Matheus Pinheiro de Oliveira e Silva (CV)
Alissandra Nazareth de Carvalho (CV)
matheuspos@hotmail.com
Universidade Federal de São Carlos
Resumo: As tradições e culturas de uma comunidade fortificam as identidades e memórias com seus antepassados, preservando e mantendo o vínculo social com determinado povo. O seguinte trabalho tem como objetivo compreender a importância da cultura e tradição italiana para a vitivinicultura no município de Jundiaí. Para isso, foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre a história da evolução da vitivinicultura no Estado de São Paulo e na cidade de Jundiaí e estudos exploratórios seguidos de pesquisas qualitativase entrevistas com os proprietários das adegas artesanais Vendramin, Sibinel, Mingotti, Fontebasso, Negrini e Beraldo di Cali, pertencentes à Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho de Jundiaí e Associação dos Produtores de Vinhos Artesanais (AVA). O tratamento dos dados foi feito pela análise do discurso do sujeito coletivo, objetivando apresentar a situação da realidade destes estabelecimentos pesquisados para a vitivinicultura jundiaiense. As pesquisas acerca deste tema visam esclarecer se a cultura e tradição italiana na vitivinicultura de Jundiaí ainda são mantidas ou se estão se adaptando ou desaparecendo ao longo do tempo.
Palavras-chave:Cultura; Tradição; Vitivinicultura; Jundiaí; Adegas Artesanais.
Abstract: The traditions and culture of a community fortify the identities and memories with their ancestors, preserving and maintaining the social bond with certain people. The following study aims to understand the importance of the Italian culture and tradition to the viticulture in Jundiaí. For this, were performed bibliographic research about the history of the evolution of viticulture in the state of São Paulo and Jundiaí and qualitative research followed by exploratory studies and interviews with the owners of artisanal wineries Vendramin, Sibinel, Mingotti, Fontebasso, Negrini and Beraldo di Cali, belonging to the Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho de Jundiaí e Associação dos Produtores de Vinhos Artesanais (AVA). The data analysis was done by analysis of the discourse of the collective subject, aiming to present the situation of the reality of these establishments surveyed for the Jundiaí viticulture. The research on this topic sought to clarify whether culture and tradition in Italian viticulture Jundiaí are still maintained or are adapting or disappearing over time.
Palavras-chave: Culture; Tradition; Vitiviniculture; Jundiaí; Artisanal Wineries.
Resumen: Las tradiciones y la cultura de una comunidad fortalecen las identidades y memorias de sus antepasados, preservando y manteniendo los vínculos sociales com um grupo. El siguiente estudio tiene como objetivo comprender la importancia de la cultura y la tradición de la viticultura italiana en Jundiaí, São Paulo, Brasil. Para esto, se realizo la investigación bibliográfica sobre la historia de la evolución de la viticultura en el estado de São Paulo y Jundiaí, junto com estudios exploratorios seguidos por la investigación cualitativa. Las entrevistas se realizaron con los propietarios de las bodegas artesanales Vendramin, Sibinel, Mingotti, Fontebasso, Negrini y Beraldo di Cali, pertenecientes a los Productores Agrícolas y Asociación Cooperativa de Jundiaí y Oficios del Vino (AVA). El análisis de los datos se realizó mediante el análisis del discurso del sujeto colectivo, con el objetivo de presentar la situación de la realidad de estos establecimientos encuestados para la viticultura de Jundiaí. La investigación sobre este tema trató de aclarar si la cultura y la tradición en Jundiaí viticultura italiana aún se mantienen o se adaptan o desaparecen con el tempo.
Palabras clave: Cultura; tradición; Viticultura; Jundiaí; Bodegas Artesanales.Introdução
O presente artigo representa um recorte de um trabalho maior, realizado pelos autores ao longo do processo de finalização do curso de graduação em turismo, cuja inspiração se deu por ligações pessoais de um dos autores com o município de Jundiaí e também pela vontade de compreender a relação dessa cidade com a cultura e a tradição da vitivinicultura.
Jundiaí esta localizada próximo a capital paulista, e apesar de ser uma cidade que possui 370.126 habitantes, e com população urbana de 354.204 pessoas (IBGE, 2010), as atividades rurais ainda persistem, principalmente as relacionadas à vitivinicultura que são mantidas por descendentes de imigrantes italianos. Várias são as indagações sobre o que levou Jundiaí a ser conhecida como “Terra da Uva” e o que fez, de fato, a cidade receber este título, muito embora a cidade seja reconhecida pela sua importância da cultura e tradição italiana para a história da cidade.
A cidade de Jundiaí detém, devido à imigração italiana que ocorreu em meados do século XIX no Brasil, uma importante formação cultural proveniente da Itália. A prática de tradições e cultura italianas na cidade formou a identidade de diversos bairros jundiaienses e da própria cidade.
A relação e o sentido de pertencimento e afinidade com a sua pátria-mãe, trazidos pelos imigrantes e mantidas através de modos e estilos de vida que foram se adequando e sendo aceitos pelos grupos que viviam na localidade, como cultivo de uvas e colheita das mesmas para processamento e produção de vinhos, fazia com que suas ações se refletissem no ambiente, estabelecendo uma identidade cultural. Segundo Pires (2001: 77):
Identidade cultural é o conjunto de caracteres próprios e exclusivos de um corpo de conhecimentos, seus elementos individualizadores e identificadores; enfim, o conjunto de traços psicológicos, o modo de ser, de sentir e de agir de um grupo que se reflete nas ações e na cultura material (PIRES, 2001: 77).
A cidade conta com inúmeras propriedades, no meio rural, que reforçam a identidade da cultura italiana, principalmente com a produção de diversas frutas, das quais se destaca a uva, em especificamente a espécie Niágara rosada, afirmando o título de “Terra da Uva” e mantendo a tradição secular da produção de sucos e vinhos artesanais, com qualidade e sabor (SEBRAE, 2011).
Assim sendo, o cultivo da uva e produção de vinho de mesa se difundiu em diversos pontos rurais do município paulista possibilitando os imigrantes italianos a reviverem tradições e resgatar o sentimento de pertencimento e construir uma afinidade ao novo lar, através de tradições que mantidas em território brasileiro formaram e continuam formando parte da Itália no Brasil. O Núcleo Colonial Barão de Jundiaí foi um grande responsável pela formação do Bairro da Colônia, Bairro do Caxambu, Toca, Roseira e Traviú (GARCIA e OLIVEIRA, 2013).
O bairro Caxambu, atualmente, mantém vários empreendimentos familiares e que foram constituídos graças às tradições das famílias italianas de imigrantes que preservando tradições de suas origens, cultivavam e plantavam uvas, bem como produziam vinhos de mesa. A cultura e a civilização, contudo, são dinâmicas e com a urbanização e expansão do município de Jundiaí, muitos empreendimentos familiares que cresceram e foram construídos através das décadas finais do século XIX e meados do século XX, mantendo tradições de seus antepassados, cederam as transformações sociais, a globalização e industrialização, as novas gerações que não se interessam em conservar as tradições de seus antepassados, além da expansão da área urbana, tomando conta de lotes de terras de zonas rurais. Segundo Souza, Otani e Verdi (2010: 56):
A urbanização recente de áreas rurais, por exemplo, representa uma mudança que pode ameaçar a continuidade desses mercados localizados, pelo grande número de informações e oportunidades que as gerações mais jovens encontram fora de suas localidades de origem (SOUZA, OTANI e VERDI, 2010: 56).
Corroborando, Adriana Renata Verdi, coordenadora do projeto “Revitalização da cadeia vitivinícola paulista: competitividade, governança e sustentabilidade”, cita que os processos de especulação imobiliária, afastaram e restringiram a permanência de produtores rurais, sendo que em muitos locais onde havia plantações, hoje estão instalados condomínios residenciais fechados, de médio e alto padrão (ALCÂNTARA, 2010: 1). Ademais, o foco na produtividade é o contraponto da tradição, que constrói e fortalece as identidades de um grupo ou povo, pois muitos estabelecimentos mecanizam os processos para obter produtos com maior eficiência e em maior escala e acabam por afetar a cultura e tradições mantidas durante um longo período.
Tal cenário nos leva a seguinte indignação: será que o desenvolvimento de uma sociedade mecanicista e industrializada, após a globalização, com a criação de diversas tecnologias para aumentar a produção local de vinhos e colher uvas com mais eficiência e em maior proporção, fizeram com que a cultura italiana se adaptasse e se transformasse ao longo deste período no qual a atividade vitivinícola tomou o espaço da produção cafeeira?
Partindo de pressupostos de que a cultura italiana vigorou na cidade de Jundiaí devido à aceitabilidade e acolhimento dos povos locais para com as tradições italianas e das famílias manterem o sentido de pertencimento com o país através do desenvolvimento de atividades rurais, como a vitivinicultura, além da organização de festas italianas que ocorrem todo ano no município, como a Festa da Uva e a Festa Italiana, o presente artigo objetiva compreender a relação entre a tradição e cultura italiana para a vitivinicultura e turismo rural no município de Jundiaí. Além disso, a pesquisa tem como objetivos específicos: (1) contextualizar brevemente a evolução do cultivo da uva e produção do vinho de 1880 a 1950 no Estado de São Paulo e no município de Jundiaí, (2) identificar a potencialidade das atividades rurais para o desenvolvimento do Turismo (turismo rural e enoturismo) na cidade e (3) analisar a realidade da vitivinicultura de Jundiaí na atualidade.
Como metodologia, a presente pesquisa tem caráter qualitativo e foi realizada através de visitas in loco,seguidas de estudos exploratórios e entrevistas, com seis adegas pertencentes à Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho de Jundiaí e Associação dos Produtores de Vinhos Artesanais (AVA), localizadas no bairro Caxambu e arredores.
Sendo assim, este trabalho apresentará a história dos imigrantes italianos e sua relevância para o desenvolvimento de novas identidades sociais no Brasil, principalmente na cidade de Jundiaí.
1 A imigração italiana no Brasil
O Brasil é um país multicultural e repleto de etnias diversas, de todos os cantos do mundo, que ajudaram a desenvolver suas bases culturais e tradições, das quais muitas surgiram da miscigenação do povo que aqui vivia com pessoas de outros continentes, principalmente europeu, viajantes solitários e famílias inteiras em busca de um futuro melhor, fugindo de transformações sociais como: crescimento demográfico desenfreado, mão de obra excedente, unificação de territórios, entre outros.
Ao contrário de países europeus, que ao longo do século XIX enfrentavam um número excedente de mão de obra trabalhadora, no Brasil a situação era reversa. A conquista da liberdade dos escravos ajudou aos governantes procurarem novos meios de substituir a mão de obra escrava pela livre, vislumbrando em terras distantes a solução deste problema.
Se no Brasil o problema era a carência de mão de obra, na Europa, ao longo do século XIX, o que se verificava era um crescimento demográfico sem precedentes que, aliado aos avanços tecnológicos no âmbito da produção e da melhoria dos meios de transporte, punha à disposição do mercado grande excedente de força de trabalho. Foi em virtude das tendências populacionais inscritas nesse quadro sociodemográfico europeu que a Itália se integrou, no período 1870/1930, à chamada “grande imigração” para o Brasil e contribuiu para a substituição da mão de obra escrava pela livre no território brasileiro (SOARES, 2011: 172)
A situação histórica do Brasil, de imergir temporariamente como principal zona de imigração e figurar como um dos principais destinos receptores de imigrantes italianos ocorreu “no final da década de 1880, com a abolição da escravidão e a mudança maciça para a utilização de trabalhadores italianos subsidiados nos campos de café, em plena expansão (...)” (SCHNEIDER, 2008: 79).
As transformações sociais que ocorriam na Itália e a busca por melhores condições de vida, era a saída que muitos italianos encontravam para percorrer longas distâncias cruzando um oceano de incertezas:
(...) depois de um longo período de mais de 20 anos de lutas para a unificação do país, sua população, particularmente a rural e mais pobre, tinha dificuldade de sobreviver (...). Nessas condições, portanto, a emigração era não só estimulada pelo governo, como era, também, uma solução de sobrevivência para as famílias (IBGE, 2000).
Ademais, o país banhado pelo mar Mediterrâneo queria equilibrar sua população que estava em constante crescimento, escoando o excedente para outro país. “A emigração internacional constituiu, no caso italiano, uma função de equilíbrio, pois aliviava a pressão sobre as cidades e a indústria nascente e, ao mesmo, tempo beneficiava a “pátria-mãe” com o dinheiro enviado do exterior pelos emigrados”.
Os italianos, como todos os demais imigrantes, deixaram seu país basicamente por motivos econômicos e socioculturais. A emigração, que era muito praticada na Europa, aliviava os países de pressões socioeconômicas, além de alimentá-los com um fluxo de renda vindo do exterior, em nada desprezível, pois era comum que imigrantes enviassem economias para os parentes que haviam ficado (IBGE, 2000).
Os italianos foram de grande importância para a composição e formação de uma nova população brasileira que estava surgindo. O movimento imigratório italiano deu início a um áureo período (1870 a 1920), denominado “grande imigração”, quando os italianos correspondiam a 42% de toda a população que entrava em terras brasileiras, ou seja, compunham expressivos 1,4 milhões de pessoas. Além disso, o imigrante italiano, devido à proximidade da língua, religião e costumes, era mais facilmente assimilado pela sociedade do que japoneses e alemães e correspondia a ideais de branqueamento da população brasileira, acreditando que assim nos tornaríamos mais “civilizados” diante nossos olhos e aos olhos do mundo (GOMES, 2000).
Estes imigrantes que adquiriam lotes de terra em um projeto de colonização, os colonos italianos, passaram a se distinguir socialmente, com a obtenção de uma identidade própria, de uma diferenciação étnica que foi construída a partir de sua identidade coletiva com múltiplas dimensões sociais e étnicas. (SEYFERTH apud SANTOS, 2006: 60).
A prática de tradições, costumes, crenças, saberes, entre outros, entre seus grupos, fizeram com que a identidade italiana começasse a se adaptar a terras longínquas e começasse a criar vínculos de pertencimento ao novo lar.
Recém-chegados ao Brasil, os imigrantes italianos buscaram métodos para se reestruturar socialmente e manter vínculos com suas tradições e culturas de origem, fortificando os laços históricos com seus antepassados em terras brasileiras. “Ao chegar ao território brasileiro, o imigrante italiano reelaborou sua identidade, definiu seus amigos e inimigos, delimitou imaginariamente seu território, estabelece sua ordem social e familiar, e redefine seus modelos de conduta” (SANTOS, 2006: 60).
A aceitação dos imigrantes italianos pela sociedade brasileira do século XIX, e a convivência com seus modos e estilos de vida, principalmente nas áreas rurais, para onde grande parte dos colonos era destinada, criaram novas formas de vida e mudanças de modelos culturais, bem como das relações entre as realidades física e social, através das miscigenações de raças, religiosidade, relações econômicas, entre outros sistemas simbólicos. De acordo com Silva (1986), o Brasil, “(...) apresenta uma unidade lingüística e sócio-cultural identificável na capacidade de absorver a experiência de segunda mão e a influência estrangeira num processo de aculturação3 (...)” (SANTANA, MIRANDA e SILVA, 2013: 31).
O imigrante italiano colaborou com a formação de uma cultura e identidade única, uma mescla entre culturas que foi originada a partir da vivência entre brasileiros e italianos, principalmente nas décadas finais do século XIX e início do século XX, quando o Brasil recebeu um número expressivo de imigrantes. Além disso, a atividade vitivinícola deve sua evolução histórica no país a esta estreita relação entre colonos italianos e as terras que os acolheram, preservando seus costumes e tradições e configurando um pedaço da Itália no Brasil.
2 Vitivinicultura
A relação entre o desenvolvimento da atividade vitivinícola no Brasil e os imigrantes vindos da Itália possuem fortes e significativos laços históricos, de memória e identidade, principalmente no que se diz respeito ao Estado de São Paulo e cidades do interior paulista, como o caso de Jundiaí. Segundo Pollak (1992: 203), “Locais muito longínquos, fora do espaço-tempo da vida de uma pessoa, podem constituir lugar importante para a memória do grupo, e por conseguinte, da própria pessoa, seja por tabela, seja por pertencimento a esse grupo”.
As atividades de produção de uva (viticultura) e do vinho (vinicultura), cujas atividades associadas compõem a vitivinicultura possibilitaram que esta atividade agrícola se desenvolvesse em cidades do interior paulista, principalmente durante a crise cafeeira, trazendo novas perspectivas para um novo mercado em expansão, a vitivinicultura.
Apesar da produção de uva e vinho estar presente principalmente na região sul do Brasil, em específico no Vale dos Vinhedos, que representa o legado histórico, cultural e gastronômico deixado pelos imigrantes italianos e “abriga cerca de 90% da produção nacional” (MORAES e RIGHI, [s.d]: 13), outras regiões do interior paulista também possuem um valor cultural e de identidade histórica com as tradições que foram trazidas pelos colonos italianos. As atividades vitivinícolas detêm grande importância para alguns municípios paulistas, como Jundiaí e São Roque, considerando a influência dos colonos italianos na formação cultural de parte significativa da população local (OTANI et al, 2011: 25).
A vitivinicultura é elemento constituinte da memória e tradições dos povos italianos vindos para o Brasil séculos atrás e compõem uma característica cultural e “identitária”, formada a partir “(...) das interações entre os indivíduos e entre os grupos de indivíduos” (CUCHE, 1999: 107) e que “(...) compõem um patrimônio social e cultural das famílias (...)”. (OTANI et al, 2011: 29).
2.2 Vitivinicultura em Jundiaí
O município de Jundiaí, reconhecido por sua titulação de Terra da Uva, deve sua construção histórica aos imigrantes italianos que vieram ao Sudeste do Brasil à procura de trabalho, sobretudo nas regiões cafeeiras.
O reconhecimento da cidade como produtora de uvas está intimamente ligado ao café, porque foi a partir deste produto que Jundiaí se transformou em um importante centro econômico. Segundo Romero (2004), o número significativo de imigrantes, a presença da estrada de ferro e a criação do Núcleo Colonial Barão de Jundiaí, possibilitaram “(...) a formação de uma densidade demográfica relativamente alta para Jundiaí, criando condições favoráveis para a formação de um mercado de mão-de-obra que se tornaria gradativamente disponível (...)” (MATTOS, 1958: 64 apud ROMERO, 2004: 150).
As terras dos núcleos coloniais foram, de acordo com Ingléz de Souza (1959), “(...) os mais velhos parreirais de Jundiaí (...), e eram todos da variedade Isabel. Esses vinhedos (...) foram formados pelos imigrantes italianos (...)" (INGLÉZ DE SOUZA, 1959: 130).
Contudo, a ascensão da vitivinicultura no território paulista dependia do insucesso da atividade cafeeira que era a principal atividade geradora de divisas de São Paulo e predominava como atividade agrícola da época:
O cultivo do café predominava numa vasta área do Estado de São Paulo desde inícios do Século XIX, (...) onde encontrava uma série de elemento econômicas, incluindo a vitivinicultura, reordenaram-se em função dessa atividade preponderante, (...) paralelamente às fases de declínio ou crises do café, observa-se um aumento considerável na quantidade de terras cultivadas com videira (Romero, 2004: 4).
Em Jundiaí, dois fatores contribuíram para o declínio da lavoura de café. Primeiramente, as terras em declive do município, que rapidamente caminharam para o empobrecimento, forçando a atividade migrar para as prósperas terras roxas do Estado, onde encontrava melhores elementos de prosperidade. O segundo fator foi a geada de 1918, que liquidou parte dos cafezais. E além desses fatores locais, a crise econômica de 1929 fez com que os cafeicultores da cidade definitivamente tornassem viticultores (INGLÉZ DE SOUZA, 1959: 139).
Sendo assim, os fatores primordiais para o desenvolvimento da vitivinicultura no Estado de São Paulo foram “as condições climáticas e de relevo, as mudanças na estrutura social a partir do fim da escravidão e as políticas de imigração e colonização implementadas pelo governo estadual além das possibilidades da diversificação agrícola a partir de 1930” (ROMERO, 2004: 2).
A ascensão da vitivinicultura em Jundiaí também se deu pela união entre os grupos de colonos que mantinham vivas as tradições. Os colonos desta cidade eram uma comunidade bastante coesa e unida que construiu sua identidade com o passar dos anos, com pouca interferência de outras culturas, preservando, assim, seus hábitos, costumes, gastronomia e religiosidade (GARCIA, OLIVEIRA e PICCOLO, 2013: 22).
A identidade e cultura italiana só vigoraram na cidade de Jundiaí devido a aceitabilidade do grupo social local em receber os imigrantes italianos em suas fazendas e em aceitar a tradição da vitivinicultura herdada da Itália, creditando as tradições italianas em território jundiaiense. A construção da identidade “(...) é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros” (POLLAK, 1992: 204).
Inicia-se então a ascensão da atividade vitivinícola em municípios do interior de São Paulo, na qual Jundiaí se destacava por sua produção elevada devido ao trabalho dos imigrantes italianos, concentrados em núcleos coloniais, que se dedicavam a plantar e colher as uvas das videiras e, também, à fabricação do vinho “primeiramente para consumo doméstico e posteriormente em maiores proporções para a venda em escala comercial” (ROMERO, 2004: 6).
As transformações sociais e econômicas que estavam ocorrendo em Jundiaí eram evidentes. As tradições e cultura que foram “moldadas” no decorrer do tempo pelos colonos ganhava cada vez mais espaço, sendo criadas e recriadas em um processo contínuo, pois toda cultura é um processo permanente de construção, desconstrução e reconstrução (CUCHE, 1999: 137). Isso ocorre, segundo Donders (apud LAVANDOSKI, TONINI e BARRETO, 2012: 28) porque a identidade “não é algo estático, nem é simplesmente um produto ou um objeto fixo; é um processo dinâmico”, assim como a identidade que era estabelecida. De acordo com Santana, Miranda e Silva (2013), “a imigração mudou rapidamente as características da cidade, da população, da produção rural e industrial, a ponto de ser referenciada pelos viajantes (...) como ‘cidade italiana'” (SANTANA, MIRANDA e SILVA, 2013: 31).
Jundiaí, a “Terra da Uva” e “cidade italiana” deve estas titulações a sua história e tradições que foram mantidas pelos colonos vindos da Itália e pela representatividade no cenário da viticultura, principalmente pelos elevados números de produção de uvas para mesa, configurando a cidade como o principal produtor de uva de mesa do Estado de São Paulo e o “maior produtor de uvas de mesa do Brasil” (TOMANIK, 2005: 135).
A vitivinicultura é uma importante atividade de conservação das tradições e cultura italiana que foram trazidas pelos imigrantes e até hoje permanecem, além de caracterizar uma fonte de renda para as propriedades rurais de cidades que cultivam uvas e produzem vinhos, principalmente no interior do Estado de São Paulo, mais especificamente na cidade de Jundiaí. “Trata-se de uma atividade importante para a sustentabilidade da pequena propriedade no Brasil (...)” (MELLO, 2013).
Apesar da dinamicidade da sociedade e da economia, Jundiaí ainda mantém viva as tradições “plantadas e colhidas”, muito embora os números incríveis durante as décadas de 1930 e 1950 não se equiparam aos tempos modernos devido às transformações do meio rural. Segundo Adriana Renata Verdi, coordenadora do projeto “Revitalização da cadeia vitivinícola paulista: competitividade, governança e sustentabilidade”, os processos de especulação imobiliária, afastaram e restringiram a permanência de produtores rurais, sendo que em muitos locais onde havia plantações, hoje estão instalados condomínios residenciais fechados, de médio e alto padrão (ALCÂNTARA, 2010: 1).
Os viticultores jundiaienses estão enfrentando muitos entraves para dar continuidade às tradições da família, principalmente pelas mudanças socioculturais da atualidade, em que muitos familiares dos antigos produtores de uvas e vinho da região do bairro do Caxambu e arredores preferem morar e trabalhar na cidade e não fazem questão de continuar a atividade vitivinícola, que é fator primordial para que a história e tradições destas famílias continuem sendo preservadas, fortalecendo a memória dos antepassados. “(...) a memória, bem como o sentimento de identidade nessa continuidade herdada, constituem um ponto importante na disputa pelos valores familiares, um ponto focal na vida das pessoas” (POLLAK, 1992: 204).
As pequenas propriedades vitivinícolas, as adegas artesanais, do bairro do Caxambu e arredores, constituem um elo importante do cultivo da uva e produção de vinho de Jundiaí e apesar de enfrentarem diversos entraves em suas atividades, ainda preservam a história da cidade, a memória, tradição e cultura dos antepassados da família, tanto plantando e colhendo uvas como produzindo vinhos nos próprios empreendimentos.
Embora os dados significativos demonstram que Jundiaí é a principal produtora de uvas Niágara rosada no país e de pequenos empreendimentos familiares continuarem plantando e colhendo uvas e produzindo vinhos em seus próprios empreendimentos, o crescimento urbano e especulação imobiliária, ausência de iniciativas governamentais para fomento da atividade vitivinícola, escassez de mão de obra e procura de oportunidades de emprego e estudo em regiões da urbe, acabam por afetar a produção vitivinícola, caracterizando os principais entraves para a continuidade desta atividade.
Os entraves são fatores limitantes para a viticultura da cidade, porém, Jundiaí está localizada em uma posição estratégica, entre grandes centros urbanos, como São Paulo e Campinas, além das cidades em seu entorno, caracterizando uma potencial oportunidade para que a atividade vitivinícola possa ser desenvolvida mais efetivamente, em conjunto com o Turismo, em especial o turismo rural e enoturismo, visto que turistas podem sair do caos da cidade e se locomover para zonas mais afastadas e calmas, perto da natureza. “Um dos pontos fortes da produção do vinho artesanal na região de Jundiaí é a sua proximidade com o maior mercado consumidor do País, ou seja, as grandes metrópoles” (OTANI apud VERDI et al., 2010: 31).
4 Procedimentos Metodológicos de Pesquisa
O contexto histórico, o processo de formação de determinado grupo social e o vínculo com as práticas locais, bem como o próprio território no qual determinada atividade é desenvolvida são fatores importantes para compreender a realidade pesquisada.
Estudar a cultura e importância das tradições italianas para a vitivinicultura e o turismo rural de Jundiaí é buscar compreender como essas atividades se desenvolveram e se desenvolvem no município, bem como as identidades que foram se criando com o passar das gerações.
Pela natureza socioantropológica da pesquisa, primeiramente buscou-se a revisão e análise bibliográfica de dados primários obtidos de publicações de artigos e documentos históricos da imigração italiana no estado paulista, no período de 1880 a 1950, de textos relacionados à atividade vitivinícola do Estado de São Paulo e da cidade de Jundiaí, e de publicações referentes à conceituação de cultura, visando estruturar o processo da evolução e adaptação das tradições e culturas da plantação e colheita de uvas e elaboração de vinhos no município de Jundiaí pelos colonos italianos.
Para dar um embasamento maior as bibliografias consultadas, foram realizados estudos exploratórios e entrevistas, com seis adegas pertencentes à Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho de Jundiaí e Associação dos Produtores de Vinhos Artesanais (AVA), ou seja, as adegas Vendramin, Sibinel, Negrini, Mingotti, Fontebasso e Beraldo di Cale.
As entrevistas foram realizadas apenas com adegas pertencentes ao município de Jundiaí, situadas no bairro Caxambu e arredores (bairro Nova Odessa) e que possuam traços históricos referentes à imigração italiana na cidade. Este recorte, da escolha de apenas adegas que se localizam neste bairro, foi feito devido o Núcleo Colonial Barão de Jundiaí ter dado origem ao Caxambu, e ser uma das principais localidades onde a história da imigração italiana jundiaiense se desenvolveu, principalmente a partir de 1887, quando o Núcleo foi instaurado na cidade. Concomitantemente, a localidade é a “(...) principal concentração de produtores vitivinícolas até os dias atuais.” (OTANI et al, 2011: 29).
As adegas que compõem o universo de pesquisa são empreendimentos privados que fazem parte da história da imigração italiana na cidade de Jundiaí com membros ancestrais da família que vieram da Itália nos períodos migratórios para o Brasil e que mantêm vivas as tradições da atividade vitivinícola na região, especialmente pelo vinho artesanal por elas produzido. O vinho elaborado é denominado artesanal pelos produtores e consumidores locais pela produção na unidade produtiva em pequeno volume, trabalho familiar e venda na propriedade, compondo assim, as principais características destes estabelecimentos em Jundiaí. (OTANI apud VERDI et al, 2010: 29).
A visita in loco as adegas não seguiu uma ordem fixa de visitação e teve como objetivo principal preencher as questões relacionadas à cultura e tradições previamente elaboradas e presentes no Roteiro de Análise das Culturas e Tradições das Adegas do Circuito das Frutas de Jundiaí/ SP.
A pesquisa contou com a observação exploratória, juntamente com proprietários e funcionários locais para a coleta de informações acerca da cultura e tradições italianas mantidas na atividade vitivinícola das adegas pesquisadas.
Foi elaborado um roteiro de questões semi-estruturado e para a validação da aplicação das entrevistas com os proprietários e gestores das adegas, foi realizado um pré-teste com um agente-chave para a atividade vitivinícola de Jundiaí. A pessoa entrevista foi Clodoaldo Castro Vieira, engenheiro agrônomo a mais de 40 anos e chefe responsável pela Casa da Agricultura de Jundiaí, para checar e identificar se de fato a entrevista levaria ao pesquisador a atingir o objetivo da pesquisa. Todos os temas foram abordados e o propósito foi alcançado, comprovando que o instrumento de pesquisa estava apto para auxiliar o pesquisador a atingir o objetivo do trabalho.
O roteiro final, portanto, foi composto de dez perguntas abordando aspectos relativos identidade, cultura e tradições italianas, enoturismo e turismo rural, cultivo da uva e fabricação do vinho e à urbanização e foram construídas à luz do referencial: Lavandoski, Tonini e Barreto (2012), Pollak (1992), Schneider (2006), Souza, Otani e Verdi (2010) e Alcântara (2013).
Após a coleta, as informações foram tabuladas e analisadas qualitativamente através da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Esta metodologia, utilizada no tratamento dos dados coletados, possui elementos que auxiliam na elaboração do discurso final, e que possibilitam a dissertação de um único texto com a junção de todas as ideias do universo entrevistado. Os elementos são as “expressões-chave”, a “ancoragem”, “a ideia central”, e o “discurso do sujeito coletivo”. Estes elementos unificados compõem um ou vários discurso-síntese que são os Discursos do Sujeito Coletivo (LEFÈVRE e LEFÈVRE, 2003).
Os dados coletados e tratados a partir do DSC são apresentados objetivando demonstrar a realidade da vitivinicultura e da área rural de Jundiaí na atualidade e as transformações e adaptações ocorridas ao longo do tempo nesta atividade. O discurso síntese foi obtido a partir da junção das informações apresentadas nas falas dos entrevistados, que exprimiram seus valores, opiniões, crenças e ideias referentes à relação entre tradição e cultura italiana para a vitivinicultura em Jundiaí e suas propriedades.
A partir das gravações de cada entrevista e anotações pertinentes, foram construídas análises comparativas entre as entrevistas dos proprietários de cada uma das seis adegas visitadas. No primeiro momento, foram ouvidas as gravações das respostas obtidas e transcritos todos os discursos. Após esta etapa, foi elaborado um resumo com as expressões-chave ditas por cada entrevistado, bem como das ideias centrais de cada discurso. Posteriormente, deu-se a organização do discurso síntese através dos relatos obtidos com as respostas das perguntas presentes no Roteiro de Análise das Culturas e Tradições das Adegas do Circuito das Frutas de Jundiaí/ SP.
4.1 Adegas artesanais: Relato Descritivo
A primeira Adega visitada foi a Vendramin. Foi possível perceber que a estrutura remete à tradição e à cultura italiana, devido aos barris de madeira, garrafas de vinho, tonéis de armazenamento desta mesma bebida e maquinário estar todos à vista. Os produtos feitos a partir de frutas e matérias de jornais indicando a atividade viticultora da família, também estão presentes a mostra.
Segundo a fala da gestora da adega, Sra. Sandra, foi possível constatar que existem muitos entraves para que a atividade vitivinícola continue na região, seja pela ausência de mão-de-obra, pelas modificações climáticas ou pelo desinteresse de membros da família em dar continuidade a atividade rural.
“Não tem quem cuide. Não tem quem sabe mexer com uva” (Sandra Maria Vendramin).
Apesar das dificuldades enfrentadas, ela ainda demonstra interesse em preservar a história da família, recebendo grupos para conhecer a propriedade ou fabricando vinhos artesanais, mesmo que estes sejam fabricados com uvas da região e do sul, já que a propriedade não cultiva mais videiras.
A área do estabelecimento e seus atrativos possibilita a gestora receber grupos de alunos para visitas educacionais e turistas para realização do turismo rural, além de visitantes para conhecer a história da família e degustar os produtos fabricados pela adega, como os vinhos artesanais e doces com frutas plantadas e colhidas na propriedade. A gestora guia os turistas explicando o ciclo de vida de cada fruta cultivada no terreno, e ocorrem na propriedade eventos como colha e pague de goiaba e caqui. Ha também a oportunidade dos visitantes tirarem leite das vacas, segurarem os filhotes de porcos e verem como se dá o crescimento dos suínos. As atividades desenvolvidas no sítio, além de diversificarem as possibilidades de escolha dos visitantes, expandem as oportunidades de negócios na localidade, possibilitando o comercio das frutas colhidas no pomar e do leite das vacas, além da ocorrência do turismo rural. Há também um museu, contendo ferramentas e instrumentos utilizados na atividade vitivinícola pelos antepassados da família.
A segunda visita foi realizada na adega Sibinel, onde a recepção foi feita pelo proprietário do estabelecimento, o senhor Raphael Sibinel, que se dedica a mais de 70 anos a atividade vitivinícola de Jundiaí.
Assim como a primeira entrevista, a segunda visita possibilitou uma maior compreensão a respeito da história da vitivinicultura jundiaiense e as percepções do gestor referentes à atual situação desta atividade, enfrentada pelo município e pela adega. O senhor Sibinel contou as perspectivas futuras que ele espera da vitivinicultura local e apresentou os produtos produzidos na adega.
O senhor Raphael aponta que há poucos interessados em trabalhar na lavoura e que as dificuldades aumentam, visto que os benefícios da atividade rural são poucos se comparados com outros empregos proporcionados na área urbana da cidade.
“Mão-de-obra tá um caos” (Raphael Sibinel).
Com poucos colaboradores e mediante as dificuldades e incertezas do mercado vitivinícola, muitos viticultores já desistiram da atividade agrícola e venderam seus terrenos para imobiliárias construírem condomínios. Os que ainda persistem na atividade rural são tentados periodicamente a vender seus lotes de terra. No caso do senhor Raphael, o convívio desde pequeno com a atividade agrícola e o contato com a história de sua família, passado de geração para geração e com fortes traços baseado nos valores familiares, fizeram com que ele adquirisse uma paixão pela vitivinicultura e não vendesse seu terreno, independentemente das circunstâncias boas ou ruins.
“Eu gosto da plantação de uva, eu adoro colher uva, espremer uva, vender uva” (Raphael Sibinel).
Ainda que persistente na atividade vitivinícola, o senhor Sibinel, com seus 82 anos de idade, demonstra preocupação para dar continuidade à atividade do cultivo da uva e fabricação do vinho pelo desinteresse de familiares para gerir o empreendimento. Embora as preocupações demonstradas e entraves enfrentados pela atividade vitivinícola, o proprietário ainda acredita que futuramente haverá algum filho ou neto que irá se interessar pela vitivinicultura e irá manter a história da família e cultura dos antepassados, cultivando a uva e produzindo o vinho, como antigamente.
“Eu estou incentivando meu filho para dar continuidade aqui” (Raphael Sibinel).
A terceira visita foi realizada na adega Mingotti, na qual a localização, assim como a adega Vendramin, foi dificultada por não haver nenhuma placa sinalizando onde se encontrava o estabelecimento. A única placa na entrada da casa tinha os dizeres “Vende-se vinho”, levando-se a crer que era aquele local onde se localizava a adega Mingotti.
O senhor Mingotti relatou a história de sua família e respondeu todas as perguntas contidas no Roteiro da pesquisa e após a entrevista convidou para conhecer a adega da família e demonstrou com muito orgulho como se utiliza alguns instrumentos e ferramentas para fabricação do vinho e toda a história contida naqueles equipamentos e instrumentos utilizados por ele.
O senhor Antonio possui muitos anos de trabalho na lavoura, cultivando uvas e produzindo vinhos e acredita que pelo que produz hoje não tem condições de investir na atividade turística e expandir seu empreendimento para receber muitos visitantes. Portanto, além do medo de bandidos, ele não tem o interesse em divulgar o estabelecimento, além do boca-a-boca, apesar de ter as placas indicativas, que na atual situação estão subutilizadas.
“Não tenho a ambição de crescer, porque para eu crescer preciso de mais e eu não tenho” (Antonio Mingotti).
O senhor Mingotti demonstrou amor pelo que fez e continua fazendo e apesar de todos os cenários desfavoráveis que ele enfrentou e vem enfrentando e ainda acredita que seu vinho será produzido por familiares de gerações futuras e seu legado mantido no tempo.
A propriedade do senhor Antonio já chegou a plantar 9 mil pés de uva, mas atualmente não tem mais do que mil videiras em suas terras que produzem anualmente 2 mil litros de vinho. O vigor e amabilidade do gestor da adega Mingotti transcreve um cenário de que mesmo com pouca quantidade produzida da bebida e dificuldades enfrentadas, a paixão por manter viva a história da família e continuar cultivando uva e fabricando vinho faz com que o membro mais experiente das adegas artesanais cooperadas pela AVA continue desempenhando as atividades rurais diariamente, independentemente de sua idade.
A adega Fontebasso foi o quarto estabelecimento visitado, localizado em uma região mais afastada do bairro Caxambu. Não houve dificuldade para se chegar até a adega, pois havia um banner com proporções consideráveis situado em uma região estratégica da via, indicando a localização do estabelecimento.
O Sr. Rodinei comentou a respeito do Turismo em sua propriedade e disse que ainda tem muito a ser desenvolvido. Segundo ele, seu empreendimento não possui serviços diferenciados e infraestrutura preparada para receber acima de 20 pessoas, limitando o desenvolvimento da atividade turística na localidade.
“A gente ta tentando se adequar, ou melhorar, ou ter um espaço diferenciado para que a pessoa fique nesse espaço” (Rodinei Fontebasso).
Contudo, ele identifica que pode diversificar os serviços oferecidos na propriedade se investir na ampliação de um espaço para acolher os visitantes e nas melhorias de facilidades para os turistas, como locais em que o visitante possa caminhar com segurança, sem perigo de escorregar ou cair, pois o terreno é irregular. Além disso, o Sr. Rodinei vislumbra que a atividade vitivinícola de Jundiaí tem um potencial para se desenvolver, mas que ainda possui um caminho longo pela frente para se adequar a novas atividades que possam ser realizadas, como turismo rural e enoturismo.
“Se o turismo for um incentivo maior então acho que a gente tem possibilidade de levar o povo pra conhecer as plantações ou de passear, de ver as matas, tudo isso pode ajudar. E tem a parte gastronômica da região que vem aumentando e isso acaba atraindo pessoas de fora” (Rodinei Fontebasso).
O sr. Rodinei relatou brevemente a história de sua família e demonstrou esperança para dar continuidade à atividade vitivinícola, com as gerações futuras de seus familiares podendo se envolver no ramo, assim como ele fez, dando continuidade a atividade desempenhada por seu pai.
“Eu acho que tem a possibilidade das pessoas continuarem porque não só o meu aqui, mas tem pessoas fora que estão fazendo cursos de enologia, já procuram saber um pouco mais essa parte do vinho, do cultivo do vinho e da fruta” (Rodinei Fontebasso).
Após a finalização da entrevista com Rodinei Fontebasso, a adega Beraldo di Cali, localizada na zona rural do bairro do Caxambu, foi o seguinte estabelecimento visitado. Apesar de estar em uma região mais afastada em relação às demais adegas visitadas, a adega Beraldo di Cali, assim como a adega Fontebasso, possuía um material indicando sua localização em um ponto estratégico da estrada, facilitando encontrar o estabelecimento.
Logo na entrada da adega, foi possível perceber que o empreendimento se preocupa em receber turistas e mantê-los no estabelecimento. A área de recepção de visitantes é ampla e conta com estacionamento e um restaurante rústico e aconchegante que se une a natureza. Ademais, há um espaço destinado à degustação dos vinhos e uma loja que vende os produtos feitos no local, como vinhos em geral, cachaça, doces diversos e alimentos em conserva.
A gestora do empreendimento informou que o sítio possui 10 alqueires e que já plantaram 50 mil pés de uva. Todavia, atualmente com todos os entraves referentes ao clima, a desmotivação e escassez de mão-de-obra de colaboradores, falta de suporte governamental e a ausência do preço mínimo da fruta no mercado, plantam 15 mil pés da fruta.
Corroborando com as entrevistas anteriores, o principal entrave enfrentado pelos gestores das adegas artesanais que compõem a Cooperativa, e reafirmado por Solange, é a escassez de mão-de-obra.
“Outro principal entrave é a mão-de-obra. Não tem mais, você não acha” (Solange Sganoni).
Embora a mão-de-obra esteja escassa para encontrar pessoas aptas a trabalhar em áreas rurais, Solange crê que a continuidade da história e tradições de sua família se manterá por mais algumas gerações, pois sua filha demonstra interesse pelo setor vitivinícola e está cursando enologia, podendo auxilia-la nos negócios da família.
“Eu acho que eu vou conseguir deixar uma história, tradição para minha filha” (Solange Sganoni).
A última adega visitada foi a Negrini. Assim como as adegas anteriormente visitadas, a adega Negrini continha uma placa sinalizando sua localização, facilitando encontrar o estabelecimento.
O Sr. Pedro apresentou os vinhedos e começou a contar as histórias a respeito de sua família e das técnicas utilizadas para enxertar os pés de uva e todo o procedimento utilizado por eles no cultivo da fruta, bem como indicou as similaridades e diferenças de cada espécie plantada em seus parreirais.
O Sr. Pedro explicou todo o processo feito desde o cultivo da uva até a consequente vinificação. Segundo ele, as tradições e culturas da família são mais valorizadas se passadas com amor e carinho para os visitantes.
“O prazer da gente é de divulgar a cultura da gente” (Pedro Dirceu Negrini).
Assim como os demais gestores entrevistados, o Sr. Pedro cita que há entraves para desempenhar a atividade agrícola em Jundiaí, sendo a mão-de-obra o fator mais limitante.
“Mão-de-obra, principalmente. Eu não vejo outro entrave” (Pedro Dirceu Negrini).
A propriedade foi passada de avô para pai e de pai para filho, e o Sr. Pedro juntamente com seus irmãos, gerenciam o estabelecimento. Mesmo que os gestores enfrentem dificuldades de aumentar a produtividade pela ausência de pessoas que querem trabalhar na lavoura, ainda dão continuidade a atividade e mantém vivas as tradições e cultura de gerações passadas.
Foi concluída, portanto, a etapa de coleta de dados in loco, dando suporte ao tema e a toda a bibliografia estudada neste trabalho.
4.2 Análise dos dados coletados
Os discursos obtidos a partir das entrevistas realizadas com os gestores das seis adegas artesanais visitadas são um importante instrumento para analisar a situação enfrentada pela vitivinicultura e área rural de Jundiaí na atualidade, bem como as transformações e adaptações ocorridas ao longo do tempo nesta atividade.
Ao analisar os relatos proferidos pelos seis gestores das adegas artesanais pesquisadas e construir um discurso síntese, obtido a partir da junção das informações apresentadas nas falas dos entrevistados, que exprimiram seus valores, opiniões, crenças e ideias referentes à relação entre tradição e cultura italiana para a vitivinicultura em Jundiaí e suas propriedades, o pesquisador teve suporte para construir apontamentos acerca da situação da atividade vitivinícola no município ainda conhecido como “Terra da Uva”.
Todos os entrevistados são unânimes a respeito da paixão pelo sentido de pertencimento e continuidade das tradições e cultura italiana, trazidas pelos antepassados da família e que ainda são mantidas. Apesar disso, concordam que as modificações sociais na atualidade são um entrave para que as gerações futuras possam dar continuidade às atividades vitivinícolas.
As tradições e culturas italianas mantidas com o decorrer do tempo com o plantio e cultivo da uva e fabricação do vinho, trazem lembranças do passado e preservam as identidades que foram se formando com o passar do tempo e que continuamente se adaptam, mas que cultivam a memória. Esta percepção também é compartilhada com Pollak (1992) e Hall (2006), à medida que tanto a memória quanto a identidade estão submetidas a transformações e mudanças constantes, permanecendo incompletas e em processo de formação. O senhor Raphael Sibinel constata através de sua fala que a tradição do modo de fazer o vinho é a mesma de como era feito antigamente, apesar de utilizarem equipamentos mais modernos para fabricar o vinho, estando em constante transformação para melhoria da bebida produzida.
Foi identificado que o modo de fazer o vinho teve modificações para melhorar a qualidade, fato este evidenciado pela fala de Pedro Dirceu Negrini, ao relatar que atualmente a tecnologia ajudou a otimizar alguns processos e resultados atingidos. A inserção de padrões e utilização de alguns equipamentos nos processos atuais não altera a identidade do vinho, pois ele continua sendo artesanal, ou seja, produzido na própria localidade, com produtos locais e em pequenas quantidades.
Ademais, o cultivo da uva, a fabricação do vinho, o consumo de alimentos típicos italianos, como a polenta, faz com que as tradições italianas sejam mantidas com o passar dos anos, fato este mantido pela família Vendramin que continua a comer o que seus antepassados comiam. Tudo leva a crer que o alimento também é um elemento constituinte do sentimento de identidade, pois fortalece a memória que, assim como identificado por Pollak (1992), constitui uma continuidade e coerência de uma pessoa ou de um grupo no tempo.
A sequência da análise com relação a aspectos relativos à identidade, cultura e tradições italianas foi sintetizada em um discurso resumido, apresentado no quadro 1.
Quadro 1 - Discurso do Sujeito Coletivo com aspectos relativos à identidade, cultura e tradições italianas
A produção do vinho utiliza atualmente equipamentos mais modernos para auxiliar em alguns processos de fabricação que não podem ser feitos como antigamente, por questões sanitárias, mas que não descaracterizam a originalidade do vinho artesanal. A qualidade do vinho foi melhorada após a utilização de equipamentos mais modernos. A religiosidade constitui um fator importante na crença e fé para a continuidade da atividade agrícola. Os tradicionais alimentos consumidos por gerações auxiliam na continuidade das tradições no decorrer dos anos. A maneira de fazer o vinho, mais ou menos, ainda é parecida. Uma das coisas que remete ao passado é o trabalho familiar. |
Elaborado pelos autores, 2013.
As adegas artesanais possuem um potencial para consolidar seus produtos e difundir seus traços históricos, cultura e tradição da atividade vitivinícola no município de Jundiaí, principalmente com os incentivos turísticos do Circuito das Frutas e das ações tomadas após a formação da Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho de Jundiaí e Associação dos Produtores de Vinhos Artesanais (AVA) de Jundiaí/ SP, para melhoria da qualidade do vinho e união dos proprietários destes empreendimentos para atuar com mais sinergia na atividade rural.
Apesar disso, ainda dependem de incentivos governamentais, reformulação de estratégias para atuação no Turismo de forma mais eficiente e ações para fomentar o turismo rural e enoturismo na região, tanto a curto quanto a longo prazo, tendo um longo caminho a percorrer.
Apesar das adegas compostas no universo pesquisado utilizarem equipamentos para melhorar a qualidade do vinho e permitir que o mesmo não sofra nenhuma alteração em sabor ou textura, além de manter a bebida nos padrões sanitários exigidos, não descaracterizam o produto que cultiva as uvas e fabrica o vinho na propriedade em pequena quantidade.
A recente aprovação de um projeto governamental para fornecer equipamentos para as adegas artesanais que fazem parte da Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho de Jundiaí/ SP (AVA) irá disponibilizar um engarrafamento móvel para suprir as necessidades de cada adega, engarrafando os vinhos produzidos em cada localidade. Atualmente, os processos de cultivo da uva são manuais e a fabricação do vinho é semiautomática, com equipamentos utilizados para melhorar a qualidade do produto no processo de fabricação e para ser aprovado pelas leis sanitárias, possibilitando a venda do vinho. Conforme constatado por Sandra Maria Vendramin, tudo leva a crer que com esses novos equipamentos, a maior parte dos processos de fabricação do vinho serão automatizados. As análises referentes ao cultivo da uva e fabricação do vinho foram sintetizadas e foi obtido o quadro 2.
Quadro 2 - Discurso do Sujeito Coletivo com aspectos relativos ao cultivo da uva e fabricação do vinho
Os processos de cultivo da uva são manuais e a fabricação do vinho é semi-automática. A maior parte ainda é manual. Os equipamentos mecanizados utilizados pelos viticultores das adegas cooperadas auxiliam nos processos de fabricação e garantem uma melhor qualidade do produto final para ser aprovado pelas leis sanitárias e possibilitar a venda do vinho. Todas as adegas cooperadas possuem uma profissional que analisa a química do vinho e testa a qualidade da bebida para posterior aprovação para comercialização. Do que era antigamente, não tem nem comparação. |
Elaborado pelos autores, 2013.
As áreas rurais atraem pessoas que moram em centros urbanos, caóticos e estressantes, para que eles possam descansar e fugir de suas rotinas. Esta realidade é destacada pela fala de Solange Sganoni, em que os turistas buscam paz e aconchego próximo à natureza, onde procuram o resgate de sua própria cultura.
É possível afirmar que por Jundiaí se localizar próximo a grandes centros urbanos, como São Paulo, Campinas, Itu, Sorocaba, muitos turistas realizam o turismo de um dia, vindos destas cidades e fugindo do estresse e rotina diários, a fim de conhecer as adegas artesanais situadas no bairro do Caxambu. A proximidade entre os estabelecimentos, as qualidade favorável das vias de acesso e a história da cultura e tradição italianas são aspectos que atraem estes turistas a querer conhecer as propriedades que compõem a Cooperativa.
As adegas artesanais que preservam a cultura e tradição familiar em suas propriedades rurais vislumbram a oportunidade de potencializar os resultados, tanto de produção quanto de venda, se elas se planejarem e melhorarem os serviços de recepção ao turista e expandirem seus serviços, oferecendo, além da degustação do vinho, tours explicativos por parreiras e venda de produtos como doces e outras bebidas produzidas na propriedade.
As adegas Negrini e Fontebasso demonstraram interesse em diversificar as atividades e investir no turismo rural e enoturismo. A propriedade Vendramin já diversifica sua atividade, oferecendo visitas educacionais para escolas da rede pública e a oportunidade dos visitantes vivenciarem uma vida rural, tirando leite das vacas ou vendo como é que os suínos são cuidados no sítio. A adega Beraldo di Cali, é o estabelecimento mais preparado para receber e atender o turista, com uma área com restaurante e espaço para caminhada circundado pela natureza, além da adega e loja que vende produtos produzidos na propriedade.
Foi constatado que a grande maioria destes estabelecimentos tem procurado melhorar e diversificar os serviços oferecidos para os turistas, porém os membros mais experientes da Cooperativa não demonstram interesse em desenvolver o turismo em suas propriedades. Embora demonstre em sua fala que não há muitas atrações e atividades para o Turismo, o Sr. Antonio é um vitivinicultor carismáticos e hospitaleiro, sendo sua própria pessoa o diferencial de seu estabelecimento. O senhor Sibinel reitera que sua propriedade não tem espaço suficiente para desenvolver o Turismo e acaba por não se interessar em investir nesta atividade.
O turismo rural e enoturismo em Jundiaí são duas atividades que ainda são pouco difundidas na região, mas que vem sendo foco de interesse da maior parte das adegas artesanais, para que elas possam agregar valores às atividades por elas desempenhadas. As dificuldades enfrentadas pelos produtores rurais podem ser supridas com o desenvolvimento de atividades que possam complementar a renda destes gestores, como o Turismo, contribuindo também para a fixação das pessoas no campo.
Deve-se mencionar ainda que a prefeitura de Jundiaí e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), em conjunto com as adegas artesanais, realizam cursos de capacitação e reuniões de planejamento para otimizar e potencializar os resultados da atividade turística na cidade. O quadro a seguir demonstra a síntese dos discursos dos proprietários das adegas artesanais referentes ao enoturismo e turismo rural em Jundiaí.
Quadro 3 - Discurso do Sujeito Coletivo com aspectos relativos ao enoturismo e turismo rural
A hospitalidade e carisma dos proprietários das adegas artesanais fazem com que muitas pessoas que antes não conheciam o empreendimento e que acabaram conhecendo, retornem com seus familiares posteriormente. As estradas são boas, mas não são muito bem sinalizadas. Os membros mais experientes da Cooperativa não demonstram interesse em desenvolver o turismo, pela dimensão desfavorável de seu terreno ou porque os recursos são insuficientes para expansão da atividade. Todas as propriedades oferecem a possibilidade dos turistas degustarem os vinhos, que são produzidos no próprio estabelecimento. Os turistas que visitam as adegas têm como principal motivação sair da estressante rotina da cidade e vivenciar o ambiente rural, calmo e hospitaleiro, bem como conhecer a história da família e como é feito o cultivo da uva e fabricação do vinho. Poucos empreendimentos possuem infraestrutura turística adequada para receber um número considerável de turistas, apesar de identificarem a importância de investir na atividade turística. A prefeitura e o SEBRAE estão atuando em sinergia com os estabelecimentos privados para dar dicas e planejar estratégias para fomentar a atividade turística na região e potencializar os resultados desta atividade. |
Elaborado pelos autores, 2013.
Assim como verificado por Verdi et al (2010), foi constatado que as propriedades rurais, onde se situam as adegas artesanais, vem sofrendo com a constante urbanização do bairro Caxambu, pois muitas imobiliárias querem comprar estes lotes de terras que foram passados de geração para geração, para a construção de condomínios. A valorização constante da terra estimulou alguns proprietários a venderem seus lotes para investir o recurso em outro empreendimento agrícola em outros municípios de terra mais barata. Corroborando com esta realidade, Alcântara (2010) observou que os processos de especulação imobiliária afastaram e restringiram a permanência de produtores rurais, sendo que em muitos locais onde havia plantações agrícolas, atualmente se vê condomínios residenciais fechados, de médio e alto padrão.
Os vitivinicultores da cidade enfrentam uma série de desafios para dar continuidade à atividade agrícola, pois a uva é um fruto muito sensível e depende de cuidados contínuos para não estragar. Os principais entraves são a escassez de mão de obra, imobiliárias querendo comprar os lotes de terras, mudanças climáticas, preço reduzido do produto e gerações mais novas que não querem dar continuidade a atividade rural.
Todos os entrevistados disseram, sem exceção, que a escassez de mão de obra é o principal entrave para dar continuidade à atividade agrícola e que não se tem mais gente para trabalhar na lavoura, fato constatado pelo senhor Antonio Mingotti.
A ausência de mão de obra para trabalhar na lavoura e as incertezas da atividade fazem com que muitas pessoas acabem destinando esforços para trabalhar na cidade à procura de oportunidades de emprego com estabilidade e que tragam mais retorno financeiro. É possível afirmar que as pessoas que antes trabalhavam e se dedicavam a atividades no campo, atualmente migram para a cidade à procura de oportunidades que não teriam nas áreas rurais.
Os filhos e netos das famílias de viticultores locais são a esperança para que a atividade possa dar continuidade através do tempo, e as tradições e culturas mantidas. Infelizmente, foi verificado que grande parte das adegas artesanais da Cooperativa não possui familiares que se interessem em dar continuidade à atividade agrícola, visto as oportunidades de estudo e trabalho que a área urbana oferece. O quadro abaixo descreve a síntese dos discursos dos entrevistados, referente à urbanização na cidade de Jundiaí.
Quadro 4 - Discurso do Sujeito Coletivo com aspectos relativos à urbanização:
A urbanização crescente na cidade fez com que muitos lotes de terra fossem comprados e imóveis e apartamentos construídos. Devido às dificuldades enfrentadas para dar continuidade à atividade agrícola, os proprietários rurais venderam seus lotes de terras para imobiliárias, auxiliando na transformação do meio rural que atualmente contrasta com o espaço urbano. O principal entrave para que a atividade agrícola dê continuidade e traga resultados mais expressivos é a carência de mão de obra. Não tem mais gente pra trabalhar na lavoura. Mão de obra não se acha mais. O homem não quer trabalhar na terra. Ele prefere trabalhar na indústria. Grande parte dos cooperados persiste para que algum parente dê continuidade nos negócios da família, cultivando uva e fabricando vinho, para que a história não se perca no tempo. O que eu penso é que alguém queira um dia dar continuidade, que a gente vai abrir mão com todo prazer. Eu acho que eu vou conseguir deixar uma história, tradição para minha filha. |
Elaborado pelos autores, 2013.
A esperança para que a atividade vitivinícola não seja interrompida está nas mãos dos atuais proprietários e das gerações futuras que irão se adaptar ao mercado e otimizar os processos de produção, se adequando a novos formatos de negócios e investindo em novas atividades, como o Turismo.
5 Considerações finais
Através dos resultados obtidos neste trabalho conclui-se que a atividade turística está incipiente na região, mas demonstra um potencial para crescimento, se planejada e estruturada a longo prazo. As adegas artesanais que compõem a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho de Jundiaí e Associação dos Produtores de Vinhos Artesanais (AVA) de Jundiaí/ SP podem potencializar seus resultados se atuarem em sinergia e investirem na diversificação de seus produtos e serviços, principalmente no que diz respeito ao turismo rural e enoturismo.
Estes empreendimentos rurais sofrem com dificuldades como escassez de mão de obra, mudanças climáticas, preços reduzidos da uva, especulação imobiliária e gerações que não estão aptas a dar continuidade no negócio. Apesar deste cenário, a paixão pela atividade agrícola e a esperança de que a atividade vitivinícola seja valorizada novamente, assim como foi no início do século XX até meados de 1950, trazem forças para que estes produtores deem continuidade em suas atividades e mantenham a cultura e tradições da família e da história da vitivinicultura jundiaiense por muitos anos. Além disso, a participação em conjunto com outras adegas pela união dos cooperados e a possibilidade de expansão dos negócios para atividades que antes não eram exploradas, como o Turismo, trazem novos horizontes para estes empreendedores rurais. Verifica-se também que a peculiaridade dos empreendimentos de se localizarem em um ambiente circundado por natureza e resgatarem a história e tradições das famílias e gerações passadas, principalmente, com o cultivo da uva e fabricação do vinho, são valorizadas pelas populações urbanas que buscam a fuga do cotidiano e da vida caótica das grandes cidades, podendo desfrutar de um ambiente tranquilo e acolhedor.
Nota-se que a atividade vitivinícola não irá se extinguir, apesar de todos os entraves enfrentados atualmente, mas exigirá uma colaboração mútua entre os diversos agentes público e privados envolvidos no turismo rural e enoturismo, como a prefeitura, SEBRAE e adegas artesanais de Jundiaí para potencializar os resultados e trazer frutos futuramente.
Este trabalho contribuiu para demonstrar que a história da vitivinicultura no Estado de São Paulo e no município de Jundiaí está viva e presente nos dias atuais, apesar de ter sofrido transformações e adaptações durante os anos. As seis adegas artesanais presentes no universo pesquisado e membros da Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho de Jundiaí e Associação dos Produtores de Vinhos Artesanais (AVA) de Jundiaí/ SP são a prova de que independente das transformações ocorridas e dificuldades enfrentadas com o passar dos anos, a cultura e tradições italianas continuam sendo preservadas, seja cultivando uva ou fabricando o vinho, levando a crer que Jundiaí continuará a ser a “Terra da Uva” por muito tempo.
Como limitações, houve dificuldades em encontrar bibliografia relacionada ao turismo rural e enoturismo em Jundiaí, pois estes estudos ainda estão em um estágio incipiente.
Sugere-se que os futuros trabalhos acadêmicos pesquisem todos os estabelecimentos pertencentes à Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho de Jundiaí e Associação dos Produtores de Vinhos Artesanais (AVA) de Jundiaí/ SP, apresentando um panorama geral de cada uma das adegas artesanais e quais são as estratégias que cada uma delas pode tomar para potencializar seus resultados na atividade turística.
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