Contribuciones a las Ciencias Sociales
Junio 2013

O ESTATUTO DA CIDADE E O (RE) PLANEJAMENTO URBANO



Carlos Alexandre Michaello Marques (CV)
prof.alexandre@mmpadvogados.com
Universidade Federal do Rio Grande




Resumo

O presente artigo tem por finalidade, apresentar a relação entre o Estatuto da Cidade e o Planejamento urbano, por intermédio dos instrumentos de Política Urbana disponíveis para aplicação nos municípios brasileiros. Pretende identificar os instrumentos e suas formas de atuação e, por consequência as soluções advindas da utilização dos meios tributários e financeiros visando uma cidade organicamente mais ativa sob aspecto social e ambiental. Evidenciar a necessidade do gestor público em assumir o compromisso de reordenação do espaço urbano para a sustentabilidade nas cidades. Para tanto foi utilizado o método descritivo, em pesquisa qualitativa, com abordagem bibliográfica e documental.

Palavras-chaves: Estatuto da Cidade; Gestão Urbana; Instrumentos Tributários; Instrumentos Financeiros;  Política Urbana.

Resumen

Esto artículo tiene como objetivo presentar la relación entre el Estatuto de la Ciudad y la planificación urbana, a través de los instrumentos de política urbana disponible para la aplicación en los municipios brasileños. Su objetivo es identificar los instrumentos y sus métodos de trabajo y por lo tanto, las soluciones derivadas de la utilización dos instrumentos fiscales y financieros destinados a los medios una ciudad ecológica más activa en los aspectos ambientales y sociales. Resalta la necesidad de que el administrador público en asumir un compromiso con la reordenación del espacio urbano para la sostenibilidad de las ciudades. Para ello se utilizó el método descriptivo, en el investigación cualitativa, con enfoque en la literatura y documentos.

Palabras clave: Estatuto de la Ciudad, Gestión Urbana, instrumentos fiscales; instrumentos financieros, Política Urbana.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Michaello Marques, C.: "O estatuto da cidade e o (re) planejamento urbano", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Junio 2013, www.eumed.net/rev/cccss/24/politica-urbana.html

Noções introdutórias

            Nas últimas décadas estamos diante de uma mudança de paradigma na qual um Estado eminentemente rural passou a ceder espaço a outro, desordenadamente urbano. As populações ante as enormes dificuldades enfrentadas no meio rural e a procura por novas oportunidades de vida e de crescimento profissional e econômico migraram em massa para as zonas urbanas que experimentaram um hipertrofia em todos os sentidos.
            Num primeiro momento a mão-de-obra foi rapidamente absorvida, em grande parte pela indústria de base, um tanto incipiente em um país de modernidade tardia como Brasil, que ainda formava seus operários, pois havia tempo disponível para isto, além de valorizá-los oportunizando moradia, escola para os filhos, dentre outras benesses, até então compatíveis com seus interesses econômicos modestos.
            Todavia, com os avanços tecnológicos e a adoção sistemática do modelo de produção, onde os antigos benefícios ofertados aos trabalhadores passaram a ser considerados como custos, além da absorção rarefeita daqueles advindo das zonas rurais, cresceram as exigências técnicas e com isso as populações passaram a viver não mais em habitações fornecidas, mas sub-habitações no entorno das cidades.
            O problema se tornou de gravidade tamanha que foi elevado a nível constitucional, pois na Assembléia Nacional Constituinte que culminou na Carta Magna de 1988, a preocupação com espaço urbano é marcante em seus artigos 182 e 183, Capítulo II denominado: Da Política Urbana constante no Título VII Da Ordem Econômica e Financeira.
            No mesmo sentido da preocupação constitucional, o legislador ordinário brasileiro disciplinou o artigo 182 na legislação pátria com a edição da Lei 10.257/01, o Estatuto da Cidade, linha mestra para promover a política urbana nos municípios. Dessa feita, algumas contribuições foram trazidas para um planejamento urbano consistente, com diversos impactos positivos na seara administrativa e legislativa transformando a realidade caótica existente.

O Estatuto da Cidade

            O Estatuto da Cidade surge como uma legislação de vanguarda, disciplinando o espaço urbano de uma maneira inovadora, com um enfoque diferenciado, pois trata-se de uma gestão plúrima. A ótica do referido diploma legal visa organizar a cidade, revolucionando o conceito de propriedade, não o tratando como algo em si mesmo, mas sim uma propriedade responsável, sustentável e dignificante. Nesse foco, a propriedade, acima de tudo, deve possuir uma função social, eis a grande tendência modificante em relação ao pensamento anterior trazido pela Constituição Federal de 1988. Assim, segundo Vanêsca Buzelato Prestes (2009, p. 36):

[...] a legislação constitucional e ordinária existente sobre o exercício da propriedade, condiciona-a ao atendimento da função social. Isto significa que, por quaisquer dos ângulos que se examine a questão, o exercício do direito de propriedade não comporta mais a visão privatista, aquela do antigo jus fruendi e abutendi individual, exclusivo e absoluto.

            Nota-se, claramente que o Estatuto acompanhou a tendência da Constituição Cidadã de 1988, voltada aos interesses coletivos em especial. Além de trazer consigo a obrigatoriedade da criação dos planos diretores participativos nas cidades que possuam mais de vinte mil habitantes e as com menos de vinte mil que estejam próximas de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas. Inclui-se também no segundo caso, as cidades próximas às áreas de interesse turístico, econômico ou ambiental.
            Assim, a "partir dessa dimensão constitucional, os planos diretores podem ser considerados como planos de gestão da cidade, sendo o ordenamento físico-territorial é apenas um dos elementos que integram essa atividade." (PRESTES, 2009, p. 124) Em síntese, o plano diretor nada mais é do que uma Lei Municipal que define metas e diretrizes nas áreas de habitação, meio ambiente e define também suas prioridades. Este, pode ser uma única lei ou um conjunto de leis que devem abarcar como será realizada a ocupação e uso do solo urbano, suas potencialidades e o que deve ser melhorado, como estabelecimento de áreas verdes, equipamentos comunitários e interesse social e ambiental.
            Além do mandamento de edição do plano diretor, a lei em comento apresenta um arsenal de ferramentas e outros mecanismos de gestão, como os institutos tributários e financeiros e os institutos jurídicos e políticos, que são de imensa importância na gestão sustentável das cidades, em especial como corretores dos graves problemas históricos de cunho urbanístico.

Instrumentos de Gestão Urbana

            O Estatuto das Cidades prevê em seu Capítulo II, os instrumentos da política urbana que estão dispostos no artigo 4º. Dentre eles destacam-se o já referido Plano Diretor, o parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, o zoneamento ambiental e os instrumentos de participação popular na gestão das cidades em um primeiro momento no tocante ao planejamento municipal.
            Retoma-se neste ínterim o papel do Plano Diretor como instrumento de gestão urbana contribuindo significativamente para uma cidade planejada com a participação popular. É importante que sejam delineadas as diretrizes, metas e objetivos para o município se desenvolva sustentavelmente e, além disto, dar voz àqueles que constroem o espaço urbano. Inevitavelmente serão necessárias outras leis especiais que o complemente em municípios onde o mancha urbana seja considerável ou mesmo naqueles em que os conflitos de urbanização sejam mais latentes. Corroborando com o tema, assevera Toshio Mukai (2006, p. 314) no sentido de que:

[...] a idéia de que tanto o planejamento como o plano sejam repensados, no sentido de que sejam concebidos como instrumentos de políticas alternativas de desenvolvimento urbano, onde a técnica esteja a serviço da realidade e não está como objetivo de alteração necessária e obrigatória num único sentido técnico.
Ainda, ao lado do Plano Geral, convém observar que deverão existir planos especiais e setoriais, tais como os de renovação urbana, de distritos industriais, de áreas de interesse ambiental ou cultural etc.
           
            Dessa feita é possível analisar que a tecnocracia deve ser afastada na construção/elaboração dos planos diretores e planos setoriais, pois a participação daqueles que vivem na cidade é muito mais contributiva que a de técnicos com visões externas e distantes da realidade fática. Assim como outro instrumento que está previsto e depende de parcela significativa da elaboração de um eficiente plano diretor é o parcelamento, uso e ocupação do solo urbano. O parcelamento do solo nos termos da Lei é subdividido em loteamento e desmembramento, ambos que de qualquer sorte põe fim ao crescimento desordenado ocorrido outrora no seio municipal.
Segundo Professor José Afonso da Silva (2008, p. 329) entende-se por "parcelamento do solo urbano o processo de urbanificação de uma gleba, mediante sua divisão ou redivisão em parcelas destinadas ao exercício das funções elementares urbanísticas." Após o exercício do parcelamento é mister efetuar a fiscalização do uso e da ocupação do solo, pois só diante do completo exercício do poder de polícia administrativo que o município poderá cumprir com sua função em prol da coletividade.
Neste sentido, na seara da fiscalização, seu exercício deve ser realizado através do Poder de Polícia Administrativa, onde o Município impõe limites à propriedade dos particulares com vistas ao bem comum, à coletividade. Todavia essa face do referido poder deve ser entendida como um verdadeiro Poder de Polícia Urbanística, Nesse sentido, Marques (2012, p. 01) desenvolvendo o tema ilustra que:

O conceito de imposição de limites aos particulares em nome do interesse público é a versão mais moderna acerca do poder de polícia. Quando ligado à concepção do Estado liberal o cunho finalístico segundo Di Pietro era “em benefício da segurança”. Na concepção atual de Estado, o poder supra, abrange uma gama superior de setores como patrimônio histórico, artístico e cultural, a segurança, o meio ambiente [...].

            Aliado ao parcelamento do solo urbano e da fiscalização no tocante as competências municipais em matéria urbanística, não se pode deixar de considerar o zoneamento ambiental, que é uma junção dos artigos 182, 183 e 225 da Constituição Federal, com um dos mais importantes instrumentos de gestão municipal urbana. Assim, é imperativo considerar o ensinamento do Professor José Afonso da Silva (2010, p. 271), o qual aduz que:

O zoneamento é um instrumento jurídico de ordenação do uso e ocupação do solo. Num primeiro sentido, o zoneamento consiste na repartição do território municipal à vista da destinação da terra e do uso do solo, definido, no primeiro caso, a qualificação do solo em urbano, de expansão urbana, urbanizável e rural; e no segundo, dividindo o território do município em zonas de uso. Foi sempre considerado, nesta segunda acepção, como um dos principais instrumentos do planejamento urbanístico municipal, configurando um Plano Urbanístico Especial.

            Ainda, essas zonas podem ser subdivididas, no entendimento do autor em tela, em zonas uso: estritamente residencial; predominante residencial; misto; estritamente industrial; predominantemente industrial; comercial; de serviços; institucional; especiais e de uso turístico. Essas classificações não podem ser entendidas de forma estanque, eis que a cidade é um organismo dinâmico onde as forças interagem e a transformam constantemente.
            De qualquer sorte não podem ser considerados os instrumentos supra, isoladamente, sem a participação popular na gestão do espaço urbano, eis que a coletividade, aqueles que de fato constroem o ambiente urbano, é a maior interessada na organização da cidade. (SILVA, 2010) Destarte, é notório que o sistema urbano e a gestão deste espaço devem ser considerados, nesse sentido, como um organismo dinâmico.

Instrumentos tributários e financeiros

            Os tributos são peças-chave na gestão do município. O Estatuto das Cidades prevê no artigo 4º, inciso IV em suas alíneas quais os institutos tributários e financeiros podem ser utilizados como instrumentos na organização da cidade. São mencionados basicamente: o imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – IPTU; a contribuição de melhoria e os incentivos e benefícios fiscais e financeiros.
            Estes instrumentos, normalmente vistos com aversão pela população, constituem uma forma de distribuição de renda, pois se prestam para a organização do espaço urbano e a proteção do meio ambiente juridicamente tutelável. O IPTU progressivo no tempo é tradução do que afirmamos, pois evita a especulação imobiliária, muito presente nos municípios e que é fator prejudicial em um universo real de centenas de pessoas residentes em submoradias. 
            O tributo em comento investe contra o cerne da questão, a ausência da função social da propriedade nas cidades brasileiras, embora tenham produzido diversas polêmicas acerca da constitucionalidade da progressividade do imposto, visto que a propriedade é considerada direito constitucional e sua violação, no entendimento de parte dos estudiosos e doutrinadores constituiria ofensa aos direitos e garantias individuais, tais premissas não se coadunam com o pensamento constitucional contemporâneo. Nelson Nery Costa (2012, p. 292) elucida esse procedimento, ao destacar que:

[...] O lançamento do IPTU é direto, sendo remetido ao contribuinte, já com o valor a ser pago especificado. É imposto real, direto e, agora, proporcional. Trata-se de importante fonte de recursos para o Município, além de constituir elemento de política urbana, pois gera cadastro de todos os imóveis prediais e territoriais da Cidade.

Evidente que este mecanismo não pode ser utilizado com o caráter de confisco, mas incidirá apenas nos imóveis que não atendam às determinações do plano diretor. O proprietário sempre será notificado a parcelar, edificar ou utilizar sua propriedade a fim de que ela cumpra com a sua função social.
Uma vez que atenda essas exigências, no prazo determinado, cessará a cobrança com caráter progressivo. Caso o proprietário não proceda à adequação do bem, permaneça a recusar-se em dar destinação para a propriedade, após cinco anos de cobrança, o município poderá desapropriar o imóvel. Trata-se de uma desapropriação diferenciada como aduz José Afonso da Silva (2008, p. 415) ao afirmar que:

[...] a desapropriação urbanística não consiste propriamente em um instrumento de transferência de imóveis de um proprietário privado a outro, público ou não - como observa Spantigatti -, mas um instrumento destinado a obter determinada utilização positiva desses bens, na forma prefixada pelas normas do plano urbanístico.

Outro instrumento importante é a Contribuição de Melhoria. Trata-se de um dos tributos mais transparentes em nosso sistema contributivo, pois impossibilita o desvio de verbas e superfaturamento de obras e, ainda é muito pouco na gestão municipal. Convém ressaltar que este tributo está tipificado no Código Tributário Nacional 1. Acerca do tema Nelson Nery Costa (2012, p. 290) aduz que:

A justificativa da cobrança se encontra no fato de que uma obra pública nova realizada pelo Poder Público e que resulta em valorização imobiliária, obriga o contribuinte a responder pela tributação do acréscimo patrimonial. Trata-se de tributo muito importante para os Municípios, mas que lamentavelmente, no Brasil, não encontrou respaldo e interesse para sua efetiva cobrança.

            Como se depreende das disposições codificadas e das palavras do autor em tela, os requisitos de validade deste tributo afastam qualquer tipo de obscuridade. É um tributo essencialmente social, que muito se adéqua ao desígnio do Estatuto da Cidade, em especial aos objetivos que visam e à defesa dos interesses da coletividade frente aos desmandos do Poder Público.
            Por fim, comenta-se acerca dos incentivos e benefícios fiscais e financeiros, os quais possuem tanto a função de fomentar o desenvolvimento da cidade como modificar condutas dos cidadãos em relação a própria gestão do espaço urbano como novos compromissários. É também de grande valia para a organização do município, pois pode atrair empresas gerando empregos dentre outros benefícios para a melhor gestão financeira e por consequência uma otimização do caráter social da urbanização municipal.

Considerações Finais

            Conforme destacado, o Estatuto da Cidade é uma legislação revolucionária, que uma vez bem aplicada, não só organiza o espaço urbano, mas também redistribui renda, aspira uma sociedade mais equilibrada. Trata-se de uma legislação essencialmente social voltada aos interesses coletivos, os colocando acima dos individuais que perduraram por décadas no processo de urbanização dos municípios.
            O plano diretor é o primeiro passo para o processo de organização dos municípios e, embora seja obrigatório apenas em circunstâncias determinadas, é de suma importância, de maneira que deveria estender-se a todos os municípios indistintamente, frente a um eventual crescimento demográfico que estes experimentem em razão de questões econômicas ou estratégicas como novas fronteiras de desenvolvimento do capital.
            De outra banda, aliados aos planos diretores seguem os demais instrumentos de gestão tendo sido aqui abordados em especial os tributários, os quais em consonância com os preceitos constitucionais adotados pelo Estatuto da Cidade – como não poderia deixar de ser – visam proteger os direitos e garantias fundamentais e redistribuir renda com o escopo de que tenhamos uma sociedade mais justa e solidária, ambientalmente sustentável.

Referências

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1 Art. 81 CTN - A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
Art. 82 CTN - A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos: I - publicação prévia dos seguintes elementos: a) memorial descritivo do projeto; b) orçamento do custo da obra; c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;
d) delimitação da zona beneficiada; e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas; II - fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação, pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior; III - regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial. § 1 - A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização. § 2 - Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integraram o respectivo cálculo.