Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A EDUCAÇÃO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: SUJEITOS E A EDUCAÇÃO EM RESEX MARINHA NO ESTADO DO PARÁ

Autores e infomación del artículo

Adria Macedo dos Santos *

NAEA/UFPA, Brasil

adriamacedo@yahoo.com.br

Resumo
Este artigo verifica como se processa o sistema educacional em uma Reserva Extrativista Marinha. Para isso, tomou-se como lócus de estudo a RESEX Gurupi-Piriá, localizada no município de Viseu/PA. Para tal, foi elencada a abordagem qualitativa como aporte basilar para a pesquisa, além do levantamento documental com a Secretaria Municipal de Educação de Viseu (SEMED) e entrevista com moradores locais. Os dados institucionais e as entrevistas mostram um cenário educacional bastante frágil em aspectos de infraestrutura e formação de profissionais, e uma escola que ainda não é instrumento que contribui com o empoderamento da comunidade local.

Palavras-chave: Educação, RESEX Marinha, Escola, Alunos, Comunidade.

Abstract
This article verifies how the educational system is processed in a Marine Extractive Reserve, for which the RESEX Gurupi-Piriá, located in the municipality of Viseu /PA, was used as a locus of study. For that, the qualitative approach was listed as a baseline contribution to the research, in addition to the documentary survey with the Municipal Department of Education of Viseu (SEMED) and interview with local residents. Institutional data and interviews show a very fragile educational setting in terms of infrastructure and training of professionals, and a school that is not yet an instrument that contributes to the empowerment of the local community.
Keys word: Education, Marine RESEX, School, Students, Community.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Adria Macedo dos Santos (2018): “A educação em unidades de conservação: sujeitos e a educação em Resex Marinha no estado do Pará”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2018). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2018/01/educacao-resex-para.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1801educacao-resex-para


1 INTRODUÇÃO

A questão em torno do meio ambiente, sua preservação, assim como a subsistência de populações tradicionais que vivem em determinados territórios, têm permeado diversas discussões em torno da criação das Unidades de Conservação (UC), que são áreas que representam uma complexa interação entre sua população e os recursos naturais. Logo, fatores como sustentabilidade e garantia de direitos sociais se colocam como pontos fundamentais para o desenvolvimento sustentável dessas UC. Dentre os direitos sociais, elencou-se como foco desse estudo a educação, ou melhor, como ela se processa para as comunidades que vivem nessas UC.
Desse modo, foi selecionado como lócus de investigação a RESEX Gurupi-Piriá1 , localizada no município de Viseu-PA, focando especificamente em três comunidades praianas – Apeú Salvador, Taperebateua e Itacupim. A escolha deste lócus foi definida por conta dos contrastes relacionados à fragilidade organizacional da população das comunidades usuárias da UC, o isolamento e a dificuldade de acesso aos centros urbanos, pelos aspectos culturais de um modo de vida que ainda se organiza, quase exclusivamente, a partir dos ditames das marés.
Diante disso, o objetivo proposto é verificar como se processa a dinâmica da educação no contexto desta RESEX Marinha. Para atingir o objetivo proposto, elencou-se o método qualitativo como pilar principal de pesquisa, tendo como técnica a coleta de dados pautada no levantamento documental, no qual foram averiguados dados e informações junto à Secretaria Municipal de Educação do Município de Vigia (SEMED), Conselho Comunitário da Reserva (CCR), na sede e subsede da Associação dos Usuários da RESEX Gurupi-Piriá (ASSUREMAV), a nível local. Já a nível nacional, houve também o levantamento documental e de arquivos cartográficos do Instituto Chico Mendes (ICMBIO) e Ministério do Meio Ambiente.
Assim, foi necessária a realização de entrevistas, elaboradas de forma semiestruturada, que recaíram sobre: as instituições responsáveis pela implementação do processo de ensino-aprendizagem local; Secretaria Municipal de Educação – SEMED; unidades de ensino; representantes dos usuários da RESEX; Membros do Conselho Deliberativo (CD), já que houve várias informações escusas sobre os documentos averiguados. Além disse, considera-se de grande importância levantar informações/percepções e vivências com os alunos e moradores das comunidades.
Isso posto, este paper está estruturado em quatro seções, além desta introdução. A seção dois traz algumas considerações sobre a relação da educação e unidades de conservação. A seção três apresenta as comunidades: Apeú Salvador, Taperebateua e Itacupim, localizadas na RESEX Gurupi-Piriá do município de Viseu, e como se processa a dinâmica educacional nas escolas das comunidades. As considerações finais fecham esse paper na quarta seção.

2 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E O PAPEL DA EDUCAÇÃO
Para a realização de mudanças voltadas à constituição de um sistema de valores e práticas galgado na sustentabilidade, é necessário que se tome a educação como prioridade, o que torna pertinente a reflexão de Simonian (2005), quando esclarece que a educação é um elemento essencial para o desenvolvimento humano e sustentável. Nessa direção, segundo Romão (2008, p. 151), a educação capacita as pessoas a estabelecer relações a partir de sua realidade e “[...] faz com que elas deixem de ser o que são, para serem mais conscientes, mais livres e mais humanas".
A oferta de uma educação de qualidade contribuirá para a ampliação da participação de cidadãos e cidadãs na melhoria da qualidade de vida e na defesa de seus territórios. Daí uma das exigências do movimento social representado pela CONFREM2 , ASSUREMAV e das comunidades tradicionais pesqueiras à realização de uma educação formadora, uma vez que se subentende que esta representa um elemento de grande valia para o desenvolvimento local, assim como para a gestão ambiental e para a administração de uma RESEX, pois estas ações dependem do grau de compreensão que se tem do ambiente que cerca.
Nesse caso, os movimentos sociais de base têm reivindicado para dentro seus territórios a implementação dos instrumentos legais emitidos pelo Governo Federal, que manifesta sua intencionalidade em relação aos rumos da política educacional no país por meio da Constituição Federal de 1988 e Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, LDB e das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Resolução CNE/ CEB nº 1, de 03 de abril de 2002).
A Constituição Federal de 1988 representou um importante ganho para a esfera educacional, uma vez que estabeleceu a educação como um direito social, assim como se tornou dever do Estado garantir o Ensino Fundamental obrigatório e gratuito (BRASIL, 1988). Para Oliveira (1999), mesmo compreendendo os problemas em relação ao acesso, à permanência e à qualidade da educação ainda não tinham sido levados a efeito. Advoga-se que a educação é direito de todos, entretanto os sistemas educacionais vêm, historicamente, priorizando um modelo educacional baseado em um molde de vida urbano e negligenciando o contexto sociocultural heterogêneo do país.
Em relação à LDB, entre outras determinações o Art. 1º destaca que:
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
[...]
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social (BRASIL, 2013).

De acordo com D’Incao (1994), a diversidade sociocultural e a produtiva das populações tradicionais, impreterivelmente, devem ser levadas em consideração como variável, ao se planejar e implementar políticas públicas sociais, especialmente as de cunho educacional. Conforme a LDB, é importante que sejam respeitadas pelos currículos do ensino fundamental e médio as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (BRASIL, 1996). A incorporação da condição singular das comunidades pesqueiras a uma política educacional tem sido pauta constante de reivindicação dos movimentos sociais.
Em se tratando de Amazônia e de sua heterogeneidade socioambiental, a educação deve ser também discutida à luz da concepção de educação rural. Na expectativa de atender a tal demanda o parágrafo único do art. 2º das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Resolução CNE/ CEB nº 1, de 03 de abril de 2002) dispõe que:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na sua temporalidade de saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por estas questões à qualidade social da vida coletiva no país.

Ainda, de acordo com o Plano Nacional de Educação - PNE art. 23,

A escola rural requer um tratamento diferenciado, pois a oferta de Ensino Fundamental precisa chegar a todos os recantos do país e a ampliação da oferta de 04 séries regulares em substituição às classes isoladas unidocentes é meta a ser perseguida, consideradas as peculiaridades regionais e a sazonalidade (BRASIL, 2008).

Assim, cabe salientar que todo esse conjunto de diretrizes para a política educacional consolida um importante marco para a história da educação brasileira, e em especial para a educação do campo. Todavia, tais metas dentro do contexto amazônico, principalmente em áreas de comunidades pesqueiras, ainda está longe de tornar-se uma política factível. Entende-se que a construção de uma sociedade sustentável depende da promoção de uma educação que estimule a capacidade crítica e a criatividade, no sentido de superar as ações educativas que têm espoliado dos alunos as experiências de autonomia, a pensar como Gadotti (2009).

3  RESEX GURUPI PIRIÁ E SEU SISTEMA DE EDUCAÇÃO
A Resex Marinha Gurupi-Piriá, localiza-se no município de Viseu/PA, no nordeste paraense, de onde foram selecionadas três comunidades praianas – Apeú Salvador, Taperebateua e Itacupim. Ela abrange uma área de aproximadamente 74.081 hectares e é constituída por 47 comunidades e envolve as zonas urbana e rural do município, conforme se vê no mapa 1.

 Ponderam-se algumas colocações ao lócus e suas estatísticas quanto ao resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB no ano de 2013: o município de Viseu ocupa a 5.046ª posição no Brasil. Quando comparada sua posição com os 143 Municípios do Estado Pará, está na 111ª posição nos anos iniciais e na 36ª nos anos finais, de acordo com relatório emitido por ODM (2014). Diante dos dados arrolados, já há fortes indícios de que a educação no município e na RESEX apresenta diversos problemas quanto a uma educação de qualidade para sua população.
Por conseguinte, ao observa-se que as RESEX aparecem como um campo fértil para entender como a educação pode ser força fomentadora dos desejos de mudanças históricas, indispensáveis ao processo de desenvolvimento humano, fundamentadas em uma visão de sustentabilidade ambiental. Logo, um dos maiores desafios da RESEX Gurupi-Piriá é superar os entraves educacionais e ambientais, visando à construção de uma sociedade orientada para o bem comum.
Após essas ponderações iniciais, emergem variáveis que elucidam como se processa a educação nesta RESEX: Planejamento Educacional, Formação de Professores, Estrutura das Escolas e Merenda Escolar, Relação da Comunidade com dinâmica da educação local.
O Planejamento Educacional é todo realizado pela SEMED na área urbana de Viseu. Mesmo assim, entende-se necessário que esta secretaria consiga elaborar um Plano Municipal de Educação PME que ofereça subsídios material e intelectual para que cada escola crie seu Projeto Político-Pedagógico PPP, vinculado à questão socioambiental existente na RESEX. Enfim, é preciso superar o modelo educacional urbano, que estabelece uma educação de massa e homogeneizadora. No entendimento de Adorno (1995), é necessária uma educação que aja em prol de uma nova alternativa de ensino-aprendizagem, que respeite as especificidades culturais, ambientais e de trabalho na reserva. No entanto, não se intenciona atribuir à escola a função de salvacionista, mas reconhecer seu incontestável papel na sociedade.
Juntamente com o Planejamento Educacional, também se observaram programas do governo federal no município, como o Mais Educação, que é viabilizado financeiramente pelo Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE, e pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, programa que visa prover escolas com baixo desempenho no IDEB, localizadas em áreas de vulnerabilidades sociais, expandindo o direito à educação básica e fomentando a escola integral no Brasil. Outro programa é o PACTO, do Governo Federal, estendido para os Estados, Distrito Federal e Municípios, com vista a alfabetizar todas as crianças até os oito anos de idade, ao final do 3.º ano do ensino fundamental, como se depreende do Portal MEC (2014).
Para Saviani (2009), embora todas essas políticas públicas implementadas pelo Governo Federal aparentem ter tido sérios investimentos educacionais, ainda estão longe de representarem a garantia da qualidade da educação, visto que são impostas à sociedade sem que haja discussão ou participação popular, como se fossem dádivas ou esmolas, não atacando, de fato, os problemas em sua base.
Logo, isso demanda um processo de mudança e exige uma tomada de atitude que vise transformar a concepção do atual modelo educacional implementado nessas comunidades. É preciso exercitar o desapego ao sistema de ideias que norteia as políticas públicas direcionadas atualmente para essas áreas, sobretudo no que concerne à educação formal implementada nas RESEX Marinhas que, segundo Demo (2001), caracteriza-se como uma educação baseada no molde urbano economicista, voltado para formação de capital humano.
Nas três comunidades estudadas, a educação formal é ofertada pela SEMED de Viseu e funciona de maneira bastante deficiente, se comprada aos padrões estabelecidos pelo Ministério da Educação. A defasagem no quadro de servidores concursados é altamente elevada no município de Viseu. Em campo, constatou-se que a maioria dos professores e demais funcionários que estão atualmente lotados nesses espaços possuem apenas vínculo empregatício temporário; nas três comunidades, foram encontrados apenas três funcionários concursados da própria comunidade.
O ensino ofertado nas referidas comunidades vai da Educação Infantil Pré-escolar, Ensino Fundamental Menor, Ensino Fundamental Maior, ao EJA – Educação de Jovens e Adultos; na comunidade de Taperebateua, há também o EJA Campo para o ensino Médio. Na maioria das vezes, as turmas são organizadas em multisséries, que, de acordo Canali (2007), têm um único professor, que atende uma turma de alunos de diferentes séries na mesma sala de aula, com o auxílio de escassos recursos pedagógicos que possam atender minimamente o ensino.
Logo, é importante que haja um planejamento programado a respeitar para discutir as necessidades das populações tradicionais, ou seja, que o modelo educacional seja adaptado às características dessas comunidades pesqueiras, visto que o fluxo da maré e as atividades extrativistas influenciam, sobremaneira, a decisão de continuar, ou não, frequentando a escola. Daí, a importância do ensiidnto de Freire (2005), ao ressaltar que educação comprometida é aquela que está referenciada na realidade, com metodologias incentivadoras à participação e à luta por transformações sociais, com princípios firmados na liberdade, justiça e igualdade.
De acordo com os professores entrevistados, o trabalho com turmas multisseriadas é extremamente difícil, a começar pela diferença de idades, pela ausência de recursos pedagógicos, pela precária formação dos docentes e pela ausência de uma metodologia que possa envolver turmas díspares. Em Itacupim, por exemplo, a professora Doracir Ramos3 trabalha com a turma do 3º e 4º ano/9, formadas por 21 alunos; dentre estes, cinco são especiais. Doracir4 relatou que “[...] nunca houve por parte da SEMED qualquer orientação ou formação de como proceder metodologicamente no ensino-aprendizagem desses alunos”. Porém, o importante seria não apenas inseri-los na escola, mas integrá-los ao processo de aprendizagem.
No que concerne à formação de professores, observa-se a necessidade da promoção de uma política adequada de formação continuada que contemple nos projetos pedagógicos e nos currículos dos cursos de formação as questões referentes à educação especial e as especificidades de um modo de vida peculiar a áreas de Resex Marinhas. Igualmente, é necessário solucionar a deficiência nos acompanhamentos pedagógicos e no predomínio de classes multisseriadas com educação de baixa qualidade e baixos salários.
Ainda segundo a SEMED, os recursos destinados à formação de professores, aquisição equipamentos, kits tecnológicos, construção e reforma de escolas são oriundos dos Programas Educacionais mantidos pelo Ministério da Educação e governo estadual. Com relação aos professores que não dispõem da licenciatura, muitos estão cursando-as pelo Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, o PARFOR, e outros buscam a formação em faculdades particulares.
Outro agravante do modelo educacional implementado nas comunidades da RESEX encontra-se na carência de formação e qualificação técnica específica para trabalhadores e trabalhadoras de áreas marinhas. A escolarização aliada à formação técnica profissional desses atores é de suma importância para orientá-los no manejo dos recursos naturais, garantindo sua conservação, para ampliação de possibilidades e condições de geração de renda. De acordo com as lideranças da UC, este é um problema que, possivelmente, poderá ser amenizado com a implantação da Assistência Técnica Rural – ATER, estendida para áreas de RESEX Marinhas.
Outro grave problema está relacionado à infraestrutura das unidades escolares nas comunidades da RESEX, que apresenta sérios riscos de desabamento. Além disso, não possuem sala de informática, espaço atualmente indispensável dentro do processo educacional, refeitório, área de recreação e biblioteca na qual os alunos poderiam realizar estudos e pesquisas. Assegurar esses espaços é ampliar e diversificar os canais que viabilizam o aprendizado; é ir para além do uso dos livros didáticos que nem sempre atendem à demanda da escola.
O aparelhamento tecnológico dessas escolas apresenta uma grande deficiência. Na escola de Apeú Salvador, o equipamento mais próximo de uma copiadora seria um antigo mimeografo, à base de álcool e papel carbonado. De acordo com os dados do censo escolar de 2013 (QEDU, 2014) e constatação em campo, as escolas da RESEX disponibilizam ou deveriam disponibilizar, para fins pedagógicos, os seguintes recursos tecnológicos:

Por não dispor de um gerador próprio, a escola tende a depender da energia fornecida pelo motor comunitário, que funciona no contraturno da escola. Por conseguinte, o não fornecimento de energia elétrica direta, também inviabiliza a implantação de espaços pedagógicos, como: salas de informáticas, espaços multifuncionais, acesso à TV escola, utilização de equipamentos tecnológicos e outros meios, cujo acesso e qualidade poderiam colaborar para a melhoria dos resultados escolares, pois propiciariam melhores condições para a realização da Proposta Pedagógica da Escola.
Com relação à estrutura física das escolas de Apeú Salvador e Taperebateua, elas são construídas e assoalhadas com madeira, cobertas com telhas de amianto, que fazem com que depois das dez da manhã o espaço torne-se extremamente quente, com exceção da comunidade de Itacupim5 . Em depoimento, alguns professores de Taperebateua e Apéu Salvador ressaltaram que fica inviável desenvolver atividades pedagógicas por falta de espaço apropriado, por conta do calor, da poeira, da água quente e de outros agravantes que deixam os alunos “agoniados”6 .
Outra situação desfavorável nessas unidades de ensino diz respeito às condições das instalações sanitárias. Por se tratarem de instalações antigas e mal conservadas, professores e alunos acabam utilizando os banheiros de casas de parentes ou da vizinhança. Parte da estrutura física das escolas das comunidades investigadas pode ser visualizada nas Fotografias 1 e 2. 

            
Conforme a SEMED7 , a prefeitura municipal de Viseu vem atuando no sentido de melhorar o ensino no município por meio da implementação de reformas de escolas e da implantação do sistema modular nas comunidades interioranas de difícil acesso, inclusive nas comunidades da RESEX. 
 No que se refere ao abastecimento da merenda escolar8 , constatou-se que o fornecimento do alimento ocorre sem qualquer referência aos hábitos alimentares dos alunos. O cardápio é constituído por biscoitos, mingaus, sopas, massas e enlatados, o que acarreta em uma série de queixas. Os pais e alunos consideram que se trata de uma merenda “fraca, repetitiva e sem sustância”. Bezerra (2009) adverte que a merenda escolar deve ser um meio eficaz para fornecer, além da energia, os micronutrientes que atendam às necessidades nutricionais dos estudantes.
Longe de disporem de um cardápio com produtos regionais, com os quais os alunos já estejam familiarizados, o município de Viseu acaba desperdiçando a oportunidade de incrementar a geração de renda com produção local. De acordo com Badue (2007), esta distorção só será resolvida com o cumprimento das determinações do PNAE9 , que obrigam a inclusão de um percentual mínimo de alimentos in natura no programa de merenda escolar, com objetivo de atender a 15% das necessidades nutricionais diárias dos alunos, além das recomendações de estratégias e programas para o aumento da oferta de hortaliças e frutas nos espaços escolares.
Nas comunidades praianas de Apeú Salvador, Itacupim e Taperebateua foram registrados 322 alunos para o ano letivo de 2013. Nas escolas investigadas nestas comunidades, o índice de abandono escolar é considerado alto pelos padrões do MEC. Os dados do censo escolar comprovam que o Ensino Fundamental das unidades escolares de Taperebateua e Itacupim atingiu um índice de 5% de evasão. A situação agrava-se ao tratar-se da escola de Apéu Salvador, cujo índice atingiu a casa dos 16% de alunos evadidos do ensino fundamental em 2013 (PORTAL QEDU, 2015). Segundo recomendações do MEC (2015), a situação exige imediata intervenção na atividade pedagógica, sob o rico de elevar o número estudantes fora da escola.
Como se pode notar, a questão da evasão representa uma problemática latente no contexto da vida escolar nas comunidades, pois está muito acima das metas de recomendações. Conforme informações de professores, são inúmeros os fatores que levam os alunos a abandonarem a escola antes de término do período letivo; algumas das justificativas estão relacionadas a casamento precoce e a atividades trabalhistas.
Em depoimentos colhidos em campo, é possível inferir outras das possíveis justificativas para o abandono escolar nas comunidades da RESEX, como a ausência de perspectivas com relação à melhoria das condições de vida por meio do processo educacional; esta ainda é uma percepção comum entre algumas famílias, principalmente, entre os mais velhos. Em alguns casos, a manutenção do discurso de que a instrução escolar tem pouca importância para quem vive do trabalho da maré contribui para desestimular o interesse do jovem pela escola. Por conseguinte, a falta de consciências dos pais, em alguns casos, pela educação dos filhos influencia no desempenho escolar dessas crianças; a ausência de incentivo e a indiferença da escola levam ao desânimo e, consequentemente, à acomodação de alguns em relação ao estudo.
Somado a isso, as condições financeiras precárias também têm contribuído significativamente para a evasão escolar, mas, ainda assim, não é a principal responsável pelo abandono escolar de muitos desses jovens. Por meio de depoimento, a responsável da escola de Apeú Salvador ressalta que “[...] a maioria das crianças que desiste da escola são meninos. Depois que tomam gosto pela a maré, dificilmente conseguem conciliar trabalho e estudo. São jovens que ajudam os adultos na pescaria”10 . Casos como este foram registrados na investigação de campo: são adolescentes ou jovens estudantes que, desde muito cedo, assumem parcial ou totalmente a responsabilidades do sustento da casa por meio da atividade pesqueira.
De acordo com professores e responsáveis das escolas nas comunidades investigadas, o grau de envolvimento e de participação dos pais na vida escolar dos filhos é relativamente baixo. Em geral, a maioria dos pais aparece na escola apenas para efetuar matrícula, responder pela indisciplina dos filhos no ambiente escola, receber o boletim e acessar a declaração de frequência, necessária para a atualização do cadastro no Bolsa Família e Bolsa Verde 11.
Também foi constatado nas entrevistas com a comunidade, que a maioria dos extrativistas é analfabeta ou possui apenas o ensino fundamental incompleto. Esta situação foi identificada também por Pereira (2009) no processo de coleta de dados para elaboração do laudo socioeconômico de viabilidade da UC. Todavia, a situação de analfabeto não se constitui como obstáculo para a consciência do seu papel enquanto cidadão de direitos e deveres sociais. Pela experiência e pelo trabalho, eles assumem função em seu meio e tornam-se referências dentro de suas comunidades, chegando à liderança dos movimentos sociais. De acordo com Pinto (1993), mesmo que o sujeito simples não tenha escolaridade ou não seja alfabetizado, ele vai se apropriando de uma outra educação, que é adquirida no convívio social, nas relações, no trabalho.
Como dito pelo atual presidente, desde a criação da UC, em 2005, há quase dez anos, isso em 2015, ainda não havia  qualquer iniciativa factual do ICMBIO direcionada para atividades de educação ambiental; o que existe são apenas boas intenções, como, por exemplo, a proposta de projeto “Maracuanim”, direcionado para educação ambiental em escolas do ensino fundamental em algumas comunidades, embora a educação dentro da Política Nacional de Meio Ambiente (Brasil, 1981) seja condição determinante para a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental propícia à vida e ao desenvolvimento socioeconômico do país.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infelizmente, a RESEX Marinha Gurupi-Piriá ainda apresenta diversas fragilidades quanto ao sistema educacional direcionada para sua realidade. A adoção do modelo educacional citadino, há muito, tem prejudicado as crianças, os adolescentes e os jovens que vivem em comunidades de base pesqueira na costa litorânea amazônica. Submeter esta realidade aos parâmetros educacionais urbanos contraria os preceitos que reconhecem a educação enquanto direito de todos e o respeito às singularidades culturais e regionais, previsto na Constituição Federal de 1988 e na LDBEN 9394/96.
Portanto, a negação destes preceitos tem contribuído para sustentar a manutenção de sérios problemas de caráter educacional no município de Viseu e nas comunidades da RESEX Gurupi-Piriá, como, por exemplo, a evasão, a repetência e o analfabetismo funcional. Assim, é necessário não apenas viabilizar a presença da escola nesses espaços, mas também destacar o quanto é importante a implantação de uma educação formal diferenciada que atenda às necessidades reais atuais de sustentabilidade e a cultura dos povos das marés, definidas por meio das políticas públicas sociais.
Nestes termos, espera-se que os professores que atuam nas escolas dessas comunidades da RESEX estejam qualificados com cursos de formação contínua, baseados em novos paradigmas educacionais, para que estejam aptos a debaterem sobre a RESEX no desenvolvimento de suas atividades pedagógicas, e que possam atuar no incentivo e envolvimento da comunidade local e na formação de opiniões e proposições, considerando a importância da população como herdeira e fiel depositária das riquezas naturais e culturais que estruturam a RESEX Gurupi-Piriá.

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* Historiadora, Mestra em Planejamento do Desenvolvimento (NAEA/UFPA). Professora da Rede Estadual de Educação em Bragança/PA. Professora da Rede Municipal em Augusto Correa/PA. E-mail: adriamacedo@yahoo.com.br.
1 A Reserva Extrativista Marinha Gurupi-Piriá foi criada por meio do Decreto Presidencial de 20 de maio de 2005. Ela abrange uma área de aproximadamente 74.081 hectares, é constituída por 47 comunidades e envolve as zonas urbana e rural do município. Fonte: Diário Oficial da União.
2 CONFREM: Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras Marinhas do Brasil.
3 Entrevista concedida em 2014.
4 Entrevista concedida pela Profª. Doracir Ramos em 2014.
5 Embora seja um espaço pequeno e não comporte o número de turmas existentes, a escola de Itacupim é construída em alvenaria com cobertura de telhas de cerâmica.
6 Esses fatores tornam mais difíceis a concentração na disciplina e o envolvimento das turmas. Com isso, o aprendizado das turmas fica prejudicado.
7  Informações repassadas pela Coordenadora Geral de Ensino que representou a SEMED.
8 Quando há merenda, os alunos permanecem durante quatro horas na escola; quando não há, o tempo de trabalho destinado às atividades pedagógicas é reduzido e, muitas vezes, suprime-se o recreio e libera-se os alunos mais cedo.
9 PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) é um programa implementado em 1955, no qual são atendidos os alunos de toda a educação básica, matriculados em escolas públicas, filantrópicas e em entidades comunitárias (conveniadas com o poder público), por meio da transferência de recursos financeiros.
10 Professora Vanderliza de Sousa dos Santos, 33 anos (informação verbal, 2014).
11 De acordo com a gestora da UC, a comunidade de Apeú Salvador é a única que não recebe o Bolsa Verde, e não soube explicar os motivos para que o benefício não chegue a ela. Por meio deste estudo, é possível apontar que as dificuldades de acesso à cidade comprometem a permanente atualização dos dados das famílias no Cadastro Único, o que provavelmente está obstruindo o repasse do benefício aos usuários desta comunidade. Entrevista concedida em 2014.


Recibido: 02/12/2017 Aceptado: 23/01/2018 Publicado: Enero de 2018

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