Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O TRABALHO INTERSETORIAL NA ASSISTÊNCIA SOCIAL: O CASO DE UM MUNICÍPIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Autores e infomación del artículo

Natalia Serafim Da Silva *

Universidade Federal do Pará, Brasil

nataliaserafim@gmail.com

RESUMO

O presente trabalho discute a intersetorialidade para a atenção integral às famílias em vulnerabilidade social no Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família em um município do Estado do Rio de Janeiro, com reflexões sobre o papel dos Centros de Referência da Assistência Social na intersetorialidade. A técnica utilizada foi de entrevistas semi-estruturadas a profissionais que atuam na assistência social do município estudado e análise do conteúdo, dividido por categorias. Os resultados trazem as dificuldades para a efetividade do acompanhamento familiar.
Palavras-chave: Assistência Social. Intersetorialidade. Acompanhamento familiar. Vulnerabilidade social. Trabalho em rede.

ABSTRACT

This paper discusses the intersectoriality for the integral attention to individuals and families in a situation of social vulnerability in the Service of Protection and Integral Care to the Family in a municipality of the Center-South region of the State of Rio de Janeiro, bringing reflections on the role of the Centers (CRAS) in the intersectoral articulation. The technique used was semi-structured interviews analyzed by content analysis, from the division by categories. The results show the difficulties encountered for the effectiveness of family support.
Keywords: Social Assistance. Intersectoriality. Family support. Social vulnerability. Networking.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Natalia Serafim Da Silva (2018): “O trabalho intersetorial na assistência social: o caso de um município do estado do Rio de Janeiro”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2018). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2018/01/assistencia-social-brasil.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1801assistencia-social-brasil


INTRODUÇÃO

A Proteção Social Básica do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) visa atuar na prevenção de rompimentos de vínculos familiares e comunitários para atenção integral e fortalecimentos dos indivíduos e comunidades. Os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) são os equipamentos da Proteção Social Básica da Política de Assistência Social que têm como responsabilidade a articulação intersetorial dos serviços presentes no território de abrangência e a articulação da rede de garantia de direitos dos usuários da assistência social.
Os CRAS são responsáveis por três serviços: o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), o Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas e o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), que será o objeto de análise deste trabalho.
A intersetorialidade é central para a integralidade da atenção e para o enfrentamento das vulnerabilidades, mas pouco é falado ou discutido acerca de sua execução no PAIF, o principal programa da Proteção Social Básica da Política de Assistência Social. Os conceitos aparecem pouco definidos nos documentos da Política de Assistência Social, sendo a mesma dificuldade apresentada por outros autores em seus estudos em diversos campos, inclusive quanto ao monitoramento e avaliação dos efeitos da intersetorialidade. (GARCIA et al, 2014;  HARTZ; CONTANDRIOPOULOS, 2004)
Este estudo foi realizado no Município de Vassouras, localizado na região Centro Sul do Estado do Rio de Janeiro, a 120km de distância da capital do estado. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015 a população estimada era de 35.432 habitantes, sendo, portando, considerado de Pequeno Porte II pela assistência social. Tais municípios possuem as seguintes características: 20.001 a 50.000 habitantes/ 5.000 a 10.000 famílias; até 3.500 famílias referenciadas por CRAS; 3 técnicos de nível superior por CRAS, sendo dois profissionais assistentes sociais e preferencialmente um psicólogo; e 3 técnicos de nível médio por CRAS.
O município de Vassouras possui 3 Centros de Referência da Assistência Social (CRAS - todos ofertam o PAIF), 1 Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) e 1 abrigo para crianças e adolescentes. O município também conta com uma unidade do Conselho Tutelar, órgão autônomo com 5 conselheiros, além de psicólogos e assistentes sociais cedidos pelo município, vinculados à Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS).
A SMAS do município conta com 109 trabalhadores, sendo 25 estatutários de formação em nível fundamental, 42 de nível médio e 28 de nível superior. Não há empregados públicos celetistas. Há 1 profissional comissionado de nível fundamental, 6 de nível médio 7 de nível superior. No total, trabalham na SMAS profissionais de nível superior com formação nas áreas de serviço social (15), psicologia (8), pedagogia (2) e direito (1). 
Para o estudo de caso desta pesquisa, optou-se pela abordagem qualitativa, uma das possibilidades de compreensão de determinado fenômeno social. Considerando-se a importância deste tipo de pesquisa estar relacionado ao desenvolvimento social e à realidade, este estudo propôs estudar o problema específico da dificuldade de articulação intersetorial e do trabalho dos CRAS para execução do PAIF, partindo das falas de alguns dos sujeitos envolvidos nesse processo no município estudado.

INTERSETORIALIDADE E VULNERABILIDADE SOCIAL

O PAIF iniciou-se em âmbito nacional no Brasil nos anos 2000, sendo ao longo do tempo modificado e aprimorado. Conforme estipulado na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), é serviço obrigatório e exclusivo dos CRAS, cujas ações devem ter caráter continuado com vistas a garantir a efetividade.
O público prioritário do PAIF são famílias em situação de vulnerabilidade social, que pode ser decorrente da pobreza, do precário ou nulo acesso aos serviços públicos, da fragilização de vínculos de pertencimento e sociabilidade, dentre outros fatores. As famílias que devem ser prioritariamente acompanhadas são as beneficiárias de programas de transferência de renda (como o Bolsa Família) e benefícios assistenciais (como o Beneficio de Prestação Continuada - BPC) e famílias com pessoas com deficiência e/ou idosas em situação de vulnerabilidade social. (BRASIL, 2009)
O conceito de vulnerabilidade social abarca fatores diversos aos quais podem estar submetidos os sujeitos e famílias, não sendo restrita à condição de pobreza, mas de riscos diversos a partir de imposições econômicas, sociais e políticas. São características, portanto, vinculadas ao empobrecimento da classe trabalhadora, mas também a dificuldades culturais e de relacionamentos, uma vez que estas impactam diretamente nas vidas das famílias. A vulnerabilidade social implica na redução das possibilidades de respostas em situações de risco ou constrangimentos naturais da vida, com predisposição à precarização, vitimização e agressão. Também são consideradas as possibilidades de resiliência e resistência a estas situações, com disposição para enfrentar confrontos e conflitos em situações difíceis nas diversas fases do ciclo de vida. (ALVES; SEMZEZEM, 2013)

METODOLOGIA

            Para realização do estudo de caso, optou-se pela técnica de entrevistas semiestruturadas. As entrevistas semiestruturadas são de caráter semidiretivo, no qual o entrevistador utiliza um esquema ou guia para condução da conversa com o entrevistado. Foram realizadas entrevistas a profissionais da assistência social do município de Vassouras, visando identificar o papel dos CRAS e os desafios para o trabalho intersetorial no PAIF para a atenção integral aos indivíduos e famílias.
Às entrevistadas foi garantido o anonimato e sigilo das informações prestadas, mas as mesmas foram informadas de que, devido aos seus cargos e/ou funções, poderiam ser indiretamente identificadas. Todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para que as entrevistas fossem realizadas, contou-se com a anuência da Secretária Municipal de Assistência Social, mediante assinatura do Termo de Anuência.
O material coletado nas entrevistas foi posteriormente analisado pela técnica da Análise do Conteúdo, que busca indicadores que permitam inferências sobre os dados de um contexto.
As participantes do estudo foram profissionais da assistência social do município de Vassouras que atuam ou já atuaram no PAIF. O quadro 1 mostra o perfil das participantes do estudo, de acordo com o cargo/função atual, categoria profissional, tempo de formação, tempo de atuação na assistência social do município, tempo de atuação no PAIF, formação profissional e tipo de vínculo empregatício.

           
As entrevistas foram realizadas nos dias 4 e 5 de agosto de 2016, sendo gravadas em áudio e posteriormente transcritas, para melhor tratamento dos dados e análise do conteúdo.

INTEGRALIDADE E INTERSETORIALIDADE NO PAIF: MUNICÍPIO DE VASSOURAS

            A análise por categorias é o tipo de análise de conteúdo mais antigo e mais utilizado em pesquisas. É realizada desmembrando-se o texto em unidades a partir de reagrupamentos analógicos, mostrando-se rápida e eficaz para análise de discursos diretos, como é o caso das entrevistas realizadas para esta pesquisa. (BARDIN, 2011)
A partir da análise das entrevistas, o conteúdo foi dividido em quatro categorias: (1) trabalho intersetorial; (2) atuação do CRAS na intersetorialidade; (3) dificuldades do trabalho; e (4) acompanhamento familiar. As categorias apresentadas destacaram-se nas respostas das entrevistadas e foram escolhidas após repetidas leituras das transcrições das entrevistas, retirando-se o que nelas se mostrou de maior relevância para o tema estudado.

1 TRABALHO INTERSETORIAL

            Esta categoria analisa a maneira como o trabalho intersetorial tem acontecido até o momento no município estudado.
A Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) tem tomado a iniciativa das articulações com os demais setores, promovendo encontros intersetoriais mensais como estratégia para melhorar o trabalho em rede. Tal articulação tem acontecido através do contato direto entre os gestores das secretarias municipais. As profissionais relataram sentir necessidade de maior contato com outros setores para a melhoria do acompanhamento familiar.
As participantes do estudo relataram terem mais facilidade de articulação junto aos setores da saúde e educação, atuando caso a caso para troca de informações relativas ao acompanhamento das famílias e indivíduos. No entanto, tais ações são ainda pontuais e não institucionalizadas.
A maior facilidade de relacionamento com a saúde foi justificada pelas entrevistadas devido ao fato das equipes das Unidade de Estratégia de Saúde da Família terem bastante entendimento dos territórios atendidos e do acompanhamento sistemático. Por realizarem visitas domiciliares, possuem muitas informações sobre as famílias e indivíduos.
Em relação à educação, relataram uma boa abertura dos/das diretores(as) de escolas para o diálogo e discussão de casos, que encaminham algumas crianças e adolescentes para os CRAS. Entretanto, a maior facilidade de relacionamento com os setores da saúde e educação foi atribuída a equipes de trabalho específicas, e não aos setores de forma abrangente.
As equipes do setor de saúde do município vão eventualmente aos CRAS discutir temas com usuários e profissionais. A saúde apareceu, no entanto, como um dos setores que menos encaminha usuários para atendimento da assistência social.
A maior parte dos usuários chega aos CRAS através de demanda espontânea ou busca ativa realizada pelas equipes técnicas, sem serem encaminhados por outros setores.
Os setores citados pelas entrevistadas e que encaminham pouco para a assistência social foram: cultura, esporte e segurança pública. Este último geralmente encaminha para Proteção Social Especial (Centros de Referência Especializados da Assistência Social - CREAS) por atender muitas vítimas de violência. Os CRAS também recebem algumas demandas do CREAS.
O setor da educação encaminha pouco, mas o número tem aumentado recentemente por este setor ter recebido muitas demandas do judiciário que não sabe como resolver, buscando tentativas de solucionar juntamente com a assistência social.
No trabalho conjunto ao Conselho Tutelar (CT), as profissionais relataram que tem ocorrido grande judicialização dos casos, ou seja, muitos casos são encaminhados diretamente à justiça, chegando posteriormente ao conhecimento da assistência social. As participantes relataram dificuldades de relacionamento com o CREAS, pois a equipe encontra-se fechada, o que acarreta também dificuldades de definição e separação das atribuições entre PAIF e PAEFI (Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos, realizado nos CREAS).
Algumas propostas foram colocadas pelas entrevistadas, com vistas a melhorar a articulação intersetorial, como: maior divulgação do trabalho dos CRAS através de reuniões, grupos, panfletos, para ver quais parcerias poderiam surgir; contato através de visitas institucionais na sua área de abrangência; propostas de trabalhos em conjunto com outros setores; necessidade de escutar opiniões e sugestões de outros setores. As entrevistadas relataram que os profissionais de outros setores não entendem o que é a assistência social, pois os serviços ainda são pouco divulgados.

2 ATUAÇÃO DOS CRAS NA INTERSETORIALIDADE

Esta categoria traz as estratégias de trabalho adotadas até então pelos CRAS para a articulação do trabalho intersetorial na sua área de abrangência. As principais estratégias relatadas são: visitas institucionais para explicação do que é a assistência social e discutir casos específicos; contatos institucionais buscando parcerias no território; esclarecimento e orientações sobre o trabalho dos CRAS; e mapeamento dos serviços ofertados pela sociedade civil no território, para atendimento das necessidades onde o poder público não alcança.
Nas falas das entrevistadas ficou claro que os CRAS acabam por tomar a iniciativa de acionar os demais setores, secretarias, órgãos, instituições, ou seja, buscam fortalecer a articulação da rede, provocando encontros.
Em relação às estratégias específicas de trabalho de cada CRAS no município, o CRAS Centro organiza metas dentro da equipe de trabalho e busca os demais setores, divulgando os serviços para profissionais e alunos das escolas.
O CRAS Represa do Grecco foi o que relatou possuir melhor relação com as escolas da sua área de abrangência, que convidam a equipe do CRAS para participar das atividades nas escolas. Este CRAS busca articulação com organizações não governamentais, que encaminham usuários e disponibilizam benefícios eventuais que no momento o CRAS não está concedendo. Tais parcerias incluem em especial instituições religiosas. Realizaram também boa articulação com a associação de moradores de um dos bairros atendidos pelo CRAS.
O CRAS Toca dos Leões identificou o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) como a única ligação intersetorial com a saúde, mesmo com a proximidade física entre o CRAS e o Posto de Saúde da Família (único equipamento de saúde da área de abrangência), que são equipamentos vizinhos. Na área de abrangência deste CRAS, não há escolas e os alunos estudam em outros municípios, pois há dificuldades de transporte público para o centro de Vassouras, o que também dificulta articulação da equipe com as escolas.
Os CRAS também devem atuar identificando o público para acompanhamento, ou seja, quais famílias necessitam de acompanhamento sistemático no âmbito do PAIF. Para isso, algumas entrevistadas relataram que há necessidade de maior entendimento dos profissionais de assistência social em relação aos próprios processos de trabalho, assim como da importância do acompanhamento sistemático para as famílias. Isso se justifica por ainda existirem resíduos de uma visão assistencialista do trabalho da assistência social: no passado, eram realizadas ações paliativas para demandas imediatas, que não apresentavam caráter continuado.

3 DIFICULDADES DO TRABALHO

            Entre as dificuldades relatadas pelas entrevistadas, encontram-se as que dizem respeito ao trabalho dentro da assistência social (intrassetoriais) e aquelas que são relativas ao trabalho intersetorial.
No tocante às dificuldades intrassetoriais da assistência social, as entrevistadas destacaram: baixo quantitativo de profissionais de nível superior, com grande rotatividade, o que causa interrupções no acompanhamento familiar; falta de recursos materiais para o trabalho da equipe, como transporte para visitas domiciliares e institucionais, computadores e internet nos CRAS; maior necessidade de empenho profissional; e dificuldade de entendimento dos profissionais em relação a importância do planejamento dos processos de trabalho.
Outro aspecto citado foi a sobrecarga de trabalho dos profissionais, uma vez que isso dificulta a busca ativa de usuários para o serviço. Para elas, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos também consome demais os técnicos, o que prejudica o trabalho no PAIF.
Na tentativa de fortalecer o trabalho na assistência social, as equipes dos diferentes equipamentos (CREAS, abrigo) e do Conselho Tutelar têm se reunido com regularidade para discussão de casos e melhoria do trabalho com as famílias. As reuniões dos CRAS com a equipe do Conselho Tutelar são mensais e com a equipe do CREAS são bimestrais.
Em relação às dificuldades identificadas no trabalho intersetorial, as demandas do judiciário foram as mais citadas em todas as entrevistas. Para as entrevistadas, este setor traz cobranças e não busca parcerias para execução das exigências. Elas também relataram falta de compreensão da juíza e da promotora de justiça sobre qual o papel da assistência social, o que gera demandas equivocadas que não são próprias deste setor, além de prazos curtíssimos para execução.
As maiores cobranças realizadas pelo judiciário têm sido: concessão de aluguel social (cujo cadastro e acompanhamento deve ser realizado pela equipe dos CRAS) e estudo social para concessão de curatela1 , que não é atribuição da assistência social e sim da equipe do Fórum. Tais demandas têm sobrecarregado a assistência social, que se vê obrigada a responder solicitações que não dizem respeito às suas responsabilidades. As participantes relataram que é exatamente do judiciário que a assistência social tem recebido o maior número de demandas ultimamente, e que muitas vezes deixam de fazer o acompanhamento familiar para atende-las.
Outra dificuldade destacada foi a de se estabelecer articulações institucionais e não pessoais. Atualmente a articulação acaba por ser feita entre os profissionais de maneira informal, através da amizade, sem basear-se no pressuposto da importância do trabalho conjunto entre os setores e serviços.
Nas diversas tentativas de fortalecimento da intersetorialidade, as profissionais relataram que há grande burocratização no contato com outros setores. A sobrecarga de trabalho dos profissionais dos outros setores também foi citada como uma dificuldade. Frente a tantas demandas, a intersetorialidade não se torna prioridade. Por não trabalharem de forma integrada, os profissionais demonstram desentendimento em relação às demais políticas, segundo a opinião das entrevistadas.
As participantes relataram perceber falta de representatividade dos outros setores nas reuniões de rede e que o olhar dos diversos setores sobre os usuários é fragmentado, ou seja, não veem o usuário na totalidade das suas necessidades. Foram identificadas também dificuldades de reconhecimento do papel da assistência social, que ainda é bastante vista como “favor” ou “caridade”, e não como direito social. Também que há falta de reconhecimento da importância da política de assistência social, por serem vistos resultados mais imediatos nos outros setores.
Em relação ao setor saúde, as entrevistadas relataram que este atua somente sobre as questões estritamente relacionadas à saúde física, não apresentando uma preocupação em relação às outras demandas que as famílias possam apresentar.
O desconhecimento dos demais setores em relação às atribuições da assistência social acarreta demandas equivocadas a este setor. Por exemplo: escolas encaminham para o CRAS demandas de acompanhamento psicológico (para dificuldades de aprendizagem, por exemplo), demanda esta que não cabe à assistência social e que deveria ser direcionada ao setor saúde do município. Uma das entrevistadas, que atua também no setor da educação, relatou que o setor da educação está essencialmente preocupado com o aproveitamento escolar, não atentando muito para outras necessidades dos alunos e famílias, ou não sabendo como resolve-las.
Para as participantes do estudo, os diferentes setores veem os usuários como unicamente usuários do serviço, e não como cidadãos do município, com múltiplas demandas. Isso faz com que os usuários circulem por todos os serviços, cada um deles se ocupando exclusivamente das demandas que lhes cabem, não buscando ações que visem à integralidade.

4 ACOMPANHAMENTO FAMILIAR

Esta categoria aborda como o PAIF é realizado no Município de Vassouras pelas equipes dos CRAS. Os atendimentos buscam atingir a integralidade da família, todas as suas necessidades, identificando a problemática do grupo familiar. As principais estratégias relatadas pelas profissionais entrevistadas foram: atendimentos particularizados à cada família; acolhimento coletivo (grupos de acolhimento); visitas domiciliares; encaminhamentos para outros serviços/setores; concessão de benefícios (auxílio natalidade, cesta básica, aluguel social); Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e grupos de famílias.
Os grupos do SCFV são divididos por faixa etária e os encontros acontecem 1 ou 2x por semana. As faixas etárias atendidas variam dos 4 anos de idade até a terceira idade (idosos). Os encontros são organizados de acordo com ciclos temáticos, e as atividades são realizadas por facilitadores de oficina (profissionais de nível médio). A entrada de profissionais concursados para execução das atividades do SCFV, em 2015, melhorou a continuidade da oferta deste serviço.
O planejamento das atividades do SCFV envolve a equipe técnica, que também realiza atividades pontuais com os grupos etários. As equipes técnicas também têm inserido os orientadores sociais e facilitadores de oficina do SCFV nos trabalhos realizados no PAIF.
O público prioritário para o PAIF são os beneficiários do Programa Bolsa Família. Visando a descentralização do Bolsa Família no município e o maior alcance das famílias para acompanhamento no CRAS, o primeiro preenchimento do Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico - quando a família deseja ser cadastrada para os programas sociais), é realizado pelo técnico de nível superior, que usa as informações como base para preenchimento do prontuário da família, que ficará no CRAS para acompanhamento. As atualizações subsequentes do CadÚnico são feitas diretamente no setor do Bolsa Família do Município, localizado na Secretaria Municipal de Assistência Social.
A maior parte dos usuários chega ao CRAS através de demanda espontânea, geralmente solicitando benefícios eventuais, como cesta básica e enxoval de bebê. Os CRAS recebem também usuários encaminhados por outros setores, mas em menor quantidade. As equipes realizam busca ativa visando trazer mais usuários do público prioritário para o PAIF e o SCFV. O caráter continuado das ações do PAIF é potencializado com o trabalho realizado no SCFV, que no momento é a melhor estratégia utilizada pelas equipes para realizar o acompanhamento familiar.
A inscrição no SCFV ocorre mediante encaminhamento do técnico do PAIF, que atende a família e identifica de forma integral as suas necessidades, encaminhando também para outros setores, se necessário. A partir dos atendimentos e de questões que surgem nas atividades do SCFV e nos grupos específicos, a equipe técnica elenca prioridades: algumas famílias necessitam de acompanhamento sistemático; outras, de encontros eventuais.
As entrevistadas relataram dificuldades nos fluxos de referência e contra-referência para acompanhamento das famílias e para identificar se as demandas foram atendidas por outros setores. A equipe técnica do acompanhamento familiar deve acompanhar os encaminhamentos realizados para saber se surtiram efeito.
O CRAS Toca dos Leões tem 158 famílias cadastradas em acompanhamento sistemático no PAIF. Do público atendido, 90% são beneficiários do Programa Bolsa Família. Das 70 famílias que moram no conjunto habitacional no entrono do CRAS, 80% são beneficiárias do Programa Bolsa Família e as 20% restantes têm o perfil para serem beneficiárias, mas atualmente não estão recebendo por descumprimento de condicionalidades. Neste CRAS foi identificada maior facilidade para acompanhar as famílias, pois o mesmo encontra-se fisicamente inserido na comunidade.
O CRAS Centro possui a maior área de abrangência. São ao todo 24 bairros, incluindo a área rural do município, o que faz com que este CRAS apresente maiores dificuldades para alcançar as famílias. Atualmente tem 478 famílias sendo efetivamente acompanhadas pelo PAIF, das 915 famílias cadastradas no equipamento. O público mais atendido neste CRAS é de beneficiários do Programa Bolsa Família, totalizando 399 famílias. No entanto, há uma nova e recente demanda surgindo para a assistência social, qual seja, trabalhadores assalariados que não mais conseguem suprir as necessidades de suas famílias.
Uma estratégia utilizada pela equipe do CRAS Centro para alcançar o público prioritário para o PAIF é o envio de correspondência às famílias que ainda não estão no acompanhamento sistemático, solicitando que compareçam ao CRAS para atendimento. Para melhoria dos serviços e maior alcance das famílias, a sugestão das entrevistadas foi ter uma equipe itinerante, que realizasse atendimentos nos bairros distantes, e um carro exclusivo para cada equipamento, uma vez que há escala para o uso dos carros disponibilizados pela Secretaria Municipal de Assistência Social para visitas domiciliares.
O CRAS Represa do Grecco possui, em média, 560 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família na sua área de abrangência, 430 com prontuários no CRAS e aproximadamente 250 em acompanhamento sistemático. Como estratégia para identificação do grau de gravidade da situação apresentada pelas famílias, a equipe técnica realiza uma classificação dos prontuários por cores.

5 DISCUSSÃO

No que tange às categorias de análise desta pesquisa, os principais aspectos que apareceram nas falas das entrevistadas, em relação à maneira como o trabalho intersetorial tem acontecido até então no município (“Trabalho Intersetorial” - categoria 1) dizem respeito, principalmente, aos encontros intersetoriais organizados pela Secretaria Municipal de Assistência Social para articulação da rede; os eventos organizados pela equipe do Programa Bolsa Família nos bairros, que têm proporcionado maior proximidade com os usuários; a maior facilidade de articulação com a saúde e a educação, em comparação com os demais setores; as dificuldades de serem estabelecidas articulações institucionais e não individuais; os poucos encaminhamentos recebidos dos outros setores; as dificuldades de articulação dentro do próprio setor da assistência social e as propostas trazidas pelas profissionais para fortalecimento da articulação, como uma maior divulgação dos serviços ofertados nos CRAS.
Na segunda categoria de análise (“Atuação do CRAS na Intersetorialidade”), foram destacadas pelas entrevistadas a realização de visitas institucionais; a busca de parcerias nos territórios de abrangência, o que inclui organizações da sociedade civil; a necessidade de esclarecimento sobre qual o papel dos CRAS e da assistência social; a necessidade de mapeamento dos serviços existentes nos territórios e as estratégias que cada CRAS desenvolve para sua atuação.
Na categoria “Dificuldades do Trabalho” (categoria 3), foram destacadas dificuldades relativas ao trabalho dentro da própria assistência social e as dificuldades no trabalho intersetorial. Dentro da assistência social, os pontos mais importantes para dificuldades dizem respeito ao baixo quantitativo de recursos humanos; a falta de alguns recursos materiais, como internet e carros para visitas; a falta de empenho de alguns profissionais; a sobrecarga de trabalho; a necessidade de planejamento dos processos de trabalho e de reuniões entre os equipamentos da assistência social. Em relação às dificuldades intersetoriais, destacou-se o recebimento de demandas equivocadas, em especial por parte do setor da justiça; a burocratização dos contatos institucionais; a sobrecarga de trabalho dos profissionais dos outros setores; a falta de interesse e/ou representatividade dos setores nas reuniões de rede; e o não reconhecimento da assistência social como direito social, ainda eventualmente vista como “favor” ou “caridade”.
Na quarta e última categoria (“Acompanhamento Familiar”), as estratégias de trabalho relatadas pelas participantes da pesquisa para cumprimento dos objetivos do PAIF dizem respeito a: atendimentos particularizados às famílias; grupos de acolhimento; visitas domiciliares; identificação de demandas e encaminhamentos aos setores responsáveis por saná-las; a concessão de benefícios pela assistência social; os grupos realizados no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos como forma de suporte ao acompanhamento sistemático às famílias; e as dificuldades no estabelecimento de processos de referência e contra-referência.
Nota-se que o setor da saúde foi citado pelas entrevistadas como sendo o setor com maior facilidade de relacionamento com a assistência social, seguido pelo setor da educação. Tal resultado se justifica pela abertura que tais setores apresentam para diálogo e disponibilidade para trabalhos conjuntos e discussão de casos. No entanto, os mesmos setores aparecem como aqueles que menos encaminham para os CRAS, o que pode parecer contraditório. Sobre isso, as entrevistadas relataram que na saúde os profissionais encontram-se assoberbados de trabalho e restringem-se à solução de problemas relacionados estritamente à saúde física e mental dos pacientes, não atentando para outras possíveis necessidades que poderiam ser demandadas à assistência social. O mesmo pode ser dito em relação ao setor da educação: os profissionais das escolas, sobrecarregados, concentram-se no desempenho escolar dos alunos e muitas vezes não sabem onde poderiam encontrar parcerias para a solução de outras questões e problemas das famílias dos alunos, o que muitas vezes, inclusive, poderia influenciar no rendimento escolar dos mesmos. Dessa forma, quando a assistência social procura os setores da saúde e educação, é bem recebida, mas os mesmos procuram pouco a assistência social, seja para trabalhos conjuntos, seja para encaminhamentos de casos.
No que concerne à Proteção Social Especial, o município não conta com equipe exclusiva de alta complexidade. O acompanhamento e monitoramento do fluxo de entradas e saídas de crianças das unidades é realizado e as equipes promovem articulação dos serviços de acolhimento com os demais serviços da rede socioassistencial e órgãos de defesa de direitos, realizando supervisão e suporte técnico, monitorando o tempo de permanência das crianças e adolescentes e fiscalizando a qualidade dos serviços de acolhimento
O município conta com programa/serviço de apoio e proteção a pessoas e famílias afetadas por situação de emergência ou de calamidade pública e tem articulação com órgão municipal de defesa civil.
A gestão municipal da assistência social desenvolve ações relativas ao Benefício de Prestação Continuada, distribuindo aos CRAS e CREAS listas territoriais atualizadas das famílias com beneficiários, inserindo-os nos serviços socioassistenciais, realizando cadastramento no CadÚnico e articulando a inserção destes nas diversas políticas sociais. Possui também informações territorializadas (listagens) das famílias inscritas no CadÚnico, dos beneficiários do Bolsa Família em cumprimento e em descumprimento de condicionalidades.
Em relação aos benefícios eventuais, são concedidos auxílio funeral e auxílio natalidade, que são regulamentados no município. O benefício eventual para situação de calamidade pública também é concedido e regulamentado, sendo disponibilizado tanto pela SMAS quanto pelas unidades da rede socioassistencial. Há também concessão e regulamentação de outros benefícios eventuais para situação de vulnerabilidade temporária, concedido pela SMAS e pelas unidades da rede socioassistencial, a exemplo da cesta básica.
O município não possui programa próprio de transferência de renda. O programa do governo estadual (Renda Melhor) foi extinto em 2015 e o único programa de transferência de renda que a população em vulnerabilidade conta é o Bolsa Família, cujo controle social é realizado pelo Conselho Municipal de Assistência Social ou comissão permanente deste.
O órgão gestor possui diagnóstico socioterritorial do município, atualizado em 2015, no qual constam: o perfil da população (composição etária, perfil socioeconômico, etc); indicadores relativos à demanda da população aos serviços socioassistenciais; mapeamento das unidades de atendimento socioassistencial; mapeamento de unidades de outras políticas públicas; informações sobre o território de abrangência dos CRAS; levantamento e pesquisa que apontam o número de pessoas em situação de rua no município (8), realizado em 2015; e levantamento e pesquisa sobre a incidência do trabalho infantil no município, com informações obtidas através de levantamento ou pesquisa já realizada por outra instituição.
A Secretaria Municipal de Assistência Social realiza campanhas, mobilização e sensibilização com a população do município, trazendo temas relativos à assistência social, através de atividades de abordagem social em espaços públicos, busca ativa de famílias com situação de trabalho infantil para cadastramento no CadÚnico e Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, incluindo-as no PAIF e no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado às Famílias (PAEFI), com aplicação de medidas protetivas às famílias.

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*Mestre em Educação Profissional em Saúde pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio - FIOCRUZ/RJ (2017). Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2012). Atualmente é professora colaboradora da Universidade Federal do Pará - Campus de Altamira e atua em consultório particular (Crescer Psicologia) na mesma cidade. É credenciada pela Polícia Federal para avaliação psicológica para uso de arma de fogo. Possui experiência profissional nas áreas de avaliação psicológica, psicoterapia, docência, assistência social e saúde, tendo atuado como psicóloga concursada em municípios do Estado do Rio de Janeiro. Reside em Altamira.
1 Função de curador exercida por pessoa encarregada de administrar bens.

Recibido: 23/01/2018 Aceptado: 30/01/2018 Publicado: Enero de 2018

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