Ivone Meznek (CV)
Adrian Alvarez Estrada (CV)
adrianalvarez.estrada@gmail.com
UNIOESTE
Resumo: Esse estudo tem como objetivo refletir sobre os reflexos da influência empresarial na formação do quadro universitário no Brasil. Influência esta, identificada através da atuação dos membros do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) fundado na década de 1960, e que se intensificou a partir da Reforma Universitária de 1968. Para atender ao objetivo proposto, num primeiro momento aborda-se a atuação dos empresários através do IPES e, no momento seguinte, discute-se sobre o caminho percorrido até a efetivação da Reforma. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica através da qual se busca contribuir para a reflexão em torno do tema.
Palavras-chave: empresariado; reforma universitária; ensino superior.
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A influência empresarial através do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)
Segundo Saviani (2008) o IPES foi fundado em 29 de novembro de 1961 por um grupo de empresários do Rio de Janeiro e de São Paulo, atuando por aproximadamente dez anos, encerrando suas atividades em junho de 1971. Sua ideologia era imposta por meio de guerra psicológica e para isso se utilizava de meios de comunicação de massa como o rádio, a televisão, a imprensa e outros. Vários órgãos da imprensa receberam de maneira favorável a criação do IPES, entre eles Dreifuss (2008) destaca o Jornal do Brasil, o Globo, o Correio da Manhã e a Última Hora, tendo uma rápida expansão até Porto Alegre, Santos, Belo Horizonte, Curitiba, Manaus e outros núcleos menores. Contava ainda com entidades sindicais dos industriais e entidades de representação feminina, promovendo suas ações no meio estudantil, entre os trabalhadores da indústria, entre os camponeses e, ainda, nos partidos e no Congresso. Tinha como objetivo desagregar em todos os domínios, grupos organizados em defesa dos interesses da população (SAVIANI, 2008).
Com base em estudos realizados por Fernando Henrique Cardoso, Souza (1981) observa que a classe de empresários nem sempre agiu como um grupo de pressão. Anterior à criação do IPES, os mesmos não tinham participação na formulação de políticas de desenvolvimento do país. No entanto, ao se sentirem desprestigiados e preocupados com “a substituição da iniciativa privada pela empresa governamental”, assim como, com “as críticas constantes ao sistema capitalista e às empresas estrangeiras no País” (SOUZA, 1981, p. 20), houve a necessidade de tomada de consciência por parte dos empresários que se sentiam ameaçados pela possibilidade de mudança do regime vigente. Até então, ocorria uma divisão entre os próprios empresários, foi quando iniciou um movimento pela conscientização da classe empresarial. Um pequeno grupo de empresários saiu a campo com o propósito de conscientizar e unir a classe e assim proteger e conservar o regime capitalista no Brasil.
É nesse quadro que vai se situar a criação do IPES, surgindo, segundo expressam seus fundadores, em documento onde apresentam sua plataforma ideológica, da necessidade de se fazer um movimento a favor da democracia e da empresa privada, em face dos indícios de seu constante desprestígio no País. Segundo a doutrina que o IPES passa a divulgar, cabe aos empresários brasileiros a ‘responsabilidade democrática’ no sentido de ‘acelerar o desenvolvimento econômico [...] e de promover o desenvolvimento social’. Para tanto, o modelo a seguir é o dos países capitalistas avançados, que alcançaram a democracia econômica e social através do aumento da produtividade, distribuição da renda e democratização do capital e da propriedade (SOUZA, 1981, p. 20-21, grifo original).
É nesse sentido que dirigentes de empresas e profissionais liberais se reúnem para fazer uma análise e buscar soluções para os problemas observados constantemente na sociedade. Para isso, contam também com o apoio de professores universitários, técnicos e peritos dispostos a contribuir com os propósitos do IPES.
A busca de soluções aos problemas observados levou o IPES a desenvolver algumas atividades no âmbito educacional. No simpósio organizado pelo IPES sobre a reforma da educação (dez 1964/ jan 1965), enfatizava-se a questão do desenvolvimento econômico, considerando que o investimento em educação deveria assegurar o aumento da produtividade e da renda (CUNHA, 1988).
A partir de 1964, os objetivos do IPES foram se modificando devido à separação entre os membros de São Paulo e Rio de Janeiro o que ocasionou a extinção do IPES passando, oficialmente, a existir o IPES-GB que além da presença de empresários, também teve a participação significativa de militares. Com a criação do IPES-GB, o interesse pela área educacional foi se revelando com maior consistência e, apesar da falta de sucesso em algumas atividades nesse meio, em 1967 realizou cursos na área de economia e administração nos quais teve uma participação significativa de universitários.
O ano de 1968, porém, foi um marco histórico em relação aos problemas educacionais, principalmente ao que se refere ao ensino superior, a partir dos movimentos de protestos dos universitários. Os setores empresariais foram despertados para o desafio de encontrarem uma solução para fazer cessar os movimentos estudantis e passaram a pressionar por uma reformulação do sistema educacional do País. O IPES-GB propôs, mais uma vez, agora através de novos métodos (debates e simpósios), a elaboração de um novo projeto de reforma: o da educação brasileira (SOUZA, 1981, p. 35).
Como resposta dos empresários à crise da educação no processo de retomada das escolas superiores pelos estudantes, o IPES-GB organizou outro grande evento relacionado à educação denominado “A educação que nos convém” realizado de 10 de outubro a 14 de novembro de 1968. Dentre as sugestões apresentadas para encaminhar a política educacional brasileira, destaca-se a ênfase dada à formação de recursos humanos para o desenvolvimento da economia dentro da ordem estabelecida pelo capitalismo (SAVIANI, 2008).
Analisando o documento sobre reformas de base, Souza (1981) evidencia que a reforma da educação proposta está intimamente ligada à solução dos problemas sociais. Através da educação seria possível fortalecer a democracia e garantir a produtividade, o que, por consequência, proporcionaria o desenvolvimento econômico e social do país. Dentre os objetivos principais apresentados no documento, a autora destaca:
Garantia pelo adequado conteúdo de ensino, de que, a cada ano de escolarização, corresponda, realmente, melhor oportunidade de trabalho e maior possibilidade de elevação do padrão de vida em função de diferencial do rendimento salarial que represente; dinamização do ensino superior, combatendo a atrofia dos setores de pesquisa e de treinamento e a hipertrofia do setor de formação sistemática, e estimulando o entrosamento das universidades com as entidades de produção para garantir a adequação da aprendizagem ministrada às necessidades do meio; correção da crônica deficiência de recursos para os fundos da educação nacional e da excessiva timidez de sua distribuição para subvencionar o ensino particular (SOUZA, 1981, p. 47).
É possível perceber que os objetivos apresentados estão intimamente ligados à questão econômica, ao mesmo tempo em que a educação, nessa perspectiva, acaba sendo reduzida à questão profissional. Daí a preocupação em estimular a relação entre universidade e entidades de produção, cujo propósito seria o de acompanhar as demandas produtivas.
Os empresários ligados ao IPES mantinham-se articulados com colegas americanos contando, inclusive, com o apoio financeiro por parte deles. Apesar de não assumirem esse apoio publicamente, Dreifuss (2008, p. 224) afirma que duzentas e noventa e sete corporações contribuíram financeiramente com o IPES, uma contribuição “mais ou menos de sete milhões anuais, com expectativa de alcançar 15 milhões”. Foi a partir desse contexto que surgiram os acordos MEC/USAID, em 1965, e a orientação que Saviani (2008, p. 297) denomina como “concepção produtivista da educação”.
Os bastidores da Reforma Universitária de 1968
Segundo Cunha (1988) fizeram parte da elaboração do anteprojeto da Lei 5.540/68 um grupo de trabalho constituído por membros do Conselho Federal de Educação e professores universitários, “todos versados no idealismo alemão” (p. 17). O autor destaca a influência do pensamento de Fichte na formulação dos princípios que nortearam a reforma universitária aparentes em características como “a limitação da autonomia universitária pelo Estado e os princípios de organização da universidade” (idem, p. 17). Porém, chama atenção para a seguinte questão:
Se a doutrina da reforma universitária de 1968 foi elaborada com base no idealismo alemão, modelo organizacional proposto para o ensino superior brasileiro era norte-americano. Não se tratava de fazer tábula rasa do ensino superior existente no Brasil, mas de promover sua modernização na direção do modelo norte-americano, pelo menos na direção de certos aspectos desse modelo, devidamente selecionados pelos dirigentes do aparelho educacional (CUNHA, 1988, p. 18, grifo original).
Isso ficou evidente nos convênios assinados através dos quais o MEC deixou a reorganização do sistema de educação brasileiro nas mãos de técnicos da Agency for International Development – AID. Tais acordos ficaram conhecidos como “Acordos MEC-USAID” e
tiveram o efeito de situar o problema educacional na estrutura geral de dominação, reorientada desde 1964, e de dar um sentido objetivo e prático a essa estrutura. Lançaram, portanto, as principais bases das reformas que se seguiram e serviram de fundamento para a principal das comissões brasileiras que completaram a definição da política educacional: a Comissão Meira Matos (ROMANELLI, 2001, p. 197).
A Comissão Meira Matos foi criada no final do ano de 1967 e tinha como objetivo analisar a crise e propor ações de intervenção nas universidades. Romanelli (2001) ressalta que as propostas apresentadas pela Comissão vinham ao encontro com o que propunham os autores dos Acordos MEC-USAID e, embora com algumas divergências, com o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária não foi diferente. Entretanto, tais acordos contribuíram também para o agravamento da crise educacional na medida em que desencadearam inúmeros protestos. Nesse sentido, a Comissão Meira Matos desempenhou duas funções, quais sejam: “a) atuar como interventora nos focos de agitação estudantil e b) estudar a crise em si, para propor medidas de reforma” (ROMANELLI, 2001, p. 197).
Após quase três meses de trabalho, a Comissão Meira Matos apresentou um relatório com algumas sugestões que deveriam ser implementadas a curto prazo para tentar superar a crise. Dentre elas, destacam-se:
1. Adoção de critérios mais uniformes para cobrança de anuidades escolares, por parte do ensino privado. 2. Elaboração de um plano decenal de ampliação da capacidade de vagas das escolas, mediante multiplicação de turnos, adoção da duração de cursos com base em horas-aula e períodos de férias reduzidos. 3. Aplicação mais rigorosa dos dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que determinam a recusa de matrícula, em escolas oficiais, de aluno reprovado mais de uma vez; e duração do ano letivo em 180 dias, no mínimo, e a obrigatoriedade de freqüência às aulas, por parte de alunos e professores. 4. Adoção de critérios mais rigorosos para o reconhecimento de escolas de nível superior da rede privada. 5. Instituição de anuidades escolares para o ensino superior oficial para a parte da população escolar em condições de pagá-lo. 6. Melhoria urgente do sistema de remuneração do magistério (ROMANELLI, 2001, p. 219).
A intenção da Comissão Meira Matos através das sugestões presentes no relatório era alcançar maior produtividade e eficiência, assim como, ampliar a capacidade de vagas para minimizar o problema dos excedentes, o que parece contraditório.
É interessante apontar que Cunha (1988) não atribui apenas aos assessores norte-americanos que participaram do acordo entre o Ministério da Educação e Cultura e a United States Agency For Internacional Development - MEC-USAID a responsabilidade pela forma como a reforma de 1968 foi traçada. Porém, não descarta também a grande influência que os mesmos tiveram na implantação do modelo instituído pela reforma.
Minha tese pode ser resumida assim: a concepção de universidade calcada nos modelos nos modelos norte-americanos não foi imposta pela USAID, com a conivência da burocracia da ditadura, mas, antes de tudo, foi buscada, desde os fins da década de 40 por administradores educacionais, professores e estudantes, principalmente aqueles, como um imperativo da modernização e, até mesmo, da democratização do ensino superior em nosso país. Quando os assessores norte-americanos aqui desembarcaram, encontraram um terreno arado e adubado para semear suas ideias (CUNHA, 1988, p. 22, grifo original).
Na verdade, o Brasil não conseguiu elaborar um plano de educação superior baseado nas necessidades nacionais. Sendo assim, buscou inspiração nos modelos de países desenvolvidos sem levar em consideração as diferenças específicas que cada país/nação possui. Partindo do pressuposto de que há intercâmbio de pensamentos, pessoas, mercadorias, ou seja, um processo de internacionalização, é compreensível que todo projeto nacional de educação sofre influências. Porém, nesse caso, não se levou em consideração que as condições dos países em que a educação já se encontrava melhor organizada não se comparavam à realidade brasileira. O fato é que se a educação brasileira foi influenciada, isso só foi possível porque os intelectuais brasileiros permitiram essa influência. “Trata-se da associação entre uma série de iniciativas legislativas, de práticas e discursos gerados antes e durante os governos militares, que encontraram no contexto pós-1964 condições favoráveis para sua realização [...]” (MINTO, 2006, p. 115).
Desta forma, não se pode dizer que a USAID ou o golpe militar foram os únicos responsáveis pela implantação da reforma de 1968. Entretanto, na expressão de Minto (2006) “não se trata de minimizar o papel desempenhado pelos militares no poder, bem como no desenvolvimento das políticas educacionais, mas sim de tornar evidente a heterogeneidade que caracteriza o processo de mudanças no ensino superior” (p, 112).
A consolidação do regime ditatorial após o Golpe de 1964, mais do que um ponto de partida, é, certamente, um importante ponto de inflexão na política educacional. Isso ajuda a explicar, em grande medida, as mudanças que se processariam no ensino superior brasileiro nas últimas décadas do século XX. Na trilha da chamada ‘modernização do ensino superior’, é possível encontrar senão os mesmos (o que seria um exagero e talvez um equívoco historiográfico afirmar), mas alguns elementos fundamentais que pautaram as reformas – ou contra-reformas – sofridas por esse nível de ensino no Brasil (MINTO, 2006, p. 90, grifo original).
Cunha (1988, p. 19) vê “nos conflitos políticos durante os primeiros anos do regime instituído pelo golpe militar de 1964 o motor da modernização do ensino superior, que teve seu fulcro justamente na Lei nº 5.540/68”. Não se trata aqui, de dizer que a reforma de 1968 foi permeada somente por pontos positivos, mas de não negar que a questão do ensino superior brasileiro nunca esteve permeada por tantas discussões como nesse período.
Contudo, é importante esclarecer que a reforma da universidade brasileira foi utilizada como um instrumento de manutenção do poder e tinha como intenção adequar o modelo político ao modelo econômico, não correspondendo ao que queriam os estudantes (MELO, 2003) que promoveram vários movimentos através dos quais reclamavam uma reforma universitária na qual almejavam a democratização do ensino superior.
Como resposta às manifestações e resultado das comissões de estudos, foi elaborado o Decreto-Lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969 que atribuiu às autoridades universitárias e educacionais, no caso o MEC, o poder de afastar os estudantes que estavam envolvidos em atividades consideradas subversivas, pois representavam perigo à segurança nacional. Conforme o referido Decreto, pratica infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou privado que
I - Alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento;
II - Atente contra pessoas ou bens tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele;
III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe;
IV - Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza;
V - Sequestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro de corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno;
VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública (Art, 1º).
Dentre as penalidades referentes às infrações que fossem praticadas, o Decreto prevê
I - Se se tratar de membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino com pena de demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma natureza, pelo prazo de cinco (5) anos;
II - Se se tratar de aluno, com a pena de desligamento, e a proibição de se matricular em qualquer outro, estabelecimento de ensino pelo prazo de três (3) anos (Art. 1º, Par. 1º).
Para Cunha (1991),
O Decreto-Lei 477/69 teve a função, ao lado de outras medidas, de eliminar completamente as manifestações de descontentamento das camadas médias diante das dificuldades de obtenção de um requisito cada vez mais indispensável de ascensão social via promoção burocrática: ingresso (e diplomação, é claro) no ensino superior (CUNHA, 1991, p. 241).
Ainda como medida para conter o movimento dos estudantes, já que se julgava que o estudante envolvido com o trabalho não teria tempo para participar de movimentos subversivos, foi fundado o Centro de Integração Empresa-Escola (CIE-Es) de São Paulo, utilizado também como modelo para a fundação de outros centros, dos quais um no Rio de Janeiro (1964), no Paraná (1967), no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais (1969). O objetivo desses centros se sintetizava na tentativa de possibilitar às empresas a contribuição teórica dos estudantes universitários e, eventualmente, dos professores, assim como, disporem dessa parceria para imprimir nos formandos o perfil profissional desejado pelas empresas. Os CIE-Es foram criados por empresários e eram mantidos por doações de empresas públicas e privadas. Surge, a partir de então, a atuação dos estagiários que eram remunerados com uma bolsa auxílio ou bolsa treinamento. Cunha (1988) nos revela que a função do estágio dos estudantes do CIE-E, conforme o artigo 5º do antigo Estado de Guanabara era a seguinte:
A condição de estagiário é que a realmente propicia a verdadeira aproximação da teoria com a prática, o que permite, quando bem programada e orientada, funcionar como auxiliar eficiente das escolas. Por outro lado, o estágio permite enriquecer o mercado de trabalho com mão-de-obra categorizada de 2º grau e de nível superior, o que beneficiará as empresas, em termos de eficiência e produtividade (CUNHA, 1988, p. 65).
O autor segue dizendo que os panfletos distribuídos por este CIE-E aos empresários ilustram bem a presença dos interesses econômicos atrelados à educação superior. Vejamos um exemplo desta propaganda:
Pare de se queixar da falta de mão-de-obra especializada. O CIE-E da GB existe para tirar essa preocupação da sua cabeça. Se você não o utiliza, não se queixe. Possuímos o mais completo cadastro de mão-de-obra classe A, composto por estudantes de nível superior e técnico. Oferecendo estágios a jovens, você está encerrando o problema. E reduzindo o investimento de tempo, de meios de trabalho e de salário a que estão sujeitas as empresas quando da contratação de recém-formados. Procura o CIE-E e acelere a preparação prática e efetiva dos recursos humanos necessários ao desenvolvimento social e econômico do país (e os da sua empresa também) (CUNHA, 1988, p. 66, grifo original).
Para se ter ideia da proporção que isso tomou, de 1964 a 1981, o CIE-E de São Paulo concedeu 504 mil bolsas-auxílio e colocou 105 mil estudantes estagiários que eram encaminhados de diversas instituições para as empresas (CUNHA, 1988).
Além dessas medidas para desviar a atenção dos estudantes e como resposta ao problema mais sério da universidade, a questão dos excedentes, Minto (2006) entende que houve a indução da privatização através de políticas educacionais. “As instituições privadas receberam incentivos diretos e indiretos inéditos, que, aliados à representação majoritariamente privatista do Conselho Federal de Educação (CFE), propiciaram novo surto de expansão” (CUNHA, 2004, p. 801). Foi utilizada “uma espécie de atuação conjunta (repressão e políticas educacionais) para implantar o processo de modernização-privatização das universidades” (MINTO, 2006 p. 114). Porém, Minto (2006) enfatiza que o caráter privado do ensino superior, já fazia parte da história da universidade como um meio de expandir esse nível de ensino, antes da ditadura, o que ocorreu nesse período foi um aprofundamento dessa tendência histórica. O processo de privatização se justificava pela intenção de democratização do ensino, já que as instituições públicas não davam conta da crescente demanda, no entanto, se trata de um processo histórico complexo. Sendo assim,
Escapa às simples determinações políticas emanadas de dentro do próprio campo educacional, bem como das intenções declaradas de seus formuladores, mas que faz sentido quando posto em seu solo material, em sua objetividade, no bojo de uma sociedade inserida no plano internacional e caudatária das mudanças que se processaram nos padrões de acumulação do capitalismo mundial após a década de 1960 (MINTO, 2006, p. 113).
Cunha (1988; 2004) encontra nas novas determinações para o ensino superior uma subordinação da universidade à empresa capitalista 1. “Durante as duas décadas da ditadura (1964/1985), as afinidades políticas dos empresários do ensino com os governos militares abrigaram caminho para sua representação majoritária (quando não exclusiva) nos conselhos de educação [...]” (CUNHA, 2004, p. 802). Não se refere somente à subordinação financeira e administrativa, mas, principalmente, às influências das práticas reproduzidas do modelo norte-americano que se utiliza de padrões estruturais da grande indústria para organizar o ensino na universidade. “Os consultores norte-americanos desembarcavam em todos os lugares [...] sendo recebidos como mestres da nova ordem pelos antigos dirigentes (reforçados) e pelos novos (ansiosos por solidificar seu domínio)” (idem, 1988, p. 203). Aponta como exemplo disso “a organização e a avaliação na universidade em função da produtividade, da ‘organização racional do trabalho’ e das linhas de comando, conceitos essenciais às doutrinas de Frederick Taylor e de Henry Fayol” (idem, 1988, p. 19, grifo original).
Nesse contexto, destaca-se uma figura apontada por Cunha (1988) como a mais conhecida pelos estudantes da universidade brasileira no período de 1965/68, qual seja, Rudolph P. Acton, que foi contratado pela Diretoria do Ensino Superior para elaborar propostas de mudanças na estrutura da universidade no Brasil. Sua principal contribuição ficou conhecida como o Relatório Acton 2 que serviu de base para o convênio MEC/USAID e foi publicado em 1965 pelo MEC. “Defendia em seus textos a tese da universidade e da neutralidade política das medidas reformadoras que propunha” (CUNHA, 1988, p. 205). Julgava que os principais problemas das universidades de todos os países, e do Brasil, inclusive, estavam relacionados com a “melhoria da qualidade do corpo docente, a modificação dos currículos, a ampliação da pesquisa e a atualização do conteúdo das matérias ensinadas” (idem, 1988, p. 205). Dessa forma, o problema não era de ordem política, mas técnica e só seria possível alcançar o objetivo almejado para o ensino superior através do trabalho desenvolvido pelos técnicos especialistas que desembarcavam dos EUA. O primeiro ponto importante de transformação da universidade brasileira seria a conquista da autonomia, ou seja, a universidade deveria se libertar da intervenção do Estado, tanto na questão da contratação de pessoal como no planejamento de sua administração. Cunha menciona que no pensamento de Acton
Correlativamente à conquista da autonomia, ou mesmo antes, as universidades deveriam fazer sua reforma administrativa, entendida como a implantação de uma administração central, baseada nos princípios da eficiência da empresa privada e não nos moldes da ‘estagnação centralizada do serviço público’, pois ‘uma universidade autônoma é uma grande empresa, não uma repartição pública’. A primeira medida nesta direção seria a adoção do princípio taylorista de isolar a concepção de execução (CUNHA, 1988, p. 207, grifo original).
Nessa concepção, deveria existir um grupo formado para pensar a política da universidade e outro grupo para executar os planos elaborados, legitimando o princípio taylorista que enfatiza a separação do trabalho intelectual e do manual. Nesta lógica, se fazia importante a participação de pessoas desligadas da vida acadêmica como industriais e banqueiros, pois “se a universidade deveria ser uma empresa, nada melhor do que colocar na sua direção pessoas que obtiveram sucesso no mundo empresarial” (CUNHA, 1988, p. 208). Assim, a técnica e a eficiência que estava faltando devido ao fato dos professores não estarem capacitados para tal, poderia se tornar realidade dentro das universidades brasileiras que seguiriam um modelo de administração racional. Para Minto (2006):
A idéia da racionalização da gestão universitária, nos moldes empresariais, é um dos pontos centrais de suas propostas (de Acton). Tal ‘racionalização’ incluía a redução da presença dos estudantes nas instâncias decisórias e, por consequência, o enfraquecimento do movimento estudantil (MINTO, 2006, p. 119, grifo original).
Cunha (1988) nos conta que antes de ser leitor e analista dos documentos que expressam a política adotada na reforma do ensino superior de 1968, participou do movimento estudantil na organização do Congresso da UNE de 1965, que promoveu passeatas por mais vagas e verbas para o ensino superior e se colocava contra os acordos MEC-USAID, assim como, contra a repressão policial muito presente naquele período. Todos os envolvidos nessa luta sabiam de alguma forma, que as diretrizes para o ensino superior brasileiro eram ditadas pela USAID.
Seria demasiado ingênuo pensar que os Estados Unidos, tão hábeis e frios em toda a atuação internacional – embora desastrados, algumas vezes – deixassem um campo de atividade de tão decisiva importância, como o da atividade científica e da vida universitária, entregue ao azar das ações desconexas e improvisadas de diversos organismos públicos e privados. Tudo indica estarem tais organismos relacionados por pacto atuando, mancomunadamente, num esforço conjunto de colonização cultural de toda América Latina. Tudo indica, além disso, que os planos de reforma universitária, formulados ou inspirados pelos técnicos de tais organizações, correspondem a intenções bem conhecidas deles, embora não explícitas para nós (RIBEIRO, 1978, p. 39).
Isso se confirma com a I Conferência Nacional de Educação que foi realizada em Brasília entre os dias 31 de março a 2 de abril de 1965. Segundo Cunha (1988), o tema da conferência foi “A coordenação de recursos e de medidas para o desenvolvimento da educação nacional”. Dentre as recomendações aprovadas pelos participantes consta “a conveniência de adotar técnicas e modelos utilizados no planejamento por outros povos como ponto de referência para eventual adaptação no país” e recomendava-se ainda, a mobilização da “cooperação e da experiência internacionais para assistência técnica ao planejamento” (idem, p. 73).
No início dos anos 1970, Cunha (1988) analisou o Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU). Ao comparar esse documento com o Relatório MEC-USAID, de imediato, notou “a concepção empresarialista da universidade e o paradigma explícito da universidade norte-americana a mostrar o caminho para a brasileira” (idem, p. 22-23).
Nesse contexto, no plano educacional o governo militar autoritário procurou aumentar a produtividade das escolas públicas com base na adoção de princípios da administração empresarial, além de, desde o início, apontar para a privatização educacional. Procurava-se edificar um sistema federal de educação superior que contribuísse para a consolidação da segunda revolução industrial a realizar-se no país. Isso se dava via decretos-lei, com o patrocínio de diversos acordos firmados entre o MEC e a United States Agency for International Development (USAID). Foi sob tais auspícios que se impôs a denominada reforma universitária (lei nº 5.540/68), instituidora do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, dentre outras razões, para fortalecer o formato institucional da universidade e subsidiar o capital industrial nacional [...] (JÚNIOR; SGUISSARDI, 2005, p. 11).
Fica claro assim, que a reforma da universidade foi feita mais para responder aos anseios políticos, econômicos e empresariais do que para suprir as reivindicações dos estudantes e professores. A ênfase na produção e na economia sobressaiu aos anseios estudantis por uma universidade com mais vagas, melhor estruturada a aberta a todos.
Considerações finais
A partir deste estudo, foi possível perceber a influência de outros agentes em torno da educação superior: a elite empresária que em conjunto com os militares propõe uma reforma nesse nível de ensino. A Reforma Universitária de 1968, apesar de apresentar alguns pontos positivos, como a instituição da pós-graduação, o fim da cátedra, a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, teve como principal objetivo adequar mais uma vez a universidade às necessidades da época, ou seja, adequar o modelo político ao modelo econômico, não satisfazendo os interesses dos estudantes. Outro fator complicador se deu a partir das parcerias entre universidades e empresas e das práticas reproduzidas do modelo norte-americano, modelo que influenciou todo o processo da reforma e, através do qual, a organização da universidade passou a seguir padrões industriais, com ênfase na produtividade, na eficiência, na redução de gastos, burocratizando as instituições universitárias e enfatizando formação de mão de mão obra para o mercado de trabalho. Entende-se que a universidade também é responsável por formar mão-de-obra, já que a mesma é vista como instrumento de desenvolvimento e progresso de uma nação, no entanto, essa formação não precisa necessariamente ser fragmentada e conteudista, voltada apenas a responder uma demanda mercantil imediata. Trata-se de pensar a construção do conhecimento como base para que o indivíduo apresente condições de compreender o processo como um todo, de se adequar as mais variadas situações.
Referências
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CUNHA, Luiz Antônio. Desenvolvimento desigual e combinado no ensino superior: Estado e mercado. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, nº 88, p. 795-817, Especial, out, 2004.
______. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: F. Alves, 1991.
______. A universidade reformada. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
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JÚNIOR, João dos Reis Silva; SGUISSARDI, Valdemar. A nova lei da educação superior: fortalecimento do setor público e regulação do privado/mercantil ou continuidade da privatização e mercantilização do público? Revista Brasileira de educação. Nº 29, Maio/Jun/Jul/Ago, 2005.
MELO, Alessandro de. Biblioteca e educação: reflexões acerca da pesquisa escolar e sua construção como objeto científico. Dissertação de Mestrado. Araraquara, 2003.
MINTO, Lalo Watanabe. As reformas do ensino superior no Brasil: o público e o privado em questão. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.
RIBEIRO, Darci. A universidade necessária. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil (1930/1973). Petrópolis: Editora Vozes, 2001.
SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do regime militar. Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p. 291-312, set/dez, 2008.
SOUZA, Maria Inêz Salgado de. Os empresários e a educação: o IPES e a política educacional após 1964. Petrópolis, RJ: Vozes, 1981.
TUBINO, Manoel José Gomes [org]. A universidade ontem o hoje. São Paulo: IBRASA, 1984.1 Tubino (1984, p. 47) lembra que “foi na Universidade de Harvard que ocorreu o primeiro caso de Universidade-Empresa”.
2 Documento elaborado a partir de estudo realizado pelo consultor americano Rudolph Atcon, no período de junho a setembro de 1965, “a convite da Diretoria do Ensino Superior do MEC, preconizando a implantação de nova estrutura administrativa universitária baseada num modelo cujos princípios básicos deveriam ser o rendimento e a eficiência” (FÁVERO, 2006, p. 31).