Danieli Veleda Moura (CV)
Andreisa Damo (CV)
danieliveledamoura@yahoo.com.br
Universidade Federal do Rio Grande
Resumo: O presente relato de experiência resgata uma atividade em forma de oficina, realizada no ano de 2011 junto a um grupo de participantes do III Encontro e Diálogos com a Educação Ambiental, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande. Nosso objetivo é refletir sobre o trabalho feito, de forma a ressignificar nossa própria prática enquanto proponentes da oficina e educadoras ambientais. Na esteira desse processo reflexivo, resgatamos a intenção da oficina: problematizar o uso do conceito da conscientização, frequentemente apropriado pelos meios midiáticos, marketing e propaganda, ONGs e campanhas governamentais, na forma como estes lhe dão significado. O significado desse entendimento precisa ser revisto pois, em nossa compreensão, este conceito é bem mais complexo do que aparenta ser nos vídeos por nós debatidos na oficina. Nossa significação do que vem a ser a conscientização encontra-se alicerçada no pensamento do educador Paulo Freire, a partir do qual podemos compreender que a conscientização não é evento imediato, que ocorre no sujeito instantaneamente. Assim, compreendemos que muitas estratégias público-privadas que se autodeclaram ou sugerem ser conscientizadoras atuam no limite da sensibilização. Porém, a conscientização como uma categoria freireana, é algo a mais que passa pelo processo educativo rumo à liberdade, exigindo do indivíduo, e do grupo, a superação real do estágio ingênuo, para o estado crítico da consciência. Temos compreendido não ser possível alcançá-la a partir de experiências de curta duração de caráter meramente informativo e, algumas vezes, apelativo. Na conscientização, o caráter é formativo, e somente se processa se, tanto a emoção, quanto a vontade e o pensamento forem mobilizados.
Palavras-chave: Oficina. III Encontro e Diálogos com a Educação Ambiental. Conscientização.Para ver el artículo completo en formato zip pulse aquí
INTRODUÇÃO
Nos escritos que seguem, fazemos algumas reflexões acerca do trabalho desenvolvido por nós, em forma de Oficina, no III Encontro e Diálogos com a Educação Ambiental, evento do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande (PPGEA-FURG) no ano de 2011.
Partimos da compreensão que refletir sobre o trabalho feito possibilita-nos “ressignificar” a ação desenvolvida naquele momento e refletir sobre a nossa prática leva-nos a superar as limitações decorrentes do processo cognoscivo/cognoscente e a pensarmos possibilidades de práticas qualitativamente superiores àquela que outrora desenvolvemos.
Para a propositura de um estudo sério é preciso não apenas penetrarmos criticamente no conteúdo do que nos propusemos a trabalhar, mas nos entregarmos a uma permanente inquietude intelectual, a qual está ligada a uma predisposição à busca do conhecer para sermos mais humanos, finalidade máxima (ontológica) da função social do processo educativo.
O trabalho intelectual é uma atitude frente ao mundo, portanto, exige que tenhamos a humildade de reconhecer nossas limitações, de modo que possamos avançar no sentido de conhecer, cada vez mais profundamente a realidade concreta, relacionando-a com a totalidade das relações que cada fenômeno trabalhado e estudado mantém com o restante da natureza.
Assim é que repensamos a oficina realizada, com a finalidade de refletir sobre nossa própria prática na condição de propositoras da mesma, de modo a superá-la para que, talvez, possamos implementar avanços aos futuros trabalhos, além de poder também resgatar e refletir mais precisamente sobre os temas trabalhados. Temas, estes, que julgamos de extrema importância abordar no campo da Educação Ambiental.
Parafraseando Freire (2001) desenvolver um trabalho é tomar seu tema como um desafio, assumindo em face dele uma ação crítica, o que significa penetrar na intimidade do objeto trabalhado, de modo à desvelá-lo cada vez mais. Assim, quando nos propomos a desenvolver um trabalho, este, ao ser a resposta que procuramos dar ao desafio proposto, torna-se também um desafio aos que participam dele conosco e que, no caso da oficina desenvolvida, tratava-se não apenas de nós propositoras da mesma, como também dos participantes desta.
O tema trabalhado, como núcleo de nossa reflexão, não pode ser o término de nosso ato de conhecer porque ele é, e precisa ser, o objeto que estabelece as relações cognoscentes entre nós e, no caso em questão, os participantes da oficina, os quais se encontravam como sujeitos também de conhecimentos.
Ressaltamos que, embora tenhamos intitulado a oficina “Conscientização em Paulo Freire: Teoria e Prática”, entendemos neste momento que pelo que foi trabalhado e debatido naquela ocasião, seria mais adequado à oficina realizada, o título que ora trazemos neste presente trabalho, ou seja: “Problematizando o uso do termo “Conscientização” no Discurso Ambiental.
De forma a expressar com maior clareza o processo de realização da oficina, explicitaremos, primeiramente, a metodologia utilizada e, em seguida, o modo como ela foi conduzida, ou seja, as discussões e debates suscitados a partir da oficina. Num terceiro momento, traçamos algumas considerações, com base nas reflexões que nos é possível fazer sobre o trabalho desenvolvido.
Assim, este relato de experiência traz, além da introdução, mais quatro subdivisões, de modo a elucidar o processo de trabalho (metodologia) na realização da oficina, a apresentação dos vídeos trabalhados e as discussões teóricas feitas a partir dos mesmos, bem como, nas considerações finais, refletirmos, a partir dos ensinamentos de Paulo Freire, sobre o que poderia ter sido diferente neste processo.
METODOLOGIA
No ano de 2011, o evento tradicionalmente organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA) possibilitou a realização de diversas oficinas a serem ofertadas pelos seus discentes. Sentimo-nos, então, desafiadas a apreender e empreender esta ferramenta de trabalho, com a qual ainda não tínhamos trabalhado, isto é, nunca havíamos desenvolvido.
Resolvemos pensar uma temática na mesma medida relevante e atrativa para a formação de educadores ambientais e, assim, é que nos propomos a trabalhar com a Educação Humana trabalhada por Freire, partindo do estudo desenvolvido por ele acerca do desenvolvimento da consciência, ou da consciência em seus diferentes níveis, num estudo provocado a partir do debate sobre vídeos de cunho ambiental e que traziam em seu bojo a questão da consciência ou consciência ecológica.
Estabelecemos o limite de 15 vagas, a fim de intensificar a dinâmica do grupo; porém, fomos surpreendidas com a procura pela oficina, até mesmo por pessoas vindas de outras cidades, que se inscreveram atraídas pela temática da conscientização em Freire.
A conscientização é uma categoria freireana que, apesar de não ter sido cunhada por Freire, foi largamente trabalhada por ele. Esta categoria, no sentido freireano, evidencia o processo de formação da consciência crítica em relação aos fenômenos da realidade, o que exige a superação das formas de consciência ingênua. Neste processo, os sujeitos se reconhecem no e com o mundo e, ao transformarem o mundo por meio de suas práticas, transformam também a si mesmos.
A oficina transcorreu com a disposição do grupo em semicírculo, a fim de que pudéssemos dialogar e debater sobre os temas propostos a partir das imagens e dos vídeos apresentados. Assim, iniciamos com as apresentações e passamos a conversar sobre os “níveis” de consciência em Freire, fazendo a articulação dessas discussões com o grupo a partir de imagens e também de alguns vídeos pré-selecionados tendo em vista o seu enfoque nas questões ambientais, os quais, com uso de data-show foram utilizados para apresentação e debate sobre o tema da Conscientização.
A proposta da oficina consistiu em apresentar os níveis de consciência e como se dá o processo de conscientização de acordo com a compreensão do educador Paulo Freire. Para tanto, os conteúdos trabalhados foram a conscientização e seus estados: consciência ingênua, semi-intransitiva e crítica. Para tanto, lançamos mão dos estudos que fizemos nas disciplinas “Leituras de Paulo Freire I” e “Leituras de Paulo Freire II”, no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental e das leituras feitas sobre o pensamento freireano, além de outros estudos sobre a consciência/conscientização que fizemos no decorrer de nosso Mestrado em Educação Ambiental.
Após um momento inicial de explanação teórica, foi conduzida uma atividade prática por meio de material audiovisual diverso, a fim de problematizarmos o que os meios midiáticos, estratégias de marketing/propaganda, algumas ONGs e campanhas do governo vêm chamando de ações de conscientização, quando, na verdade, essas, em nosso entendimento, têm se mostrado medidas meramente paliativas, de eficácia reduzida, destinadas a impactar as pessoas, sendo superficiais por não trabalharem as causas dos problemas socioambientais. Ou então, essas iniciativas limitam-se à sensibilização, processo válido e desejável, mas que vem sendo veiculado como se fosse conscientização. É, de fato, este ponto que vimos buscando desmistificar: o uso da categoria conscientização em iniciativas que não levam a cabo esse processo.
Compreendemos que o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre a realidade, com foco na causa e não apenas no efeito dos problemas socioambientais é o primeiro e decisivo passo para a transformação radical das condições materiais que nos oprimem na sociedade do Capital.
Nosso objetivo com as atividades realizadas foi poder contribuir de alguma forma com o processo de ruptura da consciência ingênua que as pessoas que participaram da oficina poderiam ter a respeito de tais videos. A intenção era o despertar da necessidade de uma compreensão do mundo e dos problemas socioambientais de forma crítica, a fim de transformá-los.
O fechamento da oficina ocorreu com a avaliação dos participantes em relação ao trabalho realizado. Eles pareceram satisfeitos de terem escolhido esta oficina, pois a partir dos vídeos selecionados e da discussão teórica fomentada, puderam resgatar da memória outros casos e partilhar com o grupo.
Refletimos que a utilização das ferramentas de áudio e vídeo são importantes para mostrar as estratégias de persuasão que os meios de comunicação tendem a desenvolver a fim de incutir-nos certos dogmas e uma compreensão “falsa” da realidade, fruto de constatações superficiais a respeito do que acontece no ambiente.
Nesse sentido, as discussões suscitadas a partir da oficina possibilitaram a reflexão sobre o modo como vivemos em sociedade, de forma a reconhecer nela os imperativos do capital, cuja base são processos de sobreprodução, destinada ao consumo, por meio da exploração do trabalho humano para acumulação de riquezas nas mãos de poucos, o que, em outras palavras, significa dizer que vivemos numa sociedade desigual e que, portanto, necessitamos urgentemente de uma compreensão clara a respeito do modo como vivemos, de forma a desenvolvermos também maior clareza em relação ao que queremos para o nosso futuro.
BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS VÍDEOS TRABALHADOS E DA DISCUSSÃO FOMENTADA
Nas considerações que seguem, discutimos algumas estratégias ambientalistas e iniciativas de marketing/propaganda ditas “conscientizadoras”, procurando discernir quando, de fato, elas tendem a ser instrumentos limitados à sensibilização do público, ou mesmo estratégias enganosas, destinadas a manter o status quo da sociedade. Essas discussões têm por base o pensamento freireano, para o qual, a consciência crítica do mundo não é evento imediato, que ocorre por “passe de mágica”, mas processo somente alcançado com o desenvolvimento eficaz da educação comprometida com a emancipação dos sentidos humanos para a liberdade.
Pretendemos, com isso, não desmerecer a iniciativa das intervenções ambientalistas de protesto e denúncia. Reconhecemos seu valor, mas também os seus limites. Nossa intenção foi ressaltar que a apropriação do termo “conscientização”, como se fosse evento imediato, de fácil produção individual e coletiva, é um equívoco que em nada contribui para efetivarmos, enquanto educadores ambientais, práticas eficazes na direção de mobilizar os sujeitos ao conhecimento crítico e à tomada de decisão.
O primeiro vídeo trabalhado em nossa oficina trata da economia de água. Exibe uma mãe sorrindo e abrindo os braços para receber um bebê que vem caminhando conduzido pelo pai. A criança está aprendendo a andar, solta das mãos do pai, cai, levanta e segue na direção dos braços da mãe. De repente, algo chama a atenção dele, que muda sua trajetória: uma torneira aberta escorrendo água. O bebê abandona a mãe para ir na direção da torneira e fechá-la, sob o olhar surpreendido dos pais. Em seguida, entra um texto no vídeo que diz: “A água é muito preciosa para ser desperdiçada” e “Adotar uma atitude planeta”. O vídeo usa a estratégia do enternecimento (tanto que é um comercial premiado), afinal, se até a criança que mal aprendeu a andar, já sabe que não deve desperdiçar água, para nós adultos, a “conscientização” deve acontecer ainda mais fácil.
O que propomos refletir, apoiadas na concepção freireana, a partir do referido recurso audiovisual é: entendemos que a consciência crítica não é algo inato, tampouco algo que pode se desenvolver repentinamente, ainda mais quando as pessoas que servem de exemplo (no caso do vídeo, os pais do bebê), agem de forma arbitrária ao estado crítico da consciência. Como pode um bebê que nem aprendeu a andar, saber que não deve desperdiçar água, quando os pais ensinaram justamente o contrário, deixando a torneira aberta? A “atitude planeta” pode ser simplesmente adotada, ou ela precisa ser desenvolvida?
Entendemos, assim, que a eficácia do vídeo está no âmbito da sensibilização, tendo em vista o seu poder de mobilizar a emoção de quem assiste. A sensibilização é o passo inicial, a informação necessária para despertar (“abrir”) a consciência dos sujeitos para aquele determinado problema. Sua função é atentar para as questões ambientais, cabendo à pessoa, num movimento que neste estágio só pode ser percebido do ponto de vista individual, permitir-se o esforço de transpor a emoção inicial do contato com a mensagem transmitida pelo vídeo, acionando o mecanismo cognitivo da vontade, sem o qual nenhum conhecimento pode ser sedimentado. É a vontade que abre as portas ao novo conhecimento. E é por meio dela que se processam as mensagens externas que, a partir do pensamento, o estágio subsequente da consciência, assumem a forma de ideias. Essas ideias, produzidas no pensamento abstrato, aprofundam a consciência na compreensão do mundo, dos fatos da realidade. E, quanto mais próximo está o pensamento do que é a realidade, tão mais real é a possibilidade da atitude transformadora, se isso for vontade do indivíduo.
É por isso que a conscientização não é milagre, tampouco, evento coletivo, que se processa de forma uniforme no coletivo. Toda evolução da consciência é processo individual, já que depende da constituição pessoal, dos suportes (emoção, vontade e pensamento) que predispõem a acolher ou não a informação sensibilizadora. Nada entra direto na consciência sem passar pelos sentidos. É preciso que os sentidos estejam libertos, atentos, emancipados, para dar entrada à informação, a qual será processada na consciência, dependendo da vontade e poderá sedimentar-se em conhecimento. A conversão desse conhecimento em saber crítico é também processo cognitivo que depende da vontade. É por estas razões que a Educação Ambiental, por meio das intervenções ambientalistas, encontra inúmeros desafios à abordagem eficaz do indivíduo e do coletivo. Tudo depende de processos internos de significação e quem está no controle disso é o sujeito.
Sob a trilha sonora dramática de “Requiem for a dream” (Clint Mansell), o que sugere uma reação de catástrofe iminente, de urgência, de colapso (estratégia muito utilizada em mensagens ambientalistas desse gênero), o segundo vídeo trabalhado na oficina utiliza imagens de degradação ambiental com frases de impacto, como “O planeta não é mais como antes. A cada dia que passa o homem o destrói cada vez mais!”. Às imagens de degradação, irrompe a pergunta: “Será num futuro próximo, lugares como estes ainda existirão?”. Seguem imagens de lugares de grande beleza natural.
O vídeo utiliza uma abordagem alarmista, que aposta no medo como estratégia de “conscientização”. O recuso utilizado é o “drama”, apontando para o eminentemente trágico. Porém, não há nada mais paralisante que o medo. Não se pode esperar que, como efeito de mágica, a consciência crítica se desenvolva instantaneamente, sob ação de imagens de impacto, assertivas contundentes, e perguntas constrangedoras que direcionam a culpa a cada um individualmente, desviando a percepção do todo. Nesse caso, como no vídeo anterior, admite-se a possibilidade da sensibilização. Já a conscientização é processo, e o processo só se concretiza a partir da compreensão, o mais aprofundada possível, das relações e ligações que determinam os fenômenos, bem como, do reconhecimento de si nessa realidade, como ser com poder de decisão e ação, como ser que pode mover as causas, para além de somente sofrer os efeitos. Como alguém que compreende a crise ambiental não como evento isolado, mas como processo da civilização e, portanto, processo de si mesmo.
O vídeo ainda aposta em assertivas bastante gastas, como “As futuras gerações, ou até mesmo a nossa, terão oportunidade de conhecer lugares como estes?”. A estratégia aqui é o receio da perda, uma jogada bastante utilizada como estratégia de comoção. No entanto, sabemos, pela própria existência das leis que asseguram a biodiversidade e o patrimônio natural, que a forma mais eficaz de controle dos danos ambientais têm sido as penalizações e o pagamento por prejuízos ao ambiente. Isso denuncia uma sociedade desumanizada, carente do princípio ético-estético, processos típicos da consciência ingênua massificada. Se analisarmos isso tendo em vista a propagação cada vez mais frequente de iniciativas ambientalistas, notaremos que estas estratégias são muito limitadas em empreender, de fato, a consciência crítica. Não podemos esperar conscientização real com base em processos compulsórios, pois ela parte da vontade, não do receio de punição.
A estratégia de abusar de imagens da natureza “intocada” é pouco eficaz, já que, para a maioria das pessoas, habitantes das cidades, aqueles lugares são muito distantes e, portanto, não fazem parte do seu pertencimento. Não se pode cuidar do que não nos sentimos pertencentes. Sensibilizar as pessoas a fim de que elas próprias produzam relações de pertencimento à natureza é uma possibilidade da Educação Ambiental. Entretanto, a conscientização, no sentido freireano do termo, é passo que depende das motivações pessoais, da vontade de compreender o mundo para transformá-lo com base nos princípios da sustentabilidade. Somente a Educação para a Liberdade pode dar início, continuidade e evolução a esse processo.
Compreendemos que, para que nos seja possível a dedicação ao cultivo de relações saudáveis para com a natureza precisamos primeiro resolver a extrema desumanização que nos produz como seres apáticos diante do mundo. A desumanização é processo desejável ao modo vigente de sociedade pois, a partir dela, pouco vai importar o cultivo saudável das relações em sociedade (onde imperam os processos do capital), já que, o que manda é a aristocracia do dinheiro e tampouco a atitude proativa será dedicada aos demais elementos da natureza. Sem que se resolva a desumanização, qualquer iniciativa benéfica em relação à natureza não humana será infrutífera. Temos um desafio a resolver enquanto educadores ambientais, já que, nenhuma estratégia de sensibilização será frutífera em indivíduos cujos sentidos estão embotados, cuja vontade de mover a consciência na direção de um estágio crítico é quase nula.
O vídeo termina: “Diante de tudo isso você pode se conformar em passar adiante um Planeta onde o verbo viver não seja mais conjugado. Ou ajude o planeta a se reerguer. Todos sairão ganhando, incluindo...VOCÊ”. Neste ponto, reconhecemos uma estratégia bem conhecida de abordagem individual, que corresponsabiliza a todos pela crise ambiental. Concordamos em parte com essa abordagem, já que, ao mesmo tempo que admitimos termos parcela de culpa sobre os problemas socioambientais, não somente quando tomamos atitudes predatórias em relação ao ambiente, mas também quando nos omitimos a fazer algo, nossa posição é a de que os culpados para esta crise são aqueles que conduzem ideologicamente as relações, não admitindo alterar sua posição social. Com os poderosos não se faz Educação Ambiental, mas somente com a classe que deseja (ou, precisa aprender a desejar) transformações.
Ressaltamos que, quando nos vimos individualmente intimados a resolver o problema do planeta e, como estratégia de persuasão, somos conduzidos a acreditar que isso vai nos favorecer de alguma forma, precisamos fazer o movimento na direção de compreender que a culpa que nos cabe é a menor das partes. As atitudes individuais como separar o lixo deixando-o apto à reciclagem, reduzir o consumo individual e familiar de água e energia elétrica, evitar ser consumido pela paranoia do consumismo, entre outras, têm importância; elas são benéficas. Mas, precisamos compreender que, ao deslocar a identificação dos verdadeiros vilões dos problemas socioambientais, não conseguiremos compreender suas causas, e, tampouco, engendrar coletivamente mudanças radicais que possam nos conduzir a um paradigma de sustentabilidade real, e não fictícia.
É sensato pararmos de acusar a nós mesmos, “cidadãos comuns” pelos males do mundo. Quando as grandes corporações que criam um sistema de sobre-exploração da natureza e do trabalho de inúmeras pessoas serão identificadas e combatidas? Não há sustentabilidade de relações, quando a centralidade é o acúmulo de riquezas, com base na aristocracia do dinheiro. Essa á a base de todos os processos que vêm degenerando as relações dos seres humanos em sociedade e destes com a natureza não humana. A ingenuidade da consciência consiste em continuarmos nos enganando, insistindo em erros que para os poderosos são muito convenientes sob o ponto de vista de sua continuidade histórica.
A temática do terceiro vídeo utilizado em nossa oficina é o tráfico de animais silvestres. Este vídeo traz uma experiência de “conscientização” apelando para a estratégia do “sentir na pele”, realizada pelo grupo SOS Fauna (Órgão de defesa da fauna e flora brasileira). Inicia em um elevador submetido a preparativos para registro de imagens (instalação de câmeras de filmagem). A trilha sonora indica que algo assustador vai acontecer em seguida. Uma pessoa entra no elevador. Aparecem no vídeo frases explicando o problema do tráfico de animais silvestres no Brasil: “No Brasil, muitas pessoas compram e criam animais silvestres”. Sons são intercalados com imagens de animais. A explicação segue: “Além de ilegal, os animais são retirados do seu hábitat”. Sucedem imagens de animais presos em gaiolas e jaulas. “E vivem presos durante anos”. Enfim, vem o questionamento: “E se as pessoas sentissem na pele o que esses animais sofrem?”.
O recurso utilizado é criativo, porém, seu limite é o da sensibilização. Embora pretenda à conscientização, seu âmbito de efeito é meramente informativo. Visa a atentar para os cidadãos comuns o problema real do tráfico de animais silvestres, principalmente aqueles que compraram ou comprariam animais silvestres para criar como bichos-de-estimação em suas residências, ou “enfeites” como, a nosso ver, é o caso dos pássaros em gaiolas. No entanto, muitas vezes, os cidadãos comuns desconhecem os motivos pelos quais não é permitido ter em casa esse tipo de animal. Quem vende não avisa isso. Quem participa das redes de tráfico de fauna não quer que o consumidor saiba por que é proibido criar animais silvestres. Isso situa o problema da comercialização criminosa de animais em dois vieses distintos: o da ganância de quem vende o animal e o da ignorância de quem compra. Porém, não seremos ingênuos de pensar que quem compra um pássaro, dotado de asas, e o deixa preso em uma gaiola, desconhece o sofrimento do animal. Esse sofrimento é manifesto, pois o animal não tem a malícia de mentir sobre sua dor e seus sentimentos.
O apelo do vídeo tem como ponto central o sofrimento do animal, ao qual, se supõe, as pessoas teriam acesso com base na experiência de sensibilização levada a cabo por meio do elevador emperrado. Compreendemos que é possível reverter o ego humano para transformar as relações que estabelecemos com os animais não humanos, porém, não será por meio de intervenções de efeito imediato que conseguiremos dissolver uma questão de ampla delimitação. O que questionamos aqui é a forma como têm sido feitas essas ditas “campanhas de conscientização”. No caso deste vídeo, aposta-se no “sentir na pele”, fruto daquela bem conhecida máxima “Só se aprende sentindo na pele”.
No entanto, compreendemos que, realmente o sabe, não quem é humano e sofre alguns segundos da sensação de angústia ao ser privado de liberdade. Sabe, somente, o animal que é privado a sua vida inteira de liberdade. O ser humano vê o mundo do seu ponto de vista, não do animal não humano. A angústia sentida ao ficar preso dentro de um elevador sem perspectiva de ser libertado é expressa não apenas como desconforto físico, mas como mal estar psíquico, ao saber-se impedido de efetuar naquele tempo seu trabalho, ou qualquer outra atividade de ordem humana e isso é diferente da angústia mortal que sente o animal ao ver-se preso, estando o céu logo acima, ou a terra ao redor, vistos entre grades. A saudabilidade nas relações que estabelecemos com a natureza não humana precisa refletir um estado também saudável das relações que se dão entre nós seres humanos e isso somente é possível se percorrido o caminho real e eficaz da conscientização, o que pressupõe evoluir o estado da consciência a um patamar crítico.
Um agravante na intervenção do vídeo em questão é que as pessoas foram avisadas (através da distribuição de folders na porta do elevador) da pretensão da experiência (fazer com que eles sentissem o que os animais presos sentem) somente após terem passado por isso. Ou seja: essas pessoas não ligaram, de fato, um evento ao outro. Terá sido essa “conscientização”, eficaz? Essas pessoas lerão os folders, ficarão sensibilizadas após a experiência desagradável sofrida, porém, até que ponto isso funcionará como mudança de estado da consciência? Não será o alcance, meramente informativo? Do tipo: “o tráfico de animais existe, pensem sobre como é ruim ficar preso, não comprem animais e denunciem o comércio indevido”. Diz o folder: “Se ficar preso por alguns segundos já é assustador, imagine por toda a vida”. Ocorre que, o que fica no plano da imaginação, ainda está muito longe de ser concreto. Como sensibilização, pode funcionar; porém, como conscientização, não se pode prever nem garantir, pois isso depende do sujeito querer aprofundar a sua compreensão das relações da sociedade em que vive.
Freire nos ensina que o sujeito precisa reconhecer-se enquanto classe, pois só a partir disso é que pode desenvolver consciência crítica de sua condição e, indignando-se com a injustiça que lhe é imposta, desejar e então engendrar ações transformadoras de sua própria condição. O desafio é ainda maior quando se trata das relações entre seres humanos e a natureza não humana, já que não é processo fácil o reconhecimento de sermos todo, parte da natureza e dependentes dela, rompendo, assim, as dicotomias danosas à saudabilidade das relações. Podemos, no entanto, admitir que pertencemos à mesma “classe” da natureza não humana, ao sermos em maioria, sobre-explorados sob determinação da insana lógica do capital.
No quarto vídeo trabalhado, novamente o apelo chama-nos, individualmente, a “salvar o planeta”. Já discutimos sobre a nossa responsabilidade no que tange ao status quo do contexto socioambiental presente. O vídeo inicia com a seguinte assertiva: “O presente (sim, o presente, não o futuro) está em nossas mãos”. Seguem imagens ilustrando o Planeta sendo amparado por mãos humanas, um lugar comum nesse tipo de abordagem. Em seguida, somos surpreendidos com uma trilha sonora enérgica e dramática, e então passamos a ver imagens do Planeta despedaçado, queimado, desmatado, poluído, contaminado. “Envenenamos nosso próprio ar”. “Poluímos nossas águas”. “Maltratamos nossos irmãos”. Sem dúvida, que a visão destas imagens nos desagrada, causa-nos desconforto. Ficamos sensibilizados, mas até quer ponto podemos aferir que, esse contato de curta duração operou alterações em nosso estado de consciência?
Já de início, questionamos o uso do termo “nosso”, para definir o “ar”, a água”. Esses elementos não nos pertencem, pertencem ao todo da biosfera, não somos nós, seus donos. Dizer que tais elementos são nossos, certifica o princípio arbitrário da posse, o qual configura a essência do modo capitalista de produção. Questionamos, principalmente, a indefinição de quem, de fato, está envenenando, desmatando, queimando, poluindo. Estamos todos destruindo o Planeta com igual parcela de culpa? E, no entanto, a responsabilidade pela sua salvação nos é cobrada a todos. A conscientização não poderá sustentar-se com base em tão pífios argumentos. Ela significa entender, de fato, como as coisas são, e não como elas aparecem aos nossos sentidos no nível da aparência. Dedicar-se a compreender a base de relações de nossa sociedade, o que determina aquelas relações que estabelecemos com a natureza não humana, é passo sine qua non para iniciarmos, com base em processos educativos para a liberdade e não para a alienação, o preparo do terreno à germinação das transformações necessárias.
Outro aspecto analisado em nossa oficina foi na direção de compreendermos que é cada vez mais frequente, também, o uso massivo do marketing ambiental pelos poderosos, inclusive com apropriação equivocada do conceito da conscientização, como forma de atenuar a percepção dos conflitos e contradições gerados a partir de suas práticas arbitrárias à saúde do Planeta. Um exemplo bem conhecido são as instituições financeiras, os bancos, que apostam em estratégias de propaganda belíssimas para conquistar a aprovação das pessoas. E, com isso, atenuam sua culpa pelos danos socioambientais - já que patrocinam e são patrocinados pela aristocracia do dinheiro - ressaltando as iniciativas “eco” financiadas por eles próprios.
Certamente que as grandes corporações e as instituições financeiras não desejam a conscientização das pessoas, pois isso ameaça a soberania do dinheiro, ponto em risco a representação das relações vigentes como processos normais e, portanto, naturalizados. Suas estratégias apelam para a emoção, de forma a “tocar” as pessoas com belas campanhas que desviam o foco dos conflitos reais do ambiente. A ordem do lucro, o acúmulo de riquezas segue em direção inversa à sustentabilidade real da vida e dos sistemas que lhe são suporte. Não podemos esperar conscientização vinda dos poderosos, portanto, é básico que não nos deixemos iludir com suas iniciativas “ambientalmente amigas”, as quais tendem a “esconder a sujeira toda debaixo do tapete”.
DISCUSSÕES TEÓRICAS A RESPEITO DOS NÍVEIS DE “CONSCIENTIZAÇÃO” A PARTIR DA LEITURA DAS IMAGENS PROJETADAS NA OFICINA
O conceito de conscientização não é oriundo de Freire; porém, é por ele bastante empregado como uma categoria que indica o processo de criticização das nossas compreensões em relação ao mundo sendo, portanto, uma condição para a assunção do comprometimento humano diante do contexto histórico-social, do qual fazemos parte (STRECK et al., 2008).
No entanto, em nosso cotidiano, ouvimos com frequência essa categoria tão importante no desvelamento do mundo ser apropriada de forma indevida, esvaziada do seu sentido original. Todo ser humano é ser consciente; porém, nossa consciência será crítica em menor ou maior grau à medida que conseguirmos romper com os paradigmas que procuram ocultar a realidade de sua base material, expressa nas relações do modo de produção capitalista.
Quando falamos em questões relacionadas ao meio ambiente, como as de ordem social, ecológica e referentes ao campo da Educação Ambiental, por exemplo, o termo “conscientização” vem sendo largamente empregado, de diversas maneiras e, muitas vezes, antagônicas ao real sentido de consciência/concientização pretendido por Freire.
Assim, é comum o emprego do termo “consciência” como sinônimo do simples ato de informar. De acordo entende Dias, B.C 1, ao trabalharmos Educação Ambiental, precisamos nos preocupar em não reproduzir certos jargões ambientalistas, tal como o uso da palavra “conscientização”, pois a Educação ambiental não tem por objetivo conscientizar; seu intuito é sensibilizar e motivar os envolvidos para o despertar em relação aos problemas socioambientais. A conscientização é intrínseca a cada um, de forma que este é um processo que só pode ser conseguido individualmente. Logo, a Educação Ambiental pode contribuir, por meio do diálogo, para o despertar da consciência crítica, mas não tem o poder imediato de conscientizar os sujeitos. “A compreensão indevida do sentido real da conscientização é feito por pessoas que nela veem possibilidades de satisfazer e favorecer interesses de órbita totalmente pessoais, e sem entender o que ela é e qual a sua finalidade” (SIMÕES JORGE, 1981, p. 55), deturpando, assim, o sentido da categoria “conscientização” que aparece conotativamente como se fosse uma “varinha mágica” na transformação do mundo e das relações sociais nele estabelecidas, quando, na verdade, é a conscientização processo. Somente este processo (práxis) é que poderá levar ao aprofundamento da tomada de consciência de cada um por meio de sua ação sobre o mundo.
O aprofundamento aqui referido tem o sentido de “ir além da face espontânea da apreensão da realidade a uma fase crítica [...] é a exploração da realidade nas suas estruturas [...] é um compromisso histórico [...] uma inserção de maneira crítica na história”. “Portanto, o aprofundamento da tomada de consciência nada mais é do que um conhecimento problematizador da realidade, conhecimento este que vai requerer do homem uma ação transformadora sobre o objeto cognoscível e que, no caso, é a realidade opressora” (SIMÕES JORGE, 1981, p. 57).
O objetivo da conscientização é, pois, conhecer para transformar. É por esta razão que não se pode atribuir consciência ecológica, ambiental ou, o que quer que seja, a qualquer iniciativa que vise a sensibilização do ser humano perante as questões que acontecem em sociedade. A conscientização está muito longe de ser apenas um mero conhecimento sobre alguma coisa, mas expressa o desenvolvimento processual da compreensão sobre algo para além do que aparentemente se apresenta. Logo, não existe uma consciência primeira e depois o mundo, pois ambos estão em permanente interação. Esta relação dialética (consciência-mundo), implica os seres humanos como seres conscientes de si e do mundo, pois a consciência é, por essência, um caminho para alguma coisa fora de si mesma, que a rodeia e que ela apreende graças ao seu poder de ideação, tendo em vista que o ser humano conhece no exercício de sua práxis porque esta é a reflexão e ação sobre o mundo. A reflexão e a ação transformadora podem ser desenvolvidas somente por seres de consciência reflexiva, num constante tender-se para a realidade, pela qual os seres humanos refletirão, criticamente, sobre seus próprios atos reflexos, onde esta reflexão sobre a consciência de si e do mundo vai crescendo, num movimento dialético, cujo fator fundamental é o diálogo (SIMÕES JORGE, 1981).
“A Educação Ambiental Crítica objetiva mediar para efetivas mudanças, para mudanças atitudinais, não por informar e sim por fazer o envolvido no processo se reconhecer como parte do problema, tornando-o capaz de transformá-lo, resolvendo ou propondo soluções, não somente aceitando-as”2 . Os princípios e os fundamentos da Educação Ambiental Crítica Marxista subsidiam “uma leitura de mundo mais complexa e instrumentalizada para uma intervenção que contribui no processo de transformação da realidade socioambiental que é complexa” (BENITES, 2011, p. 80)
A Educação Ambiental Crítica, por ser crítica ao modelo de sociedade se apresenta como um convite ao desvelamento da mesma, sendo, portanto, uma alternativa que vem a contribuir com o desenvolvimento da consciência crítica que nos leva à ação, à tomada de decisão, aos nossos atos-limites, nos fornecendo os elementos para o alcance do inédito viável possível em cada momento (MOURA et al.2013).
Concordamos com Benites (2011, p.80-81) quando ele diz que “A Educação Ambiental Crítica discute o modelo de desenvolvimento dominador e predador do ambiente e opressor das maiorias, contrapõe as concepções de monopolização do conhecimento e da mente, busca através da mudança paradigmática, novas formas de conhecimento a fim de capacitar os indivíduos para conscientemente e deliberadamente transformar a realidade em que estão inseridos, a fim de garantir a esta geração e as futuras qualidade de vida. Pois essa qualidade de vida implica conhecimento, dos ecossistemas e da sociedade. Esta forma de conhecimento está de acordo com um processo de apropriação subjetiva e coletiva, capaz de induzir um processo participativo de tomada de decisões, onde a população deixe de ser controlada (alienada, manipulada) pelos mecanismos cegos do mercado e por leis científicas governadas por processos automáticos, acima de sua consciência e seu entendimento”.
Como ressalta o autor supracitado, “Essas ideias tecem uma proposta de educação ambiental para a sustentabilidade, capaz de atuar na formação de sujeitos sociais críticos, participativos, que se pautem pela construção de uma sociedade em que a sustentabilidade seja entendida também como democracia, equidade, justiça, autonomia e emancipação, se articula às propostas de participação social, engajamento, mobilização e emancipação, que compõem o conceito de educação ambiental crítica e transformadora. Não basta, como afirma Velasco (1997), superar a opressão é preciso mudar a concepção de mundo, para que a causa também seja eliminada e superada, e não apenas as suas consequências” (p. 81).
Sendo assim, a conscientização consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência, ou seja, ela exige “que ultrapassemos a esfera espontânea da apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o ser humano assume uma posição epistemológica” (FREIRE, 1980, p. 26).
Assim, “é que cada relação dos seres humanos com a realidade apresenta-se como um desafio que precisa ser respondido de maneira original, pois não há modelo típico de resposta, senão tantas respostas quantos são os desafios, logo a resposta que cada um de nós dá a um desafio não transforma apenas a realidade com a qual nos confrontamos, mas a nós mesmos, cada vez mais e de modo diferente” (MINASI, et al, 2012, p. 14).
Como nos ensina Freire em Ação Cultural para a Liberdade e Outros Escritos (2001), no momento em que os seres humanos agem e refletem, se tornam capazes de perceber o condicionamento a que estão submetidos pela estrutura sócio-política que se encontram. É a partir daí que esta percepção começa a mudar, o que obviamente não é uma mudança estrutural, isto é, na raiz dos problemas. No entanto, já é percebível que a realidade é transformável, que feita pelos seres humanos, tem plenas condições de ser por eles próprios transformada, já que a realidade não é apenas um espaço físico, mas também econômico, social e cultura.
A Educação Problematizadora, bem como a Educação Ambiental Crítica, de caráter marxista, a que defendemos e com a qual nos posicionamos, entende que a realidade não é algo intocável, um fado, uma sina, diante da qual só restasse um único caminho: o acomodar-se, adaptar-se a ela. È importante que o trabalho que se disponha a tratar da questão da conscientização entenda que este fatalismo perpetuado pela sociedade de classes precisa ser substituído por uma nova compreensão da realidade, em que haja uma esperança 3, no sentido freireano do termo, que mova os indivíduos, cada vez mais, a uma ação concreta em favor da transformação social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação da consciência crítica coletiva é a base de sustentação para a produção de uma nova organização social onde não se negue o “ser-mais” humano. Foi com esta compreensão que sentimos a necessidade de realizar uma oficina contemplando a temática da “Conscientização” trabalhada por Paulo Freire, de forma a dialogarmos com os participantes do III Encontro e Diálogos com a Educação Ambiental, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande a respeito da “vulgarização” de tal categoria em relação às temáticas que envolvem Educação Ambiental, Ecologia, Meio Ambiente.
Entendemos que o nosso objetivo era produzir um espaço favorável ao desenvolvimento, por meio da interação teórico-prática da atividade proposta (discussão teórica com base em vídeos e imagens), de uma percepção crítica de como a categoria da conscientização vem perdendo seu real sentido nas campanhas autodeclaradas ou sugestivas ao conceito de “conscientização ambiental”, foi atendido pela repercussão do grupo, o qual avaliou satisfatoriamente a oficina.
Apesar disso, a avaliação que hoje fazemos, com base nas experiências que fomos reunindo no decorrer de nossa trajetória acadêmica e pessoal, é a de que poderíamos ter propiciado um maior diálogo com os participantes de modo a possibilitar um contato mais efetivo com alguns pressupostos teóricos que poderiam contribuir com o processo.
Refletimos que poderíamos ter questionado os participantes logo de início sobre as razões de terem buscado aquela oficina e não outra, como forma de identificar que motivações estavam presentes junto ao grupo. Poderíamos também ter explorado de forma mais efetiva o emprego - logo no início da oficina, em seguida às apresentações das imagens e dos vídeos - de algumas ferramentas simples, como caneta e papel, de modo que os participantes pudessem, eles próprios, expor o que pensavam sobre as questões trabalhadas, especialmente publicitando suas compreensões a respeito de como a categoria conscientização vem sendo utilizada na mídia. Seria interessante que tivéssemos aberto, junto ao grupo, espaço às lembranças de comerciais, vídeos, campanhas que envolvessem a questão ecológica e o meio ambiente.
Em nossa avaliação atual da atividade desenvolvida, entendemos que a adoção dos referidos mecanismos poderia ter facilitado o diálogo com os participantes, além de nos conduzir a um resultado mais satisfatório do ponto de vista de nossas intenções iniciais, especialmente por se tratar de uma oficina que se propõe a discutir Freire; fazemos a reflexão de que teríamos que ter sido mais freireanas. Porém, é somente com a prática que conseguimos avançar, ou seja, superar o condicionante anterior, a partir da negação do conhecimento menos refinado por outro qualitativamente superior de trabalho.
O inédito-viável é na acepção freireana práxis, pois quando os seres humanos querem, refletem e agem para derrubar as “situações-limites” que reduziram a grande maioria dos seres humanos, o inédito-viável” deixa de ser ele mesmo, passando a ser a concretização dele no que ele tinha antes de inviável realizando-se, portanto, o sonho, agora o sonho possível.
É a leitura do mundo [….] que vai possibilitando a decifração cada vez mais crítica das situações-limites, além das quais se acha o inédito viável' (FREIRE, 1992, p. 106).
O inédito viável é na realidade uma coisa inédita, ainda não conhecida e vivida, mas sonhada e quando se torna um percebido destacado pelos que pensam utopicamente, esses sabem, então, que o problema não é mais um sonho, que ele pode se tornar realidade. Assim, quando os seres humanos conscientes querem, refletem e agem para derrubar as situações limites que os e as deixaram a si e a, quase todos e todas limitados a ser menos, o inédito viável não é mais ele mesmo, mas a concretização dele no que ele tinha antes de inviável. Portanto, na realidade são essas barreiras, essas situações-limites que mesmo não impedindo, depois de percebidos-destacados, a alguns e algumas de sonhar o sonho, vêm proibindo à maioria a realização da humanização e a concretização do ser mais (FREIRE, 1992, p. 206-207).
O inédito-viável é sempre um vir a ser, pois alcançando o inédito-viável pelo qual sonhamos e lutamos, este deixa de ser apenas um sonho que seria possível, passando a ser o sonho realizado, a nossa utopia alcançada. Mas, pelo nosso inacabamento e pela nossa constante busca de sermos mais, a nossa busca não para no alcance do inédito que se tornou viável (concreto), pois essa concretude faz brotar outros tantos inéditos viáveis quantos caibam em nossos sentimentos e em nossa razão ditada pelas nossas necessidades mais autênticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENITES, José Siqueira. O Diálogo como Categoria de Análise: A contribuição da Educação Ambiental no Processo de Pesquisa-Ação para o Vir a Ser no Inédito Viável em, uma Comunidade de Castanheiros em Tefé Amazonas. In MINASI, L.F. et al. Leituras de Paulo Freire: Leitura do Mundo, Leitura das Palavras. Rio Grande-RS: Luis Fernando Minasi Ed., 2011.
DIAS, B.C. A Educação Ambiental NÃO conscientiza ninguém! In Blog Educação Ambiental Crítica [online]. Disponível em http://eacritica.wordpress.com/2010/09/02/a-educacao-ambiental-nao-conscientiza-ninguem/. Acessado em dezembro de 2013.
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1980.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17.ed. Rio Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e outros Escritos. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
MINASI, L.F. et al. Leituras de Paulo Freire: Leitura do Mundo, Leitura das Palavras. Rio Grande-RS: Luis Fernando Minasi Ed., 2011.
MOURA, Danieli Veleda. et.al Situação-Limite, Ato-Limite e Inédito Viável: As Categorias Freireanas presentes nas Representações e Práticas de Educação Ambiental no Fórum da Lagoa dos Patos. Trabalho competo apresnetado no VII Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental (VII EPEA). Instituto de Biociências da UNESP. Rio Claro-SP: UNESP, 2013.
SIMÕES JORGE, J. A Ideologia de Paulo Freire. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1981.
STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2008.
1 DIAS, B.C. A Educação Ambiental NÃO conscientiza ninguém! In Blog Educação Ambiental Crítica [online]. Disponível em http://eacritica.wordpress.com/2010/09/02/a-educacao-ambiental-nao-conscientiza-ninguem/. Acessado em dezembro de 2013. A obra Blog Educação Ambiental Crítica deBárbara de Castro Diasfoi licenciada com uma LicençaCreative Commons – Atribuição – Uso Não Comercial - Não adaptada.Com base na obra disponível emeacritica.wordpress.com.
2 Idem à referência anterior.
3 “A pedagogia que defendemos é utópica e esperançosa porque, pretendendo estar a serviço da libertação das classes oprimidas, se faz e se refaz na prática social, no concreto, e implica a dialetização da denúncia e do anúncio (compromisso histórico), que têm na práxis revolucionária permanente, o seu momento máximo (FREIRE, 2001, p. 70).