Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A ALMA DOS OBJETOS DE MUSEUS E DOS LUGARES DE MEMÓRIA EM CIDADES BRASILEIRAS

Autores e infomación del artículo

Helen Kaufmann Lambrecht *

Milena Behling Oliveira **

Daniel Maurício Viana de Souza ***

Diego Lemos Ribeiro ****

Universidade Federal de Pelotas, Brasil

hklmuseologa@gmail.com

RESUMO
Este estudo aborda os conceitos de alma dos objetos e dos lugares. Trata-se aqui, dos objetos de museus e dos lugares que evocam memórias, inserindo esses conceitos em contexto museal. Nesse artigo, traremos como exemplos para o entendimento dessas questões, duas pesquisas que surgiram a partir de percepções a respeito desses assuntos e estão em andamento em cidades do interior do Brasil, Ivoti e Morro Redondo, no estado do Rio Grande do Sul. Metodologicamente nos ateremos a conversas e encontros com a comunidade desses locais, associando a evocação de memórias e identidades sociais como elemento dinamizador para compreensão das nossas indagações. As pesquisas aqui discutidas visam demonstrar como este novo conceito de alma para objetos e lugares vem sendo desenvolvido e aperfeiçoado pelos autores.

Palavras-chave: Alma. Objeto. Museu. Lugar de memória. Ivoti. Morro Redondo.

RESUMEN
Este estudio aborda los conceptos de alma de los objetos y de los lugares. Se trata aquí, de los objetos de museos y de los lugares que evocan memorias, insertando esos conceptos en contexto museal. En este artículo, traemos como ejemplos para el entendimiento de estas cuestiones, dos investigaciones que surgieron a partir de percepciones acerca de estos asuntos y están en marcha en ciudades del interior de Brasil, Ivoti y Morro Redondo, en el estado de Rio Grande do Sul. Metodológicamente nos atenemos a conversaciones y encuentros con la comunidad de esos locales, asociando la evocación de memorias e identidades sociales como elemento dinamizador para la comprensión de nuestras indagaciones. Las investigaciones aquí discutidas pretenden demostrar cómo este nuevo concepto de alma para objetos y lugares viene siendo desarrollado y perfeccionado por los autores.

Palabras-clave: Alma. Objeto. Museo. Lugar de memoria. Ivoti. Morro Redondo.

ABSTRACT
This study addresses the concept of the soul of objects and places. It discusses objects in museums and places that evoke memories, inserting these concepts in the context of museums. In this article we bring as example two researches that have come about from different perceptions on these issues and are currently ongoing in municipalities in the countryside of Brazil, idly Ivoti and Morro Redondo, in the state of Rio Grande do Sul. Methodologically, we will keep to conversations and meetings with the community in those places, with the evoking of memories and social identities as the driving element for understanding our inquiries. The researches discussed here aim to demonstrate how this new concept of soul for objects and places has been developed and perfected by the authors.

Keywords: Soul. Object. Museum. Place of memory. Ivoti. Morro Redondo.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Helen Kaufmann Lambrecht, Milena Behling Oliveira, Daniel Maurício Viana de Souza y Diego Lemos Ribeiro (2018): “A alma dos objetos de museus e dos lugares de memória em cidades brasileiras”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2018). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2018/01/objetos-museus-brasil.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1801objetos-museus-brasil


1 INTRODUÇÃO

No presente artigo abordaremos duas pesquisas de mestrado que estão em andamento no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Pelotas/RS-Brasil, e convergem no sentido de abordar o conceito de alma 1 dos objetos e dos lugares de memória. Ambos projetos estão sendo desenvolvidos em cidades do interior, Ivoti e Morro Redondo, que ficam no Estado do Rio Grande do Sul - Brasil. Em áreas como a Museologia e a Antropologia, os conceitos de alma dos objetos e lugares, ainda são incipientes e pouco debatidos. Buscamos aqui, através dos dois objetos de estudo, aclarar sobre estes conceitos.
Antes de elucidarmos sobre a concepção de alma dos objetos e lugares, nos atemos, num primeiro momento, às definições de “alma”, para tentarmos compreender este conceito e aplicá-lo a nossa realidade. A origem da palavra vem do latim anĭma,ae, que significa sopro, ar; princípio da vida. A palavra alma no dicionário 2 é definida como: princípio vital; vida; conjunto das atividades imanentes à vida (pensamento, afetividade, sensibilidade etc.); qualidade de expressão que suscita emoção ou sentimento. Além disso, de acordo com esta mesma fonte, a alma ainda seria a sede dos sentimentos e da vida afetiva, a natureza emocional de uma pessoa ou de um grupo.
Diante dos sentidos da palavra, expostos acima, como elaborar uma definição de alma para os objetos de museus e lugares de memória? A nosso ver, podemos considerar que a alma está relacionada ao invisível, ao imaterial, o que não percebemos a partir da materialidade; a alma dá sentido às coisas e torna-as providas de emoção e afeto. O termo análogo “animar”, no sentido de prover vida, oferece um olhar contrastante para pensar os objetos e os lugares em contexto museal, não raro associados à morte, empalhamento e ossificação cultural. Por este turno, pensamos que o desafio dos museus redunda justamente em oferecer um sopro de vida ao que parece morto e dinâmica ao que parece inerte.
Os objetos de museus possuem uma trajetória de vida, desde a sua criação, pertencimento a uma pessoa, aquisição e percurso dentro de um museu (MENESES, 1998). Sua trajetória de vida, utilitária e museal, somado aos olhares interpretativos sobre a cultura material e aos próprios usos simbólicos dos objetos e lugares, oferecem os contornos da alma. É, portanto, a justaposição entre sua biografia e a relação intersubjetiva entre sujeito e objeto que se manifesta a alma. Oportuno grifar que é inócuo buscar a alma dos objetos nos próprios objetos, visto que o sentido destes está “fora” de sua realidade física; a alma é fruto de evocação, do trabalho de memória empreendido na relação entre objetos e sujeitos sociais em um contexto culturalmente orientado. Através da sua biografia que poderemos interpretar a sua alma, visto que:

é preciso também lembrar que, enquanto portadoras de uma “alma”, de um “espírito”, as coisas não existem isoladamente, como se fossem entidades autônomas; elas existem efetivamente como parte de uma vasta e complexa rede de relações sociais e cósmicas, nas quais desempenham funções mediadoras fundamentais entre a natureza e cultura, deuses e seres humanos, mortos e vivos, passado e presente, cosmos e sociedade, corpo e alma, etc. (GONÇALVES; GUIMARÃES; BITAR 2013, p. 8).

            Os objetos são impregnados de sentimentos, simbolismos e memórias, aos quais estão relacionados ao contexto social ao qual foram criados, reproduzidos, usados e eventualmente descartados - e em contexto museal, muitos encontram-se hibernantes à espera de ressignificações e novas leituras. “O objeto, portanto, fala sempre de um lugar, seja ele qual for, porque está ligado à experiência dos sujeitos com e no mundo, posto que ele representa uma porção significativa da paisagem vivida.” (SILVEIRA; LIMA FILHO 2005, p. 40). Esses objetos, quando ativados socialmente e inseridos em contexto propício, têm incrementado o potencial de remeter a alguém ou a um lugar, que poderão ser percebidos ou restituídos através de evocações de lembranças e emoções pessoais e coletivas. Após perderem o sentido de uso no cotidiano, os objetos carregam consigo, em potência, histórias e memórias que podem, em ambiente propício, vir a se tornar narrativas sobre um passado presente.
No que se refere à alma dos lugares, precisamos antes compreender o sentido dos lugares de memória. Compreendemos que os espaços são aglomerados de sentimentos e lembranças que os caracterizam e o convertem em lugar. Diante disso:

O espaço é mais abstrato do que o lugar. O que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que conhecemos melhor e o dotamos de valor [...], além disso, se pensarmos no espaço como algo que permite movimento, então lugar é pausa: cada pausa no movimento torna possível que a localização se transforme em lugar (TUAN 1983, p. 6).

Partindo dessa concepção de lugar, que se ancora na ideia de valor e retenção do tempo, Pierre Nora (1993) define que os lugares de memórias:

São lugares, com efeito, nos três sentidos da palavra, material, simbólico, funcional [...]. Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se sua imaginação o investe de uma aura simbólica (NORA 1993, p. 21).

Os lugares de memória traduzem a própria ideia de aura, que é confluente com a noção de alma aqui tratada, no sentido que possuem singularidades que os caracterizam e os tornam únicos pelos significados e afetos que podem ser gerados. A alma manifesta-se a partir do olhar sensível sobre as coisas e lugares; não é um atributo dos objetos e dos lugares, portanto, mas necessariamente uma atribuição conferida pelas pessoas. A memória está em potência no lugar, mimetizada em histórias e narrativas que são contadas e reproduzidas socialmente, dentro e fora das fronteiras formais do patrimônio; o desafio dos museus é captar e ativar as memórias de modo que a alma do lugar ganhe força e forma. Em outros termos, trata-se de intensificar o poder sociotransmissor3 (CANDAU, 2009) desses referenciais de memória. A alma dos objetos e dos lugares é, nesse sentido, substrato elementar para a construção das identidades sociais.
Fundamentando-se nessas referências introdutórias, acreditamos que, tanto os objetos quanto os lugares, possuem uma alma que é constituída a partir da relação de ambos com a sociedade. Busca-se refletir por meio deste breve ensaio, como agir através dos contextos dos nossos objetos de estudo, para um desbravamento aprofundado e maior entendimento destes conceitos. No primeiro caso que será discutido, partimos para nossa pesquisa no Museu Cláudio Oscar Becker, que fica na cidade de Ivoti. A nosso ver, possui objetos mudos, desalmados, que precisam ser transformados em “semióforos”4 (POMIAN, 1997) e que necessitam de intervenção da comunidade para a redescoberta e reavivamento da coleção. Além disso, conceituamos a noção de objeto e mais especificamente, os objetos museológicos e o que seria a alma, trazendo, posteriormente, nossas primeiras entrevistas realizadas para esta pesquisa e avançando para um conceito preliminar de alma, visto que trata-se de pesquisa ainda em desdobramento.
No segundo caso, traremos a pesquisa que está sendo desenvolvida na cidade de Morro Redondo, junto ao Museu Histórico de Morro Redondo. Percebemos, através das atividades desenvolvidas pelo museu junto com a comunidade local, que a cidade possui muitos lugares de memórias e é por meio deles e das memórias dos locutores que pretendemos perceber a alma desses lugares. Adentramos em algumas definições de lugares e lugares de memórias, questionando-nos sobre o que é a alma dos lugares e partindo para algumas considerações da pesquisa já realizada neste local. Sendo assim, as duas pesquisas visam demonstrar como este novo conceito de alma para objetos e lugares vem sendo desenvolvido pelos autores.

2 CONSTITUIÇÃO E ALMA DE UM OBJETO MUSEOLÓGICO

Como se define um objeto? O que podemos considerar um objeto? Partindo do princípio de que um objeto é qualquer coisa diante de um sujeito, o mesmo possui sentidos, sentimentos, pensamentos humanos. Nesse discernimento, uma pedra, um planeta, uma árvore, uma música, podem ser um objeto de museu, basta que seja descoberto um jeito de expô-los aos indivíduos de modo que sejam compreendidos (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO 1979).
Deetz (1984) cita que Henry Glassie afirma que a única razão para estudarmos os artefatos é a de chegarmos às pessoas por trás deles. De acordo com o autor, “precisamos olhar para o objeto da forma em que ele resida na mente antes que esta tenha impulsionado os músculos a criá-lo e produzi-lo no mundo real” (DEETZ 1984, p. 27). Portanto, é necessário possibilitar que se visualize além do objeto em si, criar oportunidades para que as pessoas consigam perceber as informações e significados que ele comunica. A alma revela o sentido, que não é material, mas sim real.
As pessoas inseridas no espaço do museu são sujeitos em constante observação em relação aos objetos. Roland Khaer (1984) diz que “é primeiramente o olhar que constitui o objeto – com um efeito de retorno - mais do que qualquer outra qualidade própria e talvez efêmera” (KHAER 1984, p. 9). Portanto, por meio da mente e do olhar do sujeito as coisas ganham sentido, se transformando em um objeto. E isto está relacionado com a ideia de “fato museal” de Waldisa Russio Guarnieri. De acordo com a autora, o fato museal é a relação profunda entre o homem e o objeto em um cenário institucionalizado - ou seja, um museu - no qual esta relação comporta vários níveis de consciência, dentre eles, a “percepção (emoção, razão), envolvimento (sensação, imagem, ideia), memória (sistematização das ideias e das imagens e suas relações)” (RUSSIO 1981, p. 123).
A ligação de um sujeito com um objeto só pode ser criada quando o olhar do observador altera a “coisa” para uma fonte de conhecimento, pensamento, referência. O objeto de museu como patrimônio é um meio para obter inspiração, conhecimento, história, informação e também para criar questioidntos. Em vista disto, o patrimônio cultural pode ser um motivador, incentivador e modificador de indivíduos e de comunidades. E o museu é um mediador deste processo de conversão de coisas em objetos e em documentos. Segundo Padilha (2014), documento:

É qualquer objeto produzido pela ação humana ou pela natureza, independentemente do formato ou suporte, que possui registro de informação. O documento pode representar uma pessoa, um fato, uma cultura, um contexto, entre outros. Ele se caracteriza como algo que prova, legitima, testemunha e que constitui de elementos de informação (PADILHA 2014, p. 13).

Sendo assim, os objetos podem nos dizer muito sobre seus donos, não havendo exceções a esta especificação, todos exalam conteúdos caso sejam questionados ou colocados em situação. Ao entendermos os objetos como potenciais fontes de informação e agentes transmissores de histórias e identidades, os museus são desafiados a recuperar as memórias e materializá-las por meio de diálogos com a comunidade (FERREZ 1994; MENESES 1994). De acordo com Bellaigue e Menu (1994), os objetos quando inseridos em contexto museal, ganham um novo sentido, uma nova identidade, transformando-se em documento. Deixam de ser meros instrumentos do dia-a-dia e passam a ser recursos de vivências e memórias. Desta forma, os objetos materiais:

São pensados como um sistema de comunicação, meios simbólicos através dos quais indivíduos, grupos e categorias sociais emitem (e recebem) informações sobre seu status e sua posição na sociedade (GONÇALVES 2007, p. 20).

Os objetos museológicos carregam informações extrínsecas, ou seja, exteriores a sua dimensão física, que estão diretamente relacionadas à sua alma. Eles possuem uma trajetória, uma biografia. De acordo Kopytoff (2008), a biografia de uma coisa, é a história de suas singularizações, classificações e reclassificações. A biografia das coisas, segundo o autor, torna visível o que estava anteriormente obscuro. Ainda complementa que ao fazer a “biografia de uma coisa”, devemos nos questionar da mesma forma que faríamos com a construção de uma biografia das pessoas:

Quais são, sociologicamente, as possibilidades biográficas inerentes a esse "status", e à época e à cultura, e como se concretizam essas possibilidades? De onde vem a coisa, e quem a fabricou? Qual foi a sua carreira até aqui, e qual é a carreira que as pessoas consideram ideal para esse tipo de coisa? Quais são as "idades" ou as fases da "vida" reconhecidas de uma coisa, e quais são os mercados culturais para elas? Como mudam os usos da coisa conforme ela fica mais velha, e o que lhe acontece quando a sua utilidade chega ao fim? (KOPYTOFF 2008, p. 3).

Além disso, o autor propõe que ao realizarmos a biografia de um objeto, devemos nos preocupar em saber como este item foi construído culturalmente e dotado de específicos significados. Samuel Alberti (2005), acrescenta que a vida de um objeto de museu, possui três fases: inicia com a fabricação ou coleta (no caso arqueológico) e aquisição pelo museu, juntamente com as transições de significado; perpassa pelo uso do objeto dentro de uma coleção, passando pela musealização, pesquisa, exposição, dentre outras atividades museológicas; e, é complementada com o papel que adquire na experiência dos visitantes do museu, na relação entre o objeto e seu espectador.
Diante disso, percebemos que os objetos sustentam memórias, relações e histórias, que não são possíveis deduzir a partir de sua materialidade, é preciso, portanto, evocar a “alma das coisas” (GONÇALVES; GUIMARÃES; BITAR 2013) através da afetividade e das sensações que eles possam instigar nas pessoas. Gonçalves, Guimarães e Bitar (2013) expõem que a alma dos objetos é atribuída pelos sujeitos, os objetos possuem uma alma que se completa na relação entre as pessoas. Baudrillard (2002) complementa que:

[...] os objetos desempenham um papel regulador na vida cotidiana, neles são abolidas muitas neuroses, anuladas muitas tensões e aflições, é isto que lhes dá “alma”, é isto que os torna “nossos” [...] (BAUDRILLARD 2002, p. 97).

Importante ressaltar que é inócuo buscar a alma dos objetos nos próprios objetos, visto que o sentido destes está “fora” de sua realidade física; a alma é fruto de evocação, do trabalho de memória empreendido na relação entre objetos e sujeitos sociais em um contexto culturalmente orientado. Através da sua biografia que poderemos interpretar a sua alma, visto que, conforme vimos anteriormente com Gonçalves, Guimarães e Bitar (2013), as coisas não existem isoladamente, elas são parte de uma rede de relações sociais e cósmicas e são mediadoras do visível com o invisível.
Nesse sentido, com base na sistematização teórico-conceitual exposta até aqui, podemos ponderar que os objetos musealizados ou aqueles com potencialidade de musealização, guardados em reservas técnicas ou expostos em vitrines, a espera de ressignificações, são portadores de uma alma, esta que pode ser desvendada a partir das percepções das pessoas. Os objetos possuem o potencial de ativar memórias, lembranças e histórias, atribuídas pelos sujeitos. Os museus são de extrema importância nesse cenário, visto que, são detentores desses objetos e precisam, nessa perspectiva, trabalhar conjuntamente com a comunidade, atribuindo e construindo as significações que serão relevantes para a sociedade como um todo.

3 UM CORPO SEM ALMA? O CASO DO MUSEU CLÁUDIO OSCAR BECKER

A cidade de Ivoti é conhecida como “Cidade das Flores”, devido a suas terras serem propícias ao cultivo de flores. O nome da cidade significa “Flor” na língua Tupi-Guarani. Por volta de 1826 diversas famílias de origem germânicas migraram para a cidade vindo da Alemanha. Esses moradores receberam uma porção de terra com aproximadamente 70 hectares. Inicialmente, ergueram casas de palha e mais tarde construíram casas mais sólidas, de estilo muito diferente das construções locais, as casas enxaimel5 (KREUTZ, 2013).
Na cidade há uma concentração dessas casas, hoje denominado “Núcleo das Casas Enxaimel”, considerado patrimônio histórico e cultural da cidade. É um significativo conjunto de arquitetura representativo da imigração alemã no Rio Grande do Sul e constitui-se em um dos mais íntegros e autênticos assentamentos legados por esta cultura no Estado. Ao todo são sete construções nesse estilo, que formam a maior concentração de casas históricas enxaimel do Brasil.
O município sentiu a necessidade de propagar essa história, criando um museu dedicado à memória da cidade e da imigração alemã. O Museu Cláudio Oscar Becker6 foi criado em 1995 e está instalado em uma das casas enxaimel do Núcleo. Possui uma quantidade significativa de acervo, formado através de doações da comunidade e moradores da região. São aproximadamente 1600 objetos, dentre roupas, utensílios e mobiliários.

Diante dessas considerações, nos deparamos com algumas inquietações que originou em nossa ideia de pesquisa. Será que esse museu tão rico de histórias e memórias está perpetuando a alma presente em seus objetos? Inicialmente, uma análise mostrou-nos que o acervo não possui documentação museológica ou informações suficientes sobre suas trajetórias. Até o momento não foram realizados estudos aprofundados sobre a coleção e nem buscou-se os doadores de acervo para narrarem sobre os itens. Isso pode acarretar em perda de informações fundamentais sobre o acervo, visto que, muitos doadores são idosos e doaram objetos quando o museu foi criado. Esta falta de informações pode afetar a preservação, que é uma das funções primordiais dos museus e interferir no entendimento da alma da coleção.
Outra percepção, refere-se a expografia do museu que foi revitalizada no final do ano de 2016. Foram realizadas melhorias físicas, novos suportes mobiliários, recursos visuais de alta qualidade e recursos tecnológicos que não existiam antes. Ao nosso ver, a coleção continuou sem aprimoramento científico, não houve uma pesquisa dos objetos e não ocorreu contribuição dos moradores do local com as novas informações que foram adicionadas. Percebe-se nesse sentido, que existiu uma preocupação com a restauração do corpo físico, mas esqueceu-se do mais importante: a alma do local que se estabelece em relação com as pessoas.

Voltemos no tempo, para os primogênitos dos museus, os gabinetes de curiosidades. A partir do século XV, começa-se a coletar objetos da natureza e artefatos materiais, sobretudo através de pilhagens e saques realizados em viagens marítimas e expedições ou em escavações. Isso acarretou na formação de coleções, impulsionou o colecionismo e reforçou o hábito de colecionar antiguidades. Essas coleções fizeram com que locais específicos para a guarda surgissem, aparecendo então, os gabinetes de curiosidades. Estes locais, continham uma grande diversidade de objetos, primava o quantitativo e o estético, havia uma forma embrionária de preservação, ou seja, a coleta, a guarda, uma proto-organização e a comunicação. Existia uma difusão das coleções, mas de uma forma que os objetos eram apenas expostos ao olhar, sendo pouca ou completamente nula a contextualização (BRUNO 1996; RAFFAINI 1993; POMIAN 1997).
Utilizamos este exemplo, para ilustrar, que em muitos casos, ainda seguindo esses modelos tradicionais, os museus da atualidade preocupam-se primeiramente ou quase essencialmente, com a questão estética, física, o que realmente está visível, e esquecem-se que concomitante a isto temos o invisível, o que não se vê a olho nu. Para explicar, Pomian (1997) estabelece o conceito de “semióforos”, que são os objetos dotados de um significado e que possuem o potencial de conectar o visível ao invisível e que geralmente não sofrem usura, ou seja, ficam parados no tempo à espera das ressignificações. Concordamos com Meneses (1998) ao afirmar que:

Os atributos intrínsecos dos artefatos, é bom que se lembre, incluem apenas propriedades de natureza fisico-química: forma geométrica, peso, cor, textura, dureza etc. etc. Nenhum atributo de sentido é imanente. O fetichismo consiste, precisamente, no deslocamento de sentidos das relações sociais – onde eles são efetivamente gerados - para os artefatos, criando-se a ilusão de sua autonomia e naturalidade. Por certo, tais atributos são historicamente selecionados e mobilizados pelas sociedades e grupos nas operações de produção, circulação e consumo de sentido. Por isso, seria vão buscar nos objetos o sentido dos objetos (MENESES, 1998, p. 91).

O que Meneses afirma, é que os objetos em si não possuem sentidos sozinhos, eles somente serão providos de significados e simbolismos quando postos em dinâmicas sociais, ou seja, quando as pessoas os atribuem. Nessa perspectiva, é necessário que as coleções, além dos estudos voltados para o material (corpo), para as propriedades intrínsecas, sejam interpretadas simbolicamente (alma), por intermédio das propriedades extrínsecas, “por definição, o invisível é o que não se pode atingir, que não se pode dominar com os meios que normalmente se utilizam na esfera do visível” (POMIAN, 1997, p. 69). Através de um estudo da coleção com o auxílio da comunidade, é possível que se construa uma história, uma trajetória, uma biografia dos objetos, para que assim, por meio da contextualização, se defina a sua alma, “não se trata de recompor um cenário material, mas de entender os artefatos na interação social” (MENESES 1998, p. 92). Assim como afirma Cury (2006):

Contextualizar os objetos museológicos alcança sentido se, ao mesmo tempo, contextualizamos o tema e o assunto diante do cotidiano das pessoas. Não basta expor contextualizando a partir da origem e trajetória do artefato, e sim expor fazendo com que se estabeleçam vínculos entre culturas, entre grupos e entre pessoas de culturas diferentes, e isto só se dá na comunicação de sentidos. Somente com o estabelecimento de vínculos é que conseguiremos estabelecer uma relação dialógica entre exposição − e grupos culturais – e o receptor (CURY 2006, p. 3).

            Sendo assim, Cury corrobora com o que mencionamos anteriormente, que os objetos somente serão providos de sentidos quando estabelecermos os vínculos a eles conectados. Podemos ponderar, de acordo com o determinado por Silveira e Lima Filho (2005) a respeito da trajetória da política de tombamento no Brasil, que inicialmente houve uma valorização da materialidade do patrimônio e somente mais tarde surgiu a noção e a preocupação com a imaterialidade. No caso dos objetos de museus, consideramos a mesma circunstância, pois é evidente que essa apreensão a respeito do invisível ainda está em construção.
A pesquisa neste museu parte da premissa de que a desinserção da comunidade no espaço e os objetos museológicos sem estudos e sem investigação a respeito de suas trajetórias, portanto sem memórias, interferem na construção memorial e identitária nos museus, inclusive no entendimento do que seria a alma dos objetos e do lugar. Buscaremos, através de entrevistas e rodas de conversas, instigar revelações de memórias e identidades, com o propósito de contribuir para um entendimento sobre a alma do acervo. As rodas de conversas, também chamadas de rodas de memórias, são recursos fundamentais para recuperação das memórias e ressignificação de identidades. Por meio delas, as pessoas são incentivadas a contarem as suas memórias, compartilhando algo em comum, que é cooperar para a história e cultura local.

4 MOBILIZANDO A ALMA DO ACERVO ATRAVÉS DAS NARRATIVAS ORAIS DOS DOADORES DO MUSEU DE IVOTI

As memórias e identidades, assim como as biografias e as invisibilidades que não percebemos na materialidade dos objetos, podem ser narradas e percebidas através da oralidade. De acordo com Errante (2000) todas as narrativas, orais ou escritas, pessoais ou coletivas, oficiais ou não-oficiais, são narrativas de identidades, “são representações da realidade nas quais os narradores também comunicam como eles veem a si mesmos e como eles são vistos pelos outros (STEIN 1987, VOLKAN 1988)” (ERRANTE 2000, p. 142). A autora também alude que a voz e a identidade emergem como um resultado da interação entre o entrevistador e o narrador (o informante).
Portelli (2009) menciona que o mais importante no trabalho com fontes orais, é o trabalhar com seres humanos, com cidadãos, com nossos iguais. De acordo com o autor, ao recolher as vozes, estamos amplificando-as e as levando ao espaço público do discurso e da palavra, damos direito à palavra, direito ao falar e ser ouvido. Estas conceituações estão diretamente relacionadas com as nossas pesquisas, ou seja, para atingirmos nossos desígnios, buscamos desvendar memórias e identidades, por meio do dizer, da oralidade e principalmente, do saber escutar, não apenas ouvir.
Sendo assim, realizaremos algumas entrevistas individuais com os doadores de acervo do Museu Cláudio Oscar Becker e posteriormente, almejamos reunir as pessoas entrevistadas e demais interessados em participar, para uma rememoração coletiva. Até o momento, foram identificados 61 nomes de doadores, os quais serão localizados para que contribuam com uma construção biográfica do acervo, que estimulará nossa visão sobre a alma desse acervo. Para que, desta forma, os objetos do museu venham a tornar-se, providos de simbolismos e sentimentos, objetos com almas.
Nosso primeiro encontro, ocorreu no dia 26 de junho de 2017, com duas doadoras de acervo. Fomos munidos apenas de um caderninho para anotações das informações que elas pudessem nos fornecer. Nossa ideia inicial, era realizar apenas 3 perguntas:

1 – Quais objetos doou?
2 – Conte sobre o objeto e sua relação com ele.
3 – Gostaria de participar futuramente de uma roda de conversas sobre os objetos do museu?

            A primeira doadora, Dona Marisa, doou um sapato masculino da década de 60, que pertenceu à Fábrica Holler, primeira fábrica de calçados da cidade, que era da sua família. A segunda doadora, Dona Andréa, doou uma boneca dos anos 80, que era vendida em sua loja de artesanato. Da primeira entrevistada, não conseguimos muitas informações, apenas informou que o objeto era importante para a história da cidade. A segunda entrevistada alegou que o objeto, mesmo não sendo muito antigo, remetia a sua infância, pois era uma boneca de pano, brinquedo característico que a mesma utilizava para brincar quando criança. Ambas informaram que gostariam de participar da roda de conversas.
Percebemos que não tivemos muito êxito neste primeiro encontro, pois não estávamos preparados para uma entrevista mais formal, não tínhamos perguntas suficientes para instigá-las a falar sobre os objetos e sobre sua relação com eles. Diante disso, pensamos melhor sobre a elaboração de um roteiro semiestruturado e gravação de áudio das entrevistas. Compomos 11 questões e pensamos em adotar um caderno de campo, para anotações de percepções e dados que não forem gravados. Para as seguintes entrevistas, utilizaremos o roteiro abaixo, que poderá ser aperfeiçoado se acharmos necessário:

1 – Idade e profissão.
2 – Onde mora? (Se mora em Ivoti, sempre morou na cidade?)
3 – Você se identifica com o acervo do Museu Cláudio Oscar Becker?
4 – Fale sobre sua relação com o objeto doado. Desperta algum sentimento?
5 – Onde este objeto foi fabricado ou adquirido?
6 – A quem este objeto pertenceu? Por quem ele era usado?
7 – Porque foi doado?
8 – O objeto ainda era usado quando foi doado? (Se não, porque não o usavam mais?)
9 – Em que momento você percebeu que ele deveria estar no acervo do museu?
10 – Fale sobre a relevância do objeto para a comunidade.
11 – O que representa para você, este objeto estar exposto no museu, sendo visto por diversos visitantes?

A primeira pessoa localizada para realizarmos a entrevista, foi a Senhora Krug, de 70 anos, que doou um objeto ao museu. Ao questionarmo-la a respeito do objeto que doou, a senhora disse não se lembrar e que provavelmente não conseguisse nos auxiliar em nossa pesquisa. Seria importante que os encontros fossem preferencialmente dentro do museu, pois facilita a evocação de memórias por meio dos objetos. Já que a pessoa que foi entrevistada possui um estabelecimento comercial, dificultando sua ida ao museu, optamos por levar uma foto do objeto doado e mostrar durante a entrevista, para ver a sua reação e facilitar a instigação das memórias. Quando mostramos a foto do colchão de palha que estava registrado no museu, como sendo doado por ela, a reação foi instantânea: “Ah, isso sim! Sim, isso eu dei, é verdade!” (KRUG 2017).

Percebemos que através da representação identitária e da importância do objeto para a entrevistada, houve uma evocação da memória. Podemos dizer que:

Memória é nosso senso histórico e nosso senso de identidade pessoal (sou quem sou porque me lembro quem sou). Há algo em comum entre todas essas memórias: a conservação do passado através de imagens ou representações que podem ser evocadas. Representações, mas não realidades [...] (IZQUIERDO 1989, p. 89).

Além disso, quando viu a foto do objeto, a memória dela se expandiu, afirmando a presunção de que os objetos – mesmo não presentes fisicamente – são suportes para a memória e estimulam identidades, conforme estabelecido por Nora (1993, p. 9): “a memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto”.
Acreditamos que apesar desta entrevista ter sido a primeira com a utilização do roteiro e gravação, nosso roteiro foi pertinente em certa medida e a gravação nos auxiliou no entendimento das informações, diferentemente do primeiro encontro descrito. Em relação a biografia do objeto, conseguimos que a entrevistada respondesse todas questões. Ao ver a foto do objeto, as memórias foram ativadas, fazendo com que a narradora falasse sobre toda a trajetória do item, nos auxiliando a compreender a invisibilidade que buscamos.
Avaliando brevemente a entrevista, a Senhora Krug falou que o colchão pertenceu aos seus avós, depois aos seus pais e que se recorda de utilizar um desses, não necessariamente o mesmo. Comentou, no geral, que esses colchões eram desconfortáveis, que a palha precisava ser arrumada todos os dias para ficar mais confortável. Lembrou também que em época de Kerb7 , as palhas eram trocadas para receber as visitas. Além disso, destacou que o objeto é importante para a comunidade porque tem uma história e que é interessante para mostrar para os mais jovens como o mundo evoluiu. Quando fizemos nossa última pergunta “O que representa para você, este objeto estar exposto no museu, sendo visto por diversos visitantes?”, ela respondeu que “Representa que... que... ele é uma lição de vida!” (KRUG 2017). Enfatizou também que ao recordar desse objeto, vem à tona lembranças boas da sua infância.
A biografia deste item está relacionada com a biografia da entrevistada, com a sua relação com este objeto. Acreditamos que encontramos um pouco de dificuldades nesta etapa, algumas questões a entrevistada não respondeu inteiramente ou mudou de assunto, talvez tenha ficado constrangida em falar sobre si mesma. Uma explicação possível é o fato de que as memórias carregam:

[...] um simbolismo que transcende o verdadeiro ato de contá-las. Rememorar frequentemente evoca sofrimento, e alguns podem preferir "guardar" a suas memórias como uma forma de evitar a dor. Para essas pessoas o passo entre as próprias memórias privadas e o ato de torná-las públicas pode ser difícil. (GOBODO-MADZIKIZELA apud ERRANTE 2000, p. 155).

Sendo assim, ainda não podemos assegurar que a nossa indagação sobre a alma dos objetos será respondida, outras entrevistas precisam ser feitas para termos segurança metodológica a este respeito. Apesar disso, podemos afirmar, de início, que sentimo-nos privilegiados pelo fato de que pessoas completamente estranhas estão interessadas em partilhar suas vidas conosco. Existem muitas possibilidades de abordagens para desvendar nosso questioidnto sobre a alma dos objetos, porém, nossa escolha teóricometodológica neste museu parte da investigação bibliográfica, da biografia dos objetos e das rodas de conversas. Conjecturamos que através desta e das demais entrevistas que serão realizadas, consigamos atingir nosso objetivo de compreender melhor o conceito de alma dos objetos, por intermédio das narrativas orais que serão instigadas ao vislumbrar as materialidades que possuem o potencial de avivar as imaterialidades, ou seja, a alma.

5 A ALMA DOS LUGARES DE MEMÓRIA

            Para obter a identidade de um lugar, Relph (RELPH 1980 apud FERREIRA 2000) salienta que é necessária uma combinação de observações e de um contato direto com o lugar, e ainda, que o sujeito possua uma expectativa antes de experienciar o lugar. A socialização, adaptação e conhecimento deste local seria então esta identidade. O lugar serviria como um núcleo de significados e impossível de ser substituído, pois só assim o indivíduo e a comunidade reconheceram o lugar como lar. O autor ainda complementa, que ao associar o lugar como lar pode haver vários níveis de ligações. A relevância de dispor de uma relação para com os lugares extrapola a consciência que o sujeito pode ter de possuir ou não está ligação.

Uma relação profunda com os lugares é tão necessária, e talvez tão inevitável, quanto uma relação próxima com as pessoas; sem tais relações, e existência humana, embora possível, fica desprovida de grande parte de seu significado (RELPH 1980, p. 41 apud FERREIRA 2000).

O lugar e o indivíduo formam um par inseparável que andam em uma direção só, para uma evolução dupla. As esferas biológicas, psicológicas e sociais estão incessantemente compostas pela presença dos lugares, confirmando que não há ação humana que dispense o contexto do lugar como meio do espírito existir e sobretudo, manifestar-se. Os lugares de memória podem nos remeter a lembranças de pessoas ou histórias, um simples lugar transmite memórias de brincadeiras, prédios que não estão mais ali, acontecimentos em geral, que marcaram a vida dos indivíduos. E isto vem acompanhado de emoções e significados que sustentam memórias e identidades.
Desta maneira, pode-se dizer que existe “uma alma no lugar”. Nela encontramos sujeitos despertados por meio de relatos da memória dos indivíduos. Como foi manifestado na Declaração de Québec de 20088 sobre a preservação do “spiritu loci” ou “espírito do lugar”:

O espírito do lugar é essencialmente transmitido por pessoas e que a transmissão é parte importante de sua conservação, declaramos que é por meio de comunicação interativa e participação das comunidades envolvidas que o espírito do lugar é preservado e realçado da melhor forma possível. A comunicação é, de fato, a melhor ferramenta para manter vivo o espírito do lugar (QUÉBEC 2008, p. 4).

E estes relatos reconstroem e dão continuidade a cultura local, colaborando para a formação de identidades coletivas, que por consequência, fortalecem as raízes e vínculos no espaço em que se situam. Deste modo, pode-se conceituar a memória como:

um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou grupo em sua reconstrução de si (POLLAK 1992, p. 5).

Desde nosso nascimento, já pertencemos a um lugar. Temos a cidade, o bairro, a rua em que moramos. Fazemos parte destes lugares de memória, que reúnem informações para que possamos entender quem somos, a que lugar pertencemos e assim, contribuir para a formação da identidade do indivíduo. Como lembrado por Candau (2014), sem memória o sujeito se esvazia, sua identidade desaparece.
O indivíduo, por meio dos lugares de memória, pode nos descrever e trazer relatos de uma sociedade, evidenciando seus modos de vida, seus costumes e valores através dos tempos. Não só por meio do conteúdo físico exclusivo, a cultura material concebe-se em exposição e fonte de sabedorias sobre técnicas, tecnologia, funcionalidade estética, suas formas de apropriação e, sobretudo, de uso. A criação de artefatos possui uma ligação direta com suas necessidades, sendo elas materiais ou imateriais, manifestando padrões culturais locais.
A imaterialidade dos patrimônios, trazida pela Declaração de Québec de 2008, sugere observações sobre “as relações entre patrimônio material e imaterial e os mecanismos que regulam o espírito do lugar”. Segundo a Declaração, o espírito do lugar é constituído pelo:

conjunto de bens materiais (sítios, paisagens, edificações, objetos) e imateriais (memórias, depoimentos orais, documentos escritos, rituais, festivais, ofícios, técnicas, valores, odores), físicos e espirituais, que atribuem sentido, valor, emoção e mistério ao lugar (QUÉBEC 2008, p. 2).

Os lugares de memória sofrem mudanças com o passar dos anos. Uma igreja construída no século passado pode não mais existir materialmente, mas ela ainda continua viva como um lugar de memória, avivando a alma do lugar, que irá despertar lembranças que as pessoas possuem dele. E o mesmo lugar pode possuir diversos significados, variando de acordo com a ação, o olhar e o sujeito. Concordamos com Yázigi (2001) ao afirmar que “há alma quando há paixão correspondida das gentes com o lugar” (YÁZIGI 2001, p. 24).
Aos lugares de memórias é atribuído valor simbólico que se associa com os contextos nos quais estão introduzidos, seja fora ou dentro do espaço comum que o indivíduo vive ou mesmo pelas transformações sociais. Sendo assim, falar sobre alma e lugares é tratar do invisível em primeiro momento, mas a partir de narrativas dos indivíduos ocorre o calibramento do olhar, possibilitando a visão desta alma. Se faz necessário a provocação constante para a percepção desta alma e nesta questão os museus se fazem de extrema importância. E quanto mais pessoas conseguirem enxergar e reproduzir a alma, maior é o seu potencial memorial e identitário.

 
6 O DESPERTAR DA ALMA DOS LUGARES ATRAVÉS DAS MEMÓRIAS AFETIVAS DOS MORADORES DE MORRO REDONDO

Morro Redondo fica localizada na Serra dos Tapes e possui 6.548 habitantes, sendo que 20,8 % da população é composta por idosos de 60 anos ou mais de idade (IBGE 2016). A cidade foi primeiramente colonizada por portugueses, porém, em 1875 houve a chegada de italianos e no ano de 1886 alemães e pomeranos. O município possui um museu chamado “Museu Histórico de Morro Redondo”, criado no ano de 2009 pelos moradores locais com o intuito de preservar e relembrar as tradições do município. Nele são desenvolvidos vários projetos de extensão através da Universidade Federal de Pelotas, que se localiza em uma cidade próxima. Uma das atividades realizadas é intitulada “Café com Memórias”, que são encontros que se utilizam de objetos museológicos para a evocação de memórias dos idosos.
Por meio desta atividade é possível perceber que esses objetos afetivos guardam as memórias dos sujeitos e suas famílias. Ao tocá-los e manuseá-los, as narrativas desabrocham. Desta forma, não só as histórias aparecem, mas também os significados que aqueles objetos representam. Ferreira (2008) afirma que “[..] são, portanto, as narrativas pessoais que dão aos objetos dilacerados pelo tempo, [...] o sentido de patrimônio” (FERREIRA 2008, p. 37). Nesta perspectiva, objetos do cotidiano por meio da musealização se modificam e tornam-se bens culturais, ganhando um papel de sociotransmissores (CANDAU 2011).

Além de narrarem sobre os objetos museológicos, os participantes do Café com Memórias relatavam a respeito de lugares da cidade com um afeto muito grande, porém, nas memórias evocadas estes locais não eram como nos dias atuais e sim como eram em outras épocas. Segundo Certeau (1998), é assim que opera a cidade-conceito, lugares que se transformam e possuem diferentes apropriações, sofrendo intervenções continuamente, mas que também são enriquecidas de novos atributos.
Sendo assim, foi proposto para os idosos da atividade uma ação denominada “Caminhada da Percepção”, na qual, acompanhados por um grupo de estudantes de uma escola do município, visitaram os locais mencionados por eles. A partir da narrativa dos indivíduos, os alunos conseguiram “enxergar” a alma destes lugares de memórias, pois o olhar deles foi calibrado e provocado pelas narrativas dos idosos.

Os lugares são histórias fragmentárias e isoladas em si, dos passados roubados à legibilidade por outro, tempos empilhados que podem se desdobrar mas que estão ali antes como histórias a espera e permanecem no estado de quebra-cabeças, enigmas, enfim simbolizações enquistadas na dor ou no prazer do corpo (CERTEAU 1998, p. 189).

            Desta maneira, a rua formada por vários lugares é constituída de várias camadas de histórias e por intermédio das narrativas, essas camadas são capazes de se desdobrarem, aflorando memórias de outros tempos. Trazem para o presente, significados calados, tornando possível que os jovens que hoje habitam a cidade conheçam os enigmas do passado. Carlos (1996) salienta, “o lugar é a porção do espaço apropriável para a vida”. Os sujeitos interagem e socializam no lugar, criando assim, redes sociais. A identidade do indivíduo com o lugar gera um sentimento de pertencimento ao lugar. E sem as narrativas, não haverá espirito para dar vida aos lugares, impossibilitando a comunidade de criar um vínculo com o lugar.

Isto gerou uma comunicação entre gerações e ampliou o acesso à alma dos lugares, uma vez que, antes uma casa era simplesmente uma casa e hoje possui um espectro bem maior de significados e simbologias. Thompson (1998) afirma que:

por meio da história local, uma aldeia ou cidade busca sentido para sua própria natureza em mudança, e os novos moradores vindos de fora podem adquirir uma percepção das raízes pelo conhecimento pessoal da história (THOMPSON 1998, p. 21).

Partindo deste princípio, a pesquisa de mestrado que está sendo desenvolvida junto ao Museu, visa identificar os patrimônios afetivos do município. Porém, devido grande parte da cidade se encontrar em meio rural e de difícil acesso, foi feito um recorte para a aplicação e viabilização da pesquisa. Será identificado os patrimônios afetivos da Avenida Jacarandá, principal rua da cidade. A escolha de uma rua para a representação de uma cidade pode ser explicada por meio dos pensamentos de Certeau (1998), pois o autor nos diz que:

Em suma, o espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos - um escrito. (CERTEAU 1998 p. 202).

Sendo assim, a rua é um espaço praticado pelos indivíduos. Diariamente são realizadas atividades nesses lugares, construindo diversos sistemas de signos. Os sujeitos denominam inúmeros significados, sentidos e sentimentos para os lugares que compõem a rua. E a mesma é parte do espaço que a cidade ocupa. Portanto, ao optarmos por uma rua, não estamos deixando de analisar o espaço, pois só conseguiremos realizar a leitura do espaço se explorarmos a rua e suas práticas.
Após esta delimitação, as narrativas e relatos que acontecem nos encontros com o grupo Café com Memorias serão um dos meios de identificar esses lugares de memórias afetivas. Após esses encontros, será feita uma cartografia das memórias da cidade, para que as próximas gerações conheçam a história do local que vivem e se sintam pertencentes a esta cultura. Como ressalta Gastal (2002):

as diferentes memórias estão presentes no tecido urbano, transformando espaços em lugares únicos e com forte apelo afetivo para quem neles vive ou para quem os visita. Lugares que não apenas tem memória, mas que para grupos significativos da sociedade, transformam-se em verdadeiros lugares de memória (GASTAL 2002, p. 77).

A cidade de Morro Redondo possui esses lugares únicos, tanto para os moradores como para os turistas, que visitam a rota turística da cidade, chamada “Morro de Amores”. O município é repleto de lugares de memórias e há sempre um narrador disposto a fazer-se “enxergar” a alma desses lugares. A afetividade está por toda parte, seja pelos relatos, pelos objetos expostos no museu da cidade ou pela gastronomia típica que nos faz voltar no tempo e lembrar dos nossos lugares.
Por meio das atividades já desenvolvidas, percebe-se que há uma grande quantidade de patrimônios afetivos que não existem mais materialmente nos locais ou que por algum motivo já sofreram alterações no seu formato original. Porém, no momento em que os idosos narram esses lugares de memória, conseguimos visualizar a alma destes locais. É nessa coerência que falamos de uma memória que inspira e restaura a alma dos lugares. As visões e representações do tempo vivenciado ou imaginado são de pertencimento da memória, que raramente são considerados na reconstrução da história do lugar. Como diz Freire (1997):

A memória, compreendemos melhor, elabora-se a partir da ausência, e com pé fincado no presente, volta-se para frente. Nesse terreno, as mais aparentemente insignificantes lembranças são artigos de valor, sendo necessário guardá-las com cuidado, sabendo do risco que se corre com a perda desse que é o nosso mais valioso e invisível patrimônio. (FREIRE 1997, p. 45).

Diante dos argumentos acima, ressaltamos a importância desses idosos para manter viva a identidade de uma comunidade, pois é por meio dos relatos e narrativas deles que se torna possível preservar a alma. Possibilitando assim, que as gerações futuras e os turistas tenham conhecimento destes lugares únicos. E é com esse intuito que o estudo em questão propõe-se em expor e discutir sobre a alma dos lugares de memória.

7 A MAGNETUDE DOS LUGARES DE MEMÓRIA DE MORRO REDONDO

Quando acontece a apropriação simbólica de um espaço cheio de sentimentos, ele acaba se transformando em um lugar. Diante desta circunstância, o conceito de Tuan (1983, p. 6) expõe que: “o espaço é mais abstrato do que o lugar. O que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que conhecemos melhor e o dotamos de valor [...]”. O lugar é a reorganização do espaço contendo sensações, afeição e referência da experiência vivida, como salienta Carlos (2002 p. 16) “o lugar guarda em si, não fora dele, o seu significado e as dimensões do movimento da história em constituição enquanto movimento da vida, possível de ser apreendido pela memória, através dos sentidos e do corpo”. Os registros vívidos da memória por meio das lembranças perpetuam lugares e servem como chaves para uma constante visita ao passado, trazendo diversos sentimentos que se tornam documentos por meio da narrativa: “o afetivo dinamiza as interações, as trocas, a busca, os resultados. Facilita a comunicação, toca os participantes, promove a união” (MORAN 1994, p. 235).
O autor Meo (1999 apud Ferreira 2000) tratando do conceito de mundo vivido (lifewold) caracteriza uma relação de existência subjetiva do indivíduo ou grupo social com os lugares, demonstrando um pertencimento de um determinado grupo em um determinado lugar. O que nos evidencia a questão da complexidade dos lugares, é que compreender um lugar é uma mescla de realidade e subjetividade. Deste modo, a narrativa nos auxilia a representar, descrever, compreender e interpretar o mundo em relação a um sujeito, possibilitando-nos enxergar todo o valor afetivo que estes lugares possuem para os idosos, por fazerem parte da história de vida de cada um deles e por terem marcado momentos importantes na vida dos mesmos. Esses lugares de memórias possuem importância não por sua materialidade ou monumentalidade, mas pelo potencial transformador que pode ser gerado nas pessoas.
Deste modo, no dia 17 de setembro de 2017 foi proposto para os idosos visitar esses lugares já identificados anteriormente. Neste dia ocorreu uma festa na cidade promovida pela associação do roteiro turístico Morro de Amores e a intenção foi de instigar não só os idosos, como também moradores e turistas, a contribuir para a potencialização simbólica destes lugares. Semanas antes do evento, o Museu já se manifestava por meio da sua página no Facebook, com postagens que instigavam as memórias e a participação da comunidade. Nos lugares que foram identificados no Café com Memórias, foram colocadas placas com seleções das memórias coletadas e um símbolo de QR CODE para que todos possam acessar e contribuir com as suas memórias, de forma retroalimentada.
Os locais possuem funcionalidade, como uma ancora para voltar ao passado e rememorar todas as histórias que marcaram as vidas dos moradores. No mesmo dia, ao entrevistar um casal de idosos que fazem parte do grupo Café com Memórias, percebemos, por exemplo, ao logo da narrativa do Senhor Evaldo e da Dona Elda a relevância que um lugar de memória detém.

 

 Eles destacam a antiga Sociedade de Baile Lira Orfeônica, que hoje não mais existente da mesma forma, mas sua alma sim. Por meio da fala dos mesmos é possível projetar a imagem da casa como era antigamente, em que eram realizados grandes bailes, onde as festas duravam dias e a banda que tocava na festa parava em alguns momentos para a apresentação de dois corais, um apenas formado por homens e outro misto. Além destas lembranças, o Senhor Evaldo ainda destaca que foi neste local que conheceu sua esposa Dona Elda, sendo nítido na fala dele a importância simbólica do local. Portanto, apesar do local não ser mais visível materialmente, ele se transformou em um lugar de memória e ao ser narrado é despertado esta alma do lugar, que possui subjetividades e sensibilidades emocionais que dão sentido para que o mesmo local exista.
Ainda salientando o valor das narrativas para a percepção dos lugares de memória e para que a alma do lugar velha à tona, Entrikin (1997 apud Ferreira 2000) nos ressalta que a narrativa cumpriria a função de contar a história dos lugares ligando suas realidades e subjetividades. O autor nos fala que ao ouvir a interpretação do narrador, não devesse apenas descrever as experiências, mas ir em busca da compreensão objetiva do lugar sem perder, entretanto, a dimensão dos fatos experienciados.
No trecho abaixo de uma pesquisa realizada por Certeau (1998) é notório que as lembranças não sendo narradas, os espíritos dos lugares não emergem:

Estamos ligados a este lugar pelas lembranças... É pessoal, isto não interessaria a ninguém, mas enfim é isso que faz o espírito de um bairro”. Só há lugar quando frequentado por espíritos múltiplos, ali escondidos em silêncio, e que se pode “evocar” ou não. Só se pode morar num lugar assim povoado de lembranças - esquema inverso daquele do Panopticon. Mas assim como as esculturas reais góticas de Notre-Dame, guardados há dois séculos no subsolo de um imóvel da rua de la Chaussée-d’Antin, esses “espíritos”, também quebrados, não falam nem tampouco vêem. É um saber que se cala. Daquilo que se sabe mas se cala, só circulam “entre nós” meias-palavras. (CERTEAU 1998, p. 189).

            Diante da dimensão do espaço os indivíduos criam seus lugares, porém esses lugares só ganham sentido se habitados por espíritos. O que inferimos é que normalmente estes locais permanecem calados, ninguém os veem ou escutam, como no caso de Certeau. Mas se estes espíritos permanecerem escondidos, a identidade, história e cultura da população local se silencia com eles. Em vista disto, é que este trabalho vem sendo realizado, para que por meio das narrativas dos idosos, os espíritos circulem nos lugares de memória.

 

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa utilizamos dois estudos de caso para explanar sobre a alma dos objetos e lugares de memória. Trabalhamos com dois museus de cidades do interior, porém, os cenários que encontramos nesses museus, podem ser reproduzidos em diversos outros. Muitas vezes visitamos instituições que apenas expõem objetos, sem contextualização, impossibilitando que o visitante compreenda a alma do objeto, como é o caso do Museu de Ivoti. Todavia, acreditamos que os objetos precisam ganhar vozes, junto com eles deve ser destacada as narrativas que contam um pouco da história do artefato, pois cremos que é a partir das narrativas que os objetos ganham vida.
Já ao tratarmos dos lugares de memória, percebemos que os lugares identificados são extensões do Museu de Morro Redondo. E assim como os objetos, se apenas forem identificados, serão meramente lugares comuns. O que atribui valor aos lugares de memória, são seus significados. Entretanto, ressaltamos novamente a importância das narrativas para o afloramento da alma desses lugares. Entendemos que a alma do lugar é fundamentalmente transmitida por pessoas e a transmissão é de suma relevância para sua conservação. Declaramos que é por meio de comunicação interativa e participação das comunidades envolvidas que a alma do lugar é preservada e realçada da melhor forma possível. A comunicação é, de fato, a melhor ferramenta para manter viva a alma do lugar.

Acreditamos que normalmente as comunidades locais de cidades pequenas são mais favoráveis para o entendimento da alma do lugar, sobretudo no caso de grupos culturais tradicionais. Elas são também aquelas melhor equipadas para sua salvaguarda e devem estar intimamente associadas em todos os esforços para preservar e transmitir a alma do lugar. Meios de transmissão não‐formais (narrativas, rituais, atuações, experiência e práticas tradicionais, etc.) e formais (programas educativos, bancos de dados digitais, websites, ferramentas pedagógicas, apresentações multimídias, etc.) deveriam ser fomentados, pois não apenas garantem a proteção da alma do lugar, mas, acima de tudo, protegem o desenvolvimento sustentável e social da comunidade. Reconhecemos que a transmissão intergerações e transcultural desempenha um papel importante na disseminação sustentada e na preservação da alma do lugar, recomendamos a associação e o envolvimento das gerações mais novas, bem como de grupos culturais distantes, na tomada de decisões políticas e gestão da alma do lugar.

Acender a memória para o acionamento de informações que possam nos auxiliar na compreensão da alma dos objetos e dos lugares, constituiu em objetivo principal deste trabalho. É através dos relatos memoriais das pessoas, evocados por intermédio dos objetos e dos lugares, que conseguimos captar, mesmo que embrionariamente, nossos objetivos. Todavia, por meio das discussões aqui levantadas, podemos entender, o que realmente é a “alma” dos objetos e dos lugares?
Presumimos que as memórias evocadas por meio da relação do sujeito com os objetos museológicos e a importância deste objeto para as pessoas e para a comunidade em que ele se encontra, podem nos dizer muito sobre esse objeto, mas principalmente, sobre a pessoa que está narrando-o. E é esse testemunho, essa narrativa, que nos fará perceber qual a alma do objeto e enfatizar que os objetos carregam uma alma, uma alma que não é somente dele, mas é construída em comunhão com as pessoas que o narram e o dão significado. Na conjuntura dos lugares de memórias, ressaltamos a importância de manter viva a alma dos lugares, que toma forma e ganha significado por meio das memórias dos indivíduos. Contribui desta maneira, para uma relação social, uma troca de experiências entre gerações, mantendo presente a identidade de uma comunidade, criando assim um sentimento de pertencimento para os moradores da cidade.
Nossas entrevistas em Ivoti e as caminhadas da percepção em Morro Redondo mobilizarão a comunidade dessas cidades, auxiliando para que ambas percebam a importância de suas histórias para manter vivas, através das narrativas, as memórias dos objetos e dos lugares que não são percebidas a olho nu. O que podemos dizer, diante das considerações apresentadas a partir das nossas análises exploratórias, é que, em ambas conceptualizações, percebemos que no instante que os lugares ou os objetos, tornam-se evocadores de memórias, despertando emoções e afirmando identidades, podemos considerar que há uma alma dos lugares e dos objetos. Através do levantamento de informações para nossas pesquisas, o qual daremos continuidade, almejamos delimitar e aperfeiçoar esses conceitos de alma dos objetos e dos lugares, oferecendo, por meio dos museus, vida ao que parece morto e dinâmica ao que parece inerte.

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* Museóloga, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas. hklmuseologa@gmail.com
**Turismóloga, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas. milena.brs@gmail.com
*** Museólogo, Doutor em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor do Curso de Museologia e do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas. danielmvsouza@gmail.com
**** Museólogo, Doutor em Arqueologia pelo Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade de São Paulo e Professor Adjunto do Curso de Museologia da Universidade Federal de Pelotas. dlrmuseologo@yahoo.com.br
1 Alguns autores utilizam o termo “espírito” ao invés de “alma”, porém, apesar de compreendermos as especificidades dos conceitos, assumimos que eles possuem sentido análogo, sendo o conceito “alma” o escolhido para ser trabalhado neste momento.
2 Dicionário do Google.
3 Segundo Candau, os sociotransmissores podem compreender objetos tangíveis e intangíveis que, por seu potencial simbólico, favorecem conexões indispensáveis para a transmissão memorial. Os sociotransmissores, porém, precisam ser decodificados e compartilhados pelos interlocutores para que sua potência memorial seja incrementada.
4 Traremos a definição do conceito mais a frente.
5 Enxaimel é um processo de edificação trazido da Alemanha, na qual se utiliza uma estrutura de madeira encaixada e as paredes preenchidas com barro, pedras e vegetação. (Kreutz, 2013)
6 O nome do museu é em homenagem a Cláudio Oscar Becker, que foi contabilista e membro da Comissão emancipacionista da cidade de Ivoti.
7 Festa típica alemã.
8 Reunião realizada na cidade de Québec (Canadá) em 2008, a convite do International Council of Monuments and Sites (ICOMOS}, Canadá, na ocasião da 16ª Assembleia Geral do ICOMOS.


Recibido: 15/01/2018 Aceptado: 17/01/2018 Publicado: Enero de 2018

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