Rita de Cassia Durgante Berni (CV)
Ricardo Brião Lemos (CV)
Tiane Tâmbara
Eduardo Mauch Palmeira (CV)
profpalmeira@gmail.com
Universidade Federal de Santa Maria
Resumo
As mudanças no setor público brasileiro são iniciadas para propiciar maior profissionalização da gestão pública, construindo gradativamente organizações mais estruturadas e voltadas para resultados, com crescente participação do cidadão na implementação, avaliação e controle das políticas públicas (Bresser Pereira, 1998). Dentro desta visão, o controle social surge como uma perspectiva determinante de profundas alterações nas formas de relação do aparelho do Estado com o cidadão.A pesquisa tem como objetivo analisar os conselhos gestores, a partir do exercício do controle social pelo cidadão e como este participa do controle das políticas públicas educacionais. O estudo está organizado em três partes: a primeira faz uma revisão teórica sobre participação social, conceitos de accountability, controle social e suas respectivas importâncias na estruturação e consolidação dos preceitos democráticos. A segunda parte do trabalho expõe os procedimentos metodológicos e a análise dos resultados. E, por fim, foram apresentadas as conclusões acerca das questões abordadas.
Palavras- chave: gestão pública, conselhos gestores, controle social.
CITY COUNCILS AND SOCIETY’S PARTICIPATION IN THE EDUCATIONAL POLICIES: CASE STUDIES IN THE CITY COUNCIL OF BAGÉ / RS
Abstract
The changes in the Brazilian public sector were started to achieve a higher professionalization of the public management, by gradually building more structured organizations, focused on results, which have citizen’s participation in the implementation, assessment and control of public policies (Bresser Pereira, 1998). In this sense, social control emerges as a key perspective of deep modifications by means of the relationship between the State and the citizen. The research aims to analyze the management councils, since the social control practice by the citizen e the way the citizen participate in the control of public educational policies. The study is organized in three parts: the first brings a theoretical review on social participation, concepts of accountability, social control and their respective relevance to the constitution and consolidation of democratic principles. The next part presents the methodological procedures and the results analysis. Finally, there are the conclusions about the issues approached in this work.
Key words: public management, management councils, social control.
LOS CONSEJOS MUNICIPALES Y DE LA SOCIEDAD CIVIL
EN LA POLÍTICA DE LA EDUCACIÓN: UN ESTUDIO DE CASO EN CONSEJO MUNICIPAL DE EDUCACIÓN BAGÉ / RS
Abstracto
Se inician cambios en el sector público brasileño para ofrecer una mayor profesionalización de la gestión pública , la progresiva consolidación de las organizaciones más estructuradas y orientadas a los resultados , con el aumento de la participación ciudadana en la implementación, evaluación y seguimiento de las políticas públicas ( Bresser Pereira , 1998 ) . En este punto de vista , el control social emerge como una posibilidad decisiva de cambios profundos en las formas de relación entre el aparato del Estado para el ciudadano . La investigación tiene como objetivo analizar los consejos de administración del ejercicio de control social por parte de los ciudadanos y la forma en que participa en el control de las políticas educativas. El estudio está organizado en tres partes : la primera es una revisión teórica de participación social , los conceptos de rendición de cuentas , el control social y su importancia en la estructuración y consolidación de los preceptos democráticos. La segunda parte del trabajo se presentan los procedimientos y análisis de los resultados metodológicos. Por último, se presentan las conclusiones sobre los temas tratados.
Palabras clave: gestión pública , los consejos de administración, de control social.
Nas últimas décadas do século XX, iniciou-se um movimento global para discutir o modelo de gestão adotado pelos governos, tendo como propósito mudanças no gerenciamento do setor público, transformando as organizações em instituições que de fato atendessem às necessidades da sociedade.
As mudanças no setor público brasileiro são iniciadas para propiciar maior profissionalização da gestão pública, construindo gradativamente organizações mais estruturadas e voltadas para resultados, com crescente participação do cidadão na implementação, avaliação e controle das políticas públicas (Bresser Pereira, 1998).
Conforme Martins (1989), a administração pública brasileira deve ser compreendida a partir de uma perspectiva histórica, na qual um papel central é desempenhado pela cultura política – profundamente enraizada na herança colonial patrimonialista- sob a qual esta administração se formou e evoluiu (Martins, 1989).
Somente com uma cidadania organizada é possível viabilizar a expressão de necessidades e canalizar as demandas para estabelecer e consolidar mecanismos eficazes de controle da atividade política e administrativa. Dentro desta visão, o controle social surge como uma perspectiva determinante de profundas alterações nas formas de relação do aparelho do Estado com o cidadão.
Ainda neste cenário os conselhos gestores aparecem como importantes instituições no âmbito das políticas públicas.
Conforme Gohn (2001), os conselhos gestores são importantes canais de participação da sociedade na direção das políticas públicas e se difundiram pelos municípios e estados brasileiros.
Baseado no exposto procurou-se responder a seguinte questão: como a sociedade civil pode participar ativamente na aplicação das políticas públicas relacionadas à educação e quais as perspectivas existentes para que a comunidade possa exercer o controle social sobre essas políticas?
Diante disso, o artigo tem como objetivo analisar os conselhos gestores, a partir do exercício do controle social pelo cidadão e como este participa do controle das políticas públicas educacionais.
Justifica-se a escolha do tema por sua contemporaneidade e importância social associada à contribuição do mesmo para o incremento do debate em torno do tema políticas públicas e suas formas de controle.
Para dar sustentação à pesquisa foram abordados autores como Bresser Pereira (1998) e Martins (1989) com a noção de “Reforma Gerencial na Administração Pública”, Gohn (2000, 2001, 2007) que trabalha com a noção de “Conselhos Gestores” e sua ligação com a possibilidade de participação sociopolítica ativa do cidadão na defesa e nas formas plenas de exercer sua cidadania. A noção de accountability é avaliada nos estudos de Miguel (2005) e Frederich Mosher apud Campos (1990). Todos estes conceitos que estão expostos ao longo do texto formam um todo coerente para a compreensão da necessidade de aplicação de formas de controle à administração pública e o porquê de que em certos momentos históricos elas simplesmente inexistem.
O artigo está organizado em três partes, a saber. A primeira faz uma revisão teórica sobre participação social, conceitos de accountability, controle social e suas respectivas importâncias na estruturação e consolidação dos preceitos democráticos. Ainda na fundamentação teórica, foram explanados aspectos sobre os Conselhos Gestores, as formas de aplicação de controle social e as razões pelas quais, muitas vezes, os mesmos falham no seu objetivo final. A segunda parte do trabalho expõe os procedimentos metodológicos e a análise dos resultados. E, por fim, foram apresentadas as conclusões acerca das questões abordadas.
2.1 - Participação social, controle social e accountability
As formas como as organizações efetuam controle da gestão pública passam por grandes transformações no mundo. Neste contexto, a participação social vem sendo concebida como um dos princípios centrais dos processos de deliberação democrática.
A participação social implica colocar a decisão em debate (Avritzer, 2003; Dagnino, 2002). Trata-se de uma reforma democrática do Estado e de sua administração pública, implicando em mudanças e transformações voltadas mais para resultados do que propriamente para processos.
A discussão sobre a participação do cidadão nas decisões da administração pública encontra respaldo em todos os níveis sociais. Seguindo esta premissa da participação popular o controle social surge como um avanço na construção de uma sociedade democrática, e determina alterações profundas nas formas de relação do Estado com o cidadão. De acordo com Lira e colaboradores (2003, pág.65) o cidadão pode interferir no processo de programação governamental, inclusive de forma preventiva:
“As ações preventivas de controle (controle prévio ou concomitante) podem ser melhor implementadas se houver participação social, pois a política ou a conduta do Estado pode ser programada como o auxílio da sociedade, que passa a dar sugestões ou propostas e a verificar a observância dos atos empreendidos, com vistas ao bom atendimento do interesse público.”
Ribeiro e Borborema (2006, pág.6) destacam a importância do controle social:
“Por conseguinte, pode-se afirmar que o controle da administração pública se manifesta de duas maneiras. É exercido, internamente, pela própria administração, ou externamente, por outros órgãos públicos e pelos cidadãos. Sendo que, segundo a autora, provavelmente o mais eficaz meio de controle da Administração Pública é o controle social.”
Para que o controle social de fato possa ser exercido pelo cidadão este deve interagir com a transparência, que pode ser definida no sentido de clareza e visibilidade.
O princípio da transparência é fundamental para a modernização da gestão pública e reforça a participação da sociedade na fiscalização dos recursos públicos.
O tema sobre o controle exercido pela sociedade ganhou contornos diferentes no Brasil com a Constituição Federal de 1988. Advinda de uma história de lutas e conquistas visando à participação popular, a Constituição inovou ao incorporar a participação dos cidadãos no exercício do poder.
Esta inovação pode ser verificada nas disposições reguladoras de interferência decisória da sociedade civil nas ações do governo. O artigo 14, por exemplo, estabelece que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal (...) e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular. No capítulo sobre Seguridade Social, o artigo 194 estabelece: “Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”( inciso VII). No artigo 198, inciso III: “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: participação da comunidade.” Já na seção sobre Assistência Social, encontramos no artigo 204: “As ações governamentais na área de assistência social serão(...) organizadas com base nas seguintes diretrizes: participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação de políticas e no controle das ações em todos os níveis” (inciso II) (MOREIRA, 2002).
Os princípios constitucionais reuniram diversas normas, criando um marco divisor na história da participação da sociedade no Brasil. Com a abertura de novos canais de participação pelo Estado e sua implementação ao longo da década de 90, a relação com a sociedade passou por um processo de transição.
Neste cenário de transição o papel do novo gestor influencia diretamente sobre uma estrutura organizativa composta por um sistema hierárquico tradicional, com atitude “predominantemente reativa, antagônica e contestadora da legitimidade do Estado na gestão da sociedade, a uma postura mais propositiva, que passa a conquistar espaços, alargando o leque de interlocutores e ampliando sua legitimidade. A participação entendida e realizada como confronto dá lugar à participação entendida como disputa de negociação. A reivindicação de participação popular, formulada pelos movimentos sociais, torna-se a reivindicação de participar da gestão da sociedade” (CARVALHO, 1998).
Desta forma, a participação comunitária e a participação popular propriedade dos movimentos sociais da década de 80, cedem lugar à participação cidadã, sendo que a categoria central deixa de ser a comunidade e o povo e passa a ser a sociedade, com todo o seu pluralismo de interesses (GOHN, 2001, p.56).
Sendo assim, o grande desafio da gestão pública neste momento passa a ser o de gerar estudos sobre políticas públicas e seus impactos sociais. Além disso, avaliar os resultados e, principalmente possibilitar à comunidade efetiva participação na aplicação dessas políticas.
Em todas as partes do Brasil é possível ver comunidades se organizando na defesa de seus interesses e trabalhando para diminuir e mesmo corrigir inúmeras desigualdades através do acesso a bens e serviços que assegurem os seus direitos humanos fundamentais.
Desta forma, é possível que se estabeleça uma parceria entre comunidade e poder público, gerando a partir desta união um compromisso capaz de garantir a construção de saídas eficazes para o desenvolvimento econômico e social do país.
Conforme Lira e colaboradores (2003, pág.68), a parceria entre a sociedade e as atividades do governo pode apresentar bons resultados:
“A atuação conjunta entre governo e sociedade pode resultar em valiosos ganhos econômicos, sociais e culturais. Os ganhos econômicos são os advindos dos recursos que o controle social pode evitar que sejam escoados pela corrupção. Os ganhos sociais advêm da elevação da qualidade dos serviços prestados à população pela administração pública e da melhora dos indicadores sociais relativos à saúde e à educação. Os ganhos culturais advêm do fortalecimento de valores importantes para a cidadania, como a responsabilidade sobre a coisa pública.”
A participação ativa da sociedade se mostra extremamente crítica em relação aos serviços e produtos ofertados pelo poder público, razão pela qual se verifica nos últimos anos, por parte dos órgãos e entidades federais, um empenho em disponibilizar dados em diversos níveis e formatos, colocando o grande público em contato direto com uma gama variada de informações que influenciam diretamente na sua vida cotidiana. Estas influências vão desde o comportamento até formas de administração do Estado e maneiras de se cobrar deste a construção de condições que possibilitem o gozo pleno por parte do sujeito social de sua cidadania.
Ainda assim, mesmo com toda gama de informações disponíveis, para o cidadão existe a dificuldade de entendimento destas informações, pois a administração pública possui vocabulário próprio, distante do dia-a-dia do cidadão.
Segundo Lira e colaboradores (Nassif apud LIRA, 2003, pág. 71) para o exercício do controle social faz-se necessário não apenas disponibilizar a informação, mas principalmente informar em linguagem simples, que seja facilmente entendida pelo cidadão:
“Para o exercício do controle social é importante não só a quantidade de informações, mas também sua disponibilidade em linguagem de simples entendimento para o cidadão que dela fará uso. Criar um grupo de trabalho, com representantes de organizações sociais, professores e jornalistas, para definir o tipo de informação e a forma como ela será disseminada, a fim de facilitar sua compreensão, permitindo a cada cidadão se transformar efetivamente em um fiscal do Estado”.
A noção de controle social está ligada diretamente a de accountability, sendo que se torna quase impossível falar de uma sem que se faça referência a outra. Parece ser voz corrente entre os estudiosos e cientistas sociais em geral, que o termo accountability não possui uma tradução literal para nossa língua por conta mais de sua prática ainda incipiente no Brasil, o que leva segundo Miguel (2005) “a extrair conjecturas sobre a qualidade de nossas democracias”, conjecturas essas, aliás, nem sempre muito favoráveis quando comparadas às democracias ocidentais já consolidadas.
Segundo Frederich Mosher apud Campos (1990), accountability seria um sinônimo de responsabilidade objetiva e, portanto, como um conceito oposto ao de responsabilidade subjetiva. Enquanto a responsabilidade subjetiva vem de dentro da pessoa, a accountability acarreta a responsabilidade de uma pessoa ou organização perante outra pessoa, por algum tipo de desempenho. E prossegue Mosher:
“Quem falha no cumprimento de diretrizes legítimas é considerado irresponsável e está sujeito a penalidades. A inexistência de controle efetivo e de penalidades aplicáveis ao serviço público, em caso de falhas na execução de diretrizes legítimas, enfraquece o ideal democrático do governo pelo povo, porque expõe os cidadãos aos riscos potenciais da burocracia.”
A accountability surgiria como uma consequência lógica e natural dos mecanismos de controle que a sociedade impõe sobre o Estado. Para que isso ocorra, torna-se necessário os seguintes fatores: que a administração pública e a política caminhem juntas; e a existência de uma educação e consciência política extremamente elevada da população e de seus mecanismos de controle para que a vigilância se torne satisfatória.
“A accountability é a integração de todos os meios de controle – formais e informais -, aliada a uma superexposição da administração, que passa a exibir suas contas não mais uma vez ao ano e em linguagem hermeticamente técnica, mas diariamente e por meio de demonstrativos capazes de ampliar cada vez mais o número de controladores” (CORBARI, 2004: 109).
Trata-se de uma nova forma de controle que tem por objetivo auferir se os resultados que estão sendo apresentados realmente estão em concordância com aquilo que foi proposto pelos governantes.
Na próxima seção, serão analisados os conselhos gestores no âmbito educacional e as formas de aplicação dos controles utilizados a fim de prover uma maior transparência no trato da coisa pública.
2.2- Conselhos Gestores Municipais
A Constituição Federal brasileira promulgada em 1988, as legislações que regulam as políticas sociais e o processo de descentralização propiciaram a criação de mecanismos de participação popular na gestão pública.
Um desses mecanismos são os conselhos gestores de políticas públicas, órgãos que permitem que a sociedade civil participe da formulação, implementação e controle das políticas públicas.
Os conselhos são canais de participação que articulam representantes da população e membros do poder público estatal em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos (GOHN, 2001, p.7).
Ainda, segundo Gohn (2000), os conselhos, enquanto canais de participação, propiciam à população espaços onde é possível tomar decisões políticas criando condições necessárias para que o cidadão possa exercer a vigilância e a cobrança sobre a coisa pública.
Os conselhos geralmente são estabelecidos em órgãos públicos de composição paritária entre sociedade e governo. São criados por lei e regidos por regulamento aprovado por seu plenário, que assumem atribuições consultivas, deliberativas e/ou de controle. Nesses espaços, a população assume o papel de cogestor da administração pública, à medida que pode opinar, discutir e deliberar sobre as ações da gestão municipal.
A participação contínua da sociedade civil na gestão pública é um direito garantido constitucionalmente, possibilitando ao cidadão não apenas sua participação na formulação das políticas públicas, mas a fiscalização rigorosa da aplicação dos recursos públicos (PORTAL DA TRANPARÊNCIA DO GOVERNO FEDERAL, 2013).
Para Raichelis “Os conselhos são canais importantes de participação coletiva e de criação de novas relações políticas entre governo e cidadãos, e, principalmente, de construção de um processo continuado de interlocução pública” (RAICHELIS, 2008, p.83).
Nos conselhos, a população de forma conjunta com o órgão gestor, mas com autonomia, pode atuar na formulação, monitoramento, avaliação e deliberação das políticas públicas.
Como expressa Bravo, os Conselhos Municipais:
“Devem ser visualizados como locus do fazer político, como espaço contraditório, como uma nova modalidade de participação, ou seja, a construção de uma cultura alicerçada nos pilares da democracia participativa e na possibilidade de construção da democracia de massas” (BRAVO, 2007, p. 47 - 48).
Ainda, conforme Presoto e Westphal, os representantes da sociedade civil possuem importante papel nos conselhos:
“A participação da sociedade civil organizada em conselhos permite o exercício do controle social sobre as políticas governamentais, a formulação e proposição de diretrizes, o estabelecimento de meios e prioridades de atuação voltadas para o atendimento das necessidades e interesses dos diversos segmentos sociais, a avaliação das ações e a negociação do direcionamento dos recursos financeiros existentes” (PRESOTO e WESTPHAL, 2005, P.3).
Dentro desta tendência, Gomes (2003) aponta um potencial interessante dos conselhos municipais em constituírem-se em importantes espaços democráticos e efetivos de controle social. Isto significa que os mecanismos, ou a eficácia do controle, dependem diretamente da independência e da autonomia que os atores mantém em relação às ações do Estado.
“Desta forma [afirma o autor], não acredito na impossibilidade administrativa de o conselho gestor se encarregar, de fato, da gestão completa da política pública, o que como já definido, envolve desde a formulação e o planejamento da política pública até a avaliação e controle dos seus resultados” (GOMES, 2003, p. 61).
Embora a disseminação dos conselhos gestores possa ser vista como um instrumento de processos políticos para criação e inserção de políticas públicas no Brasil, na prática pode assumir um caráter ambíguo relativo à sua representatividade democrática e à sua eficácia em debater, decidir e fazer cumprir suas políticas. Muitas vezes os conselhos atuam como meras organizações burocráticas apenas retransmitindo as políticas públicas organizadas pela cúpula elitista do Estado, ao invés de constituir canais efetivos de participação coletiva possibilitando assim uma maior interação entre Estado e sociedade (GOHN, 2007).
Em suma, faz-se necessário que haja uma cultura política arraigada no interior da sociedade que possibilite a confiança interpessoal e a confiança nas instituições como pré-requisitos fundamentais, para que haja a efetiva participação política do cidadão.
3.1- Delineamento da pesquisa
A pesquisa foi realizada em Bagé, município com 116.794 habitantes, conforme Censo 2010, localizado na região da Campanha do estado do Rio Grande do Sul. O presente estudo busca investigar a participação da sociedade civil nos conselhos, especificamente no Conselho Municipal de Educação localizado em Bagé – CME.
Em termos metodológicos, a presente pesquisa caracteriza-se por ser um estudo de caso. Segundo Yin (2005, p. 26), o estudo de caso é a estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos contemporâneos, mas quando não se podem manipular comportamentos relevantes. Para o autor, o estudo de caso incorpora muitas técnicas da pesquisa histórica, mas difere desta em dois pontos importantes: a da utilização da observação direta dos acontecimentos e a aplicação de entrevistas (orais ou escritas sob a forma de questionários).
A este respeito Gil (1999, p. 72-3) diz que:
“O estudo de caso é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado, tarefa praticamente impossível mediante os outros tipos de delineamentos considerados”.
Para viabilizar o estudo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, embasada em livros, artigos, teses e dissertações, a fim de conhecer a realidade que envolve o processo de participação social nos conselhos municipais.
Como instrumento de pesquisa, foi empregada a entrevista semiestruturada previamente elaborada para obtenção das informações necessárias ao estudo de caso. A abordagem utilizada foi a qualitativa, sendo que esta, costuma ser direcionada, ao longo do seu desenvolvimento. Além disso, não busca enumerar ou medir eventos e, geralmente, não emprega instrumental estatístico para análise dos dados, já que seu foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada pelos métodos quantitativos (NEVES, 1996).
O sujeito da pesquisa foi a Presidente do Conselho Municipal de Educação da cidade de Bagé, RS. A análise dos resultados e as conclusões a que chegamos encontram-se detalhadas na sequência do trabalho.
3.2 - Resultados
Para a análise dos resultados, torna-se importante aprofundar os conhecimentos sobre o Conselho Municipal de Educação da cidade de Bagé.
Este conselho foi criado pela Lei Municipal nº 1.911 de 13 de abril de 1977. Inicialmente, na sua criação, era formado por cinco elementos escolhidos entre pessoas de notório saber e experiência no magistério.
Em 28 de novembro de 1978, foi publicada a Lei Municipal nº 2.038, que alterou o artigo 1º da Lei Municipal nº 1.911, passando a ter a seguinte redação:
“Art. 1º. É criado o CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, órgão vinculado à Secretaria Municipal de Educação, integrado por doze (12) elementos escolhidos entre pessoas de notório saber e experiência no magistério.”
Em 13 de julho de 1981, foi publicado o Decreto nº 525, que regula a composição e delimita as atribuições do Conselho. Desta forma, o Conselho ficou constituído de 12 membros nomeados pelo Poder Executivo Municipal, cujos serviços prestados são considerados honoríficos e de relevância, sem ônus para o erário municipal.
Suas atribuições ficaram assim delimitadas no Decreto:
- Elaborar o seu regimento, a ser aprovado pelo Chefe do Poder Executivo Municipal;
- Promover estudos da comunidade, tendo em vista problemas educacionais;
- Estudar e sugerir medidas que visem à expansão, consolidação e aperfeiçoamento do ensino municipal;
- Fixar diretrizes para o estabelecimento do regime de férias na rede municipal de ensino;
- Emitir pareceres sobre:
a) assuntos e questões de natureza educacional que lhe forem submetidos pelo Executivo Municipal;
b) concessão de auxílios e subvenções a instituições educacionais;
c) convênios, acordos e contratos relativos a assuntos educacionais que o Poder Público Municipal pretenda celebrar;
d) funcionamento de escolas públicas da rede municipal de ensino, bem como a incorporação de estabelecimentos privados;
- Estabelecer critérios para a concessão de bolsas de estudos a serem custeadas com recursos municipais;
- Manter intercâmbio com o Conselho Estadual de Educação, bem como os demais Conselhos Municipais de Educação;
- Executar as atribuições que lhe forem delegadas pelo Conselho Estadual de Educação.
A composição das representações do conselho está estabelecida da seguinte forma:
- Secretaria Municipal de Educação – 04 cadeiras;
- 13ª Coordenadoria Regional de Educação - CRE – 02 cadeiras;
- Sindicato dos Professores Municipais - Sinprofem – 01 cadeira;
- Professores aposentados – 01 cadeira;
- Conselheiros natos (Assessor Técnico e Secretário) – 02 cadeiras;
- Associação de Pais e Mestres – 01 cadeira;
- Escolas Particulares – 01 cadeira.
O Conselho é o órgão competente para autorizar o credenciamento e o funcionamento das escolas da rede municipal de ensino e as escolas particulares de educação infantil. Atualmente existem 17 escolas particulares de educação em funcionamento no município.
Ao iniciar o ano o Conselho faz um calendário de reuniões, que melhor favoreça a presença dos conselheiros, com no mínimo uma reunião ordinária de trabalho por mês e tantas extraordinárias quanto forem necessárias.
As reuniões geralmente são abertas ao público, dependendo do assunto a ser tratado em pauta.
O Conselho localiza-se junto a Secretaria Municipal de Educação – SMED em Bagé e apresenta boa estrutura física para funcionamento das atividades propostas pelo mesmo.
Em relação ao perfil da presidente, a mesma possui graduação em Pedagogia e Especialização em Educação Inclusiva. Atua profissionalmente como professora do município e também como diretora do Núcleo de Educação para Adultos, órgão de educação instalado no Presídio Central de Bagé.
No tocante ao tempo de participação da presidente no conselho municipal de educação, esta informou que participa a seis anos do CME.
Quando questionada sobre o entendimento do termo “controle social”, a entrevistada não soube explicitar uma definição para o mesmo.
A pesquisa procurou conhecer também a opinião da presidente sobre a função do CME na política municipal, quem estabelece as pautas nas reuniões e se, na visão da presidente, as decisões do CME são implementadas pela prefeitura, a qual respondeu respectivamente:
- “Garantir a gestão democrática da educação e a qualidade do ensino no município”;
- “Os conselheiros em reunião anteriores e a demanda que chega das Escolas, Comunidade ou SMED”;
- “Sim, sempre”.
Foi perguntado à presidente como ela avalia o interesse da população em participar e quais os desafios encontrados para que a sociedade participe ativamente do conselho. A mesma destacou: “Hoje temos uma realidade diferente de alguns anos atrás e podemos observar que principalmente as Universidades e Uniões Estudantis querem fazer parte do Conselho, por isso estamos reestruturando a lei para podermos contemplá-las”.
Quanto aos desafios, enfatizou: “O principal desafio é a alteração da Lei do Conselho, que precisa de aprovação pelo poder Legislativo”.
Constata-se assim que os representantes da sociedade civil não participam do conselho, sendo a indicação o método de escolha dos conselheiros, através da Secretaria Municipal de Educação, conforme o artigo 1º da Lei Municipal nº 2.038/78.
Desta forma, verifica-se que inexistem critérios para escolha dos representantes da sociedade civil e que a inserção desses não ocorre, sendo a indicação o método de escolha dos conselheiros.
A inexistência de participação da sociedade civil apresenta-se como aspecto negativo, pois de acordo com Lira e colaboradores (2003, pág.65) o cidadão pode interferir no processo de programação governamental, inclusive de forma preventiva, sendo que esta intervenção do cidadão nas ações do governo é denominada de controle social.
O relato demonstra que a participação da sociedade civil inexiste no Conselho Municipal de Educação em questão e que, o desafio está em alterar a legislação vigente, possibilitando que os demais cidadãos possam participar e atuar efetivamente nestes espaços. Esta iniciativa irá contribuir para que a comunidade, hoje sem incentivo para propor e buscar mudanças sinta-se estimulada a participar, compreendendo a importância do seu papel enquanto agente transformador da realidade.
Ao final deste estudo, surge uma questão que não pode deixar de ser enunciada. Os conselhos, posto que divididos em políticas setoriais, acabam contribuindo com a fragmentação e/ou diluição das questões políticas mais amplas e dificultando a construção de um projeto político global de sociedade (RAICHELIS, 2000). Este é mais um dos desafios à participação na modalidade conselhista.
Assim, a criação dos conselhos municipais de educação, como espaços democráticos, participativos e contraditórios na condução da política educacional, representa um avanço na sociedade brasileira. No entanto, esse potencial político dos conselhos está ameaçado em frente às novas transformações do capitalismo contemporâneo, que submete tudo e todos à sua lógica destrutiva e incontrolável (MÉSZAROS, 1987).
Sendo assim, se está diante de um quadro desfavorável às práticas democráticas. Os conselhos são atingidos, o que dificulta o pleno exercício do seu papel constitucional, legal e político (BEHRING, 2001). No entanto, acredita-se na perspectiva de que os conselhos têm grandes potencialidades como arenas de conflitos e negociação, em que a política de educação será definida no jogo de interesses antagônicos. Mas de maneira alguma os conselhos podem ser pensados como os únicos espaços de participação. Portanto, é fundamental a vinculação dos conselhos com os demais movimentos da sociedade em prol da luta pela radicalização da democracia e da cidadania, como ação estratégica.
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