Marcelo Nunes Apolinário (CV)
marcelo_apolinario@hotmail.com
Universidade Federal de Pelotas
Resumo: Este trabalho pretende analisar as dificuldades enfrentadas pela tipificação do Direito ao meio ambiente, seu progressivo reconhecimento tanto no âmbito europeu interno como na ordem internacional e sua definitiva consagração como Direito à proteção do meio ambiente como um Direito fundamental não previsto expressamente na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.
Palavras – chave: Direito ambiental, União Europeia, Direitos fundamentais, Meio Ambiente.
Abstract: This paper discusses the difficulties faced by typing the Right to the environment, its growing recognition both within the European domestic and international order and its final consecration as a right to protection of the environment as a fundamental right not expressly provided for in the Charter of Fundamental Rights the European Union.
Key-words: Environmental law, European Union, fundamental rights, Environment.
Os representantes dos Estados membros e da Comissão Europeia, não só travaram poucas discussões como tampouco demonstraram interesses consistentes e capacidades para buscar compreender o que contemporaneamente já se considera algo consagrado na cultura jurídica dos países membros da União Europeia: o Direito fundamental à proteção do meio ambiente, ou de viver num meio ambiente saudável, capaz de proporcionar bem-estar individual e coletivo. O texto da Carta limita-se tão somente a proclamar que as políticas públicas inerentes às competências da União garantirão o desenvolvimento sustentável do meio ambiente e um alto nível de proteção ao meio ambiente e a melhoria de sua qualidade, resultando de certa forma, um texto decepcionante, constituindo um retrocesso injustificável já que foi incapaz de cumprir os compromissos assumidos pelos Estados da União, tanto no âmbito interno como no externo, não refletindo a evolução do Direito no curso dos últimos anos. Dessa forma, ainda que a existência do Direito a um meio ambiente saudável seja embrionária, posto que suas bases surgiram há pouco mais de três décadas, no entanto, em tão pouco tempo se obteve um desenvolvimento sem precedentes, suas regras se multiplicaram e, inclusive, atingiram um nível de normatividade bastante considerável.
Assim, com o reconhecimento de um Direito fundamental ao meio ambiente se poderia alcançar o mais alto grau de positivação de Direitos e liberdades, o que significaria também o mais alto nível de efetividade. No entanto, esse reconhecimento tardou em produzir-se e, além disso, haveria que admitir que não se trata de um reconhecimento generalizado se nos fixarmos no fato de que a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, adotada no ano de 2000, se limita a estabelecer que a proteção do meio ambiente constitua apenas uma das finalidades políticas do bloco europeu.
Dito isso, é oportuno mencionar que não se pretende aqui se ocupar da origem nem das circunstâncias em que se produziu a aprovação da Carta, como tampouco se pretende tecer considerações valorativas com relação a seu futuro. Centrar-se-á em seu artigo 37 para tentar pôr em evidência como seu conteúdo está superado por completo no atual momento, posto que hoje já se encontre consolidado na Europa o Direito Fundamental à proteção do meio ambiente. Examinar-se-á as dificuldades enfrentadas pela tipificação do Direito ao meio ambiente, seu progressivo reconhecimento tanto no âmbito europeu interno como na ordem internacional e sua definitiva consagração como Direito à proteção do meio ambiente.
O artigo 37 do mencionado documento internacional dispõe que: “As políticas da União integrarão e garantirão com base no principio de desenvolvimento sustentável um alto nível de proteção do meio ambiente e a melhoria de sua qualidade”. A singela leitura do texto normativo em análise informa que, em contra do titulo da Carta, o que se percebe não é um Direito fundamental e sim algo distinto. Pode-se afirmar que, aparte do artigo supra mencionado, todos os demais utilizam uma linguagem que, em maior ou menor medida supõe o reconhecimento de um Direito, uma vez que reconhece “a todos os cidadãos da União Direito a...”. Em contrapartida, há quem utiliza a expressão “Se garante o Direito...”, ou “Se reconhece a liberdade de...”, ou “Se protege o Direito a...”. No entanto, nenhuma dessas expressões pode ser verificada com relação ao meio ambiente. Nesse aspecto, a disposição da Carta Europeia vai dirigida expressamente às políticas da União; se diria que nem sequer a União e tampouco os Estados membros desse território político aos que, em outros dispositivos e em conformidade com o artigo 51 do mesmo documento, vão dirigidas as disposições da mesma, ainda que seja exclusivamente quando apliquem as normas jurídicas da União Europeia. 1
A partir de uma perspectiva generalista, pode-se afirmar que os Direitos sociais compreendidos na Carta Europeia procedem basicamente de duas premissas fundamentais: A Carta Social Europeia de 18 de Outubro de 1961, junto com seu Protocolo adicional de 1988, e a Carta Comunitária de Direitos Sociais de 9 de dezembro de 1989. Não obstante, o artigo 37 do mesmo documento, ao não ter precedente nos instrumentos supra apresentado, inspira-se diretamente nos artigos 2 e 6 do Tratado constitutivo da Comunidade Europeia em que: “A comunidade terá por missão promover ... um alto nível de proteção e melhoria da qualidade do meio ambiente” (art. 2) e que “As exigências da proteção do meio ambiente deverão integrar-se na definição e na realização das políticas e ações da Comunidade a que se refere o artigo 3, em particular ao objeto de fomentar um desenvolvimento sustentável” (art. 6). Ambos os preceitos, portanto, encontram-se diretamente relacionados com a política da comunidade europeia no contexto diretamente associado ao meio ambiente. 2
No entanto, o aspecto mais importante, sem dúvida alguma, paira na direção de que o artigo 37 não só não afirma a existência de um Direito subjetivo ao meio ambiente como valor fundamental a toda pessoa humana como nem sequer reconhece um Direito a recorrê-lo, ou seja, possibilitando que a pessoa possa iniciar um procedimento tendente à proteção do meio ambiente. Limita-se a estabelecer apenas um marco de proteção ligado à ação das instituições que não deixa margem ao reconhecimento de Direito subjetivo algum.
A expressa inserção de um Direito ao meio ambiente no rol de Direitos humanos, tanto no contexto brasileiro, inclusive, como no Direito internacional, sobretudo no marco da Comunidade europeia, provocou as mesmas dificuldades que a de outros Direitos pertencentes ao grupo dos sociais, econômicos e culturais. Isso direcionou o legislador de alguns países (também no Brasil e Espanha como referência no espaço europeu) a introduzi-lo no grupo “menos valorizado” dos princípios norteadores da política econômica e social, o qual não impedindo é verdade, que na prática haja atingido em nossos países o mesmo grau de importância e proteção que os demais direitos fundamentais propriamente ditos e elencados exemplificativamente no interior de nossas Constituições.3 Concretamente, as dificuldades atinentes ao meio ambiente estiveram sempre relacionadas em primeiro lugar com a baixa precisão do conteúdo do próprio conceito de meio ambiente. Em segundo lugar, a problemática gravita sobre o verdadeiro alcance da garantia que deve incorporar o reconhecimento de um Direito fundamental como tal e sobre as questões que envolvem a própria titularidade do Direito.
A expressão meio ambiente possui, naturalmente, um conteúdo dificilmente limitável, uma vez que muitos elementos compõem o próprio significado do termo, já que abrange desde a biosfera sem seu conjunto até o entorno físico e imediato de uma pessoa em concreto. De outra sorte, a expressão Direito ao meio ambiente não significa grande coisa por si só. Todos nós possuímos um meio ambiente em que vivemos. Na verdade, o que falta e o que se exige é que esse meio ambiente seja adequado e respeitado para se viver dignamente. 4
Em outros termos, o Direito ao meio ambiente haveria de conceber-se como um Direito procedimental semelhante aos Direitos fundamentais básicos tais como à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. Se o Estado não pode garantir ao cidadão um meio ambiente plenamente saudável e adequado, este, no entanto, pode exigir ao Estado que tome as medidas cabíveis e necessárias de prevenção e estabeleça as sanções oportunas àqueles que atentam contra o mesmo. Tratar-se-ia, portanto, da obrigação de tomar medidas com vistas à conservação do meio ambiente.5 Dessa forma, necessário seria o reconhecimento mais visível e contundente desse Direito nas mais diversas legislações nacionais e internacionais.
Importante ressaltar preliminarmente que, apesar de tudo que foi mencionado, parece que finalmente, o Direito ao meio ambiente começou a ser reconhecido progressivamente tanto em textos normativos nacionais como em diversos documentos internacionais, ainda que a extensão, as condições e a efetividade deste (novo) paradigma sejam antagônicas nos distintos contextos. Dito isso, se buscará analisar em primeiro lugar, como esse reconhecimento se deu no plano universal e no plano regional europeu.
A. A universalização do debate
A década de 1940 foi marcada pelos intensos debates de proteção da natureza. Várias reuniões entre Chefes de Estado foram realizadas com o viés de discutir propostas de criação de uma organização de natureza internacional de proteção do ecossistema e do meio ambiente em sentido macro, bem como, elaborar conferencias para a preservação da natureza e de recursos naturais. A conferência realizada em 1948 é considerada a primeira grande reunião de caráter ambiental em escala mundial. Os anos de 1950 foram o símbolo da grande expansão da atividade econômica mundial. O padrão de crescimento utilizado após a segunda grande guerra logo se revelou como um agente de quebra do equilíbrio ecológico, o que acarretou, em termos econômicos, um desequilíbrio da alocação de recursos da distribuição do bem-estar das pessoas. No entanto, digno de nota ressaltar que o menosprezo pela matéria ambiental não foi uma exclusividade do sistema industrial capitalista. Os países do bloco soviético, também protagonizaram grandes desequilíbrios ecológicos.6
Deve-se arguir que todo o processo de reconhecimento sobre o Direito ao meio ambiente como Direito fundamental da pessoa humana não foi nada fácil. No marco das Nações Unidas, o Direito ao meio ambiente não figurou na Declaração Universal dos Direitos do Homem promulgada em 1948 pela Assembleia Geral. O motivo, no entanto, gravitou pura e simplesmente na falta de consciência que naquele período histórico se tinha sobre a necessidade de proteger o ser humano frente às agressões praticadas a seu meio ambiente. Os primeiros problemas graves causados, principalmente pela contaminação surgiram posteriormente. Na verdade, a opinião pública planetária passou a perceber o real problema a partir do momento em que se produziram os desastres do Torrey Canion em 1967, Bhopal em 1984 e o de Chernobyl em 1986. Por essa razão, tampouco o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado em 1966 pela ONU, introduziu entre os direitos que proclamava o de poder desfrutar de um meio ambiente adequado e protegido plenamente. Isso pode resultar mais surpreendente se levarmos em conta que, naquele período já aparecia na doutrina o pensamento de que o meio ambiente saudável compreenderia um Direito fundamental de terceira geração7 diretamente relacionado com os direitos de solidariedade, com o Direito à paz e ao desenvolvimento. No entanto, as primeiras bases do que atualmente se considerara a proteção internacional do meio ambiente surgiu em 1972 com a Conferência de Estocolmo convocada pelas Nações Unidas.8
B. No âmbito europeu
Na realidade europeia, em que a proteção dos Direitos humanos logrou um amplo e eficaz desenvolvimento e no que, de modo paralelo à proteção do meio ambiente alcançou índices satisfatórios, é preciso comentar, ao menos ao que se refere o Conselho de Europa, que nem o Convênio Europeu para a proteção dos Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais, firmado em Roma em 1950 e nem a Carta Social Europeia, adotada em Turim em 1961, introduzem dispositivo algum sobre a proteção do meio ambiente.
Relativo à União Europeia, seus programas de Ações em matéria ambiental foi refletindo o desenvolvimento normativo que o conteúdo ia experimentando. Por outro lado, a tomada de consciência por parte da Comunidade sobre a necessidade de proteger a natureza foi assumida na década de setenta do passado século, onde se iniciou uma política pró meio ambiente que, apesar de não haver sido prevista nos mais diversos Tratados constitutivos, levaria, em 1987, a incorporação ao Tratado CEE um novo Titulo VIII sobre meio ambiente. Outro passo importante foi dado em Amsterdã em 1997 ao introduzir-se no art. 2 do Tratado de Roma, como um objetivo da Comunidade Europeia, o logro de “um alto nível de proteção e melhoria sobre a qualidade do meio ambiente”, e ao determinar no artigo 6 do mesmo documento que “as exigências da proteção do meio ambiente deverão integrar-se na definição e na realização das políticas e ações da Comunidade”. Este caminho que poderia ser qualificado de percussor ficou, no entanto, em entredito com a aprovação do artigo 37 da Carta de Direitos Fundamentais que, como já se mencionou, não responde ao nível de reconhecimento que o Direito ao meio ambiente já alcançou tanto no âmbito do Direito comunitário europeu como no âmbito de seus Estados membros. 9
5. A consagração do Meio Ambiente como Direito humano fundamental
A. Ponto de partida
O documento de relevância internacional com caráter universal que pela primeira vez agregou a qualidade do meio ambiente com os direitos humanos foi a Declaração adotada ao termo da Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente humano celebrada em Estocolmo em 1972. A Conferência de Estocolmo foi motivada por quatro questões principais: o aumento da cooperação cientifica nos anos 1960, no âmbito internacional e fora do contexto governamental; a grande divulgação dos desastres ambientais ocorridos em anos anteriores; o forte crescimento econômico vivenciado no pós-guerra; e a problemática das chuvas acidas, para cujo enfrentamento, seria importante fomentar e executar um plano de cooperação internacional para diminuir suas consequências. O objetivo inicial da Conferência era encontrar soluções técnicas para os problemas ocasionados pela poluição decorrentes da industrialização, do crescimento demográfico e da urbanização, e estimular a cooperação internacional no que fosse relativo à poluição do ar, da água e do solo, para evitar que os países em desenvolvimento repetissem os mesmos erros dos países desenvolvidos. Ademais, as suas preocupações se voltavam especialmente para garantir o direito de continuar com a exploração de recursos naturais em larga escala, como forma de atingir o avanço econômico. A prioridade pelo desenvolvimento foi expressa pelos representantes dos países participantes, quando afirmaram que a pior forma de poluição seria a miséria.10
Também na Conferência se pôde perceber que “o homem tem o Direito fundamental à liberdade, a igualdade e o desfrute de condições de vida adequadas num meio de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar...”. Nessa temática, a Declaração de Estocolmo se via complementada dez anos mais tarde, pela Carta Mundial da Natureza adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em que se proclama o Direito de toda pessoa a participar, individualmente ou coletivamente, na elaboração das decisões que afetam diretamente seu meio ambiente e, no caso em que este resultar danificado, obter acesso à justiça para ter reconhecida a reparação do dano. Porém, nem a Declaração de Estocolmo e nem a Carta Mundial da Natureza possuem força vinculante.
Os primeiros documentos internacionais que tiveram força vinculante, capaz de conectar explicitamente os direitos humanos com a proteção do meio ambiente foram a Carta Africana de Direitos Humanos11 e dos povos de 1981, o Protocolo adicional ao Convênio americano de direitos humanos adotados em São Salvador em 1989, o Convênio sobre os direitos da criança, do mesmo ano, e o Convênio da Organização Internacional do Trabalho relativo aos povos indígenas adotados em países independentes em 1989. 12
Como abordado, o reconhecimento direto do Direito do individuo a desfrutar de um ambiente saudável esbarrou em graves dificuldades no âmbito internacional. Por isso, sem largar de mão a via consistente na tipificação de direitos materiais de natureza ambiental, a partir da década de 90 do passado século, se abriu espaço na doutrina a ideia de conceber o meio ambiente como Direito fundamental, ou seja, tutelado com uma técnica similar adotada para proteger o Direito à vida e o Direito à propriedade por exemplo.13 No trajeto recorrido até a definitiva consagração deste Direito no Convênio de Aarhus de 1998, a Comunidade Europeia, desempenhou um papel imprescindível na determinação do conteúdo concreto desse Direito à proteção do meio ambiente; principalmente a partir do momento em que no Encontro de Dublin em junho de 1990 os Chefes de Estado e de Governo declararam que a Ação da Comunidade deveria ter como finalidade “garantir aos cidadãos o Direito a um meio ambiente limpo e saudável, especialmente em relação à qualidade do ar; os rios, os lagos, as águas costeiras e marítimas; a qualidade dos alimentos e de água potável; a proteção contra o ruído; a proteção contra a contaminação e a erosão do solo; a conservação dos habitats; a fauna, a flora, o meio rural e outros elementos do patrimônio natural; o caráter agradável das zonas residenciais. Conseguir plenamente este objetivo deve ser uma responsabilidade compartida”.14
No entanto, foi o Conseil Européen Du Droit de l`Environnement, uma das mais prestigiadas instituições internacionais especializadas na matéria, onde, no Colóquio Internacional de Bonn, celebrado em 1975 sob o Titulo de “O Direito a um meio ambiente humano”, abriu os caminhos que levariam ao reconhecimento do Direito à proteção do meio ambiente em toda sua amplitude. Em 1982 a Carta Mundial da Natureza já havia feito referência do novo enfoque ao estabelecer em seu ponto 23 que todas as pessoas, conforme as legislações nacionais deveriam ter a oportunidade de participar, individualmente ou junto com outras, na formulação das decisões que afetariam diretamente a seu meio ambiente e deveriam ter acesso aos meios de recuperação necessários quando seu meio ambiente sofreu degradação. Alguns anos mais tarde, o projeto de Carta de Direitos e Obrigações meio ambientais preparado pela Comissão Econômica para Europa e Nações Unidas adotaria o novo conceito sobre o Direito ao meio ambiente e este alcançaria o Direito positivo com o Convênio de Espoo de 1991 sobre Avaliação do impacto ambiental no âmbito transfronteriço.15
B. A declaração do Rio de Janeiro de 1992
A Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento foi adotada por consenso e, embora não tendo valor de índole jurídica diretamente falando, contribuiu para a consagração de determinados princípios acerca do desenvolvimento sustentável. Com importante alcance moral, político e operacional, o texto visava guiar o comportamento dos Estados e mobilizar as sociedades sobre a pauta do meio ambiente.
No preâmbulo estão afirmados aspectos contemplados na Declaração de Estocolmo com a intenção de lhes dar um novo vigor. Define como o seu objetivo o estabelecimento de uma nova e justa parceria global, por meio de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores importantes da sociedade global. Reconhece, também, a natureza interdependente e integral da Terra, definida como nosso lar.16
O texto aborda as preocupações dos países dos hemisférios norte e sul, e expressa que ambos os lados conseguiram impor princípios que figuravam no centro de suas agendas políticas. No entanto, alguns conceitos como patrimônio comum da humanidade, preservação da diversidade cultural e contabilidade ambiental estiveram ausentes.17
A formulação mais convincente com caráter universal da nova concepção do Direito ao meio ambiente apareceu no principio 10 da Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento, adotada em 14 de junho de 1992, segundo o qual: “O melhor modo de tratar das questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, no nível que corresponda. No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o meio ambiente de que disponham as autoridades públicas incluídas a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo em suas comunidades, assim como a oportunidade de participar nos processos de adoção de decisões. Os Estados deveriam facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do público pondo a informação à disposição de todos. Deverá proporcionar-se acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos, entre estes ao ressarcimento de danos e os recursos pertinentes”.
A partir dessa nova perspectiva, a efetividade do Direito exige a intervenção positiva das autoridades estatais, em especial do legislador. O cidadão tem Direito a que o Estado ponha em vigor medidas que lhe proteja, que lhe assegure uma informação suficiente e que lhe permita participar no processo de criação de normas. A garantia do Direito consiste no que o individuo possa acudir ante os tribunais em caso de não aplicação ou má aplicação ou até mesmo de inexistência de uma norma que lhe proteja conforme os standards internacionais. O Direito à informação se materializa na obrigação dos Estados de propagar tudo aquilo que estiver relacionado às atividades, fatos, projetos, etc., que afetem ou possam afetar o ecossistema e de permitir o acesso de tal informação.18 Já o Direito a participar consiste na possibilidade de intervir e apresentar objeções em projetos e decisões públicas suscetíveis à afetação do meio ambiente e a conservação da natureza.19
C. O Direito à proteção do meio ambiente na Comunidade Europeia
Tradicionalmente, a Comunidade Europeia participou de forma célere e eficaz na evolução do Direito fundamental à proteção do meio ambiente. Por isso, no quarto Programa de Ação da Comunidade em matéria de meio ambiente, realizado em 1987, já se recorria ao acesso à informação por parte dos cidadãos e no quinto Programa, realizado em 1993, se ampliaram os direitos dos cidadãos, uma vez que se possibilitou a participação dos mesmos nos procedimentos decisórios.
Com relação ao acesso à informação, o Conselho Europeu adotou em junho de 1990 a Diretiva 90/313 sobre Liberdade de acesso à informação em matéria de meio ambiente que, sem dúvida, inspirou a própria criação do Convênio de Aarhus 20. Esta mesma diretiva reconhece o Direito de acesso à justiça em termos semelhantes aos que depois utilizaria o Convênio de Aarhus. Esse mesmo Direito já havia sido previsto em outros textos como, por exemplo, a Diretiva do Conselho 85/337 sobre avaliação da incidência de determinados projetos públicos e privados sobre o meio ambiente, a Diretiva do Conselho 82/50 sobre riscos de acidentes graves em determinadas atividades industriais, a Diretiva do Conselho 89/618 da Euratom, sobre informação à população sobre medidas de proteção sanitária e a Diretiva do Conselho 90/219 sobre micro-organismos modificados geneticamente. Com relação à participação dos cidadãos na tomada de decisões, esta se apresenta de modo especial, dentro dos procedimentos de avaliação do impacto ambiental, matéria em que, de novo, a Comunidade tomou a iniciativa ao adotar, entre outras medidas, as Diretivas 82/501 e as já referidas 85/337.21
Em se tratando de Estados membros da União Europeia, pode-se dizer que todos eles assumiram o Direito originário e levaram a sério a transposição das diretivas comunitárias citadas, aplicando de uma forma ou outra em suas respectivas legislações, o Direito à proteção do meio ambiente em seus três componentes.
Finalizando, todos os países membros da União Europeia firmaram o Convênio de Aarhus adotado em 25 de junho de 1998 por uma Conferência ministerial reunida sob os interesses da Comissão Econômica para Europa de Nações Unidas. Trata-se de um instrumento que conta com numerosos e importantes antecedentes, especialmente no Direito europeu. No entanto, consagra definitivamente esse Direito da pessoa à proteção do meio ambiente, geralmente reconhecido no Direito europeu, mas que a Carta de Direitos Fundamentais da União europeia não foi capaz de recorrer.22
6. Considerações finais
As Constituições dos Estados soberanos possuem um duplo objetivo: Estabelecer as instituições estatais e enunciar os princípios que devem reger a vida social, política e econômica de seus cidadãos. Este último objetivo é especialmente importante uma vez que se trata de introduzir os valores que a sociedade considera fundamental. Assim, atualmente, não restam dúvidas que à proteção ao meio ambiente se enquadra perfeitamente no rol desses objetivos mais importantes. Não só a opinião pública europeia, mas o pensamento coletivo global exige de seus governantes a adoção das medidas que sejam necessárias para evitar o esgotamento dos recursos naturais que são indispensáveis para a continuação de toda forma de vida e para neutralizar a degradação do meio em que vivemos. Por essa razão, o processo de elaboração da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia se viu viciada desde sua inauguração como consequência do denominado Mandato de Colônia que proibia à Convenção de criar novos direitos, devendo limitar-se a realizar um mero trabalho de codificação daquilo que já existira. No entanto, tratando-se de uma Declaração de Direitos Fundamentais não se pode pretender que esta se limite a codificar aquilo que já está previsto. É fundamental recorrer àquilo que a sociedade almeja, respeita e deseja como garantia ao exercício de seus direitos.
Na verdade, a Convenção foi consciente disso e por essa razão sua atividade não se limitou a uma mera codificação senão que, aproveitando uma de tantas contradições do Mandato, tratou de levar em conta as tradições constitucionais comuns dos membros da União ou, como se mencionou, de fazer tangíveis direitos que já existem sem que o cidadão tenha se precavido disso. Concomitantemente, tentou evitar que a Carta se convertera num mínimo standard europeu. Por isso, se deve compreender que o Direito ao meio ambiente entendido em seu aspecto procedimental é hoje em dia uma realidade no âmbito europeu, tanto da Comunidade como nos seus respectivos Estados membros; por conseguinte deveria fazer parte também do rol de direitos fundamentais na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. Espera-se, contudo, que se acaso a Constituição europeia seja aprovada um dia, introduza expressamente à proteção ao meio ambiente como Direito humano fundamental.
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1 Nesse sentido, HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, p. 118.
2 Assim, HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, p. 119; FERNÁNDEZ TOMÁZ, Antonio. La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión Europea: Un nuevo hito en el camino de la protección. Gaceta Jurídica de la UE y de la competencia, n. 214, Julio – Agosto, 2001, p. 121.
3 Vid., por todos no exemplo brasileiro, MARCHESAN, Ana Maria, et al., Direito ambiental, 5ª. ed. Porto Alegre: Verbo jurídico, 2008, pp. 18 e ss.
4 Nesse sentido, HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, p. 120.
5 Vid. HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, p. 121; KISS, Alexander/BEURIER, J-P. Droit International de I’ Environnement, 2ª, ed., Paris: Pedone, 2000, p. 92.
6 BURSZTYN, Maria Augusta/ BURSZTYN, Marcel. Fundamentos de política e gestão ambiental: caminhos para a sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012, pp. 75 e 76.
7 Os direitos de terceira geração foram cunhados como identificadores de uma titularidade coletiva, sendo o seu fundamento o principio da fraternidade ou solidariedade. Vid. BELTRÃO, Antônio. Curso de Direito Ambiental. São Paulo: Método, 2009, p. 22; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 57 e ss.
8 HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, p. 123.
9 HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, pp. 123 e 124.
10 BURSZTYN, Maria Augusta/ BURSZTYN, Marcel. Fundamentos de política e gestão ambiental: caminhos para a sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012, pp. 82 e 83.
11 A Carta africana reconhece que “Todos os povos têm direito a desfrutar de um meio ambiente satisfatório e global, propicio para o seu desenvolvimento”.
12 HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, p. 127.
13 Vid. KISS, Alexander. Définition et nature juridique d`um droit de I`homme à l`environnement. In: Environnement et Droits de l`homme, UNESCO 1987, pp. 13 e ss. HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, pp. 128 e 129.
14 Texto da Declaração do Conselho Europeu sobre os imperativos do meio ambiente, In: BOLETÍN DE COMUNIDADES EUROPEAS, n. 6, 1999, pp. 18 e ss.
15 JUSTE RUIZ, José. Derecho Internacional del Medio Ambiente. Madrid: McGraw-Hill, 1999, pp. 83 e ss; HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: LaCarta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, p. 129.
16 BURSZTYN, Maria Augusta/ BURSZTYN, Marcel. Fundamentos de política e gestão ambiental: caminhos para a sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012, pp. 105 e 106.
17 Vid. BURSZTYN, Maria Augusta/ BURSZTYN, Marcel. Fundamentos de política e gestão ambiental: caminhos para a sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012, p. 107; LE PRESTRE, Philippe. Protection de l`environnement et relations internationales: lês défis de l`écopolitique mondiale. Paris: Armand Colin, 2005.
18 O Direito à informação foi recorrido no artigo 6 do Convênio marco sobre cambio climático e em outros muitos convênios multilaterais concluídos a partir de 1992 entre os quais se pode citar o Protocolo sobre as zonas especialmente protegidas e a diversidade biológica no Mediterrâneo e as Emendas ao Convênio de Barcelona de 1976 para a proteção do Mar Mediterrâneo contra a contaminação, ambos de junho de 1995.
19 HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, pp. 129 e 130.
20 A origem do Convênio de Aarhus se encontra também na Conferência interministerial regional convocada pela Comissão Econômica para Europa de Nações Unidas celebrada em Bergen em maio de 1990. Tratava-se de contribuir com a preparação da Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento que havia de celebrar-se em Rio de Janeiro em 1992.
21 MORENO MOLINA, Manuel. Puesta en funcionamiento del derecho comunitário del medio ambiente. Acceso a la información. Acceso a la justicia. In: Derecho medioambiental de la Unión Europea, Madrid: McGraw-Hill, 1996, pp. 141 e ss.
22 HERRERO DE LA FUENTE, Alberto. El derecho a la protección del medio ambiente y el articulo 37 de la Carta de derechos fundamentales de la Unión europea. In: La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión europea. Una perspectiva multidisciplinar. Zamora: Fundación Rey Afonso Henriques, 2003, p. 132.