Contribuciones a las Ciencias Sociales
Agosto 2013

A PROTEÇÃO JURÍDICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL NA FRONTEIRA BRASIL-URUGUAI



Cláuber Gonçalves dos Santos (CV)
clauber.rs@gmail.com
Universidade Federal de Pelotas



Resumo
A Constituição Federal de 1988 inovou em matéria de proteção ao patrimônio cultural, dispondo que esta proteção deverá ser feita da forma mais ampla possível e com participação social. Adotou um conceito amplo na linha de entendimento usada pela UNESCO, exigindo políticas públicas efetivas de preservação e proteção. Estes resultados só podem ser alcançados conhecendo-se o universo no qual estes bens estejam inseridos, assim como a comunidade destinatária destes bens. Cabe aos entes federados (por competência comum) – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – a adoção de normativas e políticas públicas preservacionistas. Estas ações merecem destaque frente aos bens fronteiriços, dado que estes são compostos de singularidades não presentes nas demais regiões do território – as influências culturais de povos vizinhos, em especial quando se tratar de bens considerados patrimônio binacional, como é o caso da Ponte Mauá localizada na fronteira do Brasil com o Uruguai. Neste caso, a proteção de bens como esse fica sujeita aos ditames legais de cada país e à política pública por eles adotada. No caso de exigência de políticas públicas pela via judicial há debilitação ante a limitação geográfica, exigindo novos modelos jurídicos para a efetivação dos direitos culturais - a criação de organismos internacionais compostos pelos países envolvidos, com recursos e personalidade jurídica própria, criados com intuito de responderem judicialmente pela proteção dos patrimônios culturais binacionais.
 Palavras-chave: patrimônio, cultural, Brasil, Uruguai, proteção



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Gonçalves dos Santos, C.: "A proteção jurídica do patrimônio cultural na fronteira Brasil-Uruguai ", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Agosto 2013, www.eumed.net/rev/cccss/25/brasil-uruguay.html

1. O PATRIMÔNIO CULTURAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988 trouxe como inovação na ordem jurídica a proteção do patrimônio cultural brasileiro, em nível constitucional, e o conceituou como sendo o conjunto de bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nele se incluindo as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (art. 216). Diz também a Constituição Federal no art. 216, § 1º que para esta realização, o Poder Público deverá contar com a colaboração da comunidade, devendo promover e proteger o patrimônio cultural por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, além de buscar outras formas de acautelamento e preservação. Disso denota-se que o constituinte de 1988 privilegiou a preservação e a proteção do patrimônio cultural nacional impondo a obrigação ao Estado em garantir que todos possam exercer os direitos culturais, bem como possam acessar ditos bens.
O conceito de patrimônio utilizado na Constituição Federal de 1988 é amplo, indicando uma riqueza que o Estado e a sociedade devem preservar, sem que haja perda do aproveitamento econômico. Este sentido amplo engloba as noções de riqueza, patrimônio moral, cultural, intelectual, da mesma forma que a UNESCO o empregou ao elevar as cidades de Ouro Preto e Olinda como patrimônios da humanidade.  Além disso, o modelo constitucional inaugurado a partir de 1988 com a Carta Magna traduz a necessidade de que a política de preservação não fique apenas encartada em dispositivos legais preservacionistas, mas sim que se efetive tanto por estes como por políticas públicas de preservação.
Neste sentido, Fonseca (1997, p. 30) sustenta que a condição necessária para que a preservação alcance os resultados que se espera é a de que se investigue em que universo se constitui este patrimônio, quais os critérios que alicerçam a preservação e a seleção dos bens que serão protegidos, quem são os membros da comunidade que justificam dita proteção e como o Estado atua nesta interatividade juntamente com a comunidade. Destaca ainda a autora que a preservação deve objetivar, ao final, a garantia do direito à cultura, esta entendida como matriz dos valores da comunidade (Nação). É que os valores expressos pelos bens culturais denotam os valores sociais reconhecidos constitucionalmente e que hoje justificam os chamados direitos fundamentais de 3ª geração ou dimensão, de titularidade difusa ou coletiva que, por vezes, é indefinida e indeterminável (NUNES, 2007, p. 33).
Por conseguinte, o modelo constitucional coloca a obrigação de preservar os bens culturais a todos os entes federados – União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, III), o que torna os entes federativos responsáveis pelas normativas protecionistas e pela execução de políticas de proteção dos bens culturais. Tais questões tornam-se imperiosas quando se trata de bens que estejam localizados em fronteiras. Nestas regiões, o tratamento jurídico dos bens culturais deve ser visto de forma diferenciada, haja vista que a fronteira possui suas peculiaridades e que não são encontradas em outros locais do território brasileiro. São as palavras de Heloisa Turini Bruhn (2007, p. 86): “Talvez a noção de fronteira seja interessante para apoiar estas reflexões. A fronteira não é um local topográfico fixo entre dois locais fixos (nações, sociedades, culturas); ela se constitui numa zona intersticial de deslocamento e desterritorialização que molda a identidade do sujeito hibridizado.

2. PATRIMÔNIO CULTURAL E AS REGIÕES DE FRONTEIRA
2.1. O PATRIMÔNIO CULTURAL E O SISTEMA NACIONAL DE CULTURA
A cultura, ao longo dos anos, vem sofrendo alteração de sentido no âmbito estatal. Quando se trata de bens fronteiriços  a questão também suscita reflexões que permeiam o que se entende por Estado e quão importante é para este a valorização dos bens culturais que se encontram nessas regiões. É de Peter Häberle a afirmação de que os Estados contemporâneos estão longe de serem modelos estáticos como outrora a Teoria do Estado os concebia – formação de povo, território e poder. Häberle (2003, p. 21) inclusive articula um dado novo para o modelo de Estado para o século XXI – o Estado Constitucional  - que utiliza a cultura como elemento necessário e indispensável para sua caracterização. São as suas palavras: “¿Acaso el territorio del Estado (y con él la “ estática” que implica) no se ha desvanecido desde hace tiempo, incluso disuelto, en los procesos dinámicos de una sociedad mundial de los medios, multinacional y abierta, en la cual todo parece moverse, extenderse y se encuentra menos “fijo” de manera permanente? En vista de la articulación supranacional del Estado constitucional de la actualidad, no podría quedar intocado por estos procesos el elemento del Estado llamado “ territorio”. Quizá pudiéramos dar una variación territorial y espacial al verso de Goethe: “La ley sola puede darnos libertad” : el ser humano, en su libertad fundamental, se precipitaría literalmente al vacío si no hubiera un terreno “ seguro”, culturalmente conformado, desde el cual pudiera extenderse al entorno. El Estado constitucional crea actualmente el marco óptimo para una libertad cultural ligada así al terreno, y su territorio constituye un “ elemento cultural” específico en el conjunto de sus valores fundamentales.
Nesta senda, portanto, refletir sobre qual o papel do Estado na proteção dos bens culturais perpassa pelo entendimento do que é um Estado politicamente organizado a partir da inclusão do elemento cultural com integrante da caracterização deste próprio Estado. Diz Häberle (2003, p. 23): “!El territorio del Estado es territorio culturalmente formado, un “ espacio cultural”, no un factum brutum. El concepto de la historia de J. G. Herder como “geografía puesta en movimiento” pudiera ser útil em este sentido. El poder del Estado, por su parte, debe concebirse como determinado de manera cultural, no actuando de manera natural, ya que, en el Estado constitucional, se encuentra fundado y limitado normativamente, y se halla al servicio de la libertad cultural”.
Estas observações põem de relevo a questão da identificação cultural do povo brasileiro nas regiões de fronteira e o marco territorial como um possível limitador da cultura e da preservação dos bens culturais ali existentes. É uma ambiguidade, inclusive, falar-se em fronteira, na medida em que a expressão indica espaço limitado, limite, e a partir dele é que se pode ir além do limite. Com este contexto, o patrimônio cultural localizado nas fronteiras dos países do Mercosul, fruto de conexões históricas construídas por guerras, miscigenações étnicas, linguísticas, religiosas e culturais, destaca-se por sua natural relevância. O patrimônio cultural ali existente, para que possa adquirir o caráter de permanência e manter a identidade do povo da fronteira, necessita de ações voltadas para uma proteção capaz de produzir resultados além-território, uma proteção comum realizada pelos países envolvidos, o que perpassa pela discussão e aprofundamento do papel dos institutos jurídicos protetores utilizados no Brasil e no Uruguai, e do Poder Judiciário destes países neste processo de salvaguarda dos bens culturais, em especial do uso do Tombamento.
Um dos problemas para se alcançar este êxito está no fato de que o Brasil tem atualmente 24 leis federais que tratam de patrimônio cultural – destacando-se o Decreto-lei 25/37, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, enquanto que no Uruguai são pouco mais de 10 legislações, destacando-se a Lei 14.040/71. Nelas, os diferentes diplomas legais tratam de matérias específicas, o que exige maior capacidade de harmonização das normativas. Em termos de legislação comum, Brasil e Uruguai firmaram em 1996 o “Protocolo de Integração Cultural do Mercosul”, o qual dispõe de iniciativas que ambos os Estados devem adotar para a promoção e educação no âmbito cultural. Como harmonizar estas normas no plano interno? Como o ordenamento pode responder de forma satisfatória ao desafio da proteção de patrimônios binacionais?
Esta problemática agrava-se no caso brasileiro porque todos os entes federados possuem competência para editarem normas de proteção ao patrimônio cultural, já que possuem competência comum – art. 23, III da Constituição Federal, o que aumenta a possibilidade de conflitos federativos ante a ausência de delimitação de atuação de cada ente federado (RODRIGUES, 2001, p. 174-191). Para estruturar a cultura e a proteção dos bens culturais foi criado pela Emenda Constitucional nº 71/12 o Sistema Nacional da Cultura, fruto de uma construção promovida entre os Poderes Públicos dos entes federados, sociedade civil e movimentos sociais. Este marco constitucional deixa claro, agora, quais as responsabilidades do Poder Público, como ocorre a participação social, quais as instâncias constitutivas e deliberativas, princípios regedores e como os entes federados devem atuar em relação aos bens culturais, em suma, qual o papel do Estado e da sociedade em relação à cultura e, portanto, em relação ao patrimônio cultural.
O Sistema Nacional de Cultura está organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, e institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais.  Este sistema fundamenta-se na política nacional de cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e rege-se pelos princípios da diversidade das expressões culturais, universalização do acesso aos bens e serviços culturais, fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais, cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural, integração e interação na execução, complementaridade nos papéis dos agentes culturais, transversalidade das políticas culturais, autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil, transparência e compartilhamento das informações, democratização dos processos decisórios com participação e controle social, descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações, ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura.
A necessidade de se estabelecer um sistema para os direitos culturais advém da sua natureza, pois são direitos que emergiram no início do século passado como direitos de terceira dimensão, dotados de intergeracionalidade e permeados por ideais de humanismo e solidariedade (Bonavides,1999, p. 518). Em nossa CF/88, os direitos culturais aparecem acompanhados dos direitos a saúde, previdência social, assistência social, educação e desporto, onde tais direitos são sistematizados a partir de valores como solidariedade, primado do trabalho, realização do bem-estar social e justiça social – a ordem social.
Grande parte da política de proteção ao patrimônio cutural federal, até então, estava baseada em financiamentos culturais, o que se deu pela criação do PRONAC – Programa Nacional de Incentivo à Cultura (Lei 8.313/91 – “Lei Rouanet”) onde se estabeleceu o incentivo aos projetos culturais regionais com a valorização dos agentes locais. Todavia, estes financiamentos eram centralizados junto Fundo Nacional da Cultura, ficando a cargo do Ministério da Cultura a liberação dos recursos para as ações culturais, havendo pouca atenção para o atendimento das questões fronteiriças.
 A complexidade que envolve os direitos culturais (pois que se referem à identidade, a memória, a formas de expressão, a modos de criar, fazer e viver, a manifestações artístico-culturais) denota que o exercício pleno destes direitos exige organização (ordenação) e articulação para que, ante a tal diversidade, possa-se fomentar e realizar estes direitos, a partir de ações conjuntas tramadas entre Poder Público e sociedade civil visando a uma canalização das sinergias presentes nas diversas manifestações culturais para tornar-se política de Estado na tutela da identidade brasileira e sua memória nas suas mais diversas formas de expressão.
Assim, o SNC é um sistema baseado na política nacional de cultura e nas suas diretrizes (art. 216-A, § 1º da CF), as quais estão dispostas no Plano Nacional de Cultura (Lei 12.343/10), onde se podem identificar as ações estatais nos mais diversos planos de atuação (em atos de promoção, incentivo, estímulo, garantia, qualificação, fomento etc). Percebe-se que o cânone do SNC está na cooperação e na participação, ou seja, o SNC só opera mediante ações conjuntas – pois que é um sistema normativo e de gestão - entre os envolvidos (entes federados, agentes culturais, conselhos, órgãos gestores) cada qual nas suas atribuições que, por conseguinte, são complementares e interdependentes, funcionando de modo a dar organicidade, coesão e uniformidade nas diferentes expressões deste direito, num processo conjunto e contínuo de economicidade, eficiência, equidade e efetividade na aplicação dos recursos públicos.
Em que pese o esforço da implantação do SNC, sua plena eficácia ainda depende de que se estabeleçam quais são as atribuições dos órgãos envolvidos, suas competências e composição, de modo a que se conheçam previamente quais são os limites e deveres estatais no plano cultural. Estas dificuldades acentuam-se quando se trata de proteger/preservar um patrimônio binacional, como é o caso da Ponte Mauá que liga o Brasil ao Uruguai. A ponte já é considerada Monumento Nacional do Uruguai e foi recentemente tombada pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, do IPHAN, como Patrimônio Cultural do Brasil, sendo recentemente declarada como patrimônio binacional. Então, em caso de exigências judiciais de conservação e restauro como evidenciar o alcance destas medidas quando outro Estado soberano está envolvido? São limites às decisões judiciais? Quais as alternativas de soluções para estes casos? Estados e Municípios também poderão ser responsabilizados?

2.2. A FRONTEIRA  E PATRIMÔNIO CULTURAL BINACIONAL
O reconhecimento do patrimônio binacional instaura um novo desafio. Neste caso, o patrimônio passa a ter dois titulares, o que os coloca em igualdade de direitos e obrigações. Sendo de titularidade de Estados soberanos, quais são seus direitos e obrigações? Como devem proceder na conservação e preservação do bem? Os tratados podem limitar estes direitos?
Em que pese todo o trabalho pioneiro desenvolvido pelo IPHAN na área de preservação do patrimônio cultural, inclusive na America Latina, toda a atuação estatal realizada através do Instituto mantém a proteção no campo das políticas públicas federais, encontrando como limitador o território federal e a dependência das políticas públicas construídas por acordos bilaterais. Cremos que é possível estabelecer, no caso do patrimônio cultural fronteiriço, um novo modelo de atuação quando este patrimônio tiver caráter binacional.  Trata-se de investigar os modelos jurídicos utilizados quando as partes integrantes podem gerenciar um bem comum havendo dois ou mais titulares. Qualquer exigência judicial tanto no Brasil quanto no Uruguai passará pela questão da posição dos tratados frente ao ordenamento jurídico destes Estados. O Brasil segue a teoria dualista de internalização destes diplomas, a qual apregoa que estes pactos não possuem eficácia interna enquanto não incluídos na ordem jurídica por veículo normativo próprio. Diga-se de outro modo, os Tratados somente possuem força interna se seu conteúdo for formalmente inserido no direito brasileiro. No Brasil a validade de um Tratado perpassa pelas fases de: a) Negociação (assinatura do tratado); b) Referendo, aprovação ou homologação, – a expedição do Decreto Legislativo pelo Congresso Nacional; c) Ratificação pelo Presidente da República, d) Promulgação por Decreto Presidencial para que vigência interna e, por fim, a e) Publicação – marcando o início da vigência interna (BRASIL, 2001).
Os Tratados no Uruguai são inseridos no ordenamento de forma semelhante, onde segundo a Constituição deste país cabe ao Presidente da República assiná-lo (Art. 168, 20) e submetê-lo para aprovação da Assembleia Geral (art. 85,7) com posterior devolução para sua ratificação (art. 168, 20). Vásquez 92001, p. 239) bem sintetiza o problema enfrentado pelos Estados ao afirmar, referindo-se ao Uruguai, que este “no tiene un texto que sostenga la regla de la superioridad normativa del derecho internacional o comunitario sobre la legislación local. (...) Como se ve, hay dos bloques nacionales con soluciones jurídicas distintas: 1) Argentina y Paraguay, otorgan primacía normativa a los tratados internacionales sobre las leyes; 2) Brasil y Uruguay, no aceptan tal primacía.
      Assim, como proceder com a tutela jurídica de um patrimônio cultural binacional diante dos modelos jurídicos adotados por Brasil e Uruguai? É que tanto a Constituição brasileira quanto a uruguaia não trazem a previsão de se estabelecer competências jurisdicionais supranacionais colocando ambos os Estados a dependerem de suas Cortes judiciais. Estas, segundo Vasquez (2001, p. 237), são as razões pelas quais o Tratado de Assunção não alcançou o êxito pretendido até agora, tendo como exemplo o fato de que todas as Comissões, Conselhos e Grupos de Trabalho no âmbito do Mercosul, se bem possuem alguma capacidade decisória, tem-na somente de natureza intergovernamental. 

  1.       Portanto, é preciso identificar as formas de efetivação de preservação do patrimônio cultural comum ao Brasil e ao Uruguai, a partir do estágio em que se encontra a legislação brasileira e uruguaia sobre a matéria, objetivando encontrar soluções jurídicas que independam apenas da iniciativa estatal, mais precisamente, do agir único e exclusivo do compartilhamento preservacionista instaurado com a chancela do patrimônio binacional, como no caso da Ponte Mauá. Em que pese o avanço no amadurecimento das políticas públicas comuns no âmbito preservacionista, a conservação de bens como este não pode depender da iniciativa conjunta dos Estados-partes, havendo a necessidade de se encontrar soluções capazes de realmente promover a preservação do bem ambiental ainda que sem a exclusividade dos Estados envolvidos.

Cremos que uma formas está na criação de uma organização supra-estatal. As organizações supra-estatais são consideradas modalidades de associação entre Estados soberanos que permitem uma maior integração, pois são constituídas pelos próprios Estados que abrem mão de parcelas de suas competências para a formação da nova entidade supraestatal (RUSSOMANO, 1989, p. 173; MELLO, 1997), possuindo personalidade jurídica e recursos próprios. A experiência brasileira e paraguaia com a criação da Usina Hidrelétrica de Itaipu evidencia uma forma adequada de compartilhamento de deveres e obrigações que não dependem diretamente da atuação dos Estados integrantes (CUNHA, 2012), o que pode ser aproveitado para a solução das controvérsias relacionadas ao patrimônio cultural de modo a não depender exclusivamente da atuação estatal – a adoção de políticas públicas bilaterais. Com isso, abre-se a possibilidade do manejo das ações judiciais aptas a enfrentar a questão da proteção do patrimônio cultural – a ação popular (art. 5º, LXXIII) e a ação civil pública (art. 129, III), ambas da Constituição Federal, visando a que os bens ambientais comuns possam ser impactados no espaço binacional em que se encontram sem a necessidade de se enfrentar as questões de soberania e limitação geográfica como marcos espaciais da jurisdição brasileira e uruguaia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem qualquer pretensão de esgotamento do tema ou respostas definitivas, as reflexões e alternativas aqui trazidas submetem-se ao crivo da necessidade de avanço na proteção do patrimônio cultural latino-americano, tanto mais quando este se caracteriza como binacional.
Se for certo que o patrimônio possui relevância jurídica nos ordenamentos contemporâneos, também é certo que a solução dos problemas que envolvem sua proteção ainda está para ser construída. Esta construção não pode negar a nova realidade brasileira. O Sistema Nacional de Cultura está inserido na Constituição Federal e representa um novo marco jurídico para o tratamento da proteção dos bens culturais, pois exige que todos os entes federados implantem mecanismos e órgãos que estabelecerão as diretrizes e ações no território brasileiro, o que afeta também os bens comuns nas regiões fronteiriças.

  1. O avanço do diálogo entre os Estados integrantes do Mercosul está exigindo novas soluções jurídicas para os problemas que a integração regional suscita, em especial a integração cultural fronteiriça, soluções essas viáveis capazes de dirimir ou evitar os conflitos interentes que o tema apresenta de modo atual e eficaz para o atual estágio de desenvolvimento jurídico dos Estados envolvidos, garantindo ao cidadão – real titular do patrimônio cultural – a possibilidade do manejo judicial de forma independente e inovadora.
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  3. REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, São Paulo, Malheiros, 1999.
BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº1480. Medida Cautelar, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-9-97, DJ de 18-5-01.
BRUHNS, Heloisa Turini; PAES-LUCHIARI, Maria Tereza D.; SERRANDO, Célia Maria de Toledo (orgs.)  Patrimônio, Natureza e Cultura, Campinas: Papirus, 2007.
CUNHA, Leopoldo Faiad. Itaipu: uma entidade sui generis. Disponível em http://publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/relacoesinternacionais/article/view/1378. Acesso em 10 de novembro de 2012
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil, Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997.
HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional: Tradução de Héctor Fix-Fierro, México: UNAM, 2003.
HIPHAN trabalha na consolidação de projetos para o Mercosul Cultural. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=16091&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia. Acesso em 10 de novembro de 2012.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Público. 1º volume, 11ª edição revista e aumentada. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
NUNES, Anelise Coelho. A Titularidade dos Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
REALE, Miguel. Questões de direito público. São Paulo: Saraiva, 1997.
RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Patrimônio cultural: análise de alguns aspectos polêmicos. Revista de Direito Ambiental, v. 21, p. 174-191, 2001.
RUSSOMANO, Gilda Maciel M. Direito Internacional Público. 1º volume. Rio de Janeiro: Forense, 1989.
VÁSQUEZ, Adolfo Roberto. Soberanía, supranacionalidad e integración: la cuestión en los países del Mercosur. Anuario de derecho constitucional latinoamericano. Buenos Aires: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2001.