Rildo Oliveira Marques (CV)
Luis Fernando Belém da Costa (CV)
Francisco Alcicley Vasconcelos Andrade (CV)
falcicley@gmail.com
RESUMO
A presente pesquisa pretendeu analisar a percepção ambiental que os moradores da comunidade do Divino Espírito Santo possuem em relação à Área de Proteção Ambiental Estadual Nhamundá. A APA Nhamundá é uma unidade de conservação de uso sustentável localizada no extremo leste do Estado do Amazonas. A mesma está situada em dois ecossistemas, sendo 15% de terra firme e 85% de várzea, possuindo em seus limites 33 comunidades. Através da análise da percepção ambiental dos moradores, foi possível compreender como os mesmos percebem o ambiente onde vivem, e a influência que o ecossistema de várzea e o ciclo sazonal das águas determinam em seu modo de vida. Por meio desta foi possível compreender também que está ocorrendo uma contínua redução na variedade e quantidade de algumas espécies animais, fato que se deve ao manejo deficiente realizado pelos órgãos responsáveis e a falta de recursos humanos e financeiros para o gerenciamento da APA. Outro fato analisado, também consequência do manejo, são os diferentes tipos de conflitos pelo uso dos recursos naturais. Diante da análise, conclui-se que a percepção ambiental pode ser utilizada não apenas como instrumento de avaliação da qualidade do ambiente natural ou uma forma de compreender a relação homem/natureza, mas também como um mecanismo que possibilita entender o descaso e a forma como são conduzidas e gerenciadas as Unidades de Conservação.
Palavras – chaves: Percepção Ambiental, Área de Proteção Ambiental, Meio Ambiente.
ABSTRACT
This research aims to analyze the environmental perception that community residents have the Holy Spirit in relation to the State Environmental Protection Area Nhamundá. The APA Nhamundá is a conservation of sustainable use in the extreme east of the state of Amazonas. The same is situated in two ecosystems, 15 % upland and 85 % lowland, having 33 communities within its boundaries. Through the analysis of environmental perception of the residents, it was possible to understand how they perceive their environment, and the influence that the meadow ecosystem and determine the seasonal cycle of water on your way of life. Through this it was also possible to understand what is happening a continual reduction in the variety and quantity of some animal species, a fact that is due to poor management of the organs responsible for the lack of human and financial resources for the anagement of the APA. Another fact also analyzed the consequence management are the different types of conflicts over the use of natural resources. Based on the analysis, it is concluded that the environmental perception can be used not only as a tool for assessing the quality of the natural environment or a way to understand the human / nature, but also as a mechanism that allows to understand the neglect and how they are conducted and managed Conservation Units.
Keywords : Perceived Environmental, Environmental Protection Area , Environment
INTRODUÇÃO
Os vários estudos na literatura sobre percepção ambiental de grupos sociais se caracterizam por buscar compreender a forma como estes percebem o ambiente onde estão inseridos, visando através dessa análise investigativa entender a realidade existente nesses contextos.
Dessa forma a percepção ambiental pode ser entendida como diferentes formas sensitivas de obtenção de conhecimentos a cerca do meio onde nos encontramos. Alguns autores a definem como sendo uma tomada de consciência dos vários problemas ligados tanto ao ambiente natural, quanto ao ambiente construído, não apenas visando avaliar a qualidade desses ambientes, mas também as diferentes relações que ocorrem nesses lugares. Estas percepções quando analisadas poderão servir de base para a melhor compreensão das inter-relações entre homem e meio.
A presente pesquisa buscou analisar a percepção ambiental dos moradores da comunidade do Divino Espírito Santo, localizada nos limites da Área de Proteção Ambiental Estadual Nhamundá (APA Nhamundá), Parintins-AM. A análise desse grupo social fez-se necessária, pois a percepção ambiental se caracteriza por ser forma de avaliar a qualidade do ambiente natural, e no caso de uma Unidade de Conservação (UC) se torna mais importante ainda, pois, a partir das percepções dos moradores pode-se entender se estas estão sendo gerenciadas de forma correta como prevê o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) de forma a alcançar seus objetivos, pois, quando se analisa a Lei n° 9.985/2000 que estabelece esse sistema, pode-se observar em seu artigo 5°, a necessidade do envolvimento das populações locais.
Na Amazônia existem 308 Unidades de Conservação, estas ocupam uma área de 123.857.132 há, sendo 197 Unidades de Uso Sustentável e 111 Unidades de Proteção Integral, tanto federais como estaduais. Dessas Unidades, 43 são APAs, que ocupam uma área de 20.778.025 há, que corresponde a 16,77% de todas as Unidades de Conservação da Amazônia e 4,15% de toda a Amazônia Legal . Nesse contexto, pelas dimensões de áreas que ocupam na Amazônia, percebe-se a importância que tem as APAs e as comunidades que nelas residem para o processo de conservação da biodiversidade.
Trabalhar a percepção ambiental em APAs torna-se mais importante ainda, pois estas são classificadas segundo o SNUC como Unidades de Conservação de uso sustentável e são criadas com o objetivo de conservação dos recursos naturais, possibilitando o uso de forma planejada, racional e limitada, levando em consideração as necessidades, o envolvimento e a participação das populações locais e por estas apresentarem-se com baixa eficiência quanto à proteção da biodiversidade.
O presente trabalho teve como objetivo principal, analisar a percepção ambiental que os moradores da comunidade do Divino Espírito Santo possuem em relação à Área de Proteção Ambiental Estadual Nhamundá, e a partir desta análise tentar compreender como os mesmos a percebem não apenas do ponto de vista natural, buscando avaliar a qualidade desses recursos, como também procurar entender a partir de suas percepções a forma como esta vem sendo gerenciada e as necessidades existentes que envolvem seu manejo.
Quanto às questões analisadas a partir das percepções individuais relativas ao gerenciamento da APA, este trabalho procurou fazer relação à Lei n° 9.985/2000 que regulamenta as Unidades de Conservação no Brasil, realizando uma abordagem no sentido comparativo entre o que determina a Lei e a realidade na APA Nhamundá.
1. REVISÃO DA LITERATURA
1.1 Percepção ambiental
A percepção ambiental se caracteriza por ocorrer mediante os órgãos sensoriais e por ser uma forma subjetiva de obter conhecimento do meio onde nos encontramos. Dessa forma cada pessoa percebe, reage e responde diferentemente em relação ao meio ambiente. As respostas ou manifestações são, portanto resultado das percepções, julgamentos e expectativas de cada indivíduo. Embora nem todas as manifestações psicológicas sejam evidentes, são constantes, e afetam nossa conduta, na maioria das vezes, inconscientemente (FAGGIONATO, 2011).
O homem está em constante interação com o ambiente, nesse contexto a percepção ambiental torna-se fundamental para que possamos compreender essas inter-relações, e qual são as expectativas, satisfações e insatisfações, julgamentos e condutas de cada pessoa (FAGGIONATO, 2011).
As bases da percepção são fisiológicas e anatômicas e ocorrem por meio dos órgãos sensoriais. No que se refere à percepção ambiental é mais usual lançar mão da percepção visual. É através da visão que os homens se expressam e se comunicam mais frequentemente. O mundo moderno é visual, é feito de cores e formas (OLIVEIRA & MACHADO, 2004).
As percepções do meio ambiente são diferentes maneiras sensitivas que os seres humanos captam, percebem e se sensibilizam pelas realidades, ocorrências, manifestações, fatos, fenômenos, processos ou mecanismos ambientais observados “in loco”. Nesse contexto a percepção ambiental pode ser considerada a precursora do processo que desperta a conscientização do indivíduo em relação ao espaço em que vive (MACEDO, 2000).
Percepção é um substantivo que se aplica ao ato, ao processo de perceber, assim como ao resultado dessas ações. Nesse sentido, perceber um fato, um fenômeno ou uma realidade, significa captá-los bem, dar-se conta deles com alguma profundidade, não apenas superficialmente. A percepção do meio ambiente é, a uma só vez, processo e resultado. Como processo, ela é o ponto de partida para o conhecimento ambiental. No entanto, a percepção, como resultado, pode significar também todo o conhecimento adquirido a respeito do meio ambiente (COIMBRA, 2004).
Através da percepção ambiental são estabelecidas as relações de afetividade do indivíduo para com o ambiente. A partir da formação de laços afetivos positivos pode acontecer a modificação dos valores atribuídos pelas pessoas inseridas nestes contextos (CARVALHO, 2010).
Os trabalhos de Percepção Ambiental surgiram na geografia buscando um novo entendimento de pesquisas voltadas para a compreensão de como o homem interage com o espaço e toda a dinâmica que envolve este processo (OLIVEIRA & MACHADO, 2004).
Dessa forma, Carvalho (2010), estudando a percepção e as relações ambientais da comunidade agrícola palestina no município de Axixá – TO buscou levantar o nível de conhecimento dos moradores em relação aos problemas ambientais e como tais problemas são observados e tratados pelos próprios moradores. Concluiu que os moradores têm um profundo cuidado e conhecimento herdado de seus ancestrais, por isso respeitam a natureza e a transforma em sua aliada, a maioria conhece a problemática ambiental, sofre com todos esses problemas, pois precisam de todos os recursos para a sua sobrevivência. A maioria não exercita a prática de conservação do meio ambiente por falta de conhecimento. E ainda notou que o contato com a realidade deles, contribuiu para a reconstrução de conhecimentos, possibilitando a percepção de novos valores diante da relação ser humano/ambiente.
Já os autores Caldas & Rodrigues (2005), avaliando a percepção ambiental por meio de um estudo de caso da comunidade ribeirinha da microbacia do Rio Magu – MA, evidenciou baixo desenvolvimento sócio-econômico local com atividades essencialmente domésticas e de subsistência. A comunidade possui bom entendimento do impacto das atividades humanas no ambiente, entretanto, esta percepção não tem sido suficiente para levar ao manejo adequado dos recursos locais.
Panquestor & Riguetti (2008), ao estudar a percepção ambiental dos usuários das áreas verdes públicas de Carangola – MG verificou que parte significativa dos entrevistados apresenta uma percepção de existência e relativa importância das áreas verdes. No entanto, consideram como áreas verdes enquanto fragmentos florestais, não percebendo, assim, as áreas verdes públicas como tais, influenciando sobre o parcial descaso com praças e ruas arborizadas, as quais sendo negligenciadas geralmente ficam restritas aos bairros com maior valor da terra e centrais em relação à área urbana estudada, e mesmo assim, não recebem a devida valorização.
1.2 Unidades de Conservação (UC)
Em virtude da crescente degradação ambiental que ocorria no Mundo após a Revolução Industrial no século XVIII, alguns países procuraram criar mecanismos que assegurassem a conservação dos recursos naturais, nesse contexto, surge nos EUA à primeira Unidade de Conservação do mundo, o Parque Nacional de Yellowstone, criado 1872. Porém foi somente no final da década de 60 do século XX que a humanidade acordou para as causas ambientais.
A realização da Conferência Mundial do Desenvolvimento e Meio Ambiente em 1972, foi um importantíssimo evento sociopolítico voltado ao tratamento das questões ambientais, nela foi produzida a Declaração de Estocolmo, que introduziu, pela primeira vez na agenda política internacional, a dimensão ambiental como condicionadora e limitadora do modelo tradicional de crescimento econômico e do uso dos recursos naturais (MELGAÇO, 2008).
Durante os anos seguintes surgiram grandes preocupações com o meio ambiente em todo o mundo. Em 1987 a ONU por meio da Comissão Bruntland publicou o relatório “Nosso Futuro Comum”, cuja meta era aliar o crescimento econômico à proteção do meio ambiente, no qual propunha a exploração ambiental de forma planejada, racional e limitada.
No Brasil, somente em 1937 foi criada à primeira Unidade de Conservação, o Parque Nacional do Itatiaia. No entanto:
As primeiras Unidades de Conservação foram criadas sem nenhum tipo de critério técnico e científico. Algumas foram estabelecidas meramente em razão de suas belezas cênicas, como foi o caso do Parque Nacional de Iguaçu, ou por algum fenômeno geológico espetacular, como o Parque Nacional de Ubajara, ou ainda, por puro oportunismo político, como o Parque Nacional do Amazonas. Resultando, desse modo, na inevitável ineficiência do processo de criação e gestão das Unidades de Conservação e de suas finalidades, na confusão de regimes, ou ainda numa sobreposição de unidades (SANTOS, 2009 apudPÁDUA, 1978).
Até a década de 80 existiam no país basicamente, três categorias de manejo legalmente instituídas, o Parque Nacional (PARNA), Reserva Biológica (REBIO) e a Floresta Nacional (FLONA). A partir 1981, foram criadas Unidades de Conservação como a Estação Ecológica, Área de Proteção Ambiental (APA) e a Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE).
As UCs foram regulamentadas no Brasil a partir do estabelecimento da Lei N° 9.985 de 18 de julho de 2000, que às classificou em duas categorias.
Em 18 de julho de 2000, o governo federal sancionou a Lei n° 9.985, que estabelece o sistema nacional de unidades de conservação da natureza. O documento classifica as unidades de conservação em duas grandes categorias: as Unidades de Proteção Integral, cujo principal objetivo é a preservação da natureza, e as Unidades de Uso Sustentável, que têm como objetivo central a compatibilização da conservação da natureza com o uso sustentável de parcela de seus recursos naturais (SNUC, 2000).
As Unidades de Proteção Integral que tem por objetivo preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto de seus recursos naturais compreende as Estações Ecológicas, Reservas Biológicas (REBIO), Parques Nacionais (PARNAs) e Estaduais, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre e as Unidades de Conservação de Uso Sustentável que são áreas que buscam conciliam a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, são compostas pelas Áreas de Proteção Ambiental (APAs), as Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Florestas Nacionais (Flonas), Reservas Extrativistas (Resex), as Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) (DOUROJEANNI & PÁDUA, 2001).
1.3 Área de Proteção Ambiental (APA)
A categoria de manejo Área de Proteção Ambiental (APA) foi criada pela Lei n° 6.902 de 27/04/81 como a primeira categoria de manejo que possibilitou conciliar a população residente e seus interesses econômicos com a conservação da área a ser protegida. A partir da Lei N° 9.985/2000, ela começou a fazer parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) que a define como:
Uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais (SNUC, 2000, Art.15).
A Área de Proteção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei. De acordo com a Resolução CONAMA nº 10, de dezembro de 1988, "as APAs terão sempre um zoneamento ecológico-econômico, o qual estabelecerá normas de uso, de acordo com suas condições”. Outra questão relevante é o fato das APAs se caracterizarem por possuírem uma baixa eficiência na proteção da biodiversidade.
Vários autores têm dissertado a respeito da criação e manutenção, e o que se percebe em geral, é que muitas APAs têm sido criadas, e poucas são levadas à risca como prevê a legislação (EUCLYDES & MAGALHÃES, 2006).
1.4 Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)
A Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000 é um instrumento jurídico fundamental ao trabalho de conservação, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Essa lei é fruto de um trabalho de mais de duas décadas, pois data de 1979 sua primeira proposta, e só em 1992 foi enviada ao Congresso Nacional (CASTRO JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS, 2009).
A tramitação do SNUC no Congresso Nacional levou oito anos, marcados por embates entre proprietários de terra, setores produtivos e ambientalistas, debates radicais entre preservacionistas e conservacionistas, atuação vigorosa dos movimentos ligados às populações tradicionais e uma discussão sobre o papel do controle social na gestão de UCs. Com forte influência dos conceitos preservacionistas, típicos do modelo norte-americano de conservação, o SNUC é promulgado em 2000 e regulamentado em 2002 (MERCADANTE, 2001).
O SNUC trata-se da proposta de um sistema nacional capaz de garantir a proteção de parcela representativa dos biomas brasileiros a partir de determinadas práticas de gestão territorial e estabelece uma série de normas para a criação e manejo de áreas protegidas no país (CASTRO JÚNIOR, COUTINHO, FREITAS, 2009).
É o conjunto de unidades de conservação federais, estaduais e municipais, composto por duas categorias, unidades de proteção integral e unidades de uso sustentável, cujos objetivos específicos se diferenciam quanto à forma de proteção e usos permitidos: aquelas que precisam de maiores cuidados, pela sua fragilidade e particularidades, e aquelas que podem ser utilizadas de forma sustentável e conservadas ao mesmo tempo (MMA, 2012).
O SNUC define que a gestão dessas áreas é papel do Estado, e deve ser realizada com a participação da sociedade civil. Os principais objetivos do SNUC são:
Contribuir para a conservação das variedades de espécies biológicas e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais; Proteger as espécies ameaçadas de extinção; Contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais; Promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais; Promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento; Proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica; Proteger as características relevantes de natureza geológica, morfológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural; Recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
Proporcionar meio e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental; Valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica; Favorecer condições e promover a educação e a interpretação ambiental e a recreação em contato com a natureza; e Proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente (MMA, 2012).
2. OBJETIVOS
2.1 Geral:
Analisar a Percepção Ambiental que os moradores da comunidade do Divino Espírito Santo têm em relação à área de proteção ambiental Estadual Nhamundá (APA Nhamundá).
2.2 Específicos:
• Conhecer como os moradores da comunidade do Divino Espírito Santo percebem o ambiente em que vivem, suas fontes de satisfação e insatisfação.
• Compreender as relações entre a percepção ambiental e o espaço na APA Nhamundá.
• Identificar os principais problemas socioeconômicos e ambientais na comunidade.
3. ÁREA DE ESTUDO
A Área de Proteção Ambiental Nhamundá foi criada através do Decreto n°. 12.836 de 09 de Março de 1990 com objetivos básicos de proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. A mesma possui uma área 195.900 hectares, com 33 comunidades em seus limites e localiza-se no extremo leste do Estado do Amazonas, em um espaço físico ao norte do município de Parintins (02º 36’ Lat. Sul e 56º 44’ Long. Oeste) e ao sul do município de Nhamundá (02° 11' Lat. Sul e 56° 42' Long. Oeste) (figura 1) (CEUC, 2010).
A APA Nhamundá está situada em dois ecossistemas, sendo 15% de terra firme e 85% de várzea, e em uma planície fluviolacustre formada no encontro dos rios Nhamundá e Amazonas. A vegetação predominante é a floresta ombrófila densa aluvial, fortemente influenciada pelo regime de inundação dos rios. As espécies da flora local apresentam adaptações que permitem suportar meses de alagamento e/ou submersão. A área é aberta à exploração sustentável das florestas nativas, à visitação turística e à pesquisa científica. O acesso à área pode ser feito por via aérea, no trecho Manaus - Parintins, ou por via fluvial nos trechos Manaus - Nhamundá e Manaus - Parintins. De Parintins a Nhamundá, o trecho pode ser percorrido mor meio de embarcação.
A comunidade do Divino Espírito Santo (figura 2) localiza-se nos limites da APA Nhamundá, em uma área de várzea à margem esquerda do Paraná do Espírito Santo do Meio, parte da APA pertencente ao município de Parintins-AM (ver figura 11 em anexo). A comunidade possui segundo dados disponibilizados pelo órgão gestor da APA, Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC), 50 famílias, totalizando aproximadamente 250 moradores.
4. METODOLOGIA
A presente pesquisa foi dividida em quatro etapas distintas e complementares: pesquisa bibliográfica e documental, elaboração de questionários, entrevista e aplicação dos questionários e a posterior análise dos resultados obtidos.
Para alcançar o objetivo proposto no projeto, se optou pela investigação por meio do método fenomenológico. A fenomenologia na Filosofia refere-se a uma descrição imparcial de nossa percepção consciente do mundo, exatamente como ele ocorre, sem nenhuma tentativa de nossa parte de interpretação ou análise. É uma forma de dar destaque à experiência vivida, e através do fenômeno, ou seja, tudo aquilo que se apreende pela consciência, será possível a descrição do ambiente percebido (MOREIRA, 2004). Dessa forma, as entrevistas foram realizadas com os moradores mais antigos da comunidade, ou os chefes de família, dando ênfase em suas experiências de vida e a percepção que os mesmos possuem da Área de Proteção Ambiental.
O trabalho de campo teve início com a entrega no CEUC de uma documentação referente ao projeto de pesquisa, além da assinatura de um termo de responsabilidade e a leitura dos Trâmites para a autorização e realização da pesquisa em Unidades de Conservação Estaduais do Amazonas. Ao se chegar à comunidade do Divino Espírito Santo, realizou-se um breve contato com o presidente da comunidade, o informando os objetivos e a forma como seria realizada a pesquisa, sendo posteriormente feito o levantamento dos dados de casa em casa com os moradores.
A aplicação dos questionários e as entrevistas foram realizados durante os meses de março e julho na comunidade. O questionário utilizado na pesquisa foi elaborado com perguntas abertas e fechadas e estruturado a partir de quatro variáveis: Percepção Ambiental; Meio Ambiente; conhecimentos sobre UCs e levantamentos socioeconômicos, em seguida os dados foram tabulados para posterior análise.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 Perfil sócio econômico e ambiental dos moradores da comunidade do Divino Espírito Santo
A comunidade do Divino Espírito Santo se organiza utilizando a forma tradicional, comum em muitas comunidades rurais da Amazônia, com presidente e vice-presidente. A estrutura organizacional da igreja da comunidade que pertence à diocese de Parintins possui catequese, mariano e apostolado da oração, onde seus componentes representam os interesses comunitários.
As habitações existentes na comunidade (figura 3), em geral, são feitas com madeira, assoalhadas devido à área de várzea, cobertas com palha ou telha, formando pequenos conglomerados próximos à igreja, possuindo também algumas residências um pouco afastadas (aproximadamente 80m a 100m) no sentido leste do centro comunitário.
A faixa etária da maioria dos moradores entrevistados na comunidade está entre 41 a 50 anos (gráfico 1). Esse fato se deve principalmente, pois os prestadores de informação foram os chefes de família ou o mais velho presente no momento da entrevista como determinado na metodologia.
Quanto ao sexo, nota-se que a maioria dos entrevistados pertence ao sexo masculino (gráfico 2), pois no momento da realização das entrevistas, a maioria das senhoras dava preferência para que seus maridos respondessem as perguntas, e pelo fato também das entrevistas terem sido realizadas em fins de semana, e por esse motivo provavelmente os homens não estariam pescando ou trabalhando na roça.
Na educação constatou-se que a maioria dos moradores possui o ensino fundamental completo e pode-se também observar que a comunidade possui um baixo índice de analfabetismo (gráfico 3). O fato de a escolaridade ser relativamente baixa é porque os entrevistados foram, na maioria, adultos e chefes de família, e que não tiveram a oportunidade de dar prosseguimentos aos seus estudos pelo fato dos mesmos trabalharem ou na roça ou na pesca para ter que sustentar suas famílias.
A Escola Pedro Reis Ferreira, possui seu prédio em alvenaria e madeira, com secretaria, cozinha, banheiro e quatro salas de aula, disponibilizando o ensino infantil e o fundamental.
As principais atividades utilizadas como fonte de renda na comunidade são a pesca, a agricultura e a pecuária, típicas de zona rural (gráfico 4). Apesar dos moradores afirmarem que a origem da renda familiar é advinda principalmente da pesca, agricultura e pecuária, muitos procuram fazer uma combinação dessas atividades, principalmente da pesca e agricultura.
A pesca apresenta-se na comunidade como a principal atividade utilizada como fonte de renda. Nesta são utilizados utensílios como a malhadeira, linha cumprida, tarrafa, caniço, espinhel e arpão. A tabela 1 mostra as principais espécies de peixes capturadas na APA.
Nome Comum |
Nome Científico |
Tambaqui |
Colossoma macropomum |
Curimatá |
Prochilodus nigricans |
Bodó |
Liposarcus pardalis |
Surubim |
Pseudoplatistoma spp. |
Tucunaré |
Cichla spp |
Filhote |
Brachyplatystoma filamentosum |
Jaú |
Paulicea luetkeni |
Pirapitinga |
Piaractus brachypomus |
Mapará |
Hypophthalmus spp. |
Pacu |
Mylossoma spp, Myleus spp |
Sardinha |
Triportheus spp |
Dourada |
Brachyplatystoma flavicans |
Aracú |
Schizodon fasciatum |
Piranha |
Serrasalmus spp. |
Pirarucu |
Arapaima gigas |
Arauanã |
Osteoglossum bicirrhosum |
Branquinha |
Psectrogaster amazonica |
Pescada |
Plagioscion squamosissimus |
Tabela 1: Principais espécies de peixes capturadas na APA Nhamundá.
Fonte: CEUC, 2010.
A renda mensal dessas famílias está entre 1 e 3 salários mínimos, porém há predominância de famílias que vivem com até 1 salário mínimo (gráfico 5), essa renda muitas vezes é complementada pelo programa Bolsa Família e outros benefícios que algumas famílias recebem do Governo Federal como a aposentadoria e a pensão.
A renda em comunidades do interior da Amazônia pode ser analisada de diversas formas, principalmente quando se agrega aos valores da renda às diferentes estratégias econômicas adotadas pelas populações tanto de várzea, como de terra firme. Castro (2006 apud Silva, 2009) ao pesquisar a economia familiar das populações de várzea do médio-baixo Amazonas, inferiu que as mesmas combinam quatro principais atividades: pesca, agricultura, criação de gado e trabalho assalariado/aposentadoria, segundo ele, cada atividade possui padrão distinto ao longo do ano, envolve diferentes membros da unidade familiar e preenche diferentes funções na economia familiar.
A pesca representa a atividade comercial principal, enquanto a agricultura tem uma importância maior para a subsistência. A criação de gado proporciona um sistema de capitalização, e o trabalho assalariado e aposentadoria são fontes de renda direta utilizadas para gastos imediatos, emergenciais, e de pequeno investimento tais como: criação de gado, construção de casas, e compra de barcos. (CASTRO, 2006 apud SILVA, 2009, p. 104).
Contudo, a grande enchente deste ano, trouxe grandes prejuízos principalmente à agricultura, não somente no Divino Espírito Santo, mas também em várias outras comunidades que se localizam na APA, pois a maioria destas se encontra em áreas de várzea. Nesse contexto, boa parte da produção agrícola destinada à subsistência e comercialização foi destruída pelas águas do rio antes mesmo da colheita. A várzea, entretanto, como aponta Meggers, (1997 apud Fraxe 2000, p.46):
Não é um paraíso perfeito. Há intervalos imprevisíveis, o rio sobe dois metros ou mais acima do normal, acarretando uma súbita diminuição do suprimento alimentar que teria consequências traumáticas numa população que fosse dependente de condições mais favoráveis para a sua subsistência.
Com relação à saúde e o tratamento de doenças, a comunidade conta apenas com um agente de saúde residente na mesma. Entretanto, não possui posto médico. Os moradores quando debilitados por alguma doença, ou acidente, precisam se deslocar para o município de Parintins, mas para que isso ocorra os mesmos necessitam de uma embarcação veloz, pois ao pretender sair do Paraná do Espírito Santo (braço do rio Amazonas onde a comunidade fica localizada), ainda precisam cruzar o rio Amazonas no sentido sul para chegar a Parintins, que se localiza na margem oposta (margem direita do rio Amazonas.
Quanto à questão ambiental na comunidade e no entorno, conforme a percepção dos moradores, os maiores focos de degradação observados são a pesca predatória e as queimadas (gráfico 6), sendo que o índice de queimadas tem diminuído muito nos últimos anos. Segundo relato dos moradores há alguns anos atrás as queimadas eram frequentes e se observava também após o controle das mesmas, grandes quantidades de animais mortos, ou impossibilitados de continuar vivendo, devido às queimaduras.
Devido à comunidade não contar com coleta de lixo público, pelo fato de estar distante de Parintins, o que não impediria o poder local implementar algo nesse sentido, 87% dos moradores queimam o seu lixo doméstico, conforme o gráfico 7. Esse fato é preocupante, pois, grande quantidade desses resíduos muitas vezes é de origem industrial como as embalagens plásticas, que se configuram como resíduos inorgânicos. Pode-se observar também que 13% dos moradores têm o costume de enterrar o seu lixo no quintal, e os mesmos não o despejam a céu aberto e nem o descarregam no rio.
5.2 Percepção ambiental dos moradores da comunidade do Divino Espírito Santo
Por meio da análise da percepção ambiental dos moradores da comunidade do Divino Espírito Santo foi possível compreender alguns problemas relacionados ao ambiente natural e manejo no âmbito da área de proteção ambiental. Um dos fatores que mais ficou evidenciado por meio de suas percepções, que pode ser relacionado como uma fonte de insatisfação é o fato de está ocorrendo um contínuo processo de redução na variedade e quantidade de algumas espécies animais da APA Nhamundá. Atividades ilegais como a caça e principalmente a pesca predatória têm sido frequentes e estas além de causarem diversos conflitos têm prejudicado muitos moradores da APA que necessitam desses recursos para a sua subsistência.
Segundo relato dos moradores, algumas espécies animais sofreram grande redução, estas dificilmente são encontradas nos dias de hoje na APA com a mesma facilidade de anos anteriores e as atividades desenvolvidas pelos órgãos responsáveis pelo manejo não estão sendo suficientes para evitar essa perda.
Tem pouco, bem pouco. Mas tudo é distruição do homem, do próprio homem. Olha o que veio mesmo acaba com as capivara daqui foi o gravador. Matavam de quinze, vinte, trinta, só duma vêz. Ele funciona assim: você liga o gravador com a voz do cupidinho (filhote) e elas vem tudo. Aí os caboco tão cum quatro, cinco zagaia e por último pra finaliza ainda tem a espingarda, porque o bicho é perigoso (capivara), e quanto mais as bicha (capivara) grita, mais vem em cima pra vê o que é (R. O. C, 71 anos, pesquisa de campo, 2012).
Nem tudo mundo aqui conhece peixe boi, aqui já tive muito, tudo tinha mais. Agora eu fico pensando, essa juventude, essas criancinha que vem agora, nuncei se ainda vão conhecer. Conhece pirarucu, porque já tem vivero. Eu digo: nós, no nosso tempo, ainda nascemo no meio da fartura, muita fartura, pirarucu, tracajá, peixe boi, tartaruga, mas hoje em dia aqui tem bem pouco desses bicho (J. A. G, 69 anos, pesquisa de campo, 2012).
Os moradores reconhecem que são eles juntamente com os demais que residem nas comunidades da APA Nhamundá que contribuíram para essa redução de espécies, pois mesmo sabendo de algumas práticas indevidas, que são proibidas na APA, os mesmos ainda às utilizam, como é o caso da pesca com “arrastão”.
O pessoal aí dessas comunidades aí, e até daqui mesmo, ainda pesco muito de arrastadera, mesmo sabendo da proibição. A facilidade pra eles agora é pescarem mais à noite, por causa da fiscalização. Eu sempre digo: A tendência do pescador é acaba o que têm. Tinha uma turma que pescava ali de arrastadera, teve uma vez que eu vi tiraro quinhentos peixes só de uma vêz, e era só peixe graúdo, só dero um lance (A. S. S, 58 anos, pesquisa de campo, 2012).
Dentre as espécies que mais sofreram redução tanto em variedade e quantidade na APA, as que mais se destacam (tabela 2) ainda são alvo de atividades ilegais, e muitas vezes estas são capturadas não apenas pelos moradores da APA, mas por pessoas vindas de outras localidades.
Nome Comum |
Nome Científico |
Capivara |
Hidrochoerus hidrochoeris |
Pirarucu |
Arapaima gigas |
Peixe boi |
Trichechos inunguis |
Tracajá |
Podocnemis unifilis |
Pato-do-mato |
Cairina moschata |
Tartaruga da Amazônia |
Podocnemis expansa |
Tabela 2: Principais espécies que sofreram redução na APA Nhamundá.
Fonte: Pesquisa de campo, 2012.
Eu me admiro esse ano num passare atirando aí, tinham os homem que vinho pra cá e faziam a disgraça, cada voaderona, entravo alí e saiam lá no jacaré. Dia de sábado, viiiche maria. Sabe que era muito arriscado, às vezes agente tava atrás daquelas moita pescando, e os cara passavo com as voadera com espingarda de dois cano, pei, pei, pow, ali uma bala lá, huum. E eu digo, pato cum perna quebrada de manhã noutro dia, só cum lado da asa, navegando, que agente topa, mas quando que o caboco vai fazer isso. (R. O. C, 71 anos, pesquisa de campo, 2012).
Percebe-se no relato dos moradores que apesar dessa contínua redução muitos não respeitam as regulamentações impostas pelas medidas de fiscalização da APA, por outro lado, o manejo realizado pouco contribui para evitar essa perda, pois há várias reivindicações dos moradores em ralação a este.
O ecossistema de várzea é percebido pelos moradores como um recurso que influência bastante o seu modo de vida. O ciclo sazonal das águas do rio (enchente e vazante) é um fator que determina a produtividade de algumas atividades como a pesca, a agricultura e criação de animais.
Durante a vazante segundo os moradores, a pesca é bastante produtiva, pois os peixes ficam ilhados dentro dos lagos, e isso a facilita, diferentemente da enchente onde os peixes têm maior facilidade de se locomoverem para outros lugares, e nesse período a pesca é pouco produtiva. No entanto, a vazante dificulta o descolamento fluvial das embarcações de grande porte e isso a dificulta.
Na agricultura, a vazante é o período do plantio, pois o solo está bastante propício para essa prática, grande parte dessa produção é comercializada tanto nas comunidades vizinhas de São José e São Francisco, quanto no município de Parintins. Entretanto, com a vinda da enchente se a espécie cultivada não for resistente à inundação, ou adaptável a esta, a mesma é destruída pela força das águas, causando grandes prejuízos.
Na criação de animais não é diferente, durante a vazante, o gado, por exemplo, tem muitos campos de pasto, e durante a enchente pela inundação da área precisa ser levado para a terra firme, e quando esta é intensa, muitos moradores precisam também migrar para outros lugares ou elevarem o assoalho de suas casas. Portanto, percebe-se a dinâmica e influência que o ecossistema de várzea proporciona no modo de vida dos morados da comunidade do Divino Espírito Santo, ora, possibilitando vantagens, ora, os limitando de algo.
Como aponta Fraxe (2000), A várzea é uma planície aluvional propriamente dita ou leito maior dos rios, é a região sujeita, parcial ou totalmente às inundações anuais e o ciclo das atividades de subsistência não dependem, como na terra firme, da alternância das estações seca e chuvosa, mas sim do regime fluvial.
O conjunto de lagos denominado Macuricanã é outro recurso natural de grande importância, ou seja, uma das fontes de satisfação percebida pelos moradores da comunidade do Divino Espírito Santo, como também pelas demais comunidades situadas nos limites da APA Nhamundá. O mesmo possibilita o desenvolvimento de grande variedade de espécies de peixes e é dele que a maioria dos moradores da comunidade retira seu alimento. Além da pesca, o mesmo propicia também atividades como a criação extensiva de animais de grande e pequeno porte. Nesse conjunto de lagos há grande pressão pela caça e pesca predatória.
Além da caça e da pesca predatória, outro fator destacado pelos moradores que vem sendo prejudicial aos recursos naturais e consequentemente as famílias que vivem na APA, é o fato de que nos anos de 2008 e 2009 foram trazidas muitas cabeças de búfalo (Bubalus bubalis e Syncerus caffer) para dentro do conjunto de lagos e campos. O Búfalo é um animal que segundo os moradores causa grandes prejuízos principalmente para a vegetação (primária) e agricultura.
Por ser um animal que geralmente é criado solto, livremente pelos campos e lagos, o mesmo invade muitas vezes os terrenos que são utilizados para plantação, e por ser bastante pesado ele compacta o solo onde pisa e impede que as árvores e plantas quando ainda pequenas se desenvolvam, além de comerem em grande quantidade até suas raízes impedindo que estas cresçam novamente. O búfalo além desses prejuízos tem causado também pequenos conflitos entre os moradores.
5.3 Percepção: Manejo e conflitos sociais na APA Nhamundá
A maioria dos moradores possui um bom entendimento dos problemas relacionados ao gerenciamento da APA. Muitos reclamam da forma tendenciosa que este é conduzido, pois segundo os moradores o mesmo privilegia alguns e prejudica a maioria. Os moradores reivindicam também melhorias nas ações de fiscalização e proteção, pois, de acordo com eles, os órgãos responsáveis nestas atividades atuam de forma superficial, e o manejo realizado muitas vezes não leva em consideração suas necessidades.
Outra questão relativa ao gerenciamento e manejo da APA, se refere ao fato de que existem poucos locais de fiscalização, o que se torna impossível para o controle de atividades ilegais. Segundo o senhor R. O. C. (71 anos), morador e um dos fundadores da comunidade, esses locais estão distribuídos de forma irregular:
Tem pouco lugar de fiscalização aqui, essa área aqui é muito grande, olha isso aqui meu amigo é só lago aí pra dentro. Aí pra proibi esse Macuricanã aí, existe três ponto até Nhamundá, aqui logo na boca do Bom Sucesso, mais ali na boca do Macuricanã e lá em baixo, lá na boca do Jacaré. Mas num adianta eles quererem proibi por aqui, que o pessoal entra pra pescar por ali, naquela outra boca, e num tem ninguém pra fiscalizar lá (Pesquisa de Campo, 2012).
Os conflitos existentes dentro da APA são geralmente resultado desse manejo deficiente e ocorrem principalmente quando pescadores decidem pescar em propriedades de fazendeiros, ocorrendo também quanto pescadores oriundos de outras localidades entram na APA para realizarem a pesca ilegal e principalmente quando acordos de pesca não são respeitados, ocasionando divergências entre pescadores e o IBAMA.
Antigamente a fiscalização era melhor, se denunciasse os home vinho buscar mesmo, tumavam na marra as arrastadeira, pagavam na marra, num tinha conversa não, era ordem. Bastava que denuncia-se eles iam lá na casa. Esse agora não, só se tupar, se você tupar o pescador né, pegando peixe, ai comunique imediato, mas quando já, ainda vai apanhar, ainda vão matar afugado o fiscal. Aqui tinha dois (fiscal), ficaro com medo, duma coisa que aconteceu aí no lago, ficaro com medo, e desistiu logo, e pô eu não quero saber mais, vá pirula, ainda posto que deus o livre me matasse (R. O. C, 71 anos, pesquisa de campo, 2012).
Era dispesca o nome do negócio, o nome do acordo, os barco saíram daqui com uma certa quantidade, eles tavam certo de tirar uma certa quantidade, 500 quilo de tambaqui, 100 quilo de pirarucu, por exemplo, e quando chega lá que eles foram, era 40 que foram daqui, suberam e foram lá comprovar a verdade,o pessoal lá iam tirando peixe e dobando puralí ó, disviando da fiscalização com umas bajarona, até o toco de peixe, tava combinado com o IBAMA né que eles iam pra lá e tal, aí por isso que teve a confusão lá, perto de se matare pra lá (R. O. C, 71 anos, pesquisa de campo, 2012.)
Os conflitos exigem soluções, e estas devem ser alcançadas mediante o diálogo e a procura de alternativas. No caso das UCs, sem dúvida, há uma linha de discussão atrás da qual não se pode retroceder: qualquer alternativa que seja adotada e que resolva total ou parcialmente o conflito não pode, sob nenhuma ocasião, ameaçar ou reduzir a biodiversidade ali protegida, nem limitar os serviços ambientais prestados ou afetar as paisagens naturais preservadas (DOUROJEANNI & PÁDUA, 2001).
O gerenciamento realizado muitas vezes não leva em consideração as necessidades dos moradores, situação que diverge do artigo 5° do SUNC em seu inciso IX. Pois, de acordo com as palavras do senhor A. S S. (58 anos):
Eles querem que a comunidade se envolva a tomar conta, mas sem ganha nada, fica complicado de a comunidade gastar para poder fiscalizar e ainda não poder pescar, agente tem filho pra criar, e aí mano, agente não tem condição não. (Pesquisa de campo, 2012).
A APA Nhamundá atualmente encontra-se sem conselho gestor e sem um plano de manejo. Este último é um documento obrigatório para todas as unidades de conservação, que deve ser elaborado em cinco anos a partir da data de criação das mesmas. A lei do SNUC dá grande destaque a elaboração do plano de manejo, tornando-o algo de grande importância para o alcance dos objetivos de conservação ou preservação de uma área protegida. De acordo com Bononi (2010), os planos de manejo prevêem também programas que incluem a administração da infraestrutura, a gestão da visitação pública, atividades de educação ambiental, proteção, fiscalização e apoio a regularização fundiária. A tendência mais atual é que o plano de manejo das UCs seja elaborado de forma participativa, envolvendo a sociedade como um todo e em especial as comunidades que nela residem.
O principal problema enfrentado para gerenciar a APA Nhamundá é a falta de recursos financeiros. Recursos que forneçam infraestrutura, mão-de-obra especializada e logística para que a APA alcance seu objetivo principal.
Notou-se que a maioria dos moradores conhece os problemas da APA, entretanto, muitos não exercitam a prática da conservação do meio ambiente por falta de conhecimento e diálogo com a gerência da APA. Isso leva mais uma vez a reflexão sobre a atuação dos órgãos responsáveis por orientar e disciplinar a ocupação na APA Nhamundá. Por outro lado, sabe-se que esses órgãos por si só não vão obter resultados positivos com relação ao manejo, pois os mesmos precisam ser amparados pelo governo, no caso da APA Nhamundá, o governo estadual precisa fornecer respaldo financeiro para implementação de ações concretas para que essa UC alcance seus objetivos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da proposta de analisar a percepção ambiental que os moradores da comunidade do Divino Espírito Santo possuem em relação à Área de Proteção Ambiental Nhamundá, de forma a conhecer um pouco da realidade existente desta, foi possível compreender como os mesmos a percebem tanto do ponto de vista natural, como também entender a partir de suas percepções algumas situações relativas ao seu gerenciamento.
Pelos dados obtidos e pelos relatos dos moradores, foi possível compreender que algumas espécies animais vêm sofrendo ao longo dos anos grande pressão, no sentido da caça e pesca predatória, e esta se traduz por meio de uma contínua perda ao longo dos anos em variedade e quantidade desses animais.
Foi constatado também que os moradores da comunidade possuem um modo de vida característico e tradicional de comunidades ribeirinhas de áreas de várzea da Amazônia, onde os mesmos são fortemente influenciados pelo ciclo sazonal das águas, pois as residências já se adequaram a essa dinâmica, todas são palafitas assoalhadas, e conforme o nível da enchente, o assoalho é também elevado.
As atividades utilizadas como fonte de renda na comunidade são também fortemente influenciadas por esse ciclo e são principalmente advindas do setor primário (pesca, agricultura e pecuária), e que apesar de ser a pesca a principal atividade geradora de renda, os moradores procuram fazer a combinação de várias outras atividades para o sustento de suas famílias.
A ocorrência de diversos conflitos pelo uso dos recursos naturais tem sido um fato constante na APA. Esses conflitos segundo a percepção dos moradores são devidos principalmente a acordos de pesca, divergências entre pescadores e donos de terra e quando pescadores advindos de outras localidades entram na APA para realizarem a pesca ilegal.
Toda essa situação de perda de recursos naturais e conflitos podem ser relacionados à forma como vem sendo conduzido o gerenciamento da APA Nhamundá. A mesma atualmente não conta com um plano de manejo, que é um mecanismo imprescindível para o alcance dos objetivos de uma área protegida, que já deveria ser implementado, pois a APA possui vinte dois anos, e um plano de manejo deve ser elaborado em até cinco anos a partir da data de criação de uma UC. Por se tratar de uma APA, uma categoria de uso sustentável que no Brasil possui baixa eficiência na proteção da biodiversidade, o governo teria que investir mais recursos humanos e financeiros para tentar mudar esse quadro, pois só assim a APA Nhamundá passaria ser uma UC não apenas no papel, mas de acordo com todas as regulamentações previstas no SNUC acontecendo na realidade, de forma a alcançar o objetivo principal de conciliar a conservação da natureza ao uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.
A pesquisa evidenciou algumas situações preocupantes que estão ocorrendo na APA, entretanto, sabe-se que a mesma possui seus limites, pois a percepção ambiental analisada foi apenas de uma das trinta e três comunidades existentes, logo, se a pesquisa envolvesse mais comunidades, muitas outras questões relevantes provavelmente seriam abordadas.
Após a pesquisa realizada, conclui-se então que a percepção ambiental pode ser uma forma de evidenciar diversas situações que ocorrem no espaço geográfico, sejam estas fontes de satisfação ou insatisfação. A comunidade estudada tem consciência das deficiências nas medidas de fiscalização e também dos os impactos das atividades humanas na APA, entretanto, muitos não exercitam a prática da conservação do meio ambiente por falta de conhecimento e por falta de diálogo com os órgãos responsáveis. Notou-se que, o contato com a realidade deles, contribuiu para a (re) construção de novos conhecimentos, possibilitando a percepção de outros valores diante da relação homem/natureza. Dessa forma a percepção ambiental pode ser utilizada não apenas como instrumento de avaliação da qualidade do ambiente natural ou uma forma de compreender a relação homem/natureza, mas também como um mecanismo que possibilita entender através da análise perceptiva o descaso e a forma como são conduzidas e gerenciadas as Unidades de Conservação.
REFERÊNCIAS
BONONI, Vera Lúcia Ramos. Controle Ambiental de Áreas Verdes,In: PHILIPPI JUNIOR, A; ROMÉRO, M. A. e BRUNA, G. C. (org.) Curso de gestão ambiental. Barueri, SP: Manole, 2004.
CARVALHO, Juliana Barros. Percepção e Relações Ambientais dos Moradores da Comunidade Agrícola Palestina no município de Axixá–TO, JICE 2010. Disponível em: www.ifto.edu.br/jornadacientifica/wp.../12/03-PERCEPÇÃO-E.pdf. Acesso em: 20/01/2012.
CASTRO JÚNIOR, E. de; COUTINHO, B. H; FREITAS, L. E. de. Gestão da Biodiversidade e Áreas Protegidas. In: GUERRA, A. J. T, COELHO, M. C. N.(org.). Unidades de conservação: abordagens e características geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009, p. 25-65.
CAUDAS, Ana Luiza Rios; RODRIGUES, Maria do Socorro. Avaliação da Percepção Ambiental: Estudo de Caso da Comunidade Ribeirinha da Microbacia do Rio Magu. Disponível em: http://www.remea.furg.br/edicoes/ vol15/art14.pdf. Acesso em: 04/04/2012.
CEUC, Centro Estadual de Unidades de Conservação. Relatório Parcial: Levantamento dos aspectos sócio-econômicos e organizacionais das comunidades da APA Estadual Nhamundá, 2010.
COIMBRA, José de Ávila Aguiar. Linguagem e Percepção Ambiental. In: PHILIPPI JUNIOR, A; ROMÉRO, M. A. e BRUNA, G. C. (org.) Curso de gestão ambiental. Barueri, SP: Manole, 2004.
DIOS, Cláudia Blanco de; MARÇAL, Mônica dos Santos. Legislação Ambiental e a Gestão de Unidades de Conservação: o Caso do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba – RJ. In: GUERRA, A. J. T, COELHO, M. C. N.(org.). Unidades de conservação: abordagens e características geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009, p. 173-199.
DOUROJEANNI, M.J.; PÁDUA, M.T.J. Biodiversidade:A Hora Decisiva. Curitiba: Editora UFPR, 2001.
EUCLYDES, A. C. P.; MAGALHÃES, S. R. A. Considerações Sobre a Categoria de Manejo “Área de Proteção Ambiental (APA)”. E o Icms Ecológico em Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006. Disponível em: www.cedeplar.ufmg.brseminariosseminario...2006D06A105.pdf. Acesso em: 14/02/12.
FAGGIONATO, Sandra. Percepção Ambiental. Material de apoio – texto. Disponível em: http://educar.sc.usp.br/biologia/textos/m_a_txt4.html. Acesso em: 19/04/2011.
FRAXE, Therezinha J. P. Homens anfíbios: etnografia de um campesinato das águas – São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto do Governo do Estado do Ceará, 2000.
GOVERNO FEDERAL. Lei 9.985, de 18 de julho de 2000: Sistema Nacional de Unidade de Conservação.
GUERRA, Antonio José Teixeira, COELHO, Maria Célia Nunes. Unidades de Conservação: abordagens e características geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
ISA. Instituto Socioambiental. Disponível em: www.socioambiental.org.br. Acesso em 15/04/2011.
MACEDO, R. L. G. Percepção e Conscientização Ambiental. Lavras/MG: Editora UFLA/FAEPE. 2000.
MELGAÇO, Cássia M. M. S. O Poder Legislativo e a Agenda 21. Monografia do Instituto de Educação Continuada - IEC da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MINAS, 2008. Disponível em: http://www.almg.gov.br/ Bancoconhecimento/monografias. Acesso em 15/04/2011.
MERCADANTE, M. Uma década de debate e negociação: a história da elaboração do SNUC. In: BENJAMIN, A. H. (org.) Direito ambiental das áreas protegidas. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p. 190-231.
MMA. Ministério do Meio Ambiente. Sistema Nacional de Unidades Conservação – SNUC. Disponível em: http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/sistema-nacional-de-ucs-snuc. Acesso em: 27/07/2012.
MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
OLIVEIRA, Lívia de; MACHADO, Lucy. M. C. P. Percepção, Cognição, Dimensão Ambiental e Desenvolvimento com Sustentabilidade. In: VITTE, A. C; GUERRA, A. J. T. (org.) Reflexões sobre a Geografia Física no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
PANQUESTOR, Evandro Klen; RIGUETTI, Norma Kelen. Percepção ambiental, descaso e conservação: uso da geoinformação no estudo de áreas verdes públicas em Carangola – MG. Disponível em: http://www.anppas.org.br/ encontro4/cd/ARQUIVOS/GT8-858-589-20080514164844.pdf. Acesso em: 04/04/2012.
PHILIPPI JÚNIOR, Arlindo; ROMÉRO, Marcelo de Andrade e BRUNA, Gilda Collet. Curso de gestão ambiental. Barueri, SP: Manole, 2004.
SILVA, Charlene Maria Muniz da. Mocambo, Caburi e Vila Amazônia no município de Parintins: múltiplas dimensões do rural e do urbano na Amazônia / Charlene Maria Muniz da Silva. - Manaus: UFAM, 2009.1 Dados do Instituto Socioambiental, 2011.