais” não são um tipo de custos distintos, mas fazem parte de um sistema integrado de fluxos materiais e monetários que percorrem a empresa.
Ribeiro (2005) complementa afirmando que:
Os custos ambientais precisam ser corretamente identificados, mensurados e informados para subsidiar o processo de gestão estratégica de custos e, consequentemente, a gestão econômica da empresa, como também para satisfazer às necessidades informativas dos usuários externos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho realizado buscou denotar que a questão ambiental vem assumindo crescente importância diante da consciência de que nosso sistema global-ecológico encontra-se ameaçado.
Assim, o conhecimento dos custos ambientais, dada à pressão crescente em nível mundial que existe sobre o setor sucroenergético, de modo especial, exigindo-se que medidas de proteção ambiental sejam tomadas, faz com que suas estratégias competitivas sejam reformuladas visando à inclusão da variável ambiental.
Apresenta-se assim, como fator diferencial ao setor sucroenergético, neste cenário de contradições e, dada a importância de se conciliar desenvolvimento com preservação ambiental, incorporar a dimensão ambiental em sua gestão estratégica como fonte potencial de rentabilidade e vantagem competitiva e ainda, como busca de soluções para os problemas ambientais, atuais e futuros.
O estudo dos custos ambientais é de grande importância no sentido de que o Setor preste conta de sua responsabilidade social, no mesmo tempo que também se beneficiará com informações que servirão como subsídios para a tomada de decisões internas em relação às medidas necessárias para a continuidade e aperfeiçoamento do sistema de gerenciamento ambiental, propiciando uma melhor alocação dos recursos disponíveis, demonstrando assim que, o meio ambiente é importante para a economia e para o bem-estar das pessoas.
Assim, à medida que se avança nos estudos dos custos ambientais e se reconhece a sua importância no contexto dos custos relevantes da empresa, uma maior consciência se verifica sobre a necessidade de se mudar os padrões de produção, pois os recursos naturais são finitos e já dão provas claras de seu esgotamento.
Desta forma, diante das proporções que o Setor Sucroenergético vem tomando, deve esta relação conservação e desenvolvimento ser bem estabelecida, de forma que os caminhos a serem traçados levem em consideração o fator custo ambiental como diferencial em suas ações estratégicas visando ao crescimento sustentado.
Assim, evidencia-se que, para que ocorra o crescimento sustentado do Setor Sucroenergético, é preciso que, do ponto de vista econômico, o crescimento seja definido de acordo com a capacidade de suporte dos ecossistemas. Este alcance só poderá ser possível com a efetiva inserção da variável ambiental na tomada de decisões dentro do Setor, que, na verdade, vem de encontro com uma demanda do próprio Setor. Esta demanda pode estar ligada a aspectos de mercado, de conformação a legislação e ou de produção.
Ignacy Sachs (2009) sugere sistemas integrados de produção de alimentos e combustíveis, buscando complementaridades no lugar de competição, e o aproveitamento de terras disponíveis, ou seja, utilizar a produção de biocombustíveis para recuperar áreas degradadas ou subaproveitadas. Contudo, a inserção da variável ambiental, através do reconhecimento dos custos ambientais, identificando-os e mensurando-os com vistas a sua utilização na tomada de decisão em todos os níveis da empresa é extremamente salutar. Independentemente dos problemas estruturais que o país e o mundo atravessam, o Brasil é um dos países com maiores chances de se beneficiar desse momento de alta do etanol. Muito provavelmente, os biocombustíveis terão, sim, um papel muito importante na construção de uma sociedade menos dependente dos combustíveis fósseis. Contudo, deve-se ter todo o cuidado para evitar a concentração fundiária, a exploração da força de trabalho, os danos ao meio ambiente e resguardar a soberania alimentar da nação.
Também, especialistas da área enfatizam o imperioso papel ativo do Estado como regulador desse processo. Acrescentam ainda que, deve-se investir em ciência e fomentar a agricultura familiar e as micro e pequenas empresas rurais por meio de créditos e incentivo a cooperação para que se vislumbre um futuro sustentável para o setor sucroenergético.
REFERÊNCIAS
ALVES, I. C. Metodologia para apuração e controle de custos da qualidade ambiental. Florianópolis. 2001. Dissertação (Mestrado em Engenharia da Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
AMARAL F. G.; SILVA, P. R. S. Análise de Custos Ambientais em Processos Industriais. Produto & Produção, vol. 9, n. 2, p. 91-105, jun. 2008
Biocombustíveis: A Energia da Controvérsia. ABRAMOVAY, R. (Org.). São Paulo: Editora SENAC, 2009.
Biocombustíveis como vetor do Desenvolvimento Sustentável. Conferência Internacional sobre Biocombustíveis. Documento de referência elaborado pelo BNDES/CGEE - novembro/2008. Disponível em: http://www.cgee.org.br/comunicacao/exibir_cliping.php?chave=84. Acesso em 01 jul 2010.
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Recibido el 27 de Julio de 2012.2 Conforme o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), órgão consultivo ligado à Presidência da República, segurança alimentar “consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.
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