Kamile Ferreira Araújo *
Lessí Inês Farias Pinheiro *
Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil
kamilearaujo@gmail.comRESUMO
O objetivo desse artigo consiste em compreender os fatores condicionantes ao desenvolvimento socioeconômico da Região Nordeste do Brasil, a partir da análise do Índice de Vulnerabilidade Social (IVS). De início, foi realizado um levantamento bibliográfico acerca da formação histórica, econômica e política do Nordeste, de modo a identificar os gargalos presentes na Região, que ocasionaram e perpetuaram a desigualdade em relação às demais áreas do país. Posteriormente, é feita uma interpretação direcionada para o IVS, que demonstra empiricamente a persistência do atraso nordestino, mesmo após a implementação de políticas de desenvolvimento regional, a partir da década de 1960. As características e o perfil de atraso relativo da região são analisados com base nas seguintes dimensões: infraestrutura urbana, capital humano e renda do trabalho.
Palavras-chave: Desenvolvimento regional. Vulnerabilidade social. Pobreza.
ABSTRACT
The objective of this article is to understand the factors conditioning the socioeconomic development of the Northeast Region of Brazil, based on the analysis of the Social Vulnerability Index (IVS). At the outset, a bibliographic survey was carried out on the historical, economic and political formation of the Northeast, in order to identify bottlenecks present in the Region, which caused and perpetuated the inequality in relation to the other areas of the country. Subsequently, an interpretation is directed to the IVS, which empirically demonstrates the persistence of the Northeastern backwardness, even after the implementation of regional development policies, from the 1960s. The characteristics and the relative delay profile of the region are analyzed with based on the following dimensions: urban infrastructure, human capital, income and work.
Key words: Regional development. Social vulnerability. Poverty.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Kamile Ferreira Araújo y Lessí Inês Farias Pinheiro (2018): “O atraso nordestino: condicionantes ao desenvolvimento da região nordeste”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2018). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2018/01/atraso-nordestino.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1801atraso-nordestino
1 INTRODUÇÃO
O panorama socioeconômico brasileiro tem como características intrínsecas à sua estrutura, a desigualdade regional e a pobreza acentuada em determinadas áreas do território. Nota-se que, ao longo dos anos, enquanto as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil alcançaram um padrão representativo de crescimento e desenvolvimento, as regiões Norte e Nordeste do país foram acometidas por um atraso substancial. O baixo dinamismo econômico atrelado aos expressivos problemas sociais vivenciados na região Nordeste ensejam uma investigação mais profunda acerca dos condicionantes ao seu desenvolvimento, como também dos elevados níveis de pobreza vinculados ao cenário em questão.
Em verdade, um conjunto heterogêneo de fatores acabou por comprometer o desempenho dos estados nordestinos. As causas das discrepâncias da região diante das economias dos demais estados do país abrangem desde aspectos históricos, como a complexa formação política, socioeconômica e do mercado de trabalho, às questões estruturais relativas à concentração fundiária e ao predomínio de atividades produtivas relativamente atrasadas, não deixando de considerar os aspectos ambientais da área. Sendo assim, o escopo deste artigo é analisar as condicionantes do atraso da Região Nordeste e a persistência da do seu atraso relativo, mesmo após a implementação de políticas de desenvolvimento regional a partir da década de 1960.
2 DESENVOLVIMENTO: CONCEITOS E DEFINIÇÕES
Adentrar ao campo de estudo do desenvolvimento econômico, em qualquer conjuntura, requer uma clara definição quanto ao que está sendo tratado por meio dessa terminologia, dado que desenvolvimento e crescimento econômico não são sinônimos. O estudo sobre o desenvolvimento econômico demonstra que a sua conceituação possui raízes teóricas e empíricas.
As raízes teóricas do conceito remetem aos economistas que associavam o termo desenvolvimento à ideia de crescimento econômico, especificamente em âmbito monetário. A abordagem empírica evoluiu a partir das flutuações econômicas do século XX, quando ficou demonstrado que a expansão do produto, de modo isolado, não desencadeia melhorias para a economia como um todo. As comparações entre as condições de vida das populações explicitam a diferença entre os dois conceitos, “quando o projeto social prioriza melhorias nas condições de vida dessa população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento” (FURTADO, 2004, pg. 484).
O crescimento econômico vincula-se ao aumento do Produto Nacional Bruto per capita, enquantoo desenvolvimento está associado à melhoria do padrão de vida da população e mudanças na estrutura econômica. Levando em conta elementos semelhantes, Bresser-Pereira (2008, p.1) afirma que o desenvolvimento econômico se trata do:
[...] processo de sistemática acumulação de capital e de incorporação do progresso técnico ao trabalho e ao capital que leva ao aumento sustentado da produtividade ou da renda por habitante e, em consequência, dos salários e dos padrões de bem-estar de uma determinada sociedade.
De modo mais específico, Oliveira (2002 apudBAIARDI; MENDES; MENDES, 2013, p.662) defende que:
[...] pensar em desenvolvimento é pensar também em distribuição de renda, condições de saúde, educação, preocupação com o meio ambiente e, portanto, voltar-se para a qualidade de vida. São nessas esferas, também, que se exibem as disparidades entre as diferentes regiões do país.
Ainda partilhando dessa linha de pensamento, Amartya Sen (2000, p. 28) sublinha que uma nova e adequada concepção de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda. Em outras palavras, sem desconsiderar a importância do crescimento econômico, é necessário enxergar as circunstâncias que estão além dele. Arrematando esta última definição, Celso Furtado declara que “o conceito de desenvolvimento compreende a ideia de crescimento, superando-a” (1967, p. 74). Percebe-se nessa breve revisão que o termo é passível de diversas interpretações e qualificações, não obstante à ideia central.
A visão de desenvolvimento econômico a ser empregada ao longo deste ensaio condiz com o ideário de maior abrangência, defendido por Sen e Furtado. Conforme Pedrão (2003, p.238), “a questão social da pobreza é parte inseparável da formação social, não podendo, portanto, ser colocada em separado da formação de classes e da formação etno-cultural”. Sendo assim, em se tratando dos agentes condicionantes ao desempenho econômico e social da região Nordeste, serão elencadas características de múltiplas dimensões sociais, no objetivo de compreender atrasos produtivos, educacionais, laborais, territoriais, dentre outros.
3 CONDICIONANTES DO DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO NORDESTE
O ponto de partida para esta apreciação dos condicionantes do desenvolvimento na Região Nordeste é o questioidnto levantado por Furtado (1981, p.12), sobre por que razão “é tão lento o nosso desenvolvimento social, a despeito do forte processo de acumulação e da relativa mobilidade que caracteriza nossa sociedade?”. A acumulação, por si só, não garantiu um desempenho ótimo para o território em questão. Assim, é verdade que as razões inibidoras do efeito óbvio esperado encontram-se na essência regional, como constatado por Raposo (2010, p.10), a seguir:
[...] as razões da decadência econômica do Nordeste têm explicações não só econômicas como, também, políticas e de origens históricas. Estas explicações históricas tanto podem ser seculares (por exemplo, a decadência da produção da cana de açúcar verificada a partir do século XVII) como, também, mais recentes – neste caso enquadra-se o fato de que o Nordeste, após participar centralmente do movimento revolucionário de 1930, não conseguiu se inserir no processo de desenvolvimento industrial que passou a ocorrer, a partir de então, nos estados do Centro-Sul. Outro importante aspecto para entender qual foi a dinâmica do desenvolvimento do Nordeste brasileiro é relativo à alternância entre governos e períodos desenvolvimentistas e estabilizadores
A formação econômica nordestina é complexa e crucial para o seu desempenho. Ao longo dos séculos, o território sofreu inúmeras transformações, que lhe renderam diferentes posições no cenário econômico nacional. Para a definição dos principais períodos de análise, toma-se como referência Baiardi, Mendes e Mendes (2013), ao considerarem que a causa do atraso Nordestino encontra-se em dois momentos específicos da sua constituição. O primeiro deles concerne ao período colonial, no qual a região ocupou uma posição recuada, e o segundo momento foi identificado no século XX, em decorrência esquecimento do território no âmbito de atuação das políticas públicas do Estado frente às regiões Sudeste e Sul do Brasil.
A metrópole portuguesa, visando à exploração máxima do território, buscou mecanismos viáveis, diante dos aspectos fisiográficos da área, no intuito transformar o ambiente colonial em uma fonte de riquezas. A base da economia nordestina durante a colonização foi o cultivo da cana de açúcar, calcado na monocultura, concentração fundiária e mão de obra escrava. Além de responsável por dinamizar a atividade econômica, a cultura açucareira constituiu a fonte de subsistência da população, bem como o principal produto exportado. Neste mesmo período, destacaram-se também as atividades de pecuária e a produção de algodão.
A abundância de terras férteis permitiu a constituição de grandes unidades produtivas. Contudo, o fato de destinar os investimentos a uma única atividade agrícola comprometeu a ampliação de atividades econômicas alternativas e, consequentemente, o avanço econômico da região. Mariano e Neder (2006) destacam que desde o período colonial, o cultivo da cana de açúcar viveu ciclos alternados de prosperidade e longos períodos de crises, cujos efeitos incidem sobre outros setores da economia da região, além dos impactos diretos sobre o desemprego dos trabalhadores dos engenhos e usinas. Araújo e Souza (2009, p.184) ilustram esse transcurso como a emergência de um “Nordeste exitoso e de economia dinâmica, mas socialmente fraturado”. Acerca disso, Furtado também afirma que:
A formação da população nordestina e a de sua precária economia de subsistência - elemento básico do problema econômico brasileiro em épocas posteriores - estão assim ligadas a esse lento processo de decadência da grande empresa açucareira que possivelmente foi, em sua melhor época, o negócio colonial - agrícola mais rentável de todos os tempos (FURTADO, 2005, p.72).
O domínio dos interesses políticos e sociais das velhas oligarquias, retratado principalmente pela concentração fundiária, constituiu um potencial limitador do desenvolvimento. Segundo Almeida, (1974, p. 64), “a propriedade da terra tornou-se uma fonte de poder econômico e político no Nordeste desde o século XVI”. Trata-se de uma realidade contrastante e intensa até o contexto presente, capaz de justificar a problemática agrícola atual. Sobre isso, Araújo, Campos e Lacerda ressaltam ser:
[...] possível observar um confronto entre grandes propriedades, algumas produtivas e, do lado oposto, os minifúndios, maioria deles considerados estabelecimentos pobres e detentores de poucos recursos naturais, bem como de equipamentos escassos. Estes últimos apresentam, em geral, baixa produtividade o que compromete a geração de renda [...] (ARAÚJO; CAMPOS; LACERDA, 2013, p. 6).
Dito de outro modo encontram-se de um lado as grandes propriedades caracterizadas pelo alto nível de produtividade e baixa absorção de mão de obra e, como contraponto, emergem do lado oposto minifúndios pobres, marcados pela escassez de recursos naturais, bem como de capital físico e capital humano qualificado.
Enquanto existem no Nordeste mais de 2 milhões de estabelecimentos agropecuários enquadrados no perfil da agricultura familiar, existem poucos mais de 250 mil estabelecimentos enquadrados como não familiar. Entretanto, os estabelecimentos da agricultura familiar ocupam uma área de aproximadamente 28 milhões de hectares comparados com os aproximadamente 41 milhões de hectares dos estabelecimentos não familiar, o que demonstra uma considerável concentração fundiária (CASTRO, 2012, p.12).
O outro grande negócio da economia nordestina no período colonial foi o tráfico de escravos, tendo em vista o custo-benefício oriundo da sua comercialização. Enxergando o escravo como um mero servo, os senhores não se preocupavam com as condições de moradia e saúde dos mesmos, de modo a viverem expostos a riscos e serem simplesmente descartados quando não havia mais serventia. Esses fatores, unidos a má gestão e foco apenas no retorno lucrativo por parte dos senhores e, ora, da própria metrópole, comprometeram o funcioidnto de toda uma população. Quanto à economia açucareira, é possível afirmar que a mesma:
[...] produziu uma estruturação social própria. A pirâmide social no Nordeste dos engenhos é constituída por uma grande massa de população escrava ou proletária, formada por negros, mestiços e brancos pobres no ápice de uma pequena maioria de brancos. Não há lugar para a classe média nessa sociedade escravocrata. Entre os senhores de engenho todo-poderosos e a massa escrava, os que são livres, mas não possuem fortunas, são anulados, esmagados, desaparecem, assimilados e absorvidos pela classe inferior (ZEMELLA, 1950, p.491).
Diante da elevada concentração de terras na região e da ausência de uma política de reforma agrária, trabalhadores sem terra tentavam empregos em grandes propriedades rurais, assim como pequenos agricultores que faziam dessa uma alternativa para complementar a renda familiar (MARIANO e NEDER, 2006). Enxerga-se nesse cenário o sucesso de uma dada atividade econômica cujos retornos desiguais se prolongaram, nas relações sociais, políticas e econômicas vigentes – a herança dos longos séculos de escravidão (ARAÚJO e SOUZA, 2009). O processo de acumulação nesse momento priorizava a incorporação de novos fatores ao processo produtivo, sem que fossem realizadas mudanças de cunho estrutural na região. Desse modo, fica claro que a região Nordeste não teve o seu desenvolvimento devidamente estimulado, visto que as atividades que seriam capazes de impulsionar a economia e promover a melhoria da qualidade de vida população acabaram por instigar a riqueza das elites, em sua maior parte.
Partindo para os séculos XVIII e XIX, as demais regiões brasileiras alcançaram resultados econômicos virtuosos. Como detalhado ainda por Araújo e Souza (2009), os avanços percebidos em atividades como o garimpo em Minas Gerais, a borracha na região amazônica, a pecuária (na parte meridional do país) e o café (em São Paulo) foram significativos.
Já no início do século XX, o Sudeste se consolidou como um núcleo industrial que, no entanto, não avançou em âmbito nacional. Enquanto isso, surgem no Nordeste, como unidades industriais importantes, fábricas têxteis e de alimentos, cujas atividades, apesar de cooperarem para o crescimento, não alcançaram a mesma representatividade das exportações de produtos primários, como também não foram determinantes quanto à ampliação do mercado interno.
O processo de industrialização começou no Brasil concomitantemente em quase todas as regiões. Foi no Nordeste que se instalaram, após a reforma tarifária de 1844, as primeiras manufaturas têxteis modernas e ainda em 1910 o número de operários têxteis dessa região se assemelhava ao de São Paulo. Entretanto, superada a primeira etapa de ensaios, o processo de industrialização tendeu naturalmente a concentrar-se numa região. (...) Os dados da renda nacional parecem indicar que esse processo de concentração se intensificou no pós-guerra. Com efeito, a participação de São Paulo no produto industrial passou de 39,6 para 453 por cento, entre 1948 e 1955. Durante o mesmo período a participação do Nordeste (incluída a Bahia) desceu de 16,3 para 9,6 por cento. A consequência tem sido uma disparidade crescente nos níveis de renda per capita. Em 1955, São Paulo, com uma população de 10.330.000 habitantes, desfrutou de um produto 2,3 vezes maior que o do Nordeste, cuja população no mesmo ano alcançou 20.100.000. A renda per capita na região paulista era, por conseguinte, 4,7 vezes mais alta que a da região nordestina. Essa disparidade de níveis de vida, que se acentua atualmente entre os principais grupos de população do país, poderá dar origem a sérias tensões regionais (FURTADO, 2005, p.234).
É possível compreender mais claramente o papel da indústria para a consolidação do desenvolvimento econômico. O autor considera o aumento da atividade do setor secundário em relação às praticas agrícolas, a migração da mão de obra para as cidades, redução das importações de produtos industrializados e a menor dependência de auxílio externo, como requisitos potenciais para que uma dada região alcance um novo patamar. Seguindo essa ótica, a economia nordestina deveria ser integrada no processo de desenvolvimento do país (SANDRONI, 1994).
Em 1959, mais especificamente no governo Juscelino Kubitschek, durante o qual o Estado foi veementemente preconizado como condutor da economia, foi instituído Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN, a primeira iniciativa formal do governo federal pela atenuação da desigualdade regional. O grupo, coordenado pelo economista Celso Furtado, realizou pesquisas que apontaram para um quadro de baixo desenvolvimento e estado de depressão econômica no território nordestino. Sob a influência do ideário cepalino, a solução apontada para reversão desse problema seria promoção de reformas estruturais através da inserção da região no processo de industrialização e da utilização dos fatores dinamizadores da economia, como o setor exportador. O mecanismo responsável por colocar em prática essa proposta foi a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), bem como a intervenção direta do Estado no fomento de políticas públicas.
O receituário então sugerido pelo próprio Furtado, em termos da adoção de políticas públicas mais ativas para tratar dessa problemática, é por demais conhecido: a estratégia da intervenção estatal planejada, por fim consubstanciada na criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em fins de 1959 (VIDAL, 2004, p.109).
Assim, a partir da década de 1960, ocorreram mudanças qualitativas na região em virtude dos impactos decorrentes de investimentos representativos para a região Nordeste, como por exemplo, a Refinaria Landulpho Alves e a Usina de Paulo Afonso, além de mecanismos de planejamento e financiamento, como o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), em 1952. O ingresso de recursos federais via BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, atual BNDES), viabilizou investimentos em melhores condições de moradia e infraestrutura, além da geração de empregos e agitação do mercado interno, que colaboraram fortemente para a recuperação da economia. A aplicação dessas políticas regionais implicaram diretamente no crescimento do PIB tanto do Nordeste, quanto no cenário nacional, como retratado na tabela 1.
Na década de 1960, o crescimento médio do Nordeste foi de 3,5%, e em 1970, período correspondente ao “milagre econômico”, foi de 6,7%, quando o crescimento do PIB nacional foi de 8,6%. Nos anos de 1990, o Brasil deparou-se com mandato de Fernando Henrique Cardoso, que teve como pilar o ideário neoliberal pregado pelo Consenso de Washington, que focava no Estado mínimo. Nesse contexto, o governo federal buscou não se envolver diretamente na dinâmica econômica, de modo que o sistema guiou-se a partir das próprias oscilações do mercado. Nesse período, observou-se uma queda no crescimento do PIB nordestino, que foi reduzido de 3,3%, resultado da década anterior, para 2,1%. Já o PIB nacional teve seu crescimento reduzido já na década anterior, 1980, com a variação de 1,6%.
Esse período foi marcado pelo rompimento com projeto desenvolvimentista, tendo em vista a atitude do governo ao deixar de promover políticas regionais. Esse momento foi determinante para que as desigualdades entre as regiões brasileiras, principalmente em relação ao Nordeste, se tornassem ainda mais acentuadas, uma vez que a região necessitava visivelmente da atuação do governo federal em sua economia. Nesse período, a formação de blocos regionais dentro do país se intensificou ainda mais, de modo a sobrepor as regiões Sul e Sudeste em relação às outras, por conta do seu avanço e facilidade em atrair investimentos, como ressaltado por (PESSOTI; SAMPAIO, 2009b):
Regiões menos desenvolvidas, como o Nordeste, que ainda necessitavam do auxílio da União na tentativa de transformar a sua realidade, ficavam extremamente prejudicadas com esse novo paradigma do governo federal. Este cenário tornava a região mais suscetível a sofrer um processo de involução industrial, em virtude de sua capacidade de atrair capital ser bastante inferior ao eixo motor da economia brasileira localizado no Sul-Sudeste (PESSOTI; SAMPAIO, 2009b, p. 57).
Em meados de 2003, ocorreu uma retomada do papel do Estado como condutor da economia, fato que implicou positivamente sobre o crescimento regional, sendo que a Região Nordeste cresceu acima da média nacional (tabela 1). Diante dessa situação, no inicio do século XXI, a marca do governo nos estados nordestinos foram políticas de incentivo à atividade industrial que resultaram em um melhoramento da estrutura produtiva do estado. Nesse momento, os avanços regionais conseguiram acompanhar o ritmo da evolução econômica nacional (ARAÚJO; CAMPOS; LACERDA, 2013).
As melhores condições de trabalho assalariado, o aumento das transferências de renda, bem como a ampliação do crédito, implicaram na expansão do consumo. Contudo, o incentivo ao crescimento das atividades produtivas no Nordeste, bem como as intervenções diretas do Estado na região, ao longo de várias décadas, não se mostraram suficientes para superar suas características socioeconômicas, a exemplo da desigualdade na distribuição de renda e de terra, a deficiência na incorporação de boa parte da população à oferta de serviços básicos, o baixo índice de desenvolvimento humano. Dessa forma não eliminaram, em sua totalidade, os efeitos da concentração econômica regional característica do cenário brasileiro, como se verá a seguir.
Em 2016 o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA lançou uma ferramenta que dá acesso a informações sobre a vulnerabilidade e a exclusão social dos municípios, estados e regiões metropolitanas do Brasil, o Atlas da Vulnerabilidade Social (AVS). Trata-se de uma plataforma digital que em que a vulnerabilidade social é expressa no Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), que é o resultado da seleção de 16 indicadores organizados em três dimensões: (i) infraestrutura urbana (ii) capital humano; e (iii) renda e trabalho (IPEA, 2017).
O IVS varia entre 0 e 1, sendo que nos valores quanto mais próximos a 1, maior é a vulnerabilidade social. Como sintetizado no Quadro 1, os valores de IVS entre 0 e 0,200 são considerados muito baixa vulnerabilidade social. Valores entre 0,201 e 0,300 indicam baixa vulnerabilidade social. Entre 0,301 e 0,400 são de média vulnerabilidade social, e entre 0,401 e 0,500 são considerados de alta vulnerabilidade social. Qualquer valor entre 0,501 e 1 indica que o município é indicador de muito alta vulnerabilidade social (IPEA, 2017).
Ao observar o IVS das regiões brasileiras no período coberto até o ano de 20101 pelo Atlas da Vulnerabilidade Social, percebe-se uma evolução positiva, visto que todas as regiões obtiveram resultados favoráveis na década, como apresentado na Figura 1. Entretanto a região Nordeste permanece com maior vulnerabilidade, sendo considerada a única área do país cujo índice (0,308) é mantido na faixa de média vulnerabilidade social. As outras regiões situam-se nas faixas de baixa ou muito baixa vulnerabilidade.
Ao desagregar o IVS nas suas três dimensões, percebe-se que a Região Nordeste apresentou melhora relativa apenas nos resultados referentes à dimensão infraestrutura urbana. Quanto às dimensões capital humano e renda do trabalho foram identificados na região os indicadores mais elevados (ou seja, maior vulnerabilidade social) de todas as regiões.
Analisando-se os dados do IVS – Dimensão infraestrutura urbana2 vê-se a evolução positiva dos resultados da Região Nordeste. Essa é a única dimensão em que o seu indicador é classificado como de baixa vulnerabilidade (Figura 2). Paradoxalmente, é nessa dimensão que as demais regiões apresentam os piores resultados, as regiões Sudeste e Centro-Oeste tiveram elevação do seu índice no período 2004 a 2014.
Na dimensão Renda do Trabalho 3, a Região Nordeste era a única região brasileira que estava classificada como de muito alta vulnerabilidade social em 2004, passando para média vulnerabilidade em 2014, sendo também a única região nesta faixa (Figura 3). As demais regiões encontram-se na faixa de muito baixa vulnerabilidade social, exceto a Região Norte que se encontra na faixa de baixa vulnerabilidade.
Os valores alcançados pela Região Nordeste na dimensão Capital Humano4 são semelhantes aos da dimensão renda do Trabalho, passando de alta para média vulnerabilidade social (figura 4). A região Norte, que em 2004 apresentava um indicador de muito alta vulnerabilidade social, conseguiu alcançar a faixa de baixa vulnerabilidade social.
Tal desempenho nas duas dimensões é especialmente preocupante uma vez que nestas dimensões encontram-se indicadores de como a proporção de pessoas com renda domiciliar per capita igual ou inferior a meio salário mínimo e taxa de desocupação da população de 18 anos ou mais de idade; % de pessoas de 18 anos ou mais sem fundamental completo e em ocupação informal (na dimensão Renda do Trabalho) e também mortalidade até 1 ano de idade, taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais e % de pessoas de 15 a 24 anos que não estudam, não trabalham e possuem renda domiciliar per capita igual ou inferior a meio salário mínimo (dimensão Capital Humano). Estes indicadores dão a medida dos problemas estruturais com os quais a região vem lidando ao longo do tempo, alto desemprego, ocupação informal, baixa escolaridade.
Não é necessário um olhar tão apurado para reconhecer que, apesar de todos os avanços e melhorias, parte substancial da população do Nordeste vive em condições de pobreza. A Figura 5 apresenta a informações para o ano de 2014 sobre a proporção de extremamente pobres e pobres de acordo com a linha de pobreza baseada em necessidades calóricas de acordo com as recomendações da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), na macrorregiões brasileira. Observa-se que em 2014, 1/4 da população nordestina vive em situação de pobreza e 9% vive em situação de extrema pobreza. Os dados mostram a situação relativamente desfavorável da Região Nordeste (como também da Região Norte) relativamente às Regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste.
* Percentual de pessoas na população total com renda domiciliar per capita inferior à linha de extrema pobreza (ou indigência, ou miséria). A linha de extrema pobreza aqui considerada é uma estimativa do valor de uma cesta de alimentos com o mínimo de calorias necessárias para suprir adequadamente uma pessoa, com base em recomendações da FAO e da OMS.
** Percentual de pessoas na população total com renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza. A linha de pobreza aqui considerada é o dobro da linha de extrema pobreza, uma estimativa com base em recomendações da FAO e da OMS.
Todo esse quadro, como se pôde observar, está enraizado na maneira como a economia foi conduzida durante todos esses séculos. Essa disparidade existente acaba comprometendo a qualidade de vida da população, no que diz respeito às carências multivariadas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se no território nordestino um problema estrutural, uma vez que a base na qual foi erguida a sua economia contou com ferramentas que, naquele momento, apresentaram-se convenientes e positivas, mas que, no decorrer dos anos, revelaram um prejuízo social significativo.
Neste contexto, a redução da pobreza surge como um dos principais objetivos em se tratando de desenvolvimento econômico e, normalmente, é conduzido por políticas de crescimento econômico e de distribuição de renda. Em conclusão, é possível extrair do que foi exposto que a ampliação da atividade econômica, por si só, não é suficiente para provocar mudanças estruturais e sociais.
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