Joaquim Carlos Lourenço (CV)
carlosadm2006@gmail.com
UFCG
Resumo
O presente trabalho expõe os aspectos hidrológico-climáticos que devem ser considerados para uma gestão eficaz do açude Epitácio Pessoa (Boqueirão), localizado no município de mesmo nome, no estado da Paraíba. Foi construido para abastecer o município de Campina Grande e demais municípios do Compartimento da Borborema. Atualmente, o açude abastece 26 municípios distribuídos pelas microrregiões do Cariri e do Agreste do estado. A mesorregião da Borborema é uma das quatro mesorregiões do estado da Paraíba. Essa mesorregião localiza-se numa das áreas mais secas da região nordeste do país, ou seja, um ambiente extremamente semiarido propenso à secas, como as ocorridas em 1998 e 2003 na região, que provocou um verdadeiro colapso no abastecimento das cidades da região, sobretudo no município de Campina Grande que foi obrigado a implantar o racionamento de água. Em 2012 e 2013 com a estiagem novamente evidenciada, o problema ameaça a se repetir, e, se a quadra chuvosa no Cariri Oriental não iniciar no final de dezembro e início de 2014 e/ou o volume de água captado não atingir um nível considerável para garantir a segurança hídrica de abastecimento de 2014/1015, o município de Campina Grande e os demais abastecidos pelo açude entraram em racionamento já em outubro de 2014.
Palavras-chave: Açude Epitácio Pessoa, Gestão Eficaz, Secas, Hidrologia e Clima.
Abstract
This paper exposes the hydrological - climatic aspects that must be considered for effective management of weir Epitácio Pessoa (Boqueirão) , located in the municipality of the same name in the state of Paraíba. It was built to supply the city of Campina Grande and other cities Compartment Borborema. Currently, the dam supplies 26 municipalities distributed by micro Cariri and the Wasteland state. The meso Borborema is one of the four meso state of Paraíba. This middle region is located in one of the driest areas in the northeastern region of the country, ie, one prone to droughts, such as occurred in 1998 and 2003 in the region extremely semiarid environment, which caused a real breakdown in the supply cities of the region, especially in Campina Grande who was forced to implement water rationing. In 2012 and 2013 again highlighted with the drought, the problem threatens to repeat itself, and if the rainy season in East Cariri not start at the end of december and beginning of 2014 and/or the volume of water abstracted not reach a significant level to ensure water security for the 2014/1015 supply, Campina Grande and the other supplied by the dam came into rationing already in october 2014.
Keywords: Açude Epitácio Pessoa, Effective Management, Droughts, Hydrology and Climate. O açude Epitácio Pessoa, mais conhecido como Boqueirão, teve sua construção iniciada em 1952 por intermedio do DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra as secas), mas só entrou em operação em 1957. Foi construido para abastecer o município de Campina Grande e demais municípios do Compartimento da Borborema: Boqueirão, Queimadas, Pocinhos, Caturité, Riacho de Santo Antônio, Galante e São José da Mata. Atualmente, o açude abastece 26 municípios distribuídos pelas microrregiões do Cariri e do Agreste do estado (RÊGO et al., 2013).
A capacidade de armazenamento do açude após sua finalização foi estimada em 536.000.000 de m³, mas, com a falta de manejo adequado ao longo dos últimos anos e políticas de conservação da vegetação a sua margem, o assoreamento associado as baixas precipitações reduziram esta capacidade para 411.686.287 m³ (AESA, 2013). O açude Epitácio Pessoa está na localizado na bacia hidrográfica do rio Paraíba, sendo que este encontra-se inserido na mesorregião da Borborema.
A mesorregião da Borborema é uma das quatro mesorregiões do estado da Paraíba. Essa mesorregião localiza-se numa das áreas mais secas da região nordeste do país. O clima é quente e seco, com temperaturas médias que oscilam entre 16ºC a 37ºC e precipitações anuais que variam entre 250 a 750 mm, ou seja, um ambiente extremamente semiarido propenso à secas, como as ocorridas em 1998 e 2003 na região, que provocou um verdadeiro colapso no abastecimento das cidades da região, sobretudo no município de Campina Grande que foi obrigado a implantar o racionamento de água.
Segundo Rêgo et al. (2013) "naquela ocasião, diante da ameaça de colapso total do abastecimento, representada pelo baixo nível a que ficou reduzido o volume d’água acumulado no reservatório, foi necessária a implantação de um regime de racionamento da distribuição de água, que teve início no segundo semestre de 1998 e prolongou-se até os primeiros meses do ano 2000".
Outro fato marcante daquele período crítico conforme Rêgo et al. (2012) foi a suspensão judicial seguida de proibição da prática da irrigação descontrolada às margens do açude, cujo consumo ultrapassava, em alguns meses, toda a demanda de abastecimento humano atendida pelo reservatório.
A chamada crise de 1998-2002 só foi superada em janeiro de 2004, quando o açude recuperou seus níveis normais de operação e voltou a sangrar. Nesse contexto, Rêgo et al. (2012) ressalta que aos poucos as ações empreendidas, durante e logo após a crise, para a implantação de um manejo efetivo do açude, isoladamente ou, conforme se espera, no contexto ampliado da gestão dos recursos hídricos da bacia onde está contido, foram enfraquecendo e rareando as atitudes tomadas.
Em 2012, com a estiagem novamente evidenciada, o problema ameaça a se repetir, e retornaram também as discussões com relação à segurança hídrica da população abastecida pelo açude do Boqueirão e as expectativas de um novo racionamento, pois as precipitações ocorridas na bacia do rio Paraíba em 2013 também não foram suficientes para normalizar o volume de água do açude.
De acordo com dados da Agência Executiva das Águas do Estado da Paraíba (Aesa) disponibilizados em 05 de novembro de 2013, o volume de água do açude é de 168.916.238, o que corresponde a 41% de sua capacidade de armazenamento. Nessas condições, se a quadra chuvosa no Cariri Oriental não iniciar no final dezembro e início de 2014 e/ou o volume de água captado não atingir um nível considerável para garantir a segurança hídrica de abastecimento de 2014/1015, o município de Campina Grande e os demais abastecidos pelo açude entraram em racionamento já no início de 2014, isso segundo Rêgo et al. (2013) no pior caso em janeiro, no melhor em março.
Tendo em vista o cenário atual do açude Epitácio Pessoa (Boqueirão) e levando em consideração o crescimento da população, e, por conseguinte, o aumento do consumo de água no município de Campina Grande e demais cidades abastecidas. Que espectos/mecanismos devem ser levados em consideração para uma gestão eficaz dos recursos hidrícos do açude Epitácio Pessoa?
Para responder a esse questionamento é preciso, antes de qualquer coisa, esclarecer o conceito de gestão/gerenciamento, os aspectos hidrológico-climáticos que podem contribuir para uma gestão eficiente dos recursos hídricos do açude Epitácio Pessoa, bem como os aspectos sociais, a capacidade de armazenamento e a demanda.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
Para Rêgo et al. (2013) a premissa básica para o manejo adequado de um reservatório é o conhecimento da quantidade de água por ele disponibilizada com a garantia necessária ao uso demandante, ou seja, sua vazão de regularização.
No caso específico do Epitácio Pessoa, conforme Rêgo et al. (2001) não se conhecia durante a crise de 1998-2002, e ainda não se conhece, a real vazão afluente ao açude Boqueirão e a sua exata capacidade máxima. Consequentemente, não é possível definir com precisão a vazão regularizável pelo Açude. Nesse caso, não há como fazer uma boa gestão se não se conhece a real demanda, nem a quantidade com qualidade que pode ser ofertada.
Concernente, Rêgo et al. (2013) pontuam que ao contrário da oferta hídrica, as demandas atendidas por um reservatório são relativamente mais fáceis de avaliar, através da medição sistemática e contínua das retiradas para os diversos usos.
Contudo, os autores lembram que nenhuma medição direta é efetuada no Boqueirão, nem das retiradas para abastecimento, tampouco daquelas para irrigação, revelando-se assim uma falta grave para se atingir uma gestão confiável.
A gestão dos recursos hídricos pode ser definida como o conjunto de ações destinadas a regular a captação, armazenamento, a qualidade, o uso, o controle e a proteção dos recursos hídricos, em conformidade com a legislação e normas pertinentes. No Brasil, a lei 9.433/97 regulamenta a gestão dos recursos hídricos e estabelece a criação do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos pelos estados. No entanto, segundo Cordeiro (2004) muitos estados brasileiros, até hoje, não implementaram o seu sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Para um gerenciamento eficaz dos recursos hídricos é imprescindível a implementação de um plano diretor para gestão da bacia hidrográfica, ou seja, organizar, planejar e executar atividades que facilitem o processo de gestão dos recursos hídricos e os direitos de uso da água. Para tanto, é preciso criar um fórum de discussões entre os diversos atores sociais da sociedade e as populações que residem na bacia do rio Paraíba e as que dependem da água do açude Boqueirão.
Além dessas ações, é mister conhecer os seguintes aspectos hidrológico-climáticos: taxa de infiltração de água no solo, taxa de evaporação, precipitação na bacia, regularização de vazões, potencialidade e disponibilidade hídrica. Note-se que, como já exposto, não se conhece a vazão regularizável do açude nem sua capacidade máxima, bem como a demanda dos usuários.
A Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (CAGEPA), única usuária de água para abastecimento urbano, estima de forma indireta e, portanto, insegura, sua retirada total de água bruta do Epitácio Pessoa em 1,5 m³/s. Quanto ao outro destino das águas do Açude, cerca de 500 irrigantes, dispersos ao longo do perímetro da bacia hidráulica do Açude, consomem um total aproximado de 0,95 m³/s, estimados também de forma indireta, através do balanço hídrico do reservatório (RÊGO et al., 2013).
Com relação à potencialidade e disponibilidade hídrica do açude Epitácio Pessoa, é sabida sua potencialidade, todavia, não se conhece com exatidão sua disponibilidade hídrica, já que também não se conhece a taxa de infiltração de água no solo e a evaporação na bacia hidrográfica, nem estas são consideradas nos cálculos de disponibilidade. Logo, é possível inferir que o valor divulgado não representa a real disponibilidade.
Cabe ressalta-se também que, nos cálculos oficias da disponibilidade hídrica feito pela agência reguladora não é considerado o “volume morto” do açude, ou seja, a quantidade de água que tem sedimentos como lama, restos de arvores, entre outros que se concentram na parte do açude não operacional (abaixo do volume útil) é considerada com disponível para consumo humano e animal. Outro ponto que merece destaque é que mais de 40 % da água retirada pela CAGEPA do açude é perdida por vazamentos e furtos no percurso das canalizações.
Rêgo et al. (2000) advertiram que sem o conhecimento seguro das características dimensionais e hidrológicas do reservatório e sem o controle de expressiva parte de suas retiradas era absolutamente impossível estabelecer um manejo racional do mesmo, de modo a evitar que viesse a falhar nas suas funções regularizadoras/disponibilizadoras.
A falta de medidas efetivas que promovam uma gestão eficaz do açude deixou os usuários que utilizam seus recursos hídricos expostos às ameaças de racionamento e/ou a falta de água. A existência de ameaças nos deixa vulneráveis diante dos riscos, sobretudo, as populações que têm sua fonte de renda da exploração dos recursos hídricos do açude, e os municípios que dependem de forma direta e indireta da oferta hídrica para manter economicamente o desenvolvimento da cidade, como é o caso de Campina Grande que abriga diversas indústrias que dependem da água para manter suas operações.
3. ASPECTOS SÓCIO-DEMOGRÁFICOS E ECONÔMICOS DE CAMPINA GRANDE
O município de Campina Grande esta localizado no Estado da Paraíba, com distância de 112 km da capital João Pessoa, possui uma população residente de 385.213 habitantes, sendo estes divididos em 367.209 de população urbana e 18.004 habitantes rurais, ou seja, sua taxa de urbanização é de 95,32% (IBGE, 2010).
Campina Grande é referência no desenvolvimento comercial, industrial, educacional e tecnológico, além de congregar habitantes de cidades circunvizinhas em busca de serviços diversos, o município exerce grande influência política e econômica em muitos municípios do estado e também nos estados vizinhos.
Estes fatores contribuem para que o município seja um centro distribuidor e receptor de matéria-prima e mão-de-obra de vários estados. Campina Grande tem grande proximidade com três capitais brasileiras: Natal, João Pessoa e Recife. Além disso, dentro do próprio estado, situa-se no cruzamento entre a BR-230 e a BR-104, sendo estes fatores determinantes na atração de novos empreendimentos, e para a consolidação do município como um importante centro econômico/comercial em âmbito regional. No campo econômico, o município tem o segundo Produto Interno Bruto do Estado.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gestão ineficiente ou mesmo inexistente das águas do açude Epitácio Pessoa traz átona uma situação vivenciada pela população de Campina Grande, que pode se repetir, o racionamento de água. Nessa perspectiva, é irrefutável que só com a implementação efetiva da gestão integrada dos recursos hídricos da bacia é possível minimizar e/ou melhor enfrentar crises futuras de disponibilidade de água.
Não obstante, o órgão gestor deve exercer o controle e a fiscalização de toda e qualquer retirada de água do reservatório, instalar medidores nos pontos de retiradas dos usuários, regularizar as outorgas e impedir as retiradas irregulares. Enfim, só com a gestão eficiente dos recursos hídricos do açude Epitácio Pessoa é possível garantir a oferta de água de forma sustentável para a população.
REFERÊNCIAS
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