Daniel Luís Arenhardt (CV)
Maria Antonia de Souza (CV)
Tatiane Stefanel Franchi (CV)
darenhardt@gmail.com
Universidade Federal de Santa Maria
Resumo
Este trabalho resulta de pesquisa junto aos jovens rurais do município de Silveira Martins, no Estado do Rio Grande do Sul, sobre suas perspectivas quanto ao futuro e quanto ao ambiente rural. Por residirem próximo de uma universidade federal pública, novos horizontes e novas oportunidades são apresentadas, incluindo a possibilidade de abandono do campo. O método de pesquisa utilizado foi o descritivo e o instrumento de coleta de dados foi o questionário - aplicado aos jovens rurais estudantes do Colégio Estadual Bom Conselho com idades entre 15 a 24 anos. Após a análise dos resultados, apurou-se que 20,0% dos jovens entrevistados não gostam da agricultura e que 43,0% vão à escola para conseguir um emprego fora do ambiente rural no futuro. Ainda, 72,0% pretendem morar no meio urbano e apenas 25% dos jovens rurais desejam permanecer no município de Silveira Martins. Quanto à escolarização necessária para ser agricultor, 32,0% dos entrevistados acreditam que é necessário apenas saber ler e escrever.
PALAVRAS-CHAVE: Juventude rural. Educação rural. Agricultura.
Hoje, com muito mais ênfase do que em momentos anteriores, a migração campo-cidade atinge as populações jovens, principalmente em regiões onde há o predomínio da agricultura familiar. No Brasil, as condições historicamente adversas, contribuem para que as pequenas unidades de produção tenham suas possibilidades de permanência no campo restringidas (ABRAMOVAY, 1998).
Silva Jr. (2003, p.115-123) aponta quatro desequilíbrios que a modernização e a intervenção do estado na agricultura trouxeram e que afetou principalmente as pequenas famílias de agricultores nas últimas décadas: (1) a concentração fundiária; (2) o êxodo rural; (3) a superexploração dos empregados e (4) a concentração de renda. Todos estes fatores fazem com que o jovem repense sua continuidade nas atividades do campo.
Embora existam todas estas condições históricas que favorecem a saída do jovem do campo, há outra peculiaridade merecedora de estudo referente à juventude rural do município de Silveira Martins, no Rio Grande do Sul/Brasil. Diferentemente da grande maioria dos jovens agricultores do país, que não possuem as condições necessárias para prosseguir os estudos, os que residem nesta localidade vêem aumentado suas chances de ingressarem no ensino superior pela proximidade deste município com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), localizada a 20 km. Isso pode significar novos rumos para o futuro desses jovens.
No intuito de aprofundar a questão, este artigo buscou aprofundar o tema juventude rural e, especificamente, os projetos de vida dos residentes no município de Silveira Martins/RS. O que se questionou no estudo foi quais as perspectivas de futuro dos jovens rurais residentes no município de Silveira Martins, no Estado do Rio Grande do Sul.
Nesse sentido, foi realizada uma pesquisa descritiva com os jovens rurais estudantes do Colégio Estadual Bom Conselho – única instituição do município a oferecer o ensino médio. Para caracterização do conceito “juventude” foi utilizada a faixa etária considerada pelas Nações Unidas - entre 15 a 24 anos. Fez-se necessário a aplicação de questionário, que buscou identificar o perfil dos jovens, a importância que atribuem ao município e seus projetos para o futuro. Ao todo, considerou-se como válidos 55 questionários de jovens rurais do município (54 jovens entre 15 e 19 anos, e um jovem com 20 anos), que foram analisados por meio do software estatístico SPSS 18. Dados do IBGE mostram que, de acordo com o censo realizado em 2000, a população de jovens rurais entre 15 a 24 anos do município era de 226 jovens. Considerando que esta população tivesse se mantido estável nos últimos anos, o estudo contemplou aproximadamente 25% dos jovens de Silveira Martins nesta faixa etária. Ou ainda, se comparado apenas a faixa etária compreendida entre 15 a 19 anos, este percentual sobe para aproximadamente 40,0%.
A educação rural
Embora o Brasil tenha um alto índice de acesso escolar à população de 7 a 14 anos (96,4% conforme censo demográfico de 2000), o percentual de jovens que param de estudar na faixa etária entre 10 e 15 anos também é elevado: 23,7%, aumentando para 64,6% se considerado até os 18 anos. Nas zonas rurais estes índices são ainda maiores, com 31,2% e 70,7% respectivamente (Pesquisa Juventudes brasileiras. UNESCO, 2004 apud ANDRADE & NETO, 2007, p.61).
Se por um lado o país conseguiu atingir um índice considerável de alunos matriculados nas redes de ensino, por outro lado não consegue mantê-los na escola. É o que mostra o estudo realizado pelo IBGE e Pnad em 2001, apud BOF (2006, p.16), quando apuraram que o número médio de anos de estudos da população com 15 anos ou mais no Brasil é de 7,0 para as zonas urbanas e de apenas 3,4 para as zonas rurais. Provavelmente esta situação é mais crítica no campo devido às pesadas jornadas de trabalho e o longo trajeto até a escola que estes jovens têm de enfrentar. Eis aí um grande desafio para a educação no país.
A literatura recente mostra o conceito de “educação rural”, fazendo oposição à visão de “educação no campo”. A expressão “do campo” é utilizada para designar um espaço geográfico e social que possui vida em si e necessidades próprias, um espaço que possui identidade cultural própria e práticas compartilhadas por aqueles que ali vivem. (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2007, p.8). Para Fernandes (2006, p.28), a educação no campo tem início com a construção de uma política educacional para os assentamentos da reforma agrária e está voltada para o desenvolvimento do território camponês como parte do campo brasileiro, estando contida no paradigma da questão agrária. Já a educação rural, que é construída por diferentes instituições, está contida nos princípios do paradigma do capitalismo agrário.
De acordo com Soares et al., (2006, p.51), “educação rural” é simplesmente a educação de alunos que vivem na área rural. Mas salienta que esta definição não era passível de aplicação antes do ano de 2002, uma vez que os censos escolares do Brasil não coletavam dados sobre o transporte escolar. Antes disso, conforme os autores, conceituava-se aluno rural como aquele que estudava em escola que se autodefinia como rural, e aluno urbano aquele que estudava em escola que se autodefinia como urbana.
Conforme estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP (2007, p.23) - que levantou dados do Censo Escolar de 2005, a rede de ensino da educação básica da área rural brasileira conta com aproximadamente 96.500 estabelecimentos, o que corresponde a 50% das escolas do país. Em torno da metade destas escolas têm apenas uma sala de aula e oferecem, exclusivamente, o ensino fundamental de 1ª a 4ª séries.
Quanto à taxa de escolarização bruta (relação entre a matrícula total em determinado nível de ensino e a população residente na faixa etária aconselhável para esse mesmo nível de ensino) coletada em 2000, observa-se no meio rural um atendimento desejável somente para o ensino fundamental (1ª a 8ª séries), uma vez que tanto a pré-escola quanto o ensino médio apresentam taxas extremamente baixas. (Figura 1). Logicamente, como bem descreve Pinto et al., (2006, p.18), para o caso do atendimento pré-escolar em zonas rurais, a análise deve ser cautelosa, uma vez que há de se considerar demandas e valores locais que prevalecem entre as famílias quanto à decisão de matricular ou não seus filhos na educação infantil.
Em relação aos estudantes de nível médio, o percentual demonstra que os adolescentes e jovens precisam se deslocar de suas comunidades até as sedes dos municípios ou grandes centros para prosseguirem os estudos, uma vez que a escolarização neste nível de ensino é oferecida quase que exclusivamente em zonas urbanas do país.
É emergente a necessidade de transformação da educação no campo. Por ser um espaço único e totalmente diferenciado do urbano, faz-se necessário uma metodologia de ensino que privilegie a realidade desta parcela de crianças, adolescentes e jovens que vivem no meio rural. De acordo com o INEP (2007, p.8), a transformação da educação no meio rural requer muito mais do que a simples melhoria física das escolas ou a qualificação dos professores, mas sim um novo currículo escolar baseado na vida e nos valores de suas populações. Ainda, conforme este Instituto, os diagnósticos da educação do campo têm apontado como principais questões:
Silva (2002) também critica duramente alguns projetos encontrados em localidades do interior, onde, no intuito de minimizar a defasagem escolar dos jovens rurais, oferecem num prazo de seis meses a possibilidade de conclusão de um ano letivo. Para a autora:
As iniciativas governamentais, por meio de projetos educacionais que visem a minimizar problemas tão arraigados como o analfabetismo e a evasão escolar, acabam muito mais por corroborar a falta de perspectivas destes jovens. Sobretudo, porque oferecem uma aprendizagem escolar que não lhes possibilita concorrer com igualdade, tanto nos estudos (ensino universitário, por exemplo) como no campo profissional. (SILVA, 2002, p.105-106)
Percebe-se, analisando estes pontos, a grande lacuna existente entre um ensino de qualidade e a educação que hoje é oferecida aos estudantes do campo. De acordo com Pinto et al., (2006, p.21), o fraco desempenho escolar da educação básica contribui fortemente para o aumento do abandono e da evasão, principalmente em zonas rurais, que pode ser constatado analisando a taxa de distorção idade-série, que indica o nível de desempenho escolar e a capacidade do sistema educacional em manter a freqüência do aluno em sala de aula.
A juventude rural
No decorrer dos anos, o tema juventude rural não interesse significativo da academia e de pesquisadores, o que dificulta a caracterização desta categoria de jovens - grupo que é responsável pela continuidade da população no meio rural, e, por isso, de suma importância para os projetos políticos e de desenvolvimento do país. Um estudo realizado por Weisheimer (2005) revelou que entre os anos 1990 a 2004 foram produzidos apenas cinqüenta trabalhos e pesquisas teóricas ou empíricas tendo como tema os jovens no meio rural. Os trabalhos se resumiram a: duas teses, três livros, dezoito dissertações e vinte e sete artigos (WEISHEIMER, 2005, p.9).
Para Siqueira (2004, p.31), enquanto no meio urbano o tema juventude está centrado nos problemas que os jovens causam aos pais ou à sociedade, no meio rural, a discussão “expõe o papel que os jovens desempenham na continuidade da agricultura”. Na verdade, esta frase é o retrato da percepção que a sociedade tem frente a estes dois grupos distintos de jovens. Enquanto aqueles vivem num mundo sem regras e de liberdade desenfreada, estes carregam sobre si o peso da responsabilidade da produção de bens primários à população urbana. De acordo com Silva (2002), esta categoria tem sido a mais afetada pelas transformações que vem ocorrendo no campo, conseqüência de “processos econômicos que deflagraram na desestabilização da agricultura familiar”. (2002, p.99).
Em seu estudo sobre os trabalhos científicos já publicados com o tema juventude rural no Brasil, Weisheimer (2005, p.20-24) identificou cinco abordagens utilizadas para conceituar esta categoria:
Novamente aqui, se percebe que há vários elementos que caracterizam esta classe, e não apenas o enfoque da faixa etária como delimitação. Muito mais do que a simples idade fisiológica, o ambiente, o modo de vida, o pertencimento a algum grupo e as transformações do corpo são fatores determinantes para a definição da juventude. Tanto que a CEPAL1 (apud ABRAMOVAY, 1998, p.37), diferentemente do que recomenda a ONU, utiliza o período entre 15 a 29 anos para caracterizar o jovem rural, e prolonga para além dos 30 quando não se resolve de maneira adequada a transição aos papéis e direitos adultos.
Para Kessler (2005), o conceito de juventude rural está associado ao conceito de nova ruralidade. Classicamente, conforme o autor, o rural era definido em torno das formas de vida no campo, nos planos institucionais, produtivos e culturais. Mas hoje a definição destes limites provém das fortes mudanças que tem sofrido a economia rural, multisetorial e diversificada. Desta maneira, a nova fronteira entre o urbano e o rural exige também uma definição mais dinâmica para o conceito de juventude rural. (KESSLER, 2005, p.22).
No Brasil, o número de jovens entre 15 a 24 anos vivendo no meio rural, de acordo com o censo realizado em 2000, era pouco mais que seis milhões de pessoas (de um total de trinta e quatro milhões de jovens no país). Em termos percentuais não representava sequer 20,0% de jovens brasileiros.
O município de Silveira Martins - Rio Grande do Sul
O município de Silveira Martins está localizado na região central do estado do Rio Grande do Sul (Figura 2) e fica distante 281 km da capital Porto Alegre. Possui 118 Km² de área territorial e está situado sobre a Serra de São Martinho, na Serra Geral, pertencente à Reserva de Biosfera da Mata Atlântica do estado. Teve sua emancipação efetivada em 1989, desmembrando-se do município de Santa Maria.
Silveira Martins é considerado o berço da quarta colônia de imigração italiana no estado. Primeiramente foi ocupada por imigrantes eslavos, que não se adaptaram às terras oferecidas pelo governo imperial e abandonaram a região. Para salvar o projeto colonial, o governo imperial então deslocou imigrantes italianos que se dirigiam à região nordeste do estado para a região central. A partir de 1877 teve início a chegada de imigrantes vênetos, da Itália, para ocuparem terras devolutas existentes nas encostas da serra. Em 1884, o império deu início ao processo de emancipação política da ex-colônia. Silveira Martins, então sede colonial, passou a fazer parte como o 4º Distrito de Santa Maria.
Localidades como Val Feltrina, Val de Buia e Pompéia ainda guardam a arquitetura típica baseada em pedra e tijolos trazida pelos primeiros imigrantes e que se tornou uma característica da paisagem rural e urbana das localidades de origem italiana da região. A área central da cidade preserva aspectos da sua ocupação histórica, com sobrados de antigos hotéis e casas comerciais, construídos no alinhamento da calçada. O campanário da Igreja Santo Antônio de Pádua foi inspirado na torre da Igreja de Caorte, na Itália.
A economia do município está centrada na produção primária e no turismo, principalmente o gastronômico. Entre os produtos primários, merecem destaque a soja, o milho e o feijão.
No que se refere à educação, Silveira Martins conta com apenas duas escolas em atividade: uma sob a responsabilidade do município, que oferece Educação Infantil e Ensino Fundamental e outra sob a tutela do estado, com o Ensino Fundamental e Médio. O município desativou as escolas do meio rural e aderiu à “nucleação” em 1993, como forma de melhorar a qualidade da educação e unificar os estudantes e seu corpo docente no centro da cidade. Hoje a Secretaria de Educação conta com cinco veículos que realizam o transporte escolar das crianças e jovens que residem em zonas rurais. Todos os professores concursados do município possuem graduação e especialização, conquistado por meio de uma parceria entre o município e a Universidade Franciscana (UNIFRA), de Santa Maria.
Metodologia
O objetivo deste trabalho foi verificar as perspectivas de futuro dos jovens rurais residentes no município de Silveira Martins - Rio Grande do Sul. Para tanto, optou-se por uma pesquisa descritiva de método quantitativo. Conforme Vergara (2000), este modelo expõe características de determinada população ou de determinado fenômeno. Além disso, também pode “estabelecer correlações entre variáveis e definir sua natureza”. (VERGARA, 2000, p.47). Quanto aos meios de investigação, o modelo escolhido foi a pesquisa de campo. Para Vergara (2000), trata-se de investigação empírica realizada no local onde ocorre ou ocorreu um fenômeno ou que dispõe de elementos para explicá-lo.
A população-alvo da pesquisa foram os jovens estudantes residentes em zonas rurais da 8ª série do ensino fundamental e do 1º, 2º e 3º anos do ensino médio do Colégio Estadual de 1º e 2º graus Bom Conselho, localizado no município de Silveira Martins/RS. Esta unidade de ensino foi escolhida por tratar-se do único colégio do município a oferecer educação a jovens na faixa etária objeto de estudo desta pesquisa, que é entre 15 a 24 anos. Conforme censo do IBGE de 2000, a população de jovens rurais entre 15 a 24 anos no referido município era de 226 pessoas, divididos em 131 homens, e 95 mulheres - conforme apresenta a Tabela 1, o que representava 14,8% da população rural. Utilizando estes dados para estimar a representatividade deste estudo em relação ao total da população rural do município nesta faixa etária, temos que esta pesquisa contemplou aproximadamente 25,0% dos jovens entre 15 a 24 anos, e 39,0% se considerado apenas os jovens entre 15 a 19 anos de idade.
15 A 19 anos |
20 A 24 anos |
Demais faixas-etárias |
Total |
||||
Homens |
Mulheres |
Homens |
Mulheres |
Homens |
Mulheres |
||
Urbano |
40 |
40 |
44 |
45 |
426 |
449 |
1.044 |
Rural |
83 |
56 |
48 |
39 |
678 |
623 |
1.527 |
Total |
123 |
96 |
92 |
84 |
1.104 |
1.072 |
2.571 |
TABELA 1: POPULAÇÃO URBANA E RURAL DO MUNICÍPIO DE SILVEIRA MARTINS/RS, POR GÊNERO E FAIXAS-ETÁRIAS SELECIONADAS - 2000
Fonte: elaborado pelo autor, com base em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2000/Dados_do_Universo/Agregado_por_Setores_Censitarios
No contato com os estudantes em sala de aula foram apresentados os objetivos da pesquisa e realizado o convite para que colaborassem por meio do preenchimento do questionário. Como estudam no colégio alunos da zona urbana e zonas rurais, também foi solicitado neste momento que apenas os estudantes residentes em zonas rurais participassem da pesquisa, o que totalizou 67 respondentes. Para adequar-se à faixa etária definida no estudo, foram excluídos os questionários dos estudantes menores de 15 anos (alunos da 8ª série do ensino fundamental com 14 e 13 anos), restando 59 questionários. Por fim, foram excluídos outros quatro questionários por apresentarem inconsistências nas respostas, ou seja, contradições entre as opções marcadas, o que comprometeu a credibilidade destes questionários. Sendo assim, a população deste estudo constituiu-se de 55 jovens rurais do município de Silveira Martins, estudantes com idade entre 15 e 20 anos, do Colégio Estadual Bom Conselho.
Análise dos resultados
Caracterização da amostra
O questionário foi respondido por 30 rapazes, que somaram 54,5% da população, e 25 moças (45,4%). Esta distribuição vem ao encontro das informações etárias do município, disponibilizadas pelo Censo Demográfico do IBGE, de 2000, que aponta um maior número de homens na maioria das faixas etárias entre 4 a 29 anos. Quanto a idade dos respondentes, 22 jovens possuíam 16 anos (40,0%), 15 jovens 15 anos (27,2%), 10 jovens 17 anos (18,1%) e 7 jovens 18 anos (12,7%). Apenas um jovem tinha 20 anos de idade. Em relação ao tamanho das propriedades onde os jovens residem, 28 jovens (51,0%) moram em propriedades que possuem mais de 5 e até 50 hectares, o que reforça a situação de unidades familiares de produção. 11 jovens (20,0%) moram em propriedades com até 5 hectares, seguido de 5 jovens (9,1%) morando em estabelecimentos com mais de 50 até 100 hectares e outros 5 jovens (9,1%) em propriedades com mais de cem hectares. Ainda, 4 jovens (7,3%) disseram que suas famílias não são proprietárias dos estabelecimentos onde residem.
O trabalho na agricultura
Questionados se ajudam ou não no trabalho agrícola, 30 jovens (55,5%) responderam que “sim”, e 24 jovens (44,4%) responderam que “não” ajudam. Percebe-se que muitos jovens não estão envolvidos no dia-a-dia da agricultura, sendo este percentual predominantemente maior entre as moças. Embora sejam jovens em idade escolar e, por isso, ocupam parte do seu dia freqüentando a escola, chama a atenção o percentual tão elevado de não ajudantes, uma vez que todos os jovens pesquisados residem no campo. A não exigência dos pais para participação dos jovens nas atividades agrícolas da propriedade pode ter influência positiva quanto ao prosseguimento nos estudos. Mas por outro lado, pode servir de desmotivação quanto à valorização do espaço rural.
Em relação ao quanto os jovens gostam do trabalho, 50,0% disseram “gostar mais ou menos”, enquanto 29,6% responderam “gostar muito”. Para 20,3% dos pesquisados, a agricultura não traz satisfação alguma. Para Weisheimer (2009), a penosidade das tarefas, o baixo retorno financeiro da atividade e a percepção do não reconhecimento do trabalho, são os principais motivos da insatisfação dos jovens no campo.
As perspectivas de futuro dos jovens rurais do município de Silveira Martins
A percepção dos jovens quanto à importância de freqüentar a escola está diretamente relacionado ao que sonha para o futuro, uma vez que a construção de um projeto de vida diferente do que atualmente vivenciam, passa necessariamente pelo ensino formal, sejam estes projetos ligados ou não à agricultura. Entre os motivos que levam os jovens pesquisados a freqüentar a escola, a busca por um emprego fora da agricultura foi a escolha da maioria (43,6%). Em segundo lugar aparece a intenção de estudar para futuramente se aperfeiçoar em alguma atividade agrícola, com 29,1%. Ainda merece consideração a justificativa de valorização pela sociedade, como resposta de 10,9% dos pesquisados. Analisando as respostas, se percebe que a freqüência à escola é vista pela maioria como uma alternativa para abandonar os trabalhos agrícolas. Um divisor de águas entre a vida no campo e o futuro na cidade. Para Weisheimer (2009, p. 203), na perspectiva dos jovens, o conhecimento que é adquirido na escola, dota-os de prestígio social, seja no grupo de amigos, na família ou na sociedade como um todo. E ainda, que o conhecimento escolar opera como um capital cultural bem cotado porque permite mobilidade social ascendente. Outro ponto importante refere-se ao fato de que somente um jovem creditou sua freqüência à escola pelo fato de ser importante para seus pais. Isto remete à constatação de que, cada vez mais os jovens rurais estão demonstrando autonomia nas decisões quando o assunto refere-se ao seu futuro ou quando lhes dizem respeito diretamente.
Em relação à percepção dos jovens rurais pesquisados quanto ao nível de instrução necessário para ser agricultor, nota-se que houve certo equilíbrio entre as alternativas “saber ler e escrever”, com 32,7% das respostas válidas, e “ter curso técnico agrícola”, com 29,1% de intenções. Isso demonstra que uma parte dos jovens rurais pesquisados tem consciência de que o conhecimento (principalmente o técnico) é importante para quem é agricultor. Se somarmos as respostas “curso técnico agrícola” e “curso superior”, o percentual obtido ultrapassa a alternativa “saber ler e escrever” (totalizam 34,6%), ou seja, embora a maioria dos pesquisados admitam estar estudando para conseguir um emprego fora da agricultura, eles têm presente que o estudo também é fundamental para aqueles que permanecerem no campo.
Em pesquisa realizada por Abramovay (1998, p.49) com jovens rurais da cidade de Saudades/SC, 35,5% dos rapazes entrevistados acreditavam que ter o ensino fundamental seria o necessário para exercer a profissão agrícola, seguido de ensino médio e curso técnico agrícola, com 22,6% cada alternativa, demonstrando relativa importância dada aos jovens para o prosseguimento das atividades no campo.
Na presente pesquisa, evidencia-se que 18 jovens manifestaram ser necessário apenas saber ler e escrever para quem vive da agricultura. É possível que estejam sendo influenciados pelo ponto de vista de seus pais. De acordo com Siqueira (2004), na visão de muitos agricultores, “a escolarização dos filhos só é necessária para os que pretendem sair do meio rural, pois os que permanecem na atividade agrícola precisam apenas saber ler e escrever” (2004, p.70). Visões que acabam por estagnar as pequenas unidades de produção e inibir a modernização da agricultura familiar.
Também foi questionado aos jovens qual a sua intenção quanto prosseguimento nos estudos. Ao encontro das respostas levantadas sobre os motivos que os levam a freqüentar a escola, a maioria dos respondentes (41,8%) manifestou a vontade de concluir curso superior não-agrícola, seguido do desejo de concluir o ensino médio - com 20,0% das intenções, curso técnico industrial - com 18,2% e curso técnico ligado à agropecuária e curso superior ligado à agropecuária - com 7,3% das respostas cada alternativa. Isso demonstra mais uma vez que o desejo de grande parte da juventude rural é abandonar as atividades agrícolas e buscar na cidade oportunidades de trabalho.
Também se verifica que 74,6% dos pesquisados deseja prosseguir os estudos após a conclusão do ensino médio, embora apenas 14,6% em cursos relacionados à agricultura. No entanto, 11 jovens manifestaram a vontade de não continuarem estudando, o que significa dizer, com certeza, que para 20,0% dos jovens rurais entrevistados, a proximidade do município de Silveira Martins com a UFSM não influencia nos projetos de vida.
A opinião dos jovens rurais sobre o município de Silveira Martins - relacionada a sua intenção de permanência ou não na cidade, também foi solicitada. Embora a maioria tenha respondido que gosta de morar e trabalhar no município (74,6%), o percentual de jovens que pretende ficar em Silveira Martins é de apenas 25,5% entre o grupo pesquisado. A maioria (49,1%) buscará um outro local para residir no futuro. É provável que entre os motivos esteja o fato de o município não oferecer condições de trabalho para quem deseja uma profissão fora da agricultura (como é o caso de grande parcela dos jovens pesquisados). Ou ainda, porque o município não dispõe de uma infra-estrutura adequada no que diz respeito à saúde e lazer, por exemplo. De acordo com Aguiar (2006), a dinâmica da mercantilização da agricultura familiar, bem como o processo de seleção/exclusão de unidades produtivas, impulsionadas principalmente pela modernização da agricultura, tem colocado em ênfase o mecanismo de “desagregação sociocultural” (p.72) de muitas famílias de agricultura familiar. Este fato impossibilita a continuidade, por parte dos jovens, da reprodução horizontal da pequena propriedade. Neste sentido, “o ficar e o sair de casa, o permanecer e o abandonar a agricultura dependerá do tamanho da crise”. (AGUIAR, 2006, p.73). Em outras palavras, embora alguns jovens hoje residentes em Silveira Martins preferissem permanecer no município, é bem possível que não exista condições ou “espaço” para constituírem família no local, dado a estrutura fundiária de suas famílias e a falta de oportunidades de emprego fora do ambiente rural.
Em relação à disposição dos jovens em permanecer ou não no ambiente rural, constatou-se que, a maioria dos respondentes (71,7%) desejam morar no meio urbano, e apenas 28,3% no meio rural. Isso demonstra a tendência de esvaziamento do campo que vem ocorrendo no decorrer dos últimos anos e que deve ser motivo de preocupação para o governo, haja vista as conseqüências deste processo para toda a sociedade. Entre as justificativas dos que pretendem morar em zona urbana destaca-se “porque há mais emprego”, “por causa dos recursos” e “porque gosto do movimento”. Entre aqueles que pretendem permanecer no meio rural, as principais justificativas foram “porque é um lugar calmo”, “porque é um ambiente agradável” e “porque gosto de liberdade”. Percebe-se que entre os motivos dos que preferem a zona urbana, prevalece a questão da oportunidade de um emprego como fator fundamental, visto que seu atual município não lhes oferece esta possibilidade. Em contrapartida, os que pretendem residir em zona rural, valorizam o ambiente e o que ele pode oferecer: silêncio, tranqüilidade e qualidade de vida. Para Carneiro (1998), o desejo dos jovens rurais em residir em zonas urbanas também está associado à “quebra do isolamento econômico” e a uma maior integração do campo aos valores da sociedade urbano-industrial, o que “estimula a formulação de projetos individuais voltados para o objetivo de melhorar de vida”. (1998, p.7).
Conclusões
Este artigo teve como tema a juventude rural e buscou aprofundar os projetos de futuro dos jovens residentes em zonas rurais do município de Silveira Martins/RS. Verificou-se que quase a totalidade dos rapazes (90,0%) ajuda no trabalho familiar agrícola, e que apenas 12,5% das moças disseram participar das atividades no campo. Também se constatou que a metade dos jovens homens gosta muito do trabalho agrícola, contra apenas 4,2% das moças. Em relação aos motivos que os levam a estudar, 43,3% dos rapazes disseram ser para futuramente se aperfeiçoar em alguma atividade agrícola – motivo compartilhado por apenas 12,0% das moças. Em contrapartida, 52,0% das mulheres freqüentam a escola para conseguir um emprego fora da agricultura, justificativa também de 36,7% dos homens. Em todos os levantamentos realizados neste trabalho, ficou evidente a maior disposição do público feminino em abandonar o meio rural. São elas quem menos ajudam nas atividades agrícolas, menos gostam do trabalho no campo, mais desejam abandonar o município e mais desejam um curso não-agrícola. Esta constatação acompanha as conclusões encontradas em outros trabalhos (ABRAMOVAY, 1998; WEISHEIMER, 2004, 2009; SIQUEIRA, 2004; AGUIAR, 2006; KESSLER, 2005), que aponta estar ocorrendo uma masculinização do meio rural no Brasil e o gradativo envelhecimento da população residente no campo, uma vez que as jovens estão buscando novas oportunidades longe da agricultura.
Embora seja difícil encontrar soluções para este crescente processo de abandono do campo por parte dos jovens, a literatura apresenta alguns exemplos que também poderiam ser copiados e aplicados no município de Silveira Martins. O primeiro diz respeito ao incentivo ao turismo. Silveira Martins e toda região da Quarta Colônia de Imigração italiana do estado do Rio Grande do Sul possui um grande potencial turístico a ser explorado. O município conta com belas paisagens e construções que foram erguidas pelos primeiros imigrantes italianos. Embora já existam famílias no município que participem de projetos relacionados ao turismo, principalmente o gastronômico, é preciso um investimento maior em marketing para que a procura aumente e, consequentemente, o número de unidades familiares seja incrementado. Isso abriria caminho para uma maior participação da juventude rural nos projetos, possibilitando uma fonte de renda alternativa e aumentando o sentimento de pertença dos envolvidos, valorizando sua cultura e o ambiente onde vivem e trabalham.
Outra opção refere-se à pluriatividade na agricultura. Como o município situa-se próximo de Santa Maria, onde as oportunidades de trabalho são mais freqüentes, principalmente no comércio, uma alternativa seria incentivar os jovens a buscar trabalho na cidade vizinha, mas fixar residência na zona rural de Silveira Martins. Esta possibilidade permitiria a continuidade da agricultura no município e a renda advinda da atividade não-agrícola auxiliaria na manutenção da família. Outra maneira de incentivar a permanência do jovem rural no município seria oferecer infra-estrutura mais adequada de lazer e entretenimento aos moradores, uma vez que a pesquisa realizada mostrou que 75,0% dos entrevistados gostam de morar em Silveira Martins.
No decorrer do estudo foram identificados alguns aspectos merecedores de aprofundamento, que aqui são citados como sugestões para pesquisas futuras: (1) embora tenha sido identificado o desejo, principalmente do público feminino em abandonar as atividades agrícolas, não foi possível descobrir os reais motivos que levam as jovens a preferirem os centros urbanos. Um estudo mais profundo neste sentido poderia apontar caminhos que auxiliasse as autoridades locais e regionais a planejarem ações mais eficientes de combate a esta migração; (2) como foi constatado que a grande parte da juventude rural pesquisada tem o desejo de abandonar a agricultura, seria de grande valia um estudo que verificasse qual o futuro provável de suas famílias no ambiente rural, bem como de suas propriedades.
ReferênciasABRAMOVAY, R. Juventude e Agricultura Familiar: desafios dos novos padrões sucessórios. Brasília: Edições Unesco, 1998.
AGUIAR, F. L. de. Juventudes de um rural catarinense: trajetórias cotidianas no contexto da agricultura familiar. 2006. 152 f. Dissertação (Mestre em Educação) – Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, [2006].
ANDRADE, E. R.; NETO, M. F. Juventudes e trajetórias escolares: conquistando o direito à educação. Em: ABRAMOVAY, M. et al (Org). Juventudes: outros olhares sobre a diversidade. 1ª ed. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Edições MEC/UNESCO, 2007.
BOF, A. M. (Org). A educação no Brasil rural. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Brasília, 2006.
BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Resumo Técnico – Censo da Educação Superior 2007. Brasília, 2009.
BRASIL, MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2000 – Resultados do universo. 2002. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/tabelabrasil > Acesso em 18 set. 2009.
BRASIL, MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Notas Metodológicas. 2003. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/trabalho rendimento > Acesso em 20 set. 2009.
BRASIL, MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). População Jovem no Brasil: a dimensão geográfica. 2004. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/populacao_jovem_brasil > Acesso em 18 set. 2009.
CARNEIRO, M. J. O ideal rurbano: campo e cidade no imaginário de jovens rurais. XXII Encontro Anual da ANPOCS; 1998. Disponível em: http://www.nead.gov.br/index.php?acao=biblioteca&publicacaoID=268 > Acesso em 02 dez. 2009.
FERNANDES, B. M. Os campos da pesquisa em educação do campo: espaço e território como categorias essenciais. Em: MOLINA, M. C. (Org). Educação do campo e pesquisa: questões para reflexão. Brasília: MDA, 2006.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Panorama da educação do campo. Brasília: INEP, 2007.
KESSLER, G. Juventud rural en América Latina. Panorama de las investigaciones actuales. Em: BRUNIARD, R. (Org). Educación, desarrollo rural y juventud. UNESCO. Buenos Aires, 2005.
PINTO, J. M. de R.; et al.; O desafio da educação do campo. Em: BOF, A. M. (Org). A educação no Brasil rural. Brasília: INEP, 2006.
SILVA, J. G. da. Tecnologia e Agricultura Familiar. 2.ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
SILVA, V. Jovens de um rural brasileiro: socialização, educação e assistência. Cad. Cedes, Campinas, v. 22, n. 57, agosto/2002, p. 97-115.
SIQUEIRA, L. H. S. de. As perspectivas de Inserção dos Jovens Rurais na Unidade de Produção Familiar. 2004. 125 f. Dissertação (Mestre em Desenvolvimento Rural) – Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, [2004].
SOARES, S., et al. Perfil estatístico da educação rural: origem socioeconômica desfavorecida, insumos escolares deficientes e resultados inaceitáveis. Em: BOF, A. M. (Org). A educação no Brasil rural. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Brasília, 2006.
UNESCO. Training and Employment Opportunities to Address Poverty Among Rural Youth: A Synthesis Report. FAO, ILO, UNESCO. Bangkok, UNESCO Bangkok, 2009.
VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2000.
WEISHEIMER, N. Os jovens agricultores e seus projetos profissionais: um estudo de caso no bairro de Escadinhas, Feliz/RS. 2004. 215 f. Dissertação (Mestre em Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, [2004].
WEISHEIMER, N. Juventudes rurais: mapa de estudos recentes. Brasília. Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), 2005.
WEISHEIMER, N. A situação juvenil na agricultura familiar. 2009. 331 f. Tese (Doutor em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, [2009].