Matheus Guimarães Lima *
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
mgl.geopp@gmail.comResumo: Esta pesquisa tem como objetivo relacionar a análise das práticas de lazer e sociabilidade de jovens apreciadores do Funk, com um dos conceitos chave da Geografia, que é território. Essa relação será abordada sob uma perspectiva geográfica e sociológica, focando principalmente na conceituação de território e de lazer, fazendo paralelo com a cena Funk local de Presidente Prudente, que ao longo da pesquisa pudemos observar. Os procedimentos adotados são pautados pela consulta bibliográfica pertinente, bem como pela realização de entrevistas com sujeitos inseridos na cenaFunk local. Por fim, o leitor poderá compreender um pouco melhor as práticas de lazer e sociabilidade dos jovens funkeiros, em uma análise que aborda um conceito chave da geografia, o território.
Palavras-chave: Território, espaço, lazer, sociabilidade, funk.
Abstract: This research aims to relate the analysis of leisure and sociability practices of young Funk lovers, with one of the key concepts of Geography, which is territory. This relationship will be approached from a geographic and sociological perspective, focusing mainly on the conceptualization of territory and leisure, parallel to the local Funk scene of Presidente Prudente, which throughout the research we could observe. The adopted procedures are based on the pertinent bibliographical consultation, as well as the accomplishment of interviews and application of questionnaires with subjects inserted in the local Funk scene. Finally, the reader will be able to understand the leisure practices and sociability of the young funkeiros a little better, in an analysis that addresses a key concept of geography, the territory.
Keywords: Territory, space, leisure, sociability, funk.
Resumen: Esta investigación tiene como objetivo relacionar el análisis de las prácticas de ocio y sociabilidad de jóvenes apreciadores del Funk, con uno de los conceptos clave de la Geografía, que es territorio. Esta relación será abordada desde una perspectiva geográfica y sociológica, enfocándose principalmente en la conceptualización de territorio y de ocio, haciendo paralelo con la escena Funk local de Presidente Prudente, que a lo largo de la investigación pudimos observar. Los procedimientos adoptados son pautados por la consulta bibliográfica pertinente, así como por la realización de entrevistas y aplicación de cuestionarios con sujetos insertados en la escena Funk local. Por último, el lector podrá comprender un poco mejor las prácticas de ocio y sociabilidad de los jóvenes funqueros, en un análisis que aborda un concepto clave de la geografía, el territorio.
Palabras clave: Territorio, espacio, ocio, sociabilidad, funk.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Matheus Guimarães Lima (2017): “As práticas de lazer e sociabilidade juvenis associadas ao funk em Presidente Prudente/SP”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/04/praticas-lazer-sociabilidade.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1704praticas-lazer-sociabilidade
Nas últimas duas décadas a juventude tem ganhado importância nos debates e estudos científicos, principalmente nos estudos sociológicos e antropológicos, além disso a juventude tem estado cada vez mais presente na mídia. Assim como a juventude, o lazer também é uma temática que há algum tempo tem ganhado escopo no contexto de debates e estudos científicos, bem como na agenda pública.
Naturalmente os jovens encontram no lazer uma importante ferramenta de sociabilidade, inserindo-se em contextos nos quais a produção do espaço e consequente territorialização se dão por conta de características identitárias adquiridas pelos sujeitos; no meio urbano essa identificação pode se dar de diversas formas, configurando as redes de lazer e sociabilidade bem como as tribos urbanas.
Na cidade de Presidente Prudente uma parcela considerável de jovens tem como meio de sociabilidade os bailes Funk, adquirindo características e simbolismos que se associam à esse estilo musical. O Funk da forma que o conhecemos nacionalmente surgiu no Rio de Janeiro em meados da década de 1980 e manteve-se continuamente popular entre os jovens periféricos ou de condição socioeconômica desfavorável, porém desde o início da segunda década do século XXI, a popularidade do Funk e suas vertentes tem se elevado bastante.
Iremos abordar as concepções de território, lazer e juventude, aliadas à análise histórica do Funk desde sua origem no estilo americano Miami-Bass até o surgimento de uma cena Funk na cidade de Presidente Prudente/SP; deve se notar que quanto aos simbolismos associados ao Funk há um elevado nível de consumo de produtos de certas grifes – que serão listadas posteriormente – que corroboram com a construção da identidade do funkeiro 1. Nessa cena limitada mas ativa, são personagens de destaque os MC’s locais, membros do grupo Tropa do DJ Robinho, grupo esse que dentro das limitações enfrentadas tem destaque entre os jovens funkeiros de Presidente Prudente/SP, sendo de fundamental importância na manutenção de uma cena cultural limitada porém efervescente.
Durante algumas semanas estive em contato com a Tropa do DJ Robinho, acompanhando a rotina dos membros, entrevistando-os e vivenciado a rotina de jovens funkeiros, tendo frequentado bailes Funk realizados em Presidente Prudente/SP. Os dados coletados entre os jovens funkeiros, associados aos conceitos geográficos possibilitaram fazer as conclusões relacionadas às práticas de lazer e de sociabilidade dessa tribo urbana específica.
Quanto à metodologia e aos passos da pesquisa, baseando-me em: Turra Neto (2008), Haesbaert (1997; 2004; 2006; 2007; 2009), Raffestin (1993) e Marcellino (1983; 1987; 2002; 2006), foram abordados aspectos como: Identidade, juventude, lazer, sociabilidade e consumo, além claro, de território. Os aspectos citados relacionam-se com o objeto de estudo: os jovens funkeiros e suas práticas de lazer e sociabilidade e consequente territorialização.
Foi necessário analisar a predileção dos jovens por algumas grifes; isso partindo do pressuposto que o consumo exacerbado de produtos de algumas grifes específicas, passou à ser adotado pelos jovens funkeiros, relacionando-se estreitamente com a construção de sua identidade.
Foram realizadas entrevistas bem como um ensaio de inserção entre os funkeiros, aos moldes da observação participante, que consiste em fazer a análise do objeto de estudo por meio da vivência em meio aos sujeitos que o compõe. O padrão de entrevista predominante na observação participante é o de entrevista não diretiva e não padronizada; as características principais são: detalhamento de questões e/ou fenômenos relacionados ao objeto de estudo, além da estruturação tão reduzida quanto o possível, de maneira que não haja grande interferência por parte do entrevistador durante a fala do entrevistado (COLOGNESE; MELO, 1998, p. 144).
Na organização do roteiro das entrevistas que foram feitas, foi utilizado o roteiro contextual, geralmente usado em análises qualitativas que buscam compreender aspectos relacionados à trajetória de vida do entrevistado, bem como na compreensão de processos sociais.
Colognese e Melo (1998, p. 143) defendem que a entrevista é um processo de interação social no qual o entrevistador tem como objetivo coletar informações quanto ao entrevistado. Uma entrevista, porém, não é uma conversa solta, sendo necessário direcionamento, no sentido de se obter informações que corroborem ou não com as hipóteses levantadas inicialmente.
Tendo como objetivo coletar dados que possibilitassem compreender o objeto de estudo, realizei entrevista com a Tropa do DJ Robinho em uma lanchonete chamada Kidogão do Alex, em Presidente Prudente; dessas entrevistas participaram cinco dos MC’s que compõe a Tropa. Em uma das saídas de campo – em um baile Funk – foram realizadas outras 39 entrevistas com os jovens funkeiros, nessa saída de campo foi utilizado o procedimento de observação participante, já citado anteriormente.
Em um momento posterior, categorizei as repostas dos entrevistados, relacionando-as à bibliografia consultada que embasou as considerações contidas nesse trabalho.
O território é um conceito que embora muito associado à Geografia, tem sido usado de maneira constante em outras ciências humanas, cada uma com uma diferente abordagem conceitual.
Haesbaert (2004, p.4) assevera que entre os geógrafos há uma tendência de enfatizar a materialidade ao se tratar de território, enquanto que a ciência política tende a focar nas relações de poder intrínsecas à conceituação de território, na maior parte das vezes relacionando-se com a concepção de Estado. O autor afirma ainda que ao se abordar território na Antropologia, o simbolismo e duas diferentes dimensões acabam sendo predominantes, principalmente ao se analisar as ditas sociedades tradicionais; já a Sociologia foca na intervenção do território nas relações entre os sujeitos, por fim a Psicologia usa a conceituação de território ao analisar a construção subjetiva da identidade dos sujeitos (HAESBAERT, 2006, p. 37)
De acordo com o autor:
Desde a origem, o território nasce com uma dupla conotação material e simbólica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra-territororium quando de térreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo – especialmente para aqueles que, com esta dominação ficam alijados da terra, ou no “territorium” são impedidos de entrar (HAESBAERT, 2007, p. 4).
Ratzel em sua concepção política de território, defendia-o como a expressão legal bem como moral do Estado, sendo a junção do solo e da população que o habita. Na concepção de Ratzel não haveria movimentos contrários à noção de Estado determinado e estático, e somente o uso de força poderia ameaçar o território.
De acordo com Ratzel apud Valverde (2004):
Nesta poderosa ação do solo que se manifesta através de todas as fases da História, bem como de todas as esferas da vida presente, há alguma coisa misteriosa que angustia o espírito; pois a aparente liberdade do homem parece aniquilada. Ele regra os destinos dos povos com uma cega brutalidade. Um povo deve viver sobre o solo que recebeu do destino, deve morrer aí, deve suportar sua lei (RATZEL apud VALVERDE, 2004, p. 3).
Souza (1995, p. 34) faz uma crítica à forma que Ratzel caracteriza o território devido ao fato deste enfatizar de maneira demasiada o poder do estado, não levando em consideração outros aspectos variáveis, relacionados principalmente ao modo de vida e as particularidades dos sujeitos que se apropriam do espaço, consequentemente se territorializando. De acordo com Turra Neto (2008, p. 469)
Durante muito tempo, a idéia tradicional de território esteve associada a uma área contígua, delimitada por uma cultura homogênea ou por um Estado-Nação, com soberania e controle de suas fronteiras. A Geografia e a Ciência Políticas tradicionais foram grandemente responsáveis pela fixação dessa perspectiva (TURRA NETO, 2008, p. 469).
Afirma ainda que, território:
É um “campo de forças”, uma rede de relações sociais que desenha limites e alteridades que se projetam espacialmente. Nesse sentido, o território não envolve necessariamente a produção concreta de um espaço, mas a apropriação de espaços já construídos, sobre os quais se projetam relações de controle e se estabelecem limites que definem um “nós” e um “eles”. Limites que são comunicados das mais diversas formas e a partir de diversas simbologias, compreendidas, sobretudo, pelos sujeitos que se colocam no quadro das relações que demarcam territórios (TURRA NETO, 2008, p. 467).
Raffestin (1993, p. 143) afirma em sua concepção de território, que o conceito é bastante amplo, não podendo se limitar à conceituações de cunho geológico, geomorfológico e/ou topográfico; sendo o território a própria expressão da materialização da dominação, assim como das relações de poder que se apropriam do espaço.
É frequente o uso de termos como: dominação, apropriação e controle ao se tratar de território; ao tratar de apropriação Lefebvre afirma que a apropriação é a finalidade da vida social (1974):
O conceito de apropriação é um dos mais importantes que nos tem podido legar séculos de reflexão filosófica. A apropriação é a meta, a finalidade da vida social. Sem a apropriação, a dominação técnica sobre a Natureza tende ao absurdo, na medida em que aumenta. Sem a apropriação, pode existir crescimento econômico e técnico, mas o desenvolvimento social propriamente tal se mantém nulo (LEFEBVRE, 1974, p. 164).
Ao abordar dominação e apropriação – baseado em Lefebvre – Haesbaert (1997) reforça aspectos da dimensão simbólico-cultural do território, o autor sugere que:
O território deve ser visto na perspectiva não apenas de um domínio ou controle politicamente estruturado, mas também de uma apropriação que incorpora uma dimensão simbólica, identitária e, porque não dizer, dependendo do grupo ou classe social a que estivermos nos referindo, afetiva (HAESBAERT, 1997, p. 41).
Partindo da anterioridade do espaço em relação ao território, Raffestin (1993, p. 143) frisa que o espaço se faz território como efeito dos sujeitos que nele se projetam; mais além o autor afirma que “ao se apropriar de um espaço, concreta e abstratamente, o ator territorializa o espaço. Santos e Becker (2007) afirmam que território é o espaço das experiências vividas, onde se dão relações permeadas pelos sentimentos e pelos simbolismos atribuídos aos lugares. São espaços apropriados por meios de práticas que lhes garantem uma certa identidade social/cultural (p. 109). De acordo com Haesbaert (2004, p. 95):
Podemos então afirmar que o território, imerso em relações de dominação elou de apropriação sociedade-espaço, "desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação político-econômica mais 'concreta' e 'funcional' à apropriação mais subjetiva e/ou 'cultural-simbólica' (HAESBAERT, 2004, p. 95).
Dessa forma, podemos afirmar que a apropriação dos espaços de lazer e consequente territorialização dos jovens funkeiros está relacionada à dimensão cultural; sendo que o processo se relaciona ainda à construção identitária desses sujeitos, estando intrínseca à prática do lazer, bem como à prática de sociabilidade e do consumo.
Em sua sistematização, Gomes (2003, p.4) defende que existem duas correntes de pensamentos opostos que abordam a origem do lazer. Uma corrente defende que o lazer já era uma prática presente nas sociedades antigas (RUSSEL, 2002; DE GRAZIA, 1966; MUNNÉ, 1980; MEDEIROS, 1975); já a outra corrente defende que o lazer é um fenômeno moderno originário nas sociedades urbanas industriais modernas (DUMMAZZEDIER, 1979; MARCELLINO, 1983; MELO, ALVES JUNIOR, 2003; MASCARENHAS, 2005).
De acordo com Cunha (2016, p. 4), na Roma Antiga os cidadãos iniciavam sua jornada diária de trabalho as seis ou sete da manhã e encerravam ao meio dia. Os cidadãos tinham então muitas horas livres por dia, dispondo ainda de escravos que realizavam boa parte das atividades cotidianas. Ao longo dos anos haviam feriados frequentes, que em latim eram chamados de feriae publicae, bem como os dies festi, os dias festivos de celebração; no império de Augusto esses dias livres de atividades laborais se difundiram grandemente.
A grande parcela de tempo livre que os cidadãos tinham, deve ser compreendida porém, como ócio e tempo de não-trabalho. Embora fossem frequentes os dias livres, e as jornadas laborais diárias curtas, este estilo de vida era compartilhado apenas pelos cidadãos romanos, que compreendiam parcela ínfima da população do império, que era composto por uma vasta maioria de escravos que eram explorados ao extremo.
A concepção moderna de lazer desassemelha do ócio da antiguidade, tendo sua origem no século XIX como consequência da Revolução Industrial, quando houve um grande crescimento na produção que acabou por colocar muitos trabalhadores em condições degradantes de trabalho, de até 18 horas diárias.
Nesse momento, protestos e greves dos trabalhadores, acabaram por regulamentar a jornada diária laboral nas fabricas em 8 horas; entende-se então que nesse primeiro momento o descanso era o lazer desses sujeitos, destinado à manutenção de sua força de trabalho e eventual realização de alguma outra atividade não laboral que proporcione prazer (MARCELLINO, 2002, p.13). O autor sustenta que na sociedade atual em que vivemos, na contemporaneidade, o lazer mais do que descanso e diversão, possibilita o desenvolvimento social e pessoal do sujeito (MARCELLINO, 2002, p. 13), o autor ainda defende lazer:
Como a cultura – compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciada (praticada ou fruída), no ‘tempo disponível’. É fundamental como traço definidor, o caráter ‘desinteressado’ dessa vivência. Não se busca, pelo menos basicamente, outra recompensa além da satisfação provocada pela situação (MARCELLINO, 2006, p. 2).
Gomes afirma nesse sentido, que:
Com algumas exceções, uma ação bastante comum é a oferta de atividades esporádicas, o que reforça a concepção de lazer como um simples produto a ser oferecido. Associar o lazer com a cultura ressalta a importância de aprofundarmos conhecimentos sobre esta última. O lazer é uma das importantes dimensões da cultura, assim como o trabalho, a educação, a família, dentre outros (GOMES, 2008, p. 4).
Considerando a cultura de maneira mais ampla, Marcellino (1987) a entende como uma conjuntura de fatores: fazer, ser, interagir e representar. Fatores estes que são produzidos socialmente e envolvem simbolismos, definindo a maneira como a vida social se desenvolve (DE MASI, 2001, p. 12).
Ao analisar as dinâmicas juvenis nos espaços de lazer, é usado de acordo com Simmel (1983), o conceito de sociabilidade, que é a materialização da interação entre sujeitos de forma pura e espontânea, seria uma interação que se faz por si própria, onde o interesse reside na interação entre sujeitos com aspirações semelhantes (TURRA NETO, 2008, p. 234).
O estilo musical no Brasil conhecido como Funk tem sua origem no estilo americano Miami Bass, que desembarcou no Rio de Janeiro em meados da década de 1980 e foi adaptado por DJ’s cariocas, rapidamente caindo no gosto dos jovens periféricos.
Alguns pioneiros como DJ Marlboro receberam destaque na mídia televisiva já nessa época, consequentemente o estilo musical se popularizou Brasil afora. Esse processo continuou se expandindo na década de 1990, artistas como Claudinho & Buchecha se tornaram fenômenos midiáticos e o Funk continuou popular, porém somente a partir do ano de 2010 que o estilo atingiu um patamar de popularidade sem paralelo anteriormente (PINHEIRO-MACHADO; SCOLCO, 2014, p. 9).
A disseminação da internet e consequente facilitação para a produção e divulgação de músicas, fez com que surgissem cenas locais e regionais de Funk, formadas por artistas amadores por todo o Brasil. Em Presidente Prudente/SP surgiu uma cena de bailes Funk, apoiada em um grupo chamado Tropa do DJ Robinho, composta por um DJ e quatro MC’s.
DJ Robinho é o produtor e empresário do grupo, embora nas horas vagas exerça outras funções para complementar sua renda, como vender frutas ou entregar marmitas. Os MC’s são: MC Dark, MC Laurinho LB, MC Nego da Oeste e MC Etoo. Nenhum dos MC’s se dedica apenas à musica, todos exercem outras profissões braçais que constituem praticamente a totalidade de sua renda, já que em diversas oportunidades não recebem qualquer valor por suas apresentações, apenas ajuda de custo como bebidas à vontade durante o baile.
4.1- NOITE DELAS
Sexta-feira, 21 de Outubro de 2015, chego ao salão da Associação Atlética Banco do Brasil – A.A.B.B em Presidente Prudente, onde ocorreu o baile Noite Delas, o lugar estava bastante cheio e fiquei algum tempo em uma fila até ser rapidamente revistado por um segurança antes de ter a entrada liberada.
Logo na entrada e já dento do baile pude perceber que os vestuários dos frequentadores era predominantemente de grifes que são associadas ao Funk tanto pela mídia como também por MC’s em muitas de suas músicas, sugerindo que enquanto símbolos, adquiriram características que se associam à construção da identidade dos jovens funkeiros.
As grifes predominantes eram: Billabong, Rip Curl, Oakley, Hollister, Abercrombie, Quiksilver, Ralph Lauren, Tommy Hilfiger, Lacoste, Adidas e Nike. No baile havia um bar a disposição e o som e a decoração eram de bom nível, sugerindo o profissionalismo da equipe de som contratada.
Nas horas seguintes entrevistei 39 jovens funkeiros, optei por não perguntar seus nomes, apenas suas idades, utilizando nomes fictícios para lhes tratar, já que em boa parte eram menores de idade. As perguntas foram as seguintes:
1) Defina Funk para você
2) Qual a importância desses bailes e festas?
3) Se vestir bem e/ou usar determinadas marcas é importante?
4) Qual sua opinião sobre as letras do Funk?
5) O Funk sofre preconceito?
6) Qual a opinião de seus pais sobre o Funk?
7) Qual a profissão de seus pais?
8) Qual sua ocupação?
No geral as respostas foram bastante similares, um jovem define Funk como “música das quebradas”, outro diz que “Funk é estilo de vida”. Quanto ao vestuário a opinião compartilhada por muitos é que “é importante sim, tem que tá portando o kit, um boot da hora, uma peita da Hollister” senão “como vai arrastar uma mina todo desarrumado?”; essa opinião é compartilhada por uma menina que diz que “nos faz chapinha, coloca um shortinho curto, eu e minha amigas só fica com os meninos bem arrumados, se tiver carro ou moto é melhor ainda”.
É notório que para esses jovens funkeiros, o consumo de produtos de certas grifes está ligado à identidade que constroem para si, estando ligada ainda à rede de sociabilidade que compartilham assim como à apropriação do espaço e territorialização. Outro aspecto que chamou atenção no padrão das respostas foi que a maioria dos entrevistados apenas estuda; seus pais em geral têm ocupações ligadas à informalidade e/ou serviços domésticos ou ainda construção civil, e em geral não gostam de Funk. Quanto à temática das letras, é unanime a opinião de que “as letras fala do que a gente gosta de ouvir” e “é isso ai mesmo, bebidas e roupas boas, isso que nós quer, e quem é que não quer?”.
4.2 ENTREVISTA COM A TROPA DO DJ ROBINHO
Algumas semanas depois, após estabelecer um contato inicial com DJ Robinho, combinei de encontra-los na lanchonete Kidogão do Alex. No nosso encontro pude obter mais informações quanto à trajetória de vida do DJ e dos MC’s, em nossa conversa de pouco mais de duas horas, permiti que eles falassem à vontade, evitando ao máximo interromper suas respostas. Dessa forma pude compreender que para os DJ’s assim como para os MC’s, o Funk é um modo de vida, que lhes proporciona muita satisfação e divertimento, mesmo em diversas oportunidades não recebendo nada por suas apresentações, com exceção do DJ Robinho que tem um cachê fixo de R$250,00.
A relação entre os membros do grupo de acordo com MC Etoo é “relação de irmãos, a gente se ajuda, se um subir sobe todos e se um cair caem todos”, quando questiono sobre as grifes favoritas deles MC Dark responde que as suas são “Oakley, Lacoste, Nike e Adidas” e que inspirado nos clipes de MC’s famosos e corroborando com o que disseram muitos dos funkeiros entrevistados no baile Noite Delas, “eu mesmo sigo no meu sonho de andar num carro da hora, ter grife e inspirar as pessoas”
Tentei lhes explicar os conceitos de sociabilidade por meio do lazer e apropriação do espaço além dos simbolismos associados, DJ Robinho compreendeu os aspectos envolvidos e afirmou que:
A molecada pobre que não tem muitas opções de lazer, de sair, o Funk é sim um jeito de fazer uma social. Você vai lá no baile, conhece outras pessoas que curte a mesma coisa que você, é legal. Essa questão dos símbolos que você falou, eu concordo, o Funk ficou associado com essas roupas de marca cara e isso além de ajudar com a mulherada, ainda passa um imagem legal, de que você tá tendo grana (DJ ROBINHO, 2015).
Nosso encontro terminou com um convite, DJ Robinho me convidou para acompanha-los em um show que fariam dali a três dias em um baile chamado Noite do Blackout. Aceitei o convite e combinamos que eu iria ao baile junto dos MC’s Dark e Etoo em meu carro, no que seria a última saída à campo desse trabalho.
4.3 – NOITE DO BLACKOUT
Na noite de 11 de Dezembro de 2015, peguei os MC’s Dark e Etoo em suas residências e partimos para o baile, na Chácara do Sol, onde o restante da Tropa nos encontraria. Entramos sem sermos revistados e a produção do baile logo nos entregou uma garrafa de whisky Red Label e latas de energético; esse seria o pagamento aos MC’s pelas apresentações. Ao longo da noite pude observar entre os funkeiros um padrão de vestuário semelhante ao observado semanas antes no baile Noite Delas; as grifes usadas assim como as músicas tocadas se assemelhavam.
A diferença primordial entre o baile Noite Delas e o baile Noite do Blackout é a presença de apresentações ao vivo de MC’s acompanhados por DJs, algo que não ocorrera no primeiro baile, onde somente um DJ se apresentava desacompanhado. Logo MC Etoo entrou com seus versos: “De R1 nos tira onda, palhaço nos incomoda, de Camaro conversível é do jeito que elas gosta, com vários kits, lançamento, to na moda, Ed Hardy, Brooksfield, 212 e Polo play e nas baladas somos chamados de rei”. Em seguida o MC Dark canta: “Montado num Veloster, nosso bonde pode. Nos conta com Deus mas não contamos com a sorte, de roda cromada, moto de mil cilindradas, vagabundo fica olhando mas não entende nada”.
As apresentações são muito bem recebidas pelo público, que pede para tirar fotos com os MC’s, que por alguns instantes se veem assediados como MC’s famosos à nível nacional. Fico ali ao lado fotografando o momento, e vendo o olhar de satisfação dos MC’s para o DJ Robinho, aproveitando seu momento de glória, assumindo as identidades de MC’s, de artistas.
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada nos leva à crer que a cena Funk em Presidente Prudente é limitada se posta em comparação com outras cenas de destaque nacional como a cena Carioca, a Paulistana e a da Baixada Santista.
A limitação reside no fato de não existirem casas noturnas cuja a temática Funk seja predominante na cidade, além disso, a cena local de Presidente Prudente se encontra no que Milton Santos chama de circuito inferior da economia já que não tem grandes produtoras de eventos por trás de sua estrutura organizacional; a divulgação dos eventos é feita somente pelas redes sociais e os MC’s na maioria das vezes não recebem por suas apresentações, sendo apenas o DJ pago.
Ainda assim, ficou evidente a predileção que os jovens entrevistados têm pelo baile Funk como opção de lazer e base de sua sociabilidade, entre sujeitos semelhantes que tem o Funk como ponto comum. A dimensão cultural do lazer se materializa no modo de vida desses sujeitos, que fazem parte de um fenômeno cultural cujas origens e prevalência se encontram centenas de quilômetros distantes. A apropriação dos espaços dos bailes Funk pelos jovens funkeiros em Presidente Prudente/SP e consequente territorialização desses sujeitos é um processo de reprodução do espaço baseado em aspectos simbólicos e identitários, que acabam por caracterizar as redes de lazer e sociabilidade, nas quais interagem sujeitos semelhantes no que tange ao valor dado por estes à simbolismos e à identidade construída e compartilhada.
As respostas dadas pelos entrevistados – incluídos DJ Robinho e os MC’s – bem como os questionários respondidos, sugerem que a cultura Funk é um fenômeno complexo, dividido em várias escalas de importância e que se disseminou à nível nacional, acompanhado de suas práticas de sociabilidade e de seus simbolismos.
Dessa forma podemos afirmar que embora haja diferença entre diferentes cenas Funk, o papel do funkeiro acaba sendo exercido de maneira mais ou menos semelhante independente da cena que abrange; as semelhanças residem no interesse puro e espontâneo de interagir com sujeitos semelhantes – a sociabilidade –, nas questões identitárias e nos aspectos simbólicos relacionados que se refletem nos modos de lazer, e consequente apropriação do espaço e territorialização.
6 – REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Graduado em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Estadual Paulista – UNESP, campus de Presidente Prudente. Atualmente cursa mestrado em Geografia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus Três Lagoas. E-mail: mgl.geopp@gmail.com
1 Funkeiro é o sujeito que tem apreço pelo estilo musical Funk e adquire identificação estética com o mesmo. Ver PINHEIRO-MACHADO; SCALCO (2014).
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