Luís Fernando Belém da Costa (CV)
Francisco Alcicley Vasconcelos Andrade (CV)
Charlene Maria Muniz da Silva (CV)
falcicley@gmail.com
RESUMO
A discussão do rural e do urbano na Amazônia é um desafio, pelo fato de que aqui essas relações ocorrem de forma muito diferenciada, principalmente por que temos na Amazônia um rural que se diferencia pela importância que tem o rio e a floresta na vida dos povos. Nesse sentido, esse trabalho teve como objetivo compreender as principais transformações socioespaciais no Distrito de Freguesia do Andirá no município de Barreirinha engendradas principalmente a partir da introdução de elementos do urbano (água encanada e energia elétrica). Para tal foi utilizou-se uma pesquisa de cunho quali-quantitativa, tendo com base fundante o método dialético. O Distrito de Freguesia localiza-se na margem direita do rio Andirá, numa área de terra firme no município de Barreirinha, ficando distante a 06 km da sede municipal, sendo que o meio de transporte para se chegar nesse local é via fluvial. A população local está em torno de 1300 habitantes, sendo que esta dividida em 272 famílias. Constatamos que houve mudanças socioespaciais significativas nesse local, principalmente sociais. Freguesia conta com bons serviços de infraestrutura como o Centro de saúde, os colégios, os comércios, além de serviços como água encanada e energia elétrica, e as ruas do local começaram a ser asfaltadas recentemente. Quanto à esfera social as mudanças são mais latentes, ainda que em ritmo diferenciado, pois os valores do urbano atingem de forma diferenciada a vida dos moradores locais, alcançando principalmente os moradores mais jovens, enquanto que nos moradores mais antigos essa influência acontece em escala menor. Dessa forma identificou-se que o urbano está presente nesse local, influenciando, mas sem se tornar hegemônico, já que o rural como modo de vida guarda múltiplas formas de resistências.
Palavras-chave: Rural. Urbano. Transformações socioespaciais.
RESUMEN
La discusión de la Amazonia rural y urbana es un reto el hecho de que aquí estas relaciones se producen de manera muy diferente, sobre todo porque tenemos en la Amazonia rural que difieren en la importancia del río y el bosque en la vida de las personas . Así, este estudio tuvo como objetivo comprender las principales transformaciones socio-espaciales en el barrio de la parroquia en el municipio de Andirá Barreirinha engendró fundamentalmente de la entrada de los elementos de la urbana (agua potable y electricidad). Es por ello que se utilizó un carácter cualitativo y cuantitativo de investigación, llevando consigo la fundación de base método dialéctico. La Ciudad del Distrito se encuentra en la margen derecha del río Andirá en una zona de tierra seca en el municipio de Barreirinha, alejándose para 06 km de la sede del distrito, y los medios de transporte para llegar a este lugar es vía acuática. La población local es de alrededor de 1.300 habitantes, y se divide en 272 familias. Encontramos que hubo cambios significativos en la ubicación socio-espacial, principalmente social. Parroquia tiene buenos servicios de infraestructura como centro de salud, las escuelas, los comercios y servicios como agua corriente y electricidad, y las calles locales comenzó a ser pavimentada recientemente. En cuanto a los cambios de la esfera social son más latente, aunque a diferente ritmo, como los valores de alcance urbano de manera diferente la vida de los lugareños, llegando a los residentes sobre todo jóvenes, mientras que los residentes de más edad que la influencia que sucede en menor escala . Por lo tanto, se identificó que está presente en el sitio urbano, influyendo, pero sin llegar a ser hegemónica, ya que las múltiples formas rurales y el modo de guardia de la vida de la resistencia.
Palabras clave: Rural. Urbano. Transformaciones socio-espaciales.
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1 INTRODUÇÃO
Neste trabalho nosso estudo concentra-se na análise das relações entre rural e urbano em uma área rural do município de Barreirinha-AM, onde os sujeitos sociais são em sua maioria agricultores, que tem nessa prática, não somente um meio de renda familiar, mas um modo de vida que se pauta em sua ligação com a terra.
Nosso objetivo nessa pesquisa foi compreender as principais transformações socioespaciais em Freguesia do Andirá a partir do estabelecimento de elementos típicos do urbano (água encanada, energia elétrica, asfaltamento das ruas, etc.), e para isso se fez a análise do histórico desse lugar através de obras e do depoimento de moradores antigos, para entender como era antigamente e como está no presente, e nesse sentido também, fizemos o levantamento dos aspectos socioeconômicos dos moradores, para posteriormente fazer a análise daquilo que consideramos as principais transformações socioespaciais a partir da introdução do urbano.
Para analisar a forma como o urbano atinge a vida dos moradores em Freguesia foi necessário usar como base teórica autores como Lefebvre (2006), autor que usamos para entender o urbano como estilo de vida, e principalmente autores que tratam do urbano no contexto geral da Amazônia, como Oliveira (2000) e (2004); Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior (2007), e também Saquet (2006) e Rua (2007), que são autores que abordam especificamente a forma como rural e urbano se relacionam, e por fim, por já termos alguns estudos nessa área usamos nossos próprios trabalhos como forma de argumento teórico nas análises, principalmente na hora de avaliarmos diferenças e semelhanças no conteúdo empírico da pesquisa.
Efetuamos entrevistas principalmente com os moradores mais antigos do local, utilizando gravador para registrar os depoimentos, pois são aqueles que através de suas vivências tem conteúdo para comparar tempos distintos, e na aplicação dos formulários utilizamos 10% do total de famílias, o que representou 27 formulários de caráter socioeconômico, com perguntas abertas e fechadas sobre renda, educação, benefícios sociais, infraestrutura, etc. dessa forma nossa pesquisa foi de cunho quali-quantitativa.
Identificamos que os valores do urbano se fazem presentes no local, mas atingem os moradores de forma bastante diferenciada, tendo mais influência nos mais jovens e afetando em menor escala os mais antigos. As principais mudanças socioespaciais ocorreram recentemente, nos últimos 04 anos principalmente, pois foi em 2009 que a energia elétrica chegou definitivamente no local através do programa do Governo Federal “Luz para Todos”, causando uma mudança material e imaterial significativa no local.
O trabalho está organizado da seguinte forma: o Distrito de Freguesia do Andirá: passado e presente, no qual fazemos uma analise através de obras e de depoimento de moradores antigos para conhecer a forma como se constituiu esse Distrito, ou seja, como era antigamente e como está agora. Em os aspectos socioeconômicos em Freguesia do Andirá, fizemos uma analise dos aspectos socioeconômicos dos moradores (questões de renda, educação, saúde, benefícios sociais, lazer, etc.) para entender até que ponto o modo de vida local assemelha-se com rural ou urbano. E as transformações socioespaciais em Freguesia do Andirá, onde discutimos especificamente as mudanças de cunho socioespaciais no local a partir de elementos do urbano (água encanada, energia elétrica).
2 O DISTRITO DE FREGUESIA DO ANDIRÁ: PASSADO E PRESENTE
O Distrito de Freguesia do Andirá é um dos 12 Distritos do município de Barreirinha, é também o mais antigo e mais populoso, com 800 habitantes segundo o IBGE (2010). (MESQUITA, 2013). Porém, em nossa pesquisa, constatamos de acordo com o relato do presidente de Freguesia, o Sr. Benedito é que atualmente, mas especificamente no ano de 2013, o local já possuia cerca de 1300 moradores distribuídos em 272 famílias. O que parece estranho, sendo que se essa informação for verdadeira em três anos Freguesia do Andirá teria aumentado seu contingente populacional em 500 moradores, de certa forma, acreditamos nas palavras do presidente do Distrito, pois é quem realmente conhece o local.
Distrito de Freguesia do Andirá localiza-se na margem direita do rio Andirá, numa área de terra firme no município de Barreirinha, ficando distante a 06 km da sede municipal. O termo “Distrito” é utilizado neste local através da Lei Orgânica do Município de Barreirinha que através do Artigo 195º afirma que só é considerado distrito todas as comunidades com uma população acima de 80 famílias e que tenham as condições básicas como escolas, posto de saúde, energia elétrica, água encanada, etc. (MESQUITA, 2013). A seguir o mapa de localização de Freguesia e da Cidade de Barreirinha.
O Distrito de Freguesia do Andirá de acordo com os relatos que constam no livro de Dom Arcângelo Cerqua (2009) foi oficialmente “descoberto” pelos jesuítas em 1669, o que até então era apenas uma aldeia indígena de Sateré Maués, e que após a chegada dos missionários jesuítas foi batizada com o nome de Santa Cruz do Andirazes, e chamada posteriormente de Vila Andirá, e por fim ficou conhecido como Freguesia do Andirá, nome adotado pelo próprio povo morador da comunidade.
Nesse sentido Benchimol (1999) argumenta que o conhecer, o saber, o viver e o fazer na Amazônia inicialmente foram um processo predominantemente indígena. A esses valores e culturas foram sendo incorporados, por vias de adaptação, assimilação, competição e difusão, novas instituições, instrumentos, técnicas, incentivos e motivações transplantados pelos colonizadores e povoados. Ou seja, esse autor chama atenção para o processo da miscigenação que marcou o inicio da colonização da Amazônia, sendo que a formação social e cultural dos moradores de Freguesia também passou por esse processo.
Em um dos trechos do livro “Clarões de fé no Médio Amazonas” Cerqua (2009, p.119) relata o seguinte “O Diário Oficial do Amazonas de 07.09. 1920 informa que o povoado ao ser elevado a curato de freguesia (1852-1853) tinha 60 casas armadas e prontas, uma igreja decente e outra pra acabar, cemitério e quartel”. Ou seja, nota-se que o local já tinha uma infraestrutura bastante “desenvolvida”, o que apenas demonstra como se deu esse processo histórico de construção socioespacial de Freguesia do Andirá.
É importante destacar que Freguesia do Andirá segundo relato de moradores antigos, não somente desse local, como de outros, foi a primeira sede do município de Barreirinha, porém, foi posteriormente deslocada das margens do Andirá para as margens do Paraná do Ramos. Os relatos sempre são superficiais, mas entende-se que a escolha da sede na margem do Paraná do Ramos deveu-se a uma questão mesmo de comunicação e mesmo uma escolha do ponto de vista econômico. Pois ficaria mais fácil o acesso às mercadorias de outras cidades, como Parintins e Manaus por exemplo.
Ainda de acordo com relatos a escolha da sede atual se deve também por que antigamente havia muitos navios que faziam circular o comércio na região, e era dificultoso para esses navios entrarem no rio Andirá no tempo da vazante, sendo assim, a escolha da sede atual se deve também a esse fator 1.
Ao entrevistarmos os moradores antigos do Distrito de Freguesia, e ao perguntarmos como era antigamente a estrutura espacial da localidade, os mesmos assemelharam-se bastante em suas respostas, dizendo que antigamente não havia ruas como existem atualmente, existiam apenas alguns caminhos, bem estreitos, e que o “mato era muito feio” ao redor, e como não havia ainda energia elétrica, para andar a noite era somente com a lamparina, até mesmo para se prevenir de animais peçonhentos, havia também muita fartura, de peixes, de caça, coisa que não existe mais hoje em dia no local. Havia também uma união muito forte entre os moradores, onde predominavam as relações de ajuda mútua e vizinhança.
Atualmente Freguesia conta com bons serviços de infraestrutura, como centro de Saúde, que possui atendimentos básicos de saúde, possui duas Escolas, uma pública e uma municipal, inclusive com ensino médio tecnológico a noite, banco expresso, que faz com que muitos moradores recebam seu dinheiro no próprio Distrito, fortalecendo e centralizando dessa forma a economia local, já que existem pelo menos 02 comércios bastante utilizados pelos moradores, possui também 07 ruas e 05 travessas, na qual 03 já começaram ser asfaltadas recentemente.
Freguesia do Andirá também conta com serviço de água encanada e energia elétrica, sendo que esses serviços atendem a maioria dos moradores, porém, não a todos ainda. Quanto a outras informações do ponto de vista atual da dinâmica socioespacial desse Distrito nos deteremos mais adiante.
3 OS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS EM FREGUESIA DO ANDIRÁ
Neste trabalho avaliamos até que ponto o urbano como modos de vida influência e modifica a vida dos moradores de Freguesia do Andirá, no tocante as crenças, atividades econômicas e hábitus. Dessa forma se fez necessário fazer uma análise dos aspectos socioeconômicos dos moradores, para que então fosse possível posteriormente fazer reflexões acerca das mudanças e formas de resistências nesse Distrito, que apesar de ser assim chamado, percebemos que muitas relações que permeiam o modo de vida local ainda estão no contexto de uma comunidade ribeirinha da Amazônia, e, portanto, desde já afirmamos que se trata ainda de um espaço rural, apesar da influência urbana.
Freguesia como já comentado, possui bons serviços de infraestrutura, dentre os quais podemos destacar Centro de saúde comunitário João Pereira (figura 03), que foi inaugurado oficialmente no ano de 2008, e possui grande importância no Distrito, pois atende não somente os moradores locais, como também outras comunidades 2 da localidade do Andirá.
Esse posto possui serviços básicos de saúde como: planejamento familiar, programa contra DST, programa de saúde da mulher, curativos, preventivos para diabetes e hipertensão; e conta com os seguintes profissionais: 01 auxiliar de serviços gerais, 01 enfermeiro, 03 agentes comunitários de saúde (ACS), 02 vigias, 01 auxiliar administrativa, e 01 técnico em enfermagem. E quanto ao médico, o mesmo vem geralmente uma vez por mês. Importante destacar, que nossa pesquisa constatou que mais de 70% dos entrevistados consideraram bom o serviço que é prestado no Centro de saúde.
Essa lógica de certa centralidade do Distrito de Freguesia, que através desse serviço de saúde consegue atender também outras comunidades próximas se parece bastante com o aquilo que constatamos em estudo realizado em 2012 e 2013 na comunidade de Bom Socorro na localidade do Zé Açu em Parintins, na qual essa comunidade através do serviço de saúde, educação e comércios, funciona como a centralidade da localidade conhecida como Zé Açu, pois atende e polariza todas as outras através desses serviços, e, portanto, torna-se importante a nosso ver fazer essa relação entre nossos estudos, para então destacarmos diferenças e semelhanças entre áreas rurais distintas, mas que está dentro do mesmo contexto, a “Amazônia”.
Na educação Freguesia conta com dois colégios, um Municipal e outro Estadual, que é um serviço extremamente importante no Distrito, analisemos primeiramente a escola Estadual que tem por nome Antônio Belchior Cabral (figura 03), que atende do maternal ao 5º ano pela manhã e a tarde, e do 5º ao 8º a noite através do EJA (educação de jovens e adultos), atendendo atualmente cerca de 260 alunos. Conta com dois transportes escolares (rabeta), 02 merendeiras, e 13 professores, no entanto, a maioria desses professores são contratados, e ainda sim segundo a gestora da escola ainda faltam ser contratado outros, o que dificulta o aprendizado dos alunos.
Essa escola possui ainda uma estrutura de certa forma precária, pois tem apenas 03 salas e dois anexos, ou seja, “pouco espaço para muito aluno”, apesar disso constatou-se que os profissionais se dedicam bastante para fazer um bom trabalho, mesmo com uma infraestrutura precária e pouco material escolar.
Quanto à escola municipal, cujo nome se chama “Bia da Trindade”, atende também do primário até o ensino médio, sendo atendidas 04 turmas do 2º ao 5º ano, 02 turmas no 6º ano, 02 turmas no 7º ano, 01 no 8º ano, 02 no 9º ano e 04 turmas no ensino médio tecnológico (sistema de ensino ministrado a distancia, “televisionado”), sendo que são atendidos cerca de 450 alunos.
Essa escola possui 04 salas de aula, 01 secretaria, 01 refeitório, 02 banheiros, 13 professores e 03 merendeiras, mas a gestora relatou que mesmo assim, ainda faltam mais professores. Importante destacar que essa escola passou por uma reforma recentemente no inicio desse ano de 2013, e agora conta com uma boa infraestrutura, diferentemente da outra escola do Estado. Quando perguntados sobre o que achavam das escolas do Distrito em termos de infraestrutura e qualidade de ensino, 48% dos entrevistados responderam que são boas, enquanto 37% achavam que são regulares, e 15% as consideraram péssimas.
Uma importante informação é que segundo relatos de uma das gestoras das escolas, é o fato de que antes, não faz muito tempo, as escolas da Freguesia atraiam bastante alunos de outras comunidades próximas, mas nos últimos anos acabou perdendo essa influência, ou seja, as escolas locais atendem mais os alunos do próprio Distrito agora na atualidade. E fazendo um comparativo com nossos estudos realizados em Costa; Silva; Andrade (2013) percebemos que nesse ponto Freguesia diferentemente de Bom Socorro no Zé Açu-Parintins, não é centralidade na localidade do Andirá através da educação.
Outra informação importante é o fato de que muitos pais preferem matricular seus filhos nas escolas da sede municipal, sendo que essa escolha é justificada pela qualidade de ensino das escolas da cidade de Barreirinha. E dessa forma esses alunos através da ida e vinda de um lugar para o outro, trazem todo um arcabouço de valores do urbano para sua localidade, sendo que esse aspecto é um processo de troca cultural, pois ao mesmo tempo em que esses alunos levam a sua cultura rural para a cidade, ao mesmo tempo trazem a cultura urbana da cidade para seu local de origem, sendo esse um processo de circularidade cultural.
Os pequenos e médios comércios estão presentes no Distrito de Freguesia do Andirá, e funcionando como uma espécie de centralizador da economia local, pois funciona no comércio destacado na figura 05 abaixo o sistema de “Banco expresso”, que faz com que muitos moradores, principalmente aposentados retirem seu dinheiro no próprio Distrito, e consequentemente muitos já fazem suas compras no próprio local, visto que verificamos que existe uma grande variedade de mercadorias e os preços são bem acessíveis, pois geralmente as mercadorias provém principalmente da capital do Estado (Manaus). E nesse sentido, mostra a forma como rural e urbano se relacionam, pois para Saquet (2006), ambos estão condicionados por uma relação dialética, ou seja, complementar.
Em entrevista com alguns comerciantes, os mesmos destacaram que os principais produtos vendidos são geralmente o açúcar, macarrão, arroz, café, e principalmente alimentos como a salsicha, a calabresa, frangos, e ovos, o que mostra que no hábito alimentar os moradores estão consumindo cada vez mais alimentos industrializados típicos das cidades, desta forma poderíamos dizer que o urbano estaria presente até certo ponto, dizemos até certo ponto pelo fato de vários moradores ainda praticarem a pesca, nem tanto por uma pratica de obtenção de renda, mas por uma questão alimentar mesmo da sua família, e também é frequente a vinda de moradores de outras comunidades que vem vender peixe em Freguesia, principalmente da localidade conhecida como lago grande.
O fortalecimento da economia local se deve principalmente com a chegada do programa do Governo Federal “Luz para Todos”, no inicio do ano de 2009, foi quando de acordo com os comerciantes e mesmo outros moradores é que Freguesia realmente começou a se “desenvolver”, principalmente nos segmentos da educação e economia, e mesmo na qualidade de vida local.
Antes os comerciantes tinham que comprar gelo na sede municipal para poder armazenar certos produtos, (frango, calabresa, salsicha, refrigerante, etc.), o que era muito complicado, pois acarretava em muitos prejuízos econômicos, e com a chegada da energia elétrica muitas coisas mudaram para melhor, pois, antes os moradores tinham que dispor de um motor de Luz, que vivia dando problema, e não podia ser usado com muita frequência.
Outra informação importante é o fato de Freguesia ter certa centralidade no campo da economia, pois os comércios locais atraem pessoas de outras comunidades próximas, e nesse sentido a lógica de centralidade assemelha-se com o que estudamos na comunidade de Bom Socorro do Zé Açu em Parintins.
Na casa dos moradores de Freguesia foi possível constatar uma série de eletrodomésticos, (geladeira, televisão, maquina de lavar roupa, ferro de passar roupa, aparelhos de som, DVD, etc.), e principalmente foi possível perceber bastante a presença de antenas parabólicas na casa dos mesmos, que segundo Oliveira (2000), é mais do que um desejo porque se configura como um sinal do mundial presente no lugar, que impõe e redefine relações entre as pessoas e determinam formas e padrões de comportamento que são típicos das grandes cidades.
Endlich (2006, p.25) também argumenta que “os efeitos da mídia urbana atingiram em poucas décadas aqueles valores longamente estabelecidos nas Comunidades rurais, substituídos por valores bastante diferentes”. Mas se a televisão muda a relação entre pessoas, questionamos então: em que medida e em que locais específicos? Questionamos também até que ponto a televisão (mídia urbana) substitui os valores nas áreas rurais? Difícil mensurar, mas na área pesquisada percebemos que a influência da mídia se dá de forma muito diferenciada, pois nos mais velhos tende a influenciar menos, enquanto nos mais novos tende a influenciar mais.
Através da aplicação dos formulários algumas informações tornaram-se essenciais para a análise dos aspectos socioeconômicos dos moradores, dentre as quais a informação sobre o local de nascimento dos entrevistados, no qual 59% responderam que nasceram no próprio Distrito, 16% nasceram em outras comunidades rurais do município, e migraram talvez por motivo de infraestrutura que oferece o local, ou mesmo em alguns casos por questões de casamento, 14% nasceram na sede municipal, e vieram por motivos principalmente de trabalho, como é o caso dos funcionários públicos, e finalmente, 11% responderam que nasceram em outro município, geralmente em Parintins, e vieram por motivos diversos, trabalho, casamento, família, etc.
Importante destacar que todos os demais que não nasceram no próprio local, são aqueles que têm colaborado para o crescimento populacional-espacial de Freguesia, principalmente a partir de 2009, ano da chegada da energia elétrica, e maior “desenvolvimento do local”.
Quanto à estrutura das casas dos entrevistados, 90% das casas são de madeira, geralmente com poucos cômodos, de cobertura em sua maioria de amianto, mesmo assim algumas casas ainda são cobertas com palha, refletindo a cultura indígena, e quanto ao banheiro, 95% das casas usavam o sistema de fossa negra, onde o banheiro fica no quintal das residências, conhecida como a popular “privada”.
Grande parte da composição das famílias dos entrevistados é nuclear (76%), e estas estão morando ha bastante tempo no local, a maioria dos moradores (56%) já mora a mais de vinte anos no local. Importante destacar também que constatamos que (20%) dos entrevistados afirmaram que estão morando a cerca de 01 a 05 anos no local, o que mostra que o crescimento populacional-espacial do Distrito se deve também ao processo de migração, e durante os trabalhos de campo constatamos que existem várias casas em construção, e o presidente destacou ainda que essa migração se tornou mais efetiva a partir dos últimos 10 anos e se intensificou recentemente desde o ano de 2009.
Quanto à questão de a maioria das famílias ser nuclear, acreditamos que seja pelo fato de em Freguesia qualquer família que deseje ter seu próprio terreno, basta se dirigir ao presidente do Distrito, que este cede para a família um terreno com o tamanho de 20x40, (vinte metros de frente por quarenta de fundos), cada família tem um prazo de cerca de três meses para construir seu “barraco”, e caso nesse prazo nada seja construído, o terreno volta para o domínio do Distrito.
Na educação constatou-se certo equilíbrio no grau de escolaridade dos entrevistados entre aqueles que possuem o ensino fundamental incompleto e o ensino médio completo. Importante destacar que, como foi escolhido na metodologia, o prestador das informações sobre os temas abordados nos formulários foram os chefes de família ou o membro mais velho presente no momento da pesquisa. Isso explica o elevado número de pessoas não alfabetizadas, que não tiveram chance de dar prosseguimentos aos seus estudos pelo fato de ainda não existir na época as facilidades que se tem para estudar hoje em dia, e também pela necessidade de trabalharem ou na roça ou na pesca para sustentar suas famílias.
Dessa forma constatou-se que 18% dos entrevistados não eram alfabetizados, 29% possuíam o ensino fundamental incompleto, 08% detinham o ensino fundamental completo, 07% ensino médio incompleto, 26% ensino médio completo e 12% universitário, sendo que esses últimos são professores.
O gráfico 01 abaixo, demonstra que 70% dos moradores tem como principal forma de renda a atividade agrícola, muitos se dedicam principalmente com o trabalho com a mandioca, mas também com outros produtos, como a macaxeira, o guaraná, tucumã, açaí, abacaxi, entre outros produtos. Sendo que 65% dos agricultores responderam que vendem seus produtos no próprio local, enquanto 35% vendem na sede municipal, e quanto a forma de comercialização, 79% responderam que vendem direto ao consumidor, enquanto 21% apenas disseram vender para comerciantes.
Destaque também para os funcionários públicos 15% (professores e trabalhadores do Centro de saúde), no que concerne a categoria “outros” 11%, geralmente são os comerciantes, donos de pequenos e médios comércios. Destaque também para o pequeno percentual de pescadores, apenas 04%, isso se deve pelo fato de termos perguntado qual era a principal forma de renda, no entanto, existem muitos pescadores ainda no local, mas que pescam principalmente para o consumo da própria família.
Nesse sentido essa situação se parece bastante com a vivenciada nas comunidades tradicionais da Amazônia, onde as famílias recorrem a várias formas para garantir sua renda familiar, inclusive podemos destacar o “Bolsa Família” dentro desse contexto. Em pesquisa de mestrado Silva (2009) constatou uma situação semelhante nas vilas de Mocambo, Caburi e Vila Amazônia em Parintins, na qual as famílias pesquisadas também recorriam a varias formas para garantir suas rendas.
Constatou-se também que 64% dos entrevistados possui uma renda familiar de até 01salário mínimo, ou seja, há predominância de famílias que vivem com 01 salário apenas; essa renda muitas vezes é complementada pelo programa Bolsa Família e outros benefícios que algumas famílias recebem do Governo Federal como a aposentadoria, por exemplo, (gráfico 02).
Como observado no gráfico 02 acima o sistema de transferência de renda pelo Governo Federal é um importante fator que ajuda na renda familiar, destacando que o Programa Bolsa Família é a mais nítida forma de ajuda na renda dessas famílias, pois 71% dos entrevistados recebem esse tipo de beneficio social, sendo que podemos concluir que a principal forma de renda das famílias em Freguesia se deve a junção da atividade agrícola aliada ao beneficio do “Bolsa Família”, tanto é que 70% são agricultores, e esse percentual se parece com o percentual forte dos que recebem o beneficio social do governo Federal.
Na pesquisa verificou-se ainda que todas as crianças em idade escolar segundo os entrevistados estão frequentando a escola, até mesmo por esse ser um requisito obrigatório para que as famílias possam receber o beneficio do Bolsa Família.
Quanto às formas de lazer praticadas pelos moradores, identificou-se que são distintas, mas a principal é ainda a tradicional prática do futebol, que acontece principalmente nos fins de semana, e destaque também para o banho no rio, principalmente praticado pelos mais jovens, e também as festas, principalmente as de santo, no qual muitos moradores afirmaram participar, não somente da festa de Freguesia, mas como de outras comunidades próximas e também na cidade de Barreirinha, sendo que os moradores da cidade também sempre estão vindo nas praias de freguesia, assim como nas festas que acontecem nesse Distrito, o que demonstra a forma como rural e urbano se relacionam no contexto da circularidade cultural.
Dessa forma essa situação mostra também o quanto às práticas religiosas do ponto de vista da igreja católica ainda influenciam no modo de vida local, tanto é que 85% dos entrevistados declararam serem católicos.
Fraxe (2004) ao estudar a circularidade da cultura entre o ambiente rural e urbano através do estudo da relação entre uma comunidade rural do munícipio do Careiro da Várzea e a cidade de Manaus, constatou toda uma relação complementar entre esses lugares, de trocas materiais e imateriais (mercadorias, informações, cultura enfim). A autora mostra que na relação entre rural e urbano as relações se dão num processo recíproco de influências, ou seja, não existe uma cultura totalmente dominante, existe influências mútuas entre culturas diferentes.
Dessa forma podemos questionar: até que ponto a racionalidade do urbano desfaz ou se apropria do modo de vida rural? É certo que como afirma Rua (2007) o urbano tende a ser mais dominante na relação com o rural, mas devemos questionar de que forma essa lógica de apropriação acontece em cada lugar, em cada povo, em cada realidade especifica. O próprio urbano traz em sua essência a dialética da contradição. Ate mesmo porque “O espaço local é o espaço da vida, da resistência, colocando-se como uma contraposição a homogeneização”. (OLIVEIRA, 2000, p. 156).
A análise dos aspectos socioeconômicos dos moradores de Freguesia nos permite entender que o processo de (re) produção do espaço se dá por meio da economia, educação, infraestrutura, migração, crescimento populacional, entre outros fatores. E o urbano na lógica de Lefebvre (2006) do ponto de vista do modo de vida citadino, se dá de forma diferenciada e contraditória no local, pois nem todos se adequam a tal racionalidade da mesma forma, geralmente os mais novos tendem a seguir mais a tendência do urbano, enquanto os mais “velhos” tendem a manter certa resistência aos valores da cidade, mas não quer dizer que não são influenciados, são, mais numa escala menor, sendo essa ideia concebida também a partir dos estudos de cândido (2001), onde o mesmo constatou a mesma situação ao estudar os “caipiras” (termo utilizado pelo autor) do interior de São Paulo.
4 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS EM FREGUESIA DO ANDIRÁ
Pelos dados obtidos e pela verificação de quem já conhece há bastante tempo o local estudado, constatamos que houve mudanças socioespaciais significativas em Freguesia do Andirá, seja pelo atual formato espacial, como nas mudanças sociais, (hábitus, crenças, costumes, etc.).
Em entrevista um dos agentes comunitários nos destacou que nasce em Freguesia cerca de quase 40 crianças por ano, e, além disso, o processo de migração tem sido significativo nos últimos anos para Freguesia. Principalmente de comunidades próximas, como é o caso da comunidade do Ipiranga (Comunidade pertencente a localidade do Lago Grande no município de Barreirinha), onde vários dos seus moradores migraram para Freguesia nos últimos 05 anos.
Pensar o espaço do ponto de vista da geografia é reconhecê-lo antes de tudo como um produto social. Tanto que Santos (2006, p.63) define o espaço geográfico como “um conjunto indissociável, solidário e também contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como quadro único no qual a historia se dá.” No começo era a natureza selvagem, e que com o tempo vai ganhando um conteúdo técnico, mecanizado, ou seja, o Homem humaniza a natureza, transformando-a em segunda natureza através de técnicas, que são um conjunto de meios instrumentais e sociais com os quais o Homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço. (SANTOS, 2006).
Santos (2006) afirma também que o espaço se concretiza através do uso do território, ou seja, o espaço geográfico é sinônimo de território usado. Nesse sentido, podemos dizer que “o espaço é um produto histórico e social resultante de um processo de produção e consequência do trabalho humano, pois toda sociedade produz seu espaço, ou, se preferir, toda sociedade produz um espaço”. (OLIVEIRA, 2000, p.105).
E na Amazônia Oliveira (2000) argumenta que a produção do espaço cria a possibilidade de novos modos de vida resultantes do embate entre as varias formas de relações sociais imbricadas no novo e no velho que se opõe, se contradizem e se completam, dando origem a outras formas de viver. Nesse sentido, para esse autor no processo de produção do espaço ocorre um processo de destruição, resistência e reconstrução.
As mudanças partindo de uma análise do ponto de vista da produção e reprodução do espaço em Freguesia, se deram de forma diferenciada, antes em processo lento, e atualmente passa por uma lógica de produção e reprodução do espaço em ritmo mais intenso, fruto da migração, crescimento populacional, asfaltamento das ruas, expansão da área Distrital, etc.
As mudanças espaciais foram acontecendo graças ao trabalho daqueles que foram os primeiros habitantes do local, ou seja, em um primeiro momento os indígenas propriamente ditos, em um segundo momento dos moradores fruto da miscigenação (indígenas versus “homem branco”), o senhor L. B. S, 89 anos, nos relatou um pouco de como Freguesia veio adquirindo a estrutura atual.
Meu filho isso aqui no começo tinha muito mato, rua nem existia logo que eu cheguei pra cá, era só uns caminho que existia, depois que veio e surgiu a primeira rua lá na frente, e depois foi surgindo as outras, eu digo que pela idade que tem Freguesia já era pra tá mais desenvolvido, ela começou a se desenvolver mesmo faz pouco tempo né, com a chegada da luz, agora tão asfaltando as ruas, agora sim tá melhorando, mas ainda falta muita coisa, mas já é um começo. (pesquisa de campo, 2013).
O morador deixa clara a forma como o espaço local veio se alterando, fruto do trabalho, que é um processo criador de formas. Atualmente Freguesia conta com uma infraestrutura em processo de melhorias. Os serviços de água encanada e energia elétrica nem todos ainda possuem, devido principalmente a migração recente, tanto é que os moradores que não detém esses serviços são aqueles que moram na área periférica do Distrito, e nesse sentido, 90% dos entrevistados possuem serviços de água encanada e energia elétrica, enquanto que 10% ainda não possuem.
Existem 03 ruas que tiveram inicio o processo de asfaltamento recentemente, porém, em todas estas as obras estão inconclusas, (estão pela metade). Mesmo assim é um processo de transformação na esfera técnica, mas que certamente não acompanha o grau de mudança social da população. A seguir uma figura que mostra o asfaltamento das ruas incompleto.
Importante destacar que para Oliveira (2004) a vida na região Amazônica mudou de modo significativo nos últimos anos, mesmo em pequenas cidade e vilas, pois as informações se tornaram mais ágeis devido as dimensões técnicas que atingiram os lugares, o que possibilitou uma maior circulação de ideias e acesso a “modernização”.
Nesse sentido, a urbanização do ponto de vista da população 3 de que fala Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior (2007) é uma realidade na vida dos moradores de Freguesia do Andirá, principalmente nos moradores mais jovens, que já não tem mais o pensamento de querer trabalhar na agricultura, na pesca, até mesmo na forma de falarem já se diferenciam dos antigos, os planos para o futuro são outros, pois muitos pretendem dar prosseguimento aos estudos na cidade, ou seja, está instalado no comportamento destes jovens os valores típicos do urbano, no hábito do celular, dos programas de televisão, e muitos já possuem a febre urbana do momento, “o facebook”, e dessa forma estão conectados na relação “local-global”, marca desse mundo atual globalizado.
Quanto a questões de segurança houve certo aumento nos casos de violência nos últimos anos no local, principalmente fruto do aumento no consumo de bebida alcoólica, mas ainda sim constatamos nos relatos de muitos moradores que esses casos de violência não acontecem com frequência, outra informação importante é fato de não existir agentes policiais no local, o que causa preocupação em alguns moradores.
Outra informação importante são as reclamações referentes ao “som alto” que tem perturbado alguns moradores, principalmente nos fins de semana, dessa forma são conflitos entre aqueles que preferem a vida pacata do silêncio e da tranquilidade e aqueles que preferem o agito, a euforia, etc.
Apesar dessa influência urbana que atinge principalmente os moradores mais jovens do local, não estamos afirmando que o urbano se tornou hegemônico, pois cabe dizer que o rural como modo de vida, valores, etc. também influência, até mesmo pelo fato de certos costumes típicos das áreas rurais não se perde, como constatamos em estudo realizado na comunidade de Vila Manaus em Parintins, onde mesmo havendo no local todo um conjunto de elementos do urbano (agua encanada, energia elétrica, etc.) ainda sim muitos moradores ainda cultivavam hábitus tipicamente rurais, como conservar o peixe em salmoura, tomar banho na ponte, entre outros costumes que não foram perdidos.
Então percebe-se que o rural também tem sua influência, ainda que em menor escala concordando com Rua (2007). Um exemplo disso é o caso do senhor E. N. B, 52 anos, que sempre morou em Manaus, mas que devido ao estresse e problemas de segurança na cidade, acabou vindo morar nesse ano de 2013 em Freguesia, isso deveu-se também pelo fato de sua esposa já ser natural de Freguesia. Nesse sentido, isso mostra a forma como rural e urbano estão unidos por uma relação dialética, complementar, onde qualquer mudança no campo influência na cidade e vice-versa.
As mudanças sociais em Freguesia seguem um ritmo diferenciado, atingindo com mais intensidade certos grupos e com menos em outros, os valores do urbano se instalam de forma contraditória, não elimina o rural, mas modifica-o até certo ponto, ambos relacionam-se de forma recíproca no lugar, transformando-se e por outro lado ainda cada um mantendo certas particularidades.
5 CONSIDERAÇÕES
Através da análise referente as principais transformações socioespaciais em Freguesia do Andirá identificamos que neste local o rural e o urbano estão presentes, ora o rural se sobressaindo sobre o urbano e vice-versa. O urbano através dos seus valores influência principalmente os mais jovens, mesmo assim, percebemos que quem ainda predomina mais na vida dos moradores ainda é o modo de vida rural, principalmente nos valores dos moradores mais antigos.
O urbano se instala principalmente pela mídia e pelo processo de “circularidade da cultura”, ou seja, a partir da relação com a cidade, da ida e vinda, das trocas de conhecimentos, informações, idéias, e culturas enfim. Importante destacar também que a relação de Freguesia com a cidade não acontece somente com a sede municipal, mas também com a cidade de Parintins e Manaus, locais onde os moradores têm parentes, fazem suas compras, vão a lazer, também por questões de saúde e principalmente educação e trabalho como é o caso dos moradores mais jovens, que cada vez mais tem abandonado Freguesia por esses motivos. O que mostra a força que exerce o urbano nas áreas rurais desse munícipio, e porque não dizer na Amazônia.
Freguesia possui dois “barcos de linha” que fazem o transporte semanalmente para a cidade, ambos para a cidade de Parintins, o que mostra que a relação com a cidade não acontece apenas com a sede municipal, mas também com outras cidades, como Manaus também, por exemplo, sendo que muitos moradores usam também o popular “rabeta” para se deslocar até a cidade, principalmente se for para a cidade de Barreirinha ou Parintins.
Nesse local a maioria das famílias ainda sobrevive essencialmente da agricultura, uma renda que é complementada pelo beneficio do “Bolsa Família”, e que mostra o quanto a vida desses moradores ainda está ligada as práticas tidas como rurais. O relacionamento entre os moradores é geralmente de vizinhança, pois a impressão é que todo mundo se conhece bastante, e nesse sentido, a vida no local ainda é uma vida comunitária, ainda que bem diferente de outros tempos, onde esse clima de compadrio segundo os moradores antigos era bem mais vivo.
Esse local veio adquirindo ao longo do tempo uma infraestrutura que cada vez mais se parece com a de uma pequena cidade, aliás, esse é o desejo de muitos moradores, querem que Freguesia venha a se tornar uma cidade, para isso argumentam que o terreno alto numa área de terra firme seria ideal para que o local se transformasse nessa cidade almejada, alguns moradores falam do erro que foi a transferência da sede, que era em Freguesia e depois passou para aonde agora é a cidade de Barreirinha, dizem que a sede na área que está (Várzea), jamais vai se desenvolver realmente, pois sempre vai sofrer com as grandes enchentes e além do mais tem pouco espaço para a expansão urbana, esses e outros argumentos fazem parte da opinião de muitos moradores de Freguesia, que um dia esperam que a sede municipal volte para o lugar de origem.
Freguesia do Andirá já possui uma boa infraestrutura de forma geral, certo, que ainda longe do ideal, até mesmo devido a ausência que o poder público municipal sempre teve com este local, assim como com outros da área rural do município de Barreirinha. Mesmo assim este local está em ritmo de “desenvolvimento”, no que tange aos melhoramentos em infraestrutura, como do crescimento populacional, fruto da migração de pessoas de outras comunidades próximas, que são atraídos pelos serviços prestados em Freguesia, assim como da própria população que cresce muito a cada ano que passa.
Enfim, com esta pesquisa procuramos demonstrar que a relação que se estabelece entre rural e urbano na área pesquisa é extremamente complexa, é complementar e contraditória, pois ao mesmo tempo que o urbano se apropria do rural, o próprio urbano recria o rural, pois através dos serviços que são típicos das cidades, as pessoas da área rural melhoram sua qualidade de vida, e tendem a ver no rural um local ideal, pois não precisam morar nas cidades para ter acesso a certos bens, e ainda que esse urbano cause um processo de dependência, ainda sim, toda e qualquer pessoa tem direito a bens e serviços pra melhorar sua qualidade de vida.
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2 As principais comunidades atendidas segundo informações de um dos agentes de saúde são elas: Jabutituba, Cristo, Canarinho, Doce, Acurucaua, Tucumainduba e Jará. Todas fazem parte da “localidade” que compõe o Andirá.
3 Saint-Clair Junior (2007) comenta que na Amazônia apesar da descontinuidade da urbanização na esfera técnica, não se pode dizer, entretanto, que no plano da psiscosfera os valores da sociedade urbana não estejam presentes no espaço regional. À semelhança de outras regiões, a sociedade urbana, através de seus valores, de suas concepções e de seus comportamentos, ganha maior fluidez que no plano da esfera técnica.