Contribuciones a las Ciencias Sociales
Mayo 2014

O PAPEL DO ESTADO NO PROCESSO DE (RE)PRODUÇÃO SOCIOESPACIAL URBANA



Sara Livino de Jesus (CV)
sarageo1@hotmail.com
Universidade Federal da Grande Dourados



RESUMO: O objetivo deste trabalho é trazer alguns apontamentos sobre o modo que ocorre a (re)produção socioespacial urbana a partir da análise do papel e participação do Estado. Para o fortalecimento de nossa reflexão buscamos enfatizar as transformações ocorridas no processo de organização espacial, bem como, os efeitos dessa no modo de estruturação das cidades. Nesse sentido, destacamos o papel da ideologia como componente essencial das transformações e na redefinição dos papéis urbanos, principalmente, ao que se refere ao discurso ideológico do Estado no ordenamento do espaço. Nossa tentativa é apreender a partir da contribuição de alguns autores a lógica que direciona os rumos da (re)produção socioespacial urbana.

PALAVRAS-CHAVE: Produção do espaço. Estado. (Re)produção socioespacial urbana.

RESUMEN: El objetivo de este trabajo es aportar algunas indicaciones de cómo esto ocurre la (re) producción de análisis socio-espacial urbana de la función y la participación del Estado. Para fortalecer nuestro análisis tratamos de enfatizar los cambios en el proceso de organización espacial, así como los efectos de este modo de estructuración de las ciudades. En este sentido, se destaca el papel de la ideología como un componente esencial de la transformación y redefinición de los roles urbanos, sobre todo cuando se trata del discurso ideológico del Estado en la ordenación del territorio. Nuestro intento es captar las aportaciones de algunos autores la lógica que guía el curso de la (re) producción socio-espacial urbana.
PALABRAS CLAVE: Producción del Espacio. Estado. (Re) urbana de producción socio-espacial.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Livino de Jesus, S.: "O papel do estado no processo de (re)produção socioespacial urbana", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, mayo 2014, www.eumed.net/rev/cccss/28/espacio-urbano.html

Consideramos a análise do processo de (re)produção socioespacial urbana um tanto complexa, pois, o modo como se efetua ao longo da história mostra que esta sofre(eu) transformações, o que implica dizer que o entendimento da natureza que engendra os conflitos e contradições no espaço urbano é ocasionado por diferentes agentes e na (re)definição de seus papéis.

Outra questão a ser considerada está no fato de que o avanço do meio técnico e no setor de informação proporcionado pelo progresso científico tem trazido novas questões para a análise da dinâmica urbana, dentre as quais: a articulação entre os diferentes espaços que se dá através das diferentes formas de comunicação (material e imaterial), o que significa dizer que a hierarquia urbana não é a única maneira de se explicar a integração entre os diferentes espaços. Outra questão é o modo como o poder público busca regular o espaço urbano por meio de normas e regras que permitam que a materialização das relações vá de encontro aos interesses da acumulação capitalista. Em suma, as transformações nas relações de produção tem imprimido outra lógica no processo de (re)produção socioespacial urbana, assim, exige para o interior da análise espacial a necessidade de se atentar para a natureza das contradições considerando as diferentes transformações, sejam elas, econômicas, sociais, técnicas, científicas, objetivas e subjetivas no processo de (re)produção do espaço.

É a partir desse entendimento que buscamos analisar o papel do Estado no processo de (re)produção do espaço urbano, a fim de entender o papel exercido por ele. Na tentativa de não nos prendermos unicamente a função reguladora do Estado faremos menção da análise espacial a partir do processo de (re)produção social, assim, para tal entendimento buscaremos apreender a natureza da dinâmica socioespacial.

O nosso ponto de partida será apreender a essência da produção do espaço a partir da função desempenhada pelo Estado. Por conseguinte, buscaremos enfatizar o modo de produção em seu duplo sentido “amplo e restrito”, no processo de (re)produção socioespacial urbano, a fim de que nossa análise desemboque no entendimento do “espaço social de uso”, e não se restrinja apenas em sua apreensão “abstrata”.

APONTAMENTOS PARA ANÁLISE DO PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO

Consideramos neste trabalho entender o processo de produção a partir do entendimento de Lefebvre (1999), pois este contribui de modo significativo para a nossa apreensão, porquanto, evidencia que este não ocorre apenas no sentido restrito da acumulação capitalista, contudo, explica:

O que é a produção? Num sentido amplo, herdado de Hegel, mas transformado pela crítica da filosofia em geral e do hegelianismo em particular, pela contribuição da antropologia, a produção não se limita á atividade que fabrica coisas para trocá-las. Existem as obras e os produtos. A produção em sentido amplo (produção do ser humano por ele mesmo) implica e compreende a produção das ideias, das representações, da linguagem. Intimamente misturada “á atividade material e ao comércio material dos homens, ela é a linguagem da vida real”. (LEFEBVRE, 1999, p.44).

Nesse sentido, o autor afirma: “Assim, a produção não deixa nada fora dela, nada do que é humano. O mental, o intelectual, o que passa pelo “espiritual” e o que a filosofia toma como seu domínio próprio, são “produtos” como o resto”. (LEFEBVRE, 1999, p. 44-45).

A importância da concepção de produção Lefebvre nos remete para a reflexão acerca do espaço, uma vez que: “O espaço é concebido como Locus da reprodução das relações sociais de produção, isto é, reprodução da sociedade”. (CORRÊA, 1995, p.26). É no processo de reprodução social que as diferentes formas se evidenciam, dentre as quais a cidade.

É no âmbito das relações sociais e de produção que os conflitos e contradições emergem dando origem às transformações que ocorrem no espaço, como: a divisão social e territorial do trabalho, o progresso técnico, científico, dentre outros. Portanto, é no espaço que está contido as respostas para as questões concernentes á construção da sociedade e realidade urbana.

Ao trazer as reflexões de Lefebvre em torno das questões sobre o urbano e o rural, Sobarzo (2006), contribui para entendermos a forma que a cidade e o urbano devem ser apreendidos, assim, esclarece:

Para Lefebvre, a cidade poder ser lida como uma morfologia material, uma realidade presente, imediata, um dado prático-sensível, arquitetônico. O urbano corresponde á morfologia social, uma realidade social composta de relações presentes e relações a serem concebidas, construídas ou reconstruídas pelo pensamento. Nesse sentido, as relações entre cidade e urbano são estreitas, já que é impossível para a vida urbana dispensar uma base prático-sensível, que se constitui em produto e condição da dinâmica social. (LEFEBVRE, 1991b, p.49 apud SOBARZO, 2006, p.58).

A cidade enquanto forma, permite apenas a análise superficial, pois, é no processo de constituição que esta esconde a natureza das contradições do espaço. Desse modo, são nas categorias de análise: estrutura, processo, função e forma, que de acordo com Santos, (1985 apud CORRÊA, 1995), o espaço deve ser analisado, no entanto, essas não podem ser dissociadas em sua análise umas das outras. 

Com base em Lefebvre, Sobarzo entende que: “O urbano designa um processo: a constituição da sociedade urbana”. (SOBARZO, 2006, p.58). Considerando o urbano enquanto processo é inegável que sua realização implica em mudança, uma vez que: “Em outras palavras, processo é uma estrutura em transformação”. (CORRÊA, 1995, p. 29). É na dinâmica dos processos das relações sociais de produção que emergem os conflitos e contradições no espaço.

Todavia, os processos não estão dissociados de “uma estrutura social e econômica e resultam das contradições internas das mesmas”. (CORRÊA, 1995, p.29). Com base na estrutura econômica e social, análises foram realizadas com o objetivo de entendimento do espaço, pois, “Segundo os marxistas, a análise espacial deve estar vinculada diretamente ás transformações da sociedade produzidas pelo esforço de acumulação de capital e pela luta de classes”. (GOTTDIENER, 1993, p.125).

Não obstante, Gottdiener, esclarece que:

[...] Lefebvre formula uma abordagem marxista do espaço que difere drasticamente da de seus contemporâneos. Afirma de forma ousada que os fenômenos espaciais, na medida em que são produzidos em parte por antagonismos de classe, não podem ser abordados através da análise tradicional da economia política. Isso é verdadeiro, pois esta última apenas especifica teoricamente um espaço abstrato de análise marxista, que contém relações de dominação econômica. Mas a importância do espaço para Lefebvre é conquistada pela dialética entre valor de uso e valor de troca, que produz tanto um espaço social de usos quanto um espaço abstrato de expropriação. (GOTTDIENER, 1993, p.131).

A concepção formulada por Lefebvre sobre o espaço reflete que a análise desse pode incorrer em um entendimento contrário a real natureza de sua contradição, uma vez que, a supervalorização das relações econômicas em detrimento das relações sociais em sua apreensão esconde a origem dos conflitos e antagonismos que sucedem no espaço. Assim,

A principal contradição espacial da sociedade é a confrontação entre espaço abstrato, ou a exteriorização de práticas econômicas e políticas que se originam com a classe capitalista e com o Estado, o espaço social, ou o espaço de valores de uso produzidos pela complexa interação de todas as classes na vivência diária. (Lefebvre 1979, p.241 apud GOTTDIENER, 1993, p. 131).

De maneira que a análise espacial não deve ser reduzida a economia, tampouco, os conflitos que se dão nesse devem ter seu entendimento da mesma forma, isso porque: “[...] a luta de classes não se restringe ás relações de produção ao rés-do-chão – no limite, do chão da fábrica -, manifestação do embate pelo controle e determinação do processo de trabalho”. (MARTINS, 1999, p. 28). É necessário entendermos que o conflito “[...] representa, em vez disso, diferenças concretas entre pessoas em consequência da dominação do espaço abstrato sobre o espaço social em nossa sociedade atual”. (GOTTDIENER, 1993, p.130).

A condição que favorece a domínio do espaço abstrato sobre o espaço social é reforçada pela participação do Estado que atua no controle por meio da regulação do espaço. Desse modo,

[...] o espaço tornou-se, para o Estado, um instrumento político de importância capital. O Estado usa o espaço de uma forma que assegura seu controle dos lugares, sua hierarquia estrita, a homogeneidade do todo e a segregação. É, assim, um espaço controlado administrativamente e mesmo policiado. (LEFEBVRE, 1979 p.288 apud GOOTDIENER, 1993, p.130).

É nesse sentido que ocorre a imbricação entre Estado e a dominação econômica no processo de reprodução do espaço, pois, a ligação de ambos de acordo com Martins se coaduna.

[...] a meu ver a economia é política, pois o político está presente ali, na vida econômica, nas fundações da sociedade, atuando para preservar e perpetuar as separações, para permitir que as Coisas sigam operando “naturalmente” como se tivessem adquirido o estatuto de sujeito. (MARTINS, 1999, p.22, destaques do autor).

É evidente que o Estado atua diretamente no processo de reprodução do espaço, pois, é na “solução” dos conflitos que se originam nas relações sociais de produção que ele age com decisões antagônicas.

O papel do Estado nesse processo é contraditório. De um lado, precisa intervir a fim de preservar as coerências do espaço social em face de sua destruição pelas transformações capitalistas dos valores de uso em valores de troca – isto é, de espaço social em espaço abstrato. De outro, suas intervenções são explicitadas pela relação de dominação. Por conseguinte, as intervenções do Estado não resgatam o espaço social; ao contrário, ele apenas ajuda a hegemonia do espaço abstrato, produzindo alguns de seus próprios espaços através do planejamento. Sendo o Estado uma estrutura de poder suas intervenções inauguram a destruição do espaço social e a forma compacta, confinada de cidade. (GOTTDIENER, 1993, p.148).

O papel do Estado além de contraditório é bastante complexo em sua análise, uma vez que, sua dupla atuação, ora em favor do capital, ora em favor do espaço social requer maior atenção no modo que esse intervém no espaço. Isso se explica, porque, através de sua prática, enquanto provedor das necessidades fundamentais a sociedade, o Estado pode está criando condições de reprodução do capital e destruindo relações sociais que culminaram em valores culturais, simbólicos, ou seja, em sua produção material e subjetiva.

Martins nos adverte:

Se a imposição da acumulação de capital como reprodução social significou rupturas com as formas pretéritas de praticar e conceber a existência, o processo carrega conflitos em suas próprias entranhas, uma vez que se trata de recalcar e acomodar nas malhas do mercado, esvaziando de sentido histórico, as formas contemporâneas que não estejam em plena consonância com a expansão do capital, ou, o que é pior, trata-se de aniquilá-las, quando de algum modo venham a questioná-la. Nesse encurralamento, o Estado desempenha papel de primeira grandeza. (MARTINS, 1999, p.22).

O papel do Estado enquanto mediador dos dois extremos que se colocam na reprodução das relações sociais de produção implica em transformações na organização espacial. A dinâmica da reprodução do espaço adquire com o tempo novas formas e a função dessas é cada vez mais específica à continuidade de reprodução do capital. Para Martins:

Nesse movimento de expansão, ao mesmo tempo em que se trata de modernizar os espaços que já se encontram sob o acicate da reprodução das relações sociais agrilhoadas á acumulação de capital, trata-se também de tornar produtivos espaços (re)produzidos por relações sociais não comprometidas visceralmente com a acumulação do capital, e interditar que relações de outra ordem se estabeleçam ou prevaleçam. Trata-se da produção estatista do espaço, cujas contradições que arrasta têm de ser vistas á luz dos diversos e distintos momentos em que se manifesta. (MARTINS, 1999, p.29).

Sob a luz do Estado, da economia, ou do homem o espaço deve ser entendido de modo que integre todas as suas categorias, a fim de que nenhuma se sobreponha a outra, pois:

O espaço também não é um instrumento político, um campo de ações de um indivíduo ou grupo, ligado ao processo de reprodução da força de trabalho através do consumo. Segundo Lefebvre, o espaço é mais do que isto. Engloba esta concepção e a ultrapassa. O espaço é o lócus da reprodução das relações sociais de produção. (CORRÊA, 1995, p. 25).

Transcorrido o entendimento do espaço, enquanto receptáculo Lefebvre nos orienta numa nova direção para a abordagem acerca  desse. “Em seu Espacio y Política argumenta que o espaço “desempenha um papel ou uma função decisiva na estruturação de uma totalidade, de uma lógica, de um sistema”. (LEFEBVRE, 1976, p. 25 apud CORRÊA, 1995, p. 25).

É sob o conceito de formação socioespacial que buscamos entender a natureza e os novos conteúdos das contradições e conflitos, pois:

[...] uma sociedade só se torna concreta através de seu espaço, do espaço que ela produz e, por outro lado, o espaço só é inteligível através da sociedade. Não há, assim por que falar em sociedade e espaço como se fossem coisas separadas que nós reuniríamos a posteriori, mas sim de formação sócio-espacial. (CORRÊA, 1995, p.26).

Consideramos que a concepção de produção de Lefebvre (1999), nos remete para a complexidade da (re)produção socioespacial, visto que, ela abarca desde a produção de coisas, ou produtos, bem como, essa de forma subjetiva. Desse modo, as relações sociais de produção são movidas por racionalidades e subjetividades na formação espacial, por conseguinte, têm-se a emergência dos conflitos e contradições.

DINÂMICA URBANA E A ESTRUTURAÇÃO DAS CIDADES

A dinâmica dos processos na formação espacial permitiram as mais variadas formas de transformações no espaço urbano ao longo do tempo. Isso tem provocado mudanças no modo como os efeitos da urbanização estão sendo efetuado e sentidos. Para Beltrão Sposito: “[...] esse processo tomou novos rumos com o desenvolvimento do capitalismo e seu padrão correlato de produção e consumo – o industrialismo” (BELTRÃO SPOSITO, 1999, p.86).

Tomado o entendimento de Beltrão Sposito (1999, p.86), “[...] de que urbanização é um processo e a cidade, uma forma espacial [...]”, é que buscamos aqui evidenciar as transformações ocorridas na cidade decorrentes da intensificação da urbanização. A materialização das relações sociais de produção no espaço tem adquirido um caráter um tanto peculiar nos dois últimos séculos.

Tais relações materializam-se através de diferentes formas de circulação no mundo contemporâneo. Ao desenvolvimento dos meios de transportes, já considerado há décadas, acrescentam-se, atualmente, os meios de circulação imateriais que permitem que as comunicações sejam instantâneas e se realizem em múltiplas escalas. (BELTRÃO SPOSITO, 1999, p. 92).

Dentre as várias transformações ocasionadas pelo progresso nas áreas de comunicação e informação, a análise para o entendimento de como as diferentes cidades se articulam, não deve considerar estritamente a condição hierárquica, visto que:

A multiplicação dos vetores de circulação, sobretudo de informações, evidencia-se, assim, redesenhando a espacialidade das relações entre as cidades. A organização hierárquica produzia vetores das cidades menores para as progressivamente maiores, e vice-versa, reforçando o padrão concêntrico de adensamento econômico e populacional. Atualmente, há possibilidades múltiplas de relações entre cidades de diferentes padrões, sem que, necessariamente, elas se estabeleçam hierarquicamente. (BELTRÃO SPOSITO, 1999, p.93)

Desse modo: “Se a intensidade dos fluxos aumenta através da ampliação das formas de comunicação materiais e imateriais, não há como não considerar essa dimensão da realidade para a análise dos novos espaços urbanos”. (BELTRÃO SPOSITO, 1999, p.92).

As cidades enquanto lugar das relações sociais de produção oferecem condições para que a sociedade possa se reproduzir. Desse modo, o processo de reprodução das relações sociais de produção tem imprimido transformações que implicam em novas relações e redefine os papéis urbanos.

É importante, destacar que as cidades “[...] oferecem os meios para o consumo final das famílias e administrações e o consumo intermediário das empresas”. (SANTOS e SILVEIRA, 2002, p. 280). Para os autores a cidade é o lugar do consumo, e esse pode realizar-se de duas maneiras: “o consumo consumptivo e o consumo produtivo”. Assim, explica:

Entre as formas de consumo consumptivo, isto é, de consumo das famílias, podemos incluir o consumo de educação, de saúde, de lazer, de religião, de informação geral ou especializada e o consumo político, na forma do exercício da cidadania. Entre as formas de consumo produtivo encontram-se, entre outras, o consumo de ciência embutida nas sementes, nos clones, nos fertilizantes etc., o consumo de consultorias e o consumo do dinheiro adiantado como crédito. (SANTOS e SILVEIRA, 2002, p.280).

A materialização das relações do processo de urbanização esconde em sua forma não só aspectos da racionalidade em seu processo produtivo, contudo, para que a função a que se destinam as diferentes formas seja efetivada, aspectos subjetivos indispensáveis à reprodução humana compõem o intenso processo de urbanização. Por isso, “[...] as cidades cumprem o papel de responder ás necessidades da vida de relações, que recentemente aumentaram quantitativamente e se diversificaram qualitativamente”. (SANTOS e SILVEIRA, 2002, p.280).

Sobre as formas de consumo consumptivo e produtivo as relações que se dão no processo de urbanização assume novas características que se expressam no desenvolvimento da técnica e com a intensificação dos meios de comunicação, isso contribui, para que o consumo produtivo seja viabilizado com maior eficácia, uma vez que: “[...] a urbanização resultou de um longo processo de passagem da prevalência da ordem política para a prevalência da ordem econômica nas cidades [...]”. (BELTRÃO SPOSITO, 1999, p. 25).

O consumo produtivo vincula-se diretamente ao processo de acumulação capitalista, por conseguinte, ao consumo de mercadorias. O que buscamos enfatizar é que sob a lógica do mercado a reprodução da cidade tem se realizado na busca da (re)produção do capital. É no direcionamento da ordem do capital que vemos as transformações que se dão na cidade.

Destacamos a contribuição de Beltrão Sposito (1998), ao analisar a gestão do território, pois, de acordo com ela a expansão territorial da cidade segue rumo a sua periferização, isso porque:

Se de um lado, a lógica das novas áreas residenciais reproduz os princípios do urbanismo de Le Corbusier para atender aos interesses fundiários e imobiliários que as definem, podemos dizer que a lógica de multifuncionalidade ficou relegada a um segundo plano, pois independentemente do padrão a que se destinam essas novas formas de habitat urbano revelam uma das faces da cidade especializada internamente, marca da monofuncionalidade que se instala, fortemente apoiada nas políticas de planejamento urbano e na legislação produzida por essas cidades. (BELTRÃO SPOSITO, 1998, p.30).

O problema que se levanta dessa forma de estruturação das cidades está no fato de que: “Essas novas áreas parecem setores que mais se justapõem, do que se articulam. Produz-se uma paisagem urbana recortada, com forte desequilíbrio e sem estreitas ligações entre habitação, trabalho, comércio e serviço”. (BELTRÃO SPOSITO, 1998, p.31).

As mudanças na estruturação das cidades exigem considerar em sua análise as transformações, bem como, em que lógica essas estão sendo reproduzidas, visto que:

Se não temos mais a continuidade da cidade compacta, se não temos mais uma cidade organizada, hierarquicamente, em círculos concêntricos em torno de um centro único, se temos que questionar a ideia de uma cidade que expressa unidade ou totalidade, devemos pensar as categorias de análise centro e periferia, não como dicotômicas, mas como espaços de interpenetração. Teríamos, então, o predomínio da fluidez sobre o lugar. (BELTRÃO SPOSITO, 1998, p.31)

O desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação possibilita essa descontinuidade na expansão territorial das cidades, aliado as novas técnicas de produção e na redefinição das atividades urbanas, as formas presentes no espaço ganham outro significado para atender a especialização dos lugares. Beltrão Sposito enfatiza:

O racionalismo científico que sustentou o desenvolvimento industrial técnica e ideologicamente, produziu um urbanismo baseado na ideia de segmentação e especialização do espaço urbano, gerando novas demandas de circulação no interior das cidades, e dando novos conteúdos aos seus espaços públicos, tornando-os cada vez mais lugares para se passar, cada vez menos lugares para se estar. (BELTRÃO SPOSITO, 1996, p. 81).

Em suma, “[...] a generalização da informática e das comunicações por satélite rompem a necessidade da proximidade, ou da contiguidade reforçando a possibilidade da cidade descontínua e fragmentada”. (BELTRÃO SPOSITO, 1996, p.81).

Os avanços produzidos nas áreas de informação e comunicação imprimem novas características a estruturação das cidades, visto que, as pessoas não precisam do encontro a fim de que possam estabelecer o diálogo. Outro fator que deve ser considerado é a crescente utilização do automóvel, bem como, os diversos tipos de transporte coletivo possibilitando a circulação das pessoas tanto no centro como nas áreas periféricas da cidade, “pois os deslocamentos não são mais avaliados pelo sistema métrico ou equivalente, mas pelo tempo necessário para tal”. (BELTRÃO SPOSITO, 1996, p.81).

Consideramos que o consumo dos diferentes lugares no interior da cidade é feito de modo desigual pela sociedade, uma vez que, o acesso a esses exige que a condição financeira possa permitir a entrada em determinadas partes da cidade. Isso se confirma, pois:

Cada segmento social, definido por seu padrão de consumo, cultural e de informação (estando o acesso a cultura e à informação também controladas pelo mercado), constrói uma representação de cidade, a partir de suas experiências, dos territórios de sua vivência, das espacialidades que constrói na dinâmica de circulação e acesso ao conjunto da cidade. (BELTRÃO SPOSITO, 1996, p.82).

Os problemas que emergem das transformações decorrentes dessa estruturação da cidade, dentre eles a segregação socioespacial, ocorre pelo fato de que: “A construção de uma identidade urbana e de uma representação do espaço vivido define-se, a partir dessa concepção e estruturação de cidade, pela negação da diferença, pelas impossibilidades de convivência com o que não é igual”. (BELTRÃO SPOSITO, 1996, p.82).

Nesse sentido, devemos entender que:

A segregação sócio-espacial assim definida não pode ser compreendida apenas pela diferenciação e isolamento espacial da função habitacional, mas pelas dificuldades de ter acesso ao conjunto da cidade, tanto no sentido objetivo, para aqueles que enfrentam as limitações orçamentárias para o acesso ás formas mais eficientes de deslocamento e comunicação, como no sentido subjetivo, tendo em vista as dificuldades de construção de uma identidade urbana. (BELTRÃO SPOSITO, 1996, p. 82-83).

Vimos que a análise da cidade tem se mostrado bastante complexa, pois, a dinâmica no decorrer de sua estruturação incorpora diferentes componentes que devem ser considerados em seu processo de apreensão. A especialização dos lugares, a descontinuidade da cidade em sua expansão territorial, o avanço nos meios de comunicação e informação, a intensificação da utilização do automóvel, o racionalismo técnico e científico na produção do espaço urbano, dentre outras, são questões que não podem ser desvinculadas da análise que se vincula a natureza da cidade.

Todavia, devemos entender que os conflitos e contradições que emergem das relações sociais de produção mantêm estreita ligação com as formas de consumo do espaço, seja através do consumo consumptivo ou produtivo, ambos se realizam concomitantemente. Isso nos possibilita entender que o embate entre as diferentes formas de produção1 do espaço urbano vai além da racionalidade da acumulação capitalista.

A IDEOLOGIA DO ESTADO NO PROCESSO DE (RE)PRODUÇÃO SOCIOESPACIAL URBANA

A produção do espaço urbano em sua essência compreende diversos sujeitos e interesses, esses vão desde as necessidades mais elementares de sobrevivência, passando pela religião, a construção de símbolos, bem como, aos interesses de acumulação do capital. É por isso que a análise da (re)produção socioespacial não deve privilegiar determinados elementos em detrimento de outros, visto que, o entendimento do espaço urbano deve envolver os diferentes sujeitos e interesses, assim como, a forma que esses se articulam e se justapõem.

Nesse sentido, concordamos com Calixto ao enfatizar:

Considerando que a análise não deve passar apenas pela dimensão econômica e que a realidade também é marcada por uma experiência simbólica, torna-se necessária uma discussão acerca do papel desempenhado pela ideologia na determinação dos processos socioespaciais, sobretudo, por se tratar da análise de políticas públicas em que a ideologia presente, principalmente no discurso, está estritamente ligada aos objetivos almejados, não apenas por reforçar, mas também por dar sustentação as estratégias traçadas ou propostas. (CALIXTO, 2001, p.79).

As transformações no processo de estruturação das cidades (BELTRÃO SPOSITO, 1996) pautadas no racionalismo e na especialização dos lugares e que proporcionam novos sentidos aos diferentes lugares não são realizadas sem resistência, visto que, os diferentes interesses na produção do espaço urbano, ora se articulam, ora se confrontam. Todavia, para que alguns interesses possam prevalecer à ideologia aparece como indispensável, a fim de, amenizar os conflitos que emergem da natureza contraditória do espaço.

Para Santos: “A ideologia é, ao mesmo tempo, um dado da essência e um dado da existência, neste fim do século XX. Ela está na estrutura do mundo e também nas coisas. Ela é um fator constitutivo da história do presente”. (SANTOS, 1997, p.102). Desse modo, a ideologia é um componente indissociável na e para a (re)produção do espaço urbano. Contudo, a função a ser desempenhada pela ideologia se refaz a cada nova exigência de transformação no tempo e no espaço. Desse modo, Santos enfatiza:

Por isso mesmo, a cada nova divisão do trabalho, a cada nova transformação social, há, paralelamente, para os fabricantes de significados, uma exigência de renovação das ideologias e dos universos simbólicos, ao mesmo tempo em que, aos outros, tornam-se possíveis o entendimento do processo e a busca de um sentido. (SANTOS, 1997, p.103).

É na (re)produção socioespacial, ou seja, é no interior das contradições que emergem nas relações sociais de produção que a ideologia atua como protagonista no papel de ocultar os antagonismos da realidade social. Nesse sentido, Calixto destaca:

No discurso ideológico, a origem da ideia surge dissociada de seus articuladores ou daqueles que a elaboraram, passando a impressão de neutralidade. Apesar de ser a expressão da contradição, a ideologia sustenta-se por oferecer à sociedade, marcada pelo conflito de interesses, uma imagem que tenta e consegue anular a existência concreta da contradição, construindo, uma imagem de sociedade homogênea e calcada na identidade, reforçando-se e se difundindo por meio do distanciamento entre ideias e realidade social. (CALIXTO, 2001, p. 86).

Sem sombra de dúvida que um dos principais utilizadores e da promoção do discurso ideológico é o Estado na função de agente regulador do espaço. Assim, o Estado não pode prescindir da ideologia, a fim de, reafirmar a sua legitimidade no ordenamento e regulação do espaço, desse modo, como indispensável no processo de (re)produção socioespacial.

Assim, é através da regra e da norma que a ideologia se reafirma em decorrência das contradições que emergem no espaço urbano, pois:

Assim, a ideologia torna-se instrumento de uma construção imaginária e uma “lógica” da identidade, unicidade camuflando a expressão do particular enquanto tal, criando ainda um conjunto de normas que possam justificar, sustentar e legitimar tais práticas. (CALIXTO, 2001, p.85).

A cidade, bem como, a sua constituição é permeada por conflitos de interesses, o Estado busca através da regulação conduzir o ordenamento do espaço, que na maioria das vezes vai de encontro com os interesses dos mercados fundiário e imobiliário. A (re)produção socioespacial se realiza imersa na contradição que se pauta na necessidade de sobrevivência e na reprodução ampliada do capital. Assim:

[...] o Estado regulador impõe as relações de produção sob a forma de dominação do espaço, imbricando espaços dominados/dominantes para assegurar a reprodução da sociedade enquanto reprodução continuada do capital e do poder do Estado. (CARLOS, 2004, p145).

Para autora, os problemas que emergem das relações sociais de produção, e que se evidenciam nas cidades não “[...] se reduz ao crescimento populacional e a consequente deterioração que esta população traz com sua presença à “natureza” na cidade”. (CARLOS, 2004, p.145).

Nesse sentido, o papel a ser desempenhado pelo Estado se define em administrar a cidade e os problemas que nela surgem relativos ao seu ordenamento e expansão territorial.

E assim a crítica ao Estado se reduz ao problema da definição administrativa da cidade e de sua capacidade produtiva que se estendo por todo o espaço enquanto lugar da planificação de uma lógica de crescimento sob a égide do Estado que cria as políticas que gera a possibilidade do crescimento. (CARLOS, 2004, p. 145).

É certo que a função do Estado não deve ser reduzida a solucionar problemas de ordem técnica. Os conflitos que emergem no processo de relações sociais de produção, por conseguinte, do espaço requer o entendimento da natureza das contradições, ou seja, da inversão dos valores que dão outro significado do direito a cidade em direito a moradia, da transformação do cidadão em consumidor, do valor de uso em valor de troca, Carlos (2004). É nesse sentido, que o Estado deve se empenhar em devolver o real sentido de realização da vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A (re)produção socioespacial urbana guarda em seu bojo transformações que ao longo do tempo tem imprimido novas características as relações sociais de produção, por conseguinte, a materialização dessas relações identificadas por suas formas tem tomado outro significado, principalmente ao que tange a função por elas exercidas.

O Estado tem desempenhado nesse contexto um papel bastante complexo, bem como, definidor dessa realidade, contudo, a sociedade civil também tem confrontado suas decisões, desse modo, estabelecendo a causa dos conflitos que emergem no espaço. Isso apenas reafirma, que mesmo o Estado agindo principalmente em favor do capital a (re)produção socioespacial não se faz unicamente em prol de interesses capitalistas.

Reconhecemos que os avanços nos meios de informação e de circulação material e imaterial têm trazido mudanças significativas, principalmente, no modo como se realiza a estruturação das cidades na atualidade, além, racionalidade produzida nos diferentes lugares com sua especialização, e que essa realidade deve estar estritamente vinculada a análise da (re)produção socioespacial urbana, por conseguinte em sua materialização. 

Todavia, o as transformações provocadas, principalmente com o progresso técnico e científico na estruturação das cidades deve partir do entendimento de como essas mudanças cooperam para a segregação socioespacial e impede que as classes com menor poder aquisitivo possam usufruir o direito de sua utilização.

É inegável que o Estado nos vários momentos da história tem contribuído significativamente para e com as transformações que ocorrem no espaço, e aqui consideramos que a sua existência é imprescindível, contudo, o modo como ele tem realizado o seu papel tem acentuado os conflitos e as contradições na (re)produção socioespacial.

A valorização dos interesses do mercado em detrimento dos interesses sociais, bem como, da plena realização da vida é uma das causas que devemos atribuir ao Estado como principal agente contribuidor dos conflitos. A inversão dos valores e das funções atribuídas as diferentes formas, assim como, a transformação do “cidadão em consumidor”, Carlos (2004), além do racionalismo técnico da qual a cidade tem sido o alvo principal é realizado sob o discurso ideológico que provem do Estado.

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Aqui o entendimento de produção é em seu sentido amplo e restrito conforme Lefebvre. (LEFEBVRE, 1999, p. 44).