Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


REFLEXÕES SOBRE SOCIEDADE, CULTURAS E FRONTEIRAS NO ESTUDO DA IMIGRAÇÃO HAITIANA EM FOZ DO IGUAÇU/PR

Autores e infomación del artículo

Fátima Regina Cividini *

Valdir Gregory **

UNIOESTE, Brasil

cividinifatima@hotmail.com

RESUMO: Este artigo é resultante da disciplina Sociedade, Cultura e Fronteiras: Fundamentos e enfoques interdisciplinares do Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Sociedade, Culturas e Fronteiras – Nível Mestrado. A metodologia baseia-se em uma revisão de literatura com o objetivo de trazer reflexões teóricas dos conceitos de Sociedade, Culturas e Fronteiras para a imigração haitiana na região de Foz do Iguaçu, cidade que faz parte da Tríplice Fronteira “Paraguai-Argentina-Brasil”, abrindo espaço para discussões a respeito do tema. As migrações acompanham a história da humanidade e transcenderam as necessidades de alimento, tornando-se uma necessidade social, econômica e política, um fenômeno atual e que traz transformação nas mais diversas áreas da sociedade. O imigrante é um ser que nasce quando atravessam as fronteiras nacionais, causando estranhamentos e conflitos perante a sociedade que o acolhe, pois vê no outro um ser mítico, diferente e que conflita com seus padrões e hábitos de vida e cultura.  Em 2010, um terremoto no Haiti fez com que os haitianos necessitassem sair de seu país em busca de oportunidades. Eles começaram a chegar no Brasil de forma tímida no final de 2010, atravessando diversas fronteiras até chegarem em seu destino na busca de emprego e possibilidade de reconstrução de suas vidas e de auxiliar seus familiares que ficaram no Haiti. O Brasil não era um destino escolhido pelos haitianos antes de 2010, e estudos apontam a presença das tropas de paz da ONU (MINUSTAH) e a familiaridade dos brasileiros com os haitianos como motivo desta escolha. Na tentativa da preservação de sua cultura, os imigrantes buscam em seus conterrâneos montar grupos – uma sociedade dentro de outra – e associações. Os relatos da Irmã Terezinha Mezzalira, responsável pela Casa do Migrante traz narrativas a respeito dos haitianos em Foz do Iguaçu. Os haitianos chegam em Foz do Iguaçu utilizando a Argentina e já conhecem os mecanismos para legalizar sua permanência no país através do pedido de refúgio. Na região Oeste, se organizam em associações para ajudar aqueles que recém chegam. Casos de racismo e xenofobia são parte dos conflitos encontrados, pelo fato de sua maioria ser da etnia negra e oriundos de um país da periferia mundial. No Brasil, encontram emprego em indústrias de alimentos e construção civil. Os conceitos de Sociedade, Culturas e Fronteiras se entrelaçam entre as discussões e trazem, dentro do olhar interdisciplinar, a necessidade de discussão do tema da imigração haitiana através de conceitos dentro de diversas áreas das Ciências Humanas na tentativa de explicar este fenômeno recente no país.
PALAVRAS-CHAVE: Haiti, Imigração Haitiana, Diáspora Haitiana, Migrações, Imigração.

ABSTRACT: This article is the result of the discipline Society, Culture and Borders: fundamentals and Interdisciplinary approaches The Interdisciplinary Postgraduate program in Society, Cultures and borders – Master degree. The methodology It is based on a literature review aimed at bringing theoretical reflections of the concepts of society, cultures and borders to Haitian immigration in the region of Foz do Iguaçu, a city that is part of the triple frontier "Paraguay-Argentina-Brazil", opening space for Discussions regarding the subject. Migrations Accompany the history of mankind and Transcended food needs, making it-If a social, economic and political necessity, a current phenomenon and that brings transformation into the most diverse areas of society. The immigrant is a being born when crossing national borders, causing strangeness and conflicts to the society that hosts him, because he sees in the other one mythical, different and that conflicts with his patterns and habits of life and culture.  In 2010, an earthquake in Haiti caused the Haitians to need to leave their country seeking opportunities. They They began to arrive in Brazil in a timid way at the end of 2010, crossing several borders until they reached their destination in the quest for employment and the possibility of rebuilding their lives and to assist their relatives who stayed in Haiti. Brazil was not a destination chosen by the Haitians before 2010, and studies pointed to the presence of UN peacekeepers (MINUSTAH) and the familiarity of Brazilians with Haitians as a reason for this choice. In the attempt to preserve their culture, immigrants seek their countrymen to assemble groups – one society within another – and associations. The reports of Sister Terezinha Mezzalira, responsible for the House of Migrants bring narratives regarding the Haitians at Foz do Iguaçu. The Haitians arrive in Foz do Iguaçu using Argentina and already know the mechanisms to legalize their permanence in the country through the request for refuge. In the western region, they organize themselves in associations to help those who have recently arrived. Cases of racism and xenophobia are part of the conflicts encountered, by the fact that they are mostly of the ethnic black and originating from a world periphery. In Brazil, they find employment in food and civil construction industries. The concepts of society, cultures and borders intertwine between discussions and bring, within the interdisciplinary look, the need for discussion of the Haitian immigration theme through concepts within various areas of the humanities in an attempt to explain this Recent phenomenon in the country.
KEY-WORDS: Haiti, Haiti Immigration, Haitian Diaspora, Migrations, immigration.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Fátima Regina Cividini y Valdir Gregory (2018): “Reflexões sobre sociedade, culturas e fronteiras no estudo da imigração haitiana em foz do Iguaçu/PR”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2018). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2018/01/sociedade-culturas-fronteiras.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1801sociedade-culturas-fronteiras


1 INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade, o homem é um ser migrante, seja por procura de alimentos ou para fugir de climas extremos, sempre buscando a sua sobrevivência. Com a agricultura e a formação das primeiras civilizações, entretanto, características e as necessidades da migração humana se transformaram, transcendendo as necessidades básicas, tornando-se uma necessidade social, cultural e econômica. Guerras, desastres ambientais, estudo e emprego foram alguns dos principais motivos que ao longo dos séculos motivou o homem a se deslocar e encontrar um novo local para reconstruir sua vida. Encontra-se reflexões semelhantes em Dias & Gonçalves (2007, p.16):

“Na história da humanidade sempre existiram deslocações de pessoas ou grupos dentro dos países e para fora destes. No entanto, as necessidades e as motivações deste fenómeno têm sofrido alterações associadas às rápidas mudanças ambientais, demográficas, socioeconômicas e políticas [...]”. (Dias & Gonçalves, 2007, p.16)

Para Baeninger (2016), a “imigração e a emigração fazem parte de um mesmo processo social, sendo um fenômeno que comporta transformações na esfera social, na dimensão econômica e cultural no local de chegada e partida.” Outra abordagem desta questão vem de Gregory (2002, p.40), apontando as “[...]transformações dos tempos modernos, profundas e contínuas como causa e efeito de migrações pelas próprias condições econômicas e sociais que criam e pela atuação do Estado burguês que as servem.”, e que “A pobreza seria a causa primordial da migração, principalmente quando ela não é aceita”
As migrações internacionais estão em evidência e correspondem cerca de 3% da humanidade, segundo dados da Organização Internacional para as Migrações, e isso corresponde a cerca de 200 milhões de pessoas no mundo. (Lussi, 2015). Weintraub et al (2014) acrescentam a perspectiva a respeito migrações como uma utopia de melhorar as condições de vida. Os motivos que levam ao processo migratório são variados, entretanto, na sociedade moderna, com o advento do capitalismo e a divisão social do trabalho, o homem busca no processo migratório melhores oportunidades de trabalho e renda no novo destino, conforme os estudos de Gregory (2002):

A utopia que move as pessoas a abandonar suas referências mais próximas, familiares, culturais, de propriedade e mesmo nacionais, é um ato pleno de desejo de um lado, e de repulsa de outro. O imigrante vive essa utopia e traz em si esta tensão, essa ruptura, que se expressa pelas mais diferentes formas e o impulsiona em direção ao desconhecido, ao mesmo tempo em que vislumbra no horizonte a possibilidade da construção do novo em que seu imaginário será sempre melhor do que a realidade vivida naquele presente histórico. (Gregory, 2002)

No Brasil, o processo de imigração iniciou com os portugueses que chegaram em torno de 1500. Segundo o IBGE (2000) “o Brasil foi capaz de absorver inúmeras nacionalidades e culturas ao longo de sua história”. E desde então, portugueses, italianos, alemães, judeus, japoneses entre várias nacionalidades escolheram o Brasil como destino.
A construção do conhecimento sobre processos migratórios do sujeito que vislumbra uma vida melhor no ato de migrar como um processo interdisciplinar pressupõe diálogos e interações constantes e que a diversidade das ferramentas teórico-metodológicas está representada pelas diferentes disciplinas. (Lussi, 2015)
Mediante a presença cada vez mais constante de haitianos na região Oeste do Paraná e principalmente em Foz do Iguaçu, torna-se necessário compreender as dinâmicas do processo desta imigração. O objetivo deste artigo é fazer reflexões,  contextualizando os conceitos de Sociedade, Culturas e Fronteiras para o estudo da imigração haitiana na região da tríplice fronteira, como estes conceitos podem auxiliar na compreensão dos processos de mobilidade humana e a interferência destes na vida dos imigrantes e a sociedade que os acolheu.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

O artigo aqui apresentado trata-se de uma revisão de bibliografia, que de acordo com Dyniewicz (2009, p.94) “é um estudo que utiliza vasta literatura para estudar e analisar aspectos diversos de um tema”, com caráter qualitativo baseado em Tozoni-Reis (2009), defendendo a ideia de que na produção do conhecimento sobre os fenômenos humanos e sociais, o importante é compreender e interpretar os estudos apresentados, e não apenas descrevê-los.
A metodologia de seleção e leitura de textos foi baseada em Severino (2007), que apresenta seis etapas para a construção do texto. Foram selecionados, primeiramente, os textos apresentados durante as aulas para uma leitura criteriosa, buscando o tema para a escrita do artigo e a necessidade de encontrar materiais adicionais para complementar a discussão e a reflexão a respeito do tema.
Foram apresentados os conceitos de Sociedade, Culturas e Fronteiras, e os termos para a construção do artigo dentro dos materiais apresentados em aula e materiais complementares, na tentativa de compreender os significados destes conceitos que os autores apresentam. Foram levantados os problemas relevantes para a reflexão e buscou-se compreender e interpretar as ideias, trazendo reflexões acerca do tema e contribuições para o estudo da imigração haitiana.

3 A DIÁSPORA HAITIANA

A partir de 2010, mais uma onda migratória tomou destaque nos meios de comunicação: a imigração haitiana. A imigração haitiana tornou-se evidente no Brasil a partir de 2010, após um terremoto na capital Porto Príncipe ter destruído a maioria das construções e estabelecimentos públicos. Mamed & Lima (2016) apresentam dados da situação pós desastre: 240 mil mortos, aproximadamente 1,5 milhão de desabrigados e uma grave epidemia de cólera.
Os motivos para os haitianos emigrarem para outros países foram políticos e econômicos. Os primeiros relatórios dos que emigraram para outros países da América apresentam que houve um grande fluxo para os Estados Unidos e República Dominicana a partir da década de 50, e são estimados que mais de 1 milhão de pessoas deixaram o Haiti entre 1957 a 1981, durante a ditadura de François Duvalier (1957-1891), como explica Albinson (2016):

Depois de Duvalier deslocar os militares estabelecidos para sua própria segurança, ele empregou a corrupção e a intimidação para criar sua própria ‘elite’. Corrupção na própria forma de governo, propina das indústrias, suborno, extorsão de negócios domésticos e roubo de fundos do governo – enriqueceu os mais próximos apoiadores do ditador. A maioria destes apoiadores mantiveram poder suficiente para permiti-lhes intimidar os membros da antiga elite que foram gradualmente incorporados ou eliminados. Ao mais sortudos foram-lhes permitidos emigrarem. (Albinson, 2016)

Fernandes & Faria (2016) apontam que o Brasil não era um roteiro incluído nas escolhas anteriores, e  a presença de tropas brasileiras no Haiti poderia ter contribuído para disseminar a ideia de um Brasil próspero e de oportunidades, e por acreditarem que no Brasil o processo de legalização seria mais “facilitado”.
De acordo com as pesquisas de Mamed & Lima (2016), os imigrantes que chegam ao Brasil o fazem por via terrestre, e buscam no país um emprego para auxiliar os familiares que ficaram no Haiti com remessas periódicas de dinheiro.
Dentre as fronteiras utilizadas pelos haitianos para a entrada no Brasil, uma delas é através da cidade de Foz do Iguaçu. A cidade segundo o site da Prefeitura Municipal (s.d), está localizada no extremo oeste do Paraná, na divisa do Brasil com o Paraguai e a Argentina. “Com cerca de 260 mil habitantes, Foz do Iguaçu é caracterizada por sua diversidade cultural. São aproximadamente 80 nacionalidades, sendo que as mais representativas são oriundas do Líbano, China, Paraguai e Argentina.”
Albuquerque (2011) e Rabossi (2011) analisam que a fronteira é algo complexo, não se resumindo a limites, divisas, tratados diplomáticos e nem podem ser simplificada como o lugar do narcotráfico ou contrabando, e a tríplice fronteira como uma região interconectada e caracterizada pela diversidade cultural por causa das diferentes nacionalidades que ali vivem, articulada transnacionalmente e movida por fluxos de produtos e pessoas.

 

4 OS FENÔMENOS SOCIAIS EM SOCIEDADE, CULTURAS E FRONTEIRAS

A discussão do fenômeno social coloca o ser humano como elemento chave, e a discussão em sociedade, Culturas e fronteiras como elemento unificador. É um fenômeno social, conforme as análises de Weber (apud Giddens, 2005)

Nas ciências sociais, interessamo-nos por fenômenos cuja compreensão empática constitui tarefa de tipo especificamente diferente daquelas que os esquemas das ciências naturais podem e se propõem a executar. (Giddens, 2005)

O fenômeno social enquanto objeto interdisciplinar, não parte do pressuposto a partir do que ele representa ser, mas a partir do que ele é. A delimitação que se quer fazer a respeito da interdisciplinaridade não é para reduzir, mas para focar olhares diferentes para o mesmo objeto, nem separar os conceitos em disciplinas isoladas, mas no sentido de compreender que a sociedade Culturas e fronteiras abordam elementos e principalmente os fatos sociais que abordam situações que não são simples de resolver.
Weber reconhece que as ciências sociais estudam fenômenos espirituais ou ideais, que constituem características especificamente humanas que não existem no objeto temático das ciências naturais. (Giddens, 2005)

 

4.1 A SOCIEDADE E O IMIGRANTE

Giddens (2005) em seus estudos das obras de Marx, Durkhein e Weber procura compreender o conceito de sociedade. Segundo Marx, todas as formas de sociedade se caracterizam por uma soma de forças produtivas, por uma relação historicamente criada dos indivíduos entre si com a natureza, que cada geração herda da sua antecessora.
Durkheim (apud Giddens, 2005) mostra que a sociedade não é apenas um agregado de indivíduos, mas antes um ser cuja a existência é anterior à aqueles que compõem hoje, e que lhes sobreviverá; que os influencia mais do que eles a influenciam e que tem vida e consciência própria, os próprios interesses e destino.
Entretanto a sociedade, para Weber (apud Giddens, 2005) nunca mais é do que as interações múltiplas dos indivíduos num determinado meio, e assume assim uma identidade própria e reificada, como se de uma unidade ativa com uma consciência própria se tratasse. Gonçalves (2002) apresenta reflexões entre a indissociabilidade do ser e estar para a sociedade:

É preciso considerar que cada sociedade é, antes de tudo, um modo próprio de estar-junto, o que implica sempre, que toda sociedade ao se instituir enquanto tal o faz construindo o seu-espaço não cabendo, pois, uma separação entre o social e o geográfico, separação esta que, num segundo momento lógico, serve para estabelecer uma relação de causalidade seja da sociedade para o espaço, seja do espaço para a sociedade. O ser social é indissociável do estar. (Gonçalves, 2002, p.229)

Dentro desses conceitos de sociedade, entendemos por um grupo formado com características próprias – onde o conceito de sociedade mescla com o de cultura – dentro de um território – onde o conceito de sociedade mescla com as fronteiras.
Podemos encontrar em Sayad (1991) o conceito de sociedade de imigração como algo passageiro, instável, provisório, que não lhe garanta o mesmo status de membro da sociedade onde o imigrante está inserido:

A sociedade de imigração que, embora tenha definido para o trabalhador imigrante um estatuto que o instala na provisoriedade enquanto estrangeiro e que assim, nega-lhe todo o direito a um presença reconhecida como permanente, ou seja, que exista de outra forma que não na modalidade do provisório contínuo e de outra forma que não na modalidade de uma presença apenas tolerada, consente em tratá-lo, ao menos enquanto encontra nisso algum interesse, como se esse provisório pudesse ser definitivo ou pudesse se prolongar de maneira indeterminada. (Sayad, 1991, p.46)

O imigrante haitiano busca no Brasil a oportunidade de trabalho e de poder auxiliar a família que ficou no país de origem. Giddens (2005) faz apontamentos a respeito da relação dos processos de mobilidade humana e a divisão do trabalho dissertada nas obras de Marx. A relação entre o imigrante, o trabalho e o seu “papel” na sociedade é compreendida por Sayad (1991):

Um imigrante só tem razão de ser no modo do provisório e com a condição que ele se conforme ao que se espera dele; ele só está aqui e só tem sua razão de ser pelo trabalho e no trabalho; porque se precisa dele, enquanto se precisa dele, para aquilo que se precisa dele, e lá onde se precisa dele. (Sayad, 1991, p.55)

Os haitianos buscam na região de Foz do Iguaçu – incorporando as pequenas cidades brasileiras ao redor – e no Oeste do Paraná oportunidades de emprego nas indústrias de alimentos. Em visita à Casa do Migrante em janeiro de 2017, a responsável pelo estabelecimento, Irmã Terezinha, relatou que os haitianos chegaram em Foz do Iguaçu já tendo o conhecimento através dos conterrâneos já residentes no Brasil, que esta região possui indústrias de alimentos, e que elas estavam contratando mão de obra para as linhas de produção.
A Casa do Migrante é um órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego que busca garantir os direitos dos trabalhadores brasileiros em terras estrangeiras e também faz o papel de acolhimentos daqueles que chegam querendo oportunidades de emprego no Brasil.

4.2 AS CULTURAS E O OLHAR SOBRE O OUTRO

Geertz (1989) aponta que estudar a cultura, a totalidade acumulada em tais padrões, é o estudo da maquinaria que os indivíduos ou grupos de indivíduos empregam para orientar a si mesmos num mundo de que outra forma seria obscura. Ortiz (1998) aponta que o estudo da cultura não se deve ter uma visão generalista, e acreditando que nem sempre o conceito de cultura é um conceito único para sociedade:

Uma discussão sobre cultura deve levar em consideração o ritmo histórico, pois há ocasiões em que certos problemas se colocam para uma parcela de pessoas, mas que não possuem ainda uma abrangência tal para se imporem à sociedade como um todo. (Ortiz, 1998, p.13)

O conceito de cultura, conforme os estudos de Geertz (1989) é auxiliar-nos a ganhar acesso ao mundo conceitual no qual vivem os nossos sujeitos, de forma a podermos, num sentido um tanto mais amplo, conversarmos com eles. “A análise cultural é (ou deveria ser) uma adivinhação dos significados, uma avaliação das conjeturas, um traçar de conclusões explanatórias a partir das melhores conjeturas. ”
A cultura é também uma forma de controle de comportamento, pois estabelece o comportamento em determinada sociedade, ela cria e recria comportamentos. Cultura é o que produz sentido simbólico a uma civilização ou indivíduo, a partir de uma manifestação, conforme exemplifica Geertz (1989):

Os atos culturais, a construção, apreensão e utilização de formas simbólicas, são acontecimentos sociais como quaisquer outros; são tão públicos como o casamento e tão observáveis como a agricultura. (...) os padrões culturais possuem o traço genérico primordial, representando fontes extrínsecas de informações. (Geertz, 1989, p.68)

Tratando-se do cultura de fronteira, analisada por Cardin (2014) pode ser entendida como um universo cosmológico produzido pela intersecção de diferentes dimensões sociais existentes e plasmada entre os diversos processos históricos que formatam as conjunturas das fronteiras.
Tomamos como exemplo os estudos de Sayad (1991) que mostra, através relatos dos imigrantes argelinos na França, o choque entre as culturas de cada país e como os filhos dos imigrantes absorvem rapidamente os traços culturais da sociedade em que vive.
Marx (apud Giddens, 2005) acredita que cada indivíduo é, pois, o receptáculo da cultura acumulada pelas gerações que o precederam, e cada indivíduo, pela interação com o mundo natural e social em que vive, contribui para modificar mais o mundo da experiência de todos os outros. Entretanto, Durkheim define que os ideais e os sentimentos que constituem a herança cultural dos membros de uma sociedade são impessoais, isto é, desenvolvem-se socialmente, e não são fruto nem a propriedade de indivíduos específicos.
A diferença comportamental entre os filhos dos imigrantes e familiares mais velhos oriundos do país de origem causa estranheza dentro do próprio lar. Estes filhos que nasceram no país de destino ou vieram ainda pequenos se tornam cada vez mais semelhantes à sociedade de imigração, e isto causa conflitos familiares quanto aos valores.
Goodenough (apud Geertz, 1989) traz outro conceito de cultura, onde a “cultura de uma sociedade consiste no que quer que seja que alguém tem que saber ou acreditar a fim de agir de uma forma aceita pelos seus membros. ” Os filhos dos imigrantes descritos por Sayad (1991) buscam a aceitação nesta nova sociedade absorvendo comportamentos, valores, preceitos e até religiões predominantes nela.
Oliveira (2006) aponta que por mais que hajam mecanismos e organismos para a manutenção da cultura do povo imigrante, tudo indica que as segundas gerações e as seguintes não teriam condições de se manter infensas à ação das etnias dominantes.
Apesar dos haitianos e seus filhos terem uma bagagem cultural do seu país, irão absorver o modo de vida da sociedade em que ele está inserido através do contato constante com a população local e os espaços coletivos. Isso vai de encontro as palavras de Ortiz (1989), que descreve a memória coletiva como “um conjunto de lembranças ativas pelo filtro do presente. Elas constituem assim um patrimônio que, vivenciado por um grupo de pessoas, se atualiza no momento de cada rememorização. ”
Entretanto, alguns imigrantes conseguiram trazer sua família, e com elas vem a necessidade de escolarização das crianças e adolescentes e a necessidade de se comunicar e se fazer entender em um novo idioma, o português. Bourdieu (2008) aponta que o paradoxo da comunicação é que ela supõe um meio comum, mas que só tem êxito ao suscitar e ressuscitar experiências singulares, isto é, socialmente marcadas.
O Haiti possui duas línguas oficiais o francês, língua trazida com os colonizadores e o crioulo haitiano, língua que é uma mistura entre o francês e os vários dialetos de origem africana, falada pela maioria dos haitianos. Neste caso, a língua pode ser contextualizada tanto entre o conceito de cultura – pois a língua faz parte da cultura e da identidade de um povo – e pelo conceito de fronteira, pois o imigrante pode considerar a língua uma fronteira na adaptação no novo país.
De acordo com os estudos de Pimentel et al (2016), o crioulo é a língua da revolução que instituiu, de um só golpe, três feitos históricos, a primeira república negra da humanidade, a primeira libertação dos escravos negros do mundo colonial e a primeira nação formada por ex-escravos. (...) O caso do Crioulo haitiano se revela como um modelo de superação e, ao mesmo tempo, um exemplo de como a supremacia de interesses políticos na sociedade haitiana dita os contornos educacionais e socioeconômicos da população e, consequentemente, a desigualdade de classes sociais existente no Haiti como um todo.
A religião é outro aspecto da cultura do Haiti, e esta tem tanto peso na construção histórica do país quanto a língua. Albinson (2016) mostra que o Catolicismo Romano é a religião oficial do Haiti, entretanto, o Vodu pode ser considerado a religião nacional. “A maioria dos haitianos acreditam e praticam alguns aspectos do Vodu. A maioria dos seguidores do Vodu acreditam que esta religião pode coexistir com o catolicismo. Entretanto, a maioria dos protestantes se opõem fortemente ao Vodu.”
O Vodu haitiano, por causa de falsas concepções, trazem percepções negativas a respeito do seu sistema de crenças e seus praticantes. Os praticantes do Vodu, segundo Albinson (2016) não se sentem em uma religião à parte, mas sim integrantes do Catolicismo. A crença do Vodu é acerca dos espíritos da família, frequentemente chamados de loua ou mistè.
Os loua protegem as crianças dos infortúnios e em troca, os familiares alimentam os loua com rituais incluindo comidas, bebidas, entre outros presentes que são ofertados aos espíritos. Estes espíritos não são provenientes da natureza, mas sim antropomórficos, podendo ser classificados em bons, ruins, caprichosos ou exigentes. Geralmente são ancestrais da família que presta o culto, e que eles tem a capacidade de proteger os familiares do mal. Albinson (2016) mostra a importância do Vodu no processo de independência do Haiti:

De acordo com os relatos da rebelião que tem sido relatado ao longo dos anos, François-Dominique Toussaint Louverture ajudou a traçar a revolta, embora esta alegação não apresente fundamentação documental. (...) A rebelião de escravos finalmente derrubou o sistema colonial. (...) Entre os líderes da Revolução foram Boukman e o sacerdote Vodu. (...) Estes líderes selaram seu pacto com uma cerimônia Vodu, conduzida por Boukman em Cayman no início de agosto de 1791. Em 22 de agosto, um pouco mais de uma semana pós a cerimônia, a revolta de seus seguidores negros começou.

Segundo o relato da Irmã Terezinha, os haitianos que passaram pela Casa do Migrante apresentam uma religiosidade que transcende as denominações religiosas, e que a conexão com Deus é profunda. Eles se reúnem para cultos, entretanto, não possuem uma religião definida nos moldes padronizados.

4.3 AS DIVERSAS FRONTEIRAS

Tradicionalmente a fronteira nasce de limite de versus ação do Estado. Uma das linhas definidas está associada ao Estado que pretensamente a possui. Antes de começar a discussão de fronteira, é importante conceituar os espaços humanos, que para Gottmann (apud Arriaga-Rodriguez, 2014) é o espaço geográfico ocupado e transformado pelas comunidades humanas:

O conceito de espaço humano faz referência ao espaço geográfico ocupado e transformado pelas comunidades humanas. Este espaço é limitado, no sentido que só é acessível em função da tecnologia que se dispõem os grupos sociais. O espaço humano estende seus limites com o desenvolvimento constante das capacidades técnicas. O espaço geográfico que não está acessível aos grupos humanos não gera nenhuma disputa, mas quando as sociedades adquirem a tecnologia necessária para chegar a este espaço, começam a dividi-lo, dando origem as disputas e reinvindicações territoriais que conhecemos. (Gottmann apud Arriaga-Rodriguez, 2014, p.17)

Albuquerque (2014); Cardin & Colognese (2014) expõem e analisam a fronteira como um campo inusitado de produção de novos sentidos e de abertura para o uso de várias metáforas, são construídas através da interação humana e se fazem presente de forma indireta quando as reflexões buscam explorar questões vinculadas à soberania ou as relações internacionais.
As relações culturais na fronteira, para Schallenberger (2014), começam a ter expressão na medida em que se estabelecem formas de contato entre povos ou grupos étnicos que passam a interagir espacialmente, produzindo processos de diferenciação. Podemos encontrar reflexões semelhantes em Oliveira (2006):

É assim que em ambos dos lados da fronteira pode se constatar a existência de contingentes populacionais não necessariamente homogêneos, mas diferenciados pela presença de indivíduos pertencentes a diferentes etnias, sejam elas autóctones ou indígenas, sejam provenientes de outros países pelo processo de imigração. Ora, isso confere à população inserida no contexto de fronteira um grau de diversificação étnica que, somado à identidade natural ou conquistada do conjunto populacional de um e de outro lado  da fronteira, cria uma situação sociocultural extremamente complexa. (Oliveira, 2006)

O imigrante haitiano atravessou várias fronteiras para chegar até o Brasil. Além das fronteiras físicas e delimitadas pelos Estados, ao chegar no país de destino, enfrentou a fronteira da língua, dos costumes regionais, do preconceito e da burocracia para a legalização da sua permanência e de fato, Sayad (1991) compreende que o imigrante só existe na sociedade que assim o denomina a partir do momento em que atravessa suas fronteiras e pisa em seu território; o imigrante “nasce” nesse dia para a sociedade que assim o designa.
Os haitianos que chegaram em Foz do Iguaçu vieram pela fronteira da Argentina, segundo o relato da Irmã Terezinha. Muitos foram logrados por taxistas, que cobravam em torno de R$200 a R$500 reais para atravessarem a fronteira. Em um caso, um dos imigrantes chegou com marcas visíveis de agressão, e segundo o relato apresentado, a agressão ocorreu em solo argentino.
Villen (2016) acrescenta que o deslocamento entre países, em geral, é preparado com muitos sacrifícios, implica renúncias e uma alta dose de coragem, pois exige muito em termos financeiros e também emocionais.
O haitiano que chega ao Brasil necessita encontrar redes de apoio que o auxiliem na legalização de sua permanência. Em Foz do Iguaçu, a Casa do Migrante desenvolve o papel de orientação quanto aos documentos necessários para o visto permanente e a possibilidade de ter um CPF (Cadastro de Pessoa Física) e uma carteira de trabalho na Polícia Federal. A burocracia para conseguir os documentos é considerada uma fronteira a superar.
Os haitianos chegavam a ficar em torno de uma semana aguardando a conclusão do processo, e com isto havia a necessidade de acolhimento destes imigrantes durante este tempo, e muitos não tinham condições financeiras de permanecerem em hotéis, hostéis ou outros locais pagos.  Costa (2014), entende que a fronteira não é apenas um recurso econômico para seus moradores, mas também como um recurso social a partir do qual se formam redes de solidariedade e parentesco que atravessam os limites nacionais. Atualmente, com a flexibilização da emissão de vistos, podendo este ser feito em Porto Príncipe, os haitianos podem chegar ao Brasil já de forma legalizada e podendo encontrar empregos com carteira assinada, garantindo seus direitos.
Outra fronteira – esta requer mais tempo e dedicação para ser superada – é a língua. O haitiano é bilíngue, característica do país de origem ter duas línguas oficiais – o francês e o crioulo. O crioulo foi admitido como língua oficial em 1987, sendo ensinado nas escolas e constando nos documentos oficiais do governo. Entretanto, alguns imigrantes que chegam ao Brasil possuem, além delas, pouca compreensão do espanhol, o que em alguns casos facilita a comunicação.
Para o imigrante que chega ao Brasil, o domínio do português significa maior interação com a população, e amplia as oportunidades de emprego podendo assim, garantir a subsistência dos familiares que ficaram no Haiti e/ou conseguir trazer o cônjuge e filhos para o Brasil.
Oficialmente, o português é o idioma oficial do Brasil, a língua “legítima”, dominada pela maioria dos brasileiros. Bourdieu (2008, p.48) interpreta a  língua legítima como “uma língua semiartificial cuja manutenção envolve um trabalho permanente de correção que se incumbem tanto aos locutores singulares como as instituições especialmente organizadas para esta finalidade”.
Entretanto, o português sofreu e sofre constantes variações, incorporando palavras e expressões derivadas de outros idiomas trazidos pelos imigrantes que vieram anteriormente e pelos indígenas e isto pode ser um fator que interfira na comunicação entre brasileiros e haitianos. A comunicação, a linguagem e o discurso, para Carvalho (2012),  ocupam um lugar de extrema relevância por estarem tanto no cerne das relações produtivas quanto ligadas à construção da identidade social, cultural e política dos indivíduos.
Os haitianos que buscaram a Casa do Migrante para auxílio pouco ou nada sabiam do português, e o órgão encontrou dificuldades de comunicação por não ter um intérprete no local para comunicação. Os imigrantes entregavam a documentação, e a Irmã Terezinha – por sua experiência profissional – entendia que eles buscavam o visto para permanecerem no Brasil.
Entretanto, as fronteiras não visíveis, ou não delimitadas pelo Estado mais perigosas enfrentadas pelos imigrantes haitianos no Brasil é a xenofobia e o racismo. O fato de serem de maioria negra e oriundos de um país considerado “periferia mundial” traz impressões negativas a respeito daqueles que buscam oportunidades de crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional. Oliveira (2006) aponta que além dos mecanismos mudos do mercado, que por si só atuam de modo a colocar esses imigrantes nos serviços menos qualificados, observa-se um mundo de representações negativas que marcam o etnicismo nacional frente aos imigrantes de um modo geral.
O migrante é um ser que causa estranhamento, e se torna quase um ser mítico para a sociedade que o acolhe. Ferreira (1999) acrescenta que ao romper com os vínculos originais e tentar reconstruir sua vida em outro lugar, o migrante surge como nosso companheiro mítico, pois seu envolvimento reflete uma exigência que é feita a todos nós, já que precisamos romper os liames originais para nos afirmarmos enquanto agentes do campo do outro.
Este estranhamento pode trazer consigo casos de racismo, xenofobia e intolerância, como foi o caso que ocorreu em Foz do Iguaçu-PR. Cividini & Gregory (2016) relatam que um estudante da Universidade da Integração Latino Americana (UNILA) foi agredido à garradas quando ia para Cascavel – PR. Agressão impulsionada – além do racismo e xenofobia – intolerância política, pois neste período estava tramitando no Congresso Nacional o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. O caso foi divulgado em sites de notícias e trouxe repercussões, como o protesto de moradores de Foz, uma nota em uma rede social da ex-presidenta repudiando o ocorrido e a vinda do embaixador do Haiti para a UNILA.
Infelizmente, apesar da construção da identidade brasileira ser definida por vários grupos étnicos e ondas migratórias desde o século XVI, ainda há a visão do imigrante como um cidadão de segunda classe, o que afirma Villen (2016) sem dúvida a figura do imigrante, em particular de proveniência de países periféricos, será muito exposta tanto à exploração do trabalho, quanto à discriminação, ou mesmo, manifestações de xenofobia.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil é formado por várias ondas migratórias, que auxiliaram a construir o que temos hoje como identidade nacional. A imigração haitiana no Brasil vem sendo noticiada e estudada, de forma expressiva, a partir de 2010 com o terremoto na capital Porto Príncipe. Entender e contextualizar estes conceitos aqui apresentados contribui encontrar de que formas a Sociedade, a Cultura e as Fronteiras interferem na vida destes imigrantes, fomentando discussões a respeito desta nova onda migratória.
Os estudos deste artigo em Sociedade, Culturas e Fronteiras trazem reflexões destes conceitos na vida dos imigrantes haitianos que vieram para o Brasil a partir de 2010, impactando diariamente no cotidiano daquele que busca no país condições de vida melhores.
O imigrante haitiano chega ao Brasil buscando uma oportunidade de emprego e de poder enviar dinheiro para auxiliar os familiares que permaneceram no Haiti. Os que chegaram na região Oeste do Paraná já tinham conhecimento das oportunidades de emprego na indústria de alimentos, e viram em Foz a porta de entrada para o Brasil.
As informações a respeito dos haitianos que chegaram ao Brasil através de Foz do Iguaçu puderam ser colhidas através do relato da Irmã Terezinha, responsável pela Casa do Migrante. Segundo seu relato, os haitianos já tinham conhecimento de que a Casa do Migrante poderia auxiliar na orientação de documentos para a legalização de sua permanência no Brasil, e alguns tinham como destino as cidades vizinhas à Foz para trabalharem nas indústrias alimentícias.
Na tentativa de preservação de sua cultura, o haitiano a procurar outros que sejam seus conterrâneos, podendo-se dizer assim que, através do compartilhamento dos costumes entre uma parcela da população, cria-se uma sociedade dentro de outra, esta última que já está em vigor, delimitada e organizada pelo Estado.
O imigrante “nasce” quando transcende a fronteira do outro, e as diferenças culturais podem causar estranhamentos e olhares negativos quanto à aquele que está chegando no país de destino. Esses estranhamentos – podendo ser culturais, linguísticos, étnicos, religiosos etc. – podem desencadear processos de racismo e xenofobia, principalmente se este imigrante for de origem de países da periferia mundial, como é o caso do Haiti.
Além dos estranhamentos provenientes da sociedade que recebe o imigrante, há a diferenciação dos imigrantes e dos filhos que nascem e/ou crescem no país de destino, pois estes absorvem e incorporam as características da sociedade dominante e se diferenciam de seus pais, podendo não mais reconhece-las como suas.
Apesar da vontade de alguns imigrantes em criarem mecanismos e associações para a preservação da cultura de seu país de origem e a transmissão desta para seus descendentes, é quase impossível a cultura dominante – ou seja, a cultura do pais de destino, neste caso o Brasil – influenciar o cotidiano destes imigrantes, seja no comportamento, na língua, nos costumes, valores morais e éticos.
O conceito de fronteira pode ser contextualizado tanto nas fronteiras impostas pelo Estado no processo de legalização da sua permanência no Brasil que o haitiano enfrenta ao pisar em solo brasileiro, quanto no estranhamento que causa aos moradores locais. A língua, que ao mesmo tempo pode ser entendida como cultura e identidade de um povo, também pode ser interpretada pelo imigrante uma fronteira quando ele necessita se comunicar – de forma verbal ou escrita – para conviver com a sociedade onde ele está inserido e poder se desenvolver pessoalmente e profissionalmente.
Os brasileiros passaram a conviver diariamente com um novo idioma, uma nova cultura e novos olhares sobre o meio que os cerca. O idioma ainda é considerado uma fronteira a ser ultrapassada, pois o domínio do português ou o fazer-se compreender no idioma local contribui para a conquista no mercado de trabalho.
Apesar do Brasil ser considerado um país multiétnico, o racismo e a xenofobia encontram-se inseridos na sociedade, onde a violência – física e verbal – é justificada de forma errônea pela visão do imigrante como um cidadão temporário, expatriado e sem os mesmos direitos humanos que o brasileiro nato. Essa mesma justificativa é utilizada para a exploração da mão de obra em situações degradantes e sem o acesso as leis trabalhistas, sendo ainda essa uma fronteira importante a ser derrubada.

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*Mestranda do Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Sociedade, Culturas e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Área de concentração: Sociedade, Culturas e Fronteiras. Linha de pesquisa: Território, História e Memória. E-mail para contato: cividinifatima@hotmail.com
** Pesquisador na área de migrações. Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Docente do PPG Interdisciplinar em Sociedade, Culturas e Fronteiras – Nível Mestrado e Doutorado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).

Recibido: 23/11/2017 Aceptado: 17/01/2018 Publicado: Enero de 2018



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