Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


PÓS-COLONIALISMO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Autores e infomación del artículo

Barnabé Lucas de Oliveira Neto *

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

barnabelucasneto@gmail.com

RESUMO: Tendo origem nas análises de literatura, o pós-colonialismo constitui-se como uma importante ferramenta teórica e política de questionamento dos fundamentos sociais, epistemológicos e culturais produzidos pelo Eurocentrismo. O presente artigo busca prestar contribuição à literatura nacional de Relações Internacionais sobre o pós-colonialismo ao sintetizar as principais discussões no âmbito do movimento. Assim, em primeiro lugar, será elucidado o conceito de pós-colonial, expondo os principais significados adquiridos por este termo. Em um segundo momento, é discutida como se deu a confluência entre o pós-colonialismo e as Relações Internacionais. Na terceira parte, objetiva-se introduzir os principais temas abordados pelos críticos pós-coloniais no âmbito das Relações Internacionais. Em seguida, são expostas as críticas pós-coloniais às teorias tradicionais, críticas e pós-modernas das Relações Internacionais, enfatizando a macrocrítica ao Eurocentrismo. Por fim, são apresentadas as críticas sofridas pelo pós-colonialismo, entre elas as críticas neomarxistas. Como conclusões, são reafirmadas as oportunidades de resistência aos discursos dominantes abertas pelo pós-colonialismo, além da inserção, ou ampliação, de temas marginalizados nos estudos tradicionais das Relações Internacionais pelos estudiosos da perspectiva.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria de Relações Internacionais; pós-colonial; pós-colonialismo; eurocentrismo; relações internacionais.

ABSTRACT: Originated in the literature analysis, postcolonialism is an important theoretical and political tool to confront the social, epistemological and cultural dominant bases produced by Eurocentrism. This article seeks to contribute to the national literature on International Relations on postcolonialism by synthesizing the main discussions within the scope of the movement. Thus, firstly, the concept of postcolonial will be elucidated by exposing the main meanings acquired by this term that evokes much discussion. In a second moment, it is discussed how was the confluence between postcolonialism and the International Relations. In the third part, the objective is to introduce the main themes addressed by postcolonial critics in the field of International Relations. Then, postcolonial criticism of traditional, critical and postmodern theories of International Relations are exposed, emphasizing the macrocriticism of Eurocentrism. Finally, the criticisms suffered by postcolonialism are presented, among then the neomarxist critiques. As conclusions, the article reaffirms the opportunities of resistance opened by postcolonialism to the dominant discourses, as well as the insertion, or extension, of marginalized subjects in traditional studies of International Relations held by postcolonial scholars.

KEY-WORDS: International Relations Theory; postcolonial; poscolonialism; eurocentrism; international relations.

RESUMEN: Habiendo nacido en los análisis de literatura, el post-colonialismo se constituye como una importante herramienta teórica y política de cuestionamiento de los fundamentos sociales, epistemológicos y culturales producidos por el Eurocentrismo. El presente artículo busca contribuir a la literatura nacional de Relaciones Internacionales sobre el post-colonialismo al sintetizar las principales discusiones en el ámbito del movimiento. Así, en primer lugar, se elucidará el concepto de poscolonial, exponiendo los principales significados adquiridos por este término. En un segundo momento, se discute cómo se dio la confluencia entre el post-colonialismo y las relaciones internacionales. En la tercera parte, se pretende introducir los principales temas abordados por los críticos postcoloniales en el ámbito de las Relaciones Internacionales. A continuación, se exponen las críticas postcoloniales a las teorías tradicionales, críticas y posmodernas de las relaciones internacionales, enfatizando la macrocrítica al Eurocentrismo. Por último, se presentan las críticas sufridas por el post-colonialismo, entre ellas las críticas neomarxistas. Como conclusiones, se reafirma las oportunidades de resistencia a los discursos dominantes abiertos por el post-colonialismo, además de la inserción, o ampliación, de temas marginados en los estudios tradicionales de las relaciones internacionales por los estudiosos de la perspectiva.

Palabras-Clave: Teoría de Relaciones Internacionales; Post-colonial; Post-colonialismo; Eurocentrismo; relaciones Internacionales.

 


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Barnabé Lucas de Oliveira Neto ((2017): “Pós-colonialismo e relações internacionais”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/04/poscolonialismo-relacoes.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1704poscolonialismo-relacoes


INTRODUÇÃO
            Com origem nas análises de literatura, o pós-colonialismo apresenta-se como, mais que uma teoria, um movimento de ruptura com os legados da modernidade ocidental, suspendendo e questionando fundamentos sociais, epistemológicos e culturais vigentes desde a ascensão de um etnocentrismo específico, o europeu, que apoiado pelo capitalismo foi capaz de difundir-se pelo mundo como nenhum outro jamais o fizera.
            A predominância da ciência e da filosofia europeia foi capaz de construir e naturalizar inúmeros conceitos, pressupostos e preocupações nos mais variados ramos da ciência social, daí a incidência do movimento pós-colonial sobre tais fundamentos. Ou seja, o pós-colonialismo apresenta-se como uma ferramenta, teórica mas também política, de questionamento a tais naturalizações e de ruptura com a história única apresentada.
            Para a ascensão da crítica pós-colonial nas análises de literatura, foi de suma importância o processo de descolonização que libertou mais da metade da população mundial do jubilo direto da dominação por determinados países, não que tal processo tenha significado o fim da primazia filosófica, científica e cultural anglo-americana, mas teve como consequência, mesmo que minimamente, a criação de uma consciência nacional que resultaria no desenvolvimento de análises questionadoras àquelas produzidas no outrora centro imperial.
            O presente artigo busca, ao mostrar como o movimento pós-colonial adentra nas Relações Internacionais e quais as principais discussões engatadas por ele, prestar uma contribuição de síntese à literatura nacional de Relações Internacionais sobre o pós-colonialismo.
            Para tal, o artigo encontra-se dividido em cinco partes. A primeira versa sobre o próprio termo pós-colonial, visto que esse se apresenta como um termo contestado e de múltipla aplicação. Busca-se, na primeira sessão, elucidar as principais formas de utilização do termo, não tendo assim nenhuma pretensão de esgotar a discussão sobre o conceito.
            Na segunda parte, discute-se a forma como o pós-colonialismo adentrou nas Relações Internacionais, ressaltando a importância natural dos temas discutidos por famosos autores pós-coloniais, como Said e Memmi, para a disciplina. São levantadas também algumas noções sobre o Terceiro Debate, quando a corrente engaja-se, junto a outras propostas, no questionamento dos alicerces que fundamentam o mainstream das Relações Internacionais.
            Em um terceiro momento, são tratados os principais temas discutidos pelos críticos pós-coloniais nas Relações Internacionais, sendo eles: poder da representação; interseções de raça e gênero; capitalismo global e casse; e resistência. Para tal, utiliza-se das contribuições de Chwodhry e Nair (2002), que bem exploraram tais temáticas.
            A quarta parte é dedicada à apresentação das principais críticas realizadas pelos pós-coloniais, enfatizando, em um primeiro momento, a “macrocrítica” ao Eurocentrismo, especialmente devido ao seu poder de construir narrativas dominantes; e, em um segundo momento, as críticas específicas dos estudiosos dentro da disciplina de Relações Internacionais.
            Por fim, são expostas as críticas realizadas ao pós-colonialismo, entre elas as críticas neomarxistas. Apresenta-se não apenas críticas referentes ao conteúdo dos estudos pós-coloniais, mas também em referência a forma como estes são feitos, ou escritos.

1. PÓS-COLONIAL: UM TERMO EM DISPUTA
É imprescindível, como primeira etapa da construção do que vem a ser o pós-colonialismo, elucidar, mesmo que minimamente, o termo pós-colonial. Chowdhry e Nair (2002, p.10, tradução nossa) alertam que se trata de “um termo contestado, que provoca muita admiração, controvérsia e ceticismo na academia”.
Ashcroft (1991), por exemplo, utiliza-se do termo para fazer referência a todas as culturas afetadas pelo processo de colonização levado a cabo por alguns países, especialmente os europeus. Hamza Alavi (2009), em concordância com o conceito empregado por Ashcroft, faz uso do termo para designar as “sociedade que foram colonizadas e agora são independentes, em outras palavras, os países ex-colônias” e que, devido ao processo de colonização, sofreram “impacto sobre o Estado, política, formação de classe, militares, burocracia, economia e outras partes cruciais” (KRISHNA, 2009, p. 64; 66, tradução nossa).
Grovogui (2010) deslocará o termo da arena física (espaços geográficos afetados pelo processo de colonização) para a arena teórica ao afirmar que o termo pós-colonialismo faz referência a “uma multiplicidade de perspectivas, tradições e abordagens para questões de identidade, cultura e poder” (GROVOGUI, 2010, p.248, tradução nossa).
Spivak (2010, p.64), uma das principais expoentes do movimento, afirma, apoiada na fórmula para interpretação ideológica de Pierre Macherey, que o conceito de pós-colonialismo faz referência a um relato “de como uma explicação e uma narrativa da realidade foram estabelecidas como normativas”, tendo como objetivo central “medir os silêncios” que foram estabelecidos por essa narrativa dita universal.
Santos (2004, p.8), por sua vez, definirá o pós-colonialismo como um

conjunto de correntes teóricas e analíticas, com forte implantação nos estudos culturais, mas hoje presentes em todas as ciências sociais, que tem em comum darem primazia teórica e política as relações desiguais entre o Norte e o Sul na explicação ou na compreensão do mundo contemporâneo. [...] A perspectiva pós-colonial parte da ideia de que, a partir das margens ou das periferias, as estruturas de poder e de saber são mais visíveis. Daí o interesse desta perspectiva pela geopolítica do conhecimento, ou seja, por problematizar quem produz o conhecimento, em que contexto o produz e para quem o produz.

A estes conceitos explorados, soma-se o do antropólogo Oliveira (2013, p. 41) que sintetiza o pós-colonialismo em um “processo de reordenação dos legados da modernidade, ao suspender os fundamentos sociais e epistemológicos vigentes no período de consagração do capitalismo e da ciência ocidental para descortinar relações de poder assimétricas que implicavam (e implicam) à subalternização”; e a definição de Pezzodipane (2013, p. 89), que apresenta o pós-colonialismo como a ruptura com a história única por meio das narrativas dos autores pós-coloniais de “suas próprias histórias”, nas quais vivenciaram “a experiência colonial e os processos brutais que ela impõe: a dominação, a desumanização, a realocação, a perda de identidade, a diáspora, o preconceito racial, a tortura, a banalização da vida, enfim, toda a insensatez que a natureza humana em desequilíbrio pode acionar”.
            Dessa forma, fica claro o pluralismo conceitual assumido pelo termo pós-colonial. Para fins analíticos, é possível diferenciar, como o faz Dirlik (1997), três empregos do termo pós-colonial. O primeiro deles faz referência à descrição literal de condições em sociedades que uma vez foram colônias, como nas definições de Ashcroft e Alavi. O segundo sentido assumido pelo termo é o de descrição de uma condição global após o período conhecido como colonialismo, substituindo assim o termo “Terceiro Mundo”. Por fim, o termo é empregado para designar um discurso sobre as condições advindas do fim do período colonial, sendo este discurso inspirado por orientações epistemológicas e psíquicas que são produto dessas condições, ou seja, uma formulação mais aproximada das definições de Grovogui e Santos.
            Expostos os significados adquiridos pelo termo pós-colonial, é necessário então entender como o discurso do pós-colonialismo, enquanto descrição das condições avindas do fim do período colonial, adentrou nas Relações Internacionais.

2. O PÓS-COLONIALISMO CHEGA ÀS RELAÇÕES INTERNACIONAIS  
A partir do processo de descolonização da África e da Ásia, mais da metade da população mundial se viu livre do domínio direto imposto pelos países colonizadores. Tal processo, como já era de se esperar, impulsionou uma série de estudos sobre o cenário mundial emergente, daí a origem do Pós-Colonialismo. Entretanto, ao contrário do que se poderia imaginar, as Relações Internacionais ignoraram por muito tempo os estudos produzidos nas “periferias do pensamento”, assim como a própria importância em se pensar o cenário emergente pós-colonial em novos termos.
            Entretanto, após o “protecionismo” teórico do mainstream, como nota Halliday (1994), as Relações Internacionais abriram relativo espaço para contribuições não tradicionais, como é o caso do pós-colonialismo. Tal “abertura” fica visível com o “Terceiro Debate” das Relações Internacionais, quando emerge um conjunto de novas propostas que estavam engajadas

em uma dissidência contra o imperialismo intelectual da abordagem moderna, pós-cartesiana científica do conhecimento e da sociedade e sua expressão principal expressão. No discurso positivista/empirista [...] todos estavam, nesse sentido, preocupados com a investigação metateórica, com a epistemologia e ontologia, com as pressuposições escondidas, compromissos e metáforas que na era do racionalismo científico moldaram as imagens dominantes da ‘realidade’, o ‘eu’ e a natureza da sociedade moderna. (GEORGE, 1989, p. 270, tradução nossa).

            Importante notar que esses “dissidentes”, incluindo os pós-coloniais, introduzem nas Relações Internacionais discussões que remetem ao centro da ortodoxia da disciplina, entre elas: inadequação da abordagem positivista/empirista para o estudo da sociedade e da política; preocupação com o processo pelo qual o conhecimento é constituído, salientando temas sociais, históricos e culturais em detrimento daqueles relacionados ao racionalismo “cogito”; e a construção linguística da realidade (GEORGE, 1989, p.272).
            Todavia, cabe aqui destacar como o pós-colonialismo em específico adentra e se relaciona com as Relações Internacionais. Inicialmente, é importante notar o papel desempenhando pelo Grupo de Estudos Subalternos para a expansão dos estudos pós-coloniais para outros campos acadêmicos, incluindo o de Relações Internacionais. O grupo, originalmente composto por intelectuais indianos interessados em revisar a história da Índia a partir de uma perspectiva pós-colonial, logrou larga influência na historiografia contemporânea a ponto de se tornar uma importante força teórica dentro da academia (KRISHNA, 2009, p.86). Essa expansão geográfica dos estudos pós-coloniais se deu com a publicação, em 1988, do livro Selected Subaltern Studies, editado por Ranajit Guha e Gayatri Chakravorty Spivak, e que viria a ser a verdadeira materialização do Grupo de Estudos Subalternos.
O movimento pós-colonial prestará, não apenas nas Relações Internacionais como em outras áreas da ciência social, atenção especial para as condições estabelecidas no momento que sucede o colonialismo. Assim, um evento específico da história das relações internacionais terá grande relevância analítica para os pensadores da perspectiva, assim como marcará o ponto de confluência entre ambos o pós-colonialismo e as relações internacionais: o (neo)imperialismo. O valor de tal ocorrência para a crítica pós-colonial se dá pelo fato de que este constitui “um momento histórico crítico em que as identidades nacionais pós-coloniais são construídas em oposição as europeias” (Chowdhry e Nair, 2002, p.2, tradução nossa).
A análise do (neo)imperialismo, no pós-colonialismo, é imprescindível para o entendimento do mundo contemporâneo. Spivak (2010, p. 67), por exemplo, afirma que “a divisão internacional do trabalho contemporânea é um deslocamento do campo dividido do imperialismo territorial do século 19”, em outras palavras, isso significa dizer que enquanto “um grupo de países, geralmente do Primeiro Mundo, está na posição de investir capital; outro grupo, geralmente do Terceiro Mundo, fornece o campo para esse investimento” (SPIVAK, 2010, p.67). Dessa forma, é possível enxergar concreta         mente os efeitos deixados pelo imperialismo no sistema econômico das antigas colônias, e como estes ainda beneficiam diretamente o funcionamento dos antigos colonizadores.
Nota-se que, apoiado nas obras que tratam do (neo)imperialismo e do momento da descolonização subsequente a este, o pós-colonialismo emergirá como uma perspectiva questionadora nas Relações Internacionais, desafiando as narrativas do mainstream, e até mesmo das teorias críticas e pós-modernas.
            Orientalismo, a obra mais conhecida de Edward Said, é considerada a inauguradora da corrente teórica pós-colonial, e será de grande relevância para a disciplina de Relações Internacionais pelo fato de trabalhar com conceitos como Ocidente e Oriente. Nela, Said foi capaz de identificar, por meio da análise da literatura produzida nos países de dominação colonial, como a relação entre Ocidente e Oriente é uma relação de poder e de dominação, que possui importantes implicações analíticas. Desse modo, o autor afirma que o “oriente ajudou a definir a Europa (ou o Ocidente), com sua imagem, ideia, personalidade e experiência de contraste” (SAID, 1990, p.13), em um processo no qual o “oriente expressa e representa esse papel, cultural e até mesmo ideologicamente, como um modo de discurso com o apoio de instituições, vocabulários, erudição, imagística, doutrina e até burocracias e estilos coloniais” (SAID, 1990, p.14).
Outra obra importante para a sinergia entre os estudos pós-coloniais e as Relações Internacionais é The colonizer and the colonized, de Albert Memmi, na qual o autor descreverá os processos de colonização realizados por alguns países do Primeiro Mundo, identificando, por exemplo, como o racismo, que se tornou um dos temas centrais do pós-colonialismo, foi construído dentro e para suportar o sistema de exploração, e como as práticas coloniais favoreciam o aumento populacional para reduzir os custos de trabalho (SATRE, 2003).
Mesmo apoiado em obras de grande relevância em outras áreas das ciências sociais, o pós-colonialismo, nas Relações Internacionais, têm tido impacto e influência mínima, ainda que muitos esforços para relacionar os estudos e preocupações pós-coloniais com a análise da política mundial e seu funcionamento tenham sido feitos (CHOWDHRY; NAIR, 2002). Salienta-se assim a resistência, especialmente por parte do mainstream da disciplina, em reconhecer as contribuições feitas pelos estudos pós-coloniais.
Chowdhry e Nair destacarão a contribuição de Darby e Paolini (1994) ao evidenciar três movimentos importantes para as análises pós-coloniais e de grande utilidade para as Relações Internacionais. O primeiro deles, originário dos estudos do Terceiro Mundo, é a representação ligada ao colonialismo, na qual o colonialismo significa “um conjunto contínuo de práticas que são vistas para prescrever as relações entre Ocidente e o Terceiro para além da independência das ex-colônias” (DARBY; PAOLINI, apud CHOWDHRY, NAIR 2002, p.14, tradução nossa). Segundo, a preocupação com a recuperação e resistência das sociedades. Por fim, as discussões dos termos “hibridismo” e “diáspora” e em como os mesmos caracterizam a sociedade globalizada e mista.
Porém, afirmam Chowdbry e Nair (2002), mesmo que estes movimentos sejam importantes, pelo fato de oferecerem uma visão ampla sobre as preocupações pós-coloniais, eles não incorporam outros pontos de igual relevância para um estudo e contribuição consistente nas Relações Internacionais. Assim, as autoras destacam que as interseções de raça, gênero e classe, da mesma forma que a sobreposição da cultura e capital, são essenciais para um melhor entendimento da política mundial contemporânea.

3. TEMAS CENTRAIS NO PÓS-COLONIALISMO EM RELAÇÕES INTERNACIONIAS
Como destacada na sessão anterior, a temática do (neo)imperialismo é essencial para a confluência entre pós-colonialismo e Relações Internacionais. Busca-se nessa sessão tratar de outros temas discutidos pelos críticos pós-coloniais, como as questões de raça, gênero e desigualdade de classe.
Nessa construção, é de relevante citar o debate realizado por Chwodhry e Nair (2002, p.15) que buscam entender o exercício do poder nos espaços global, nacional e local, assim como os legados do colonialismo e práticas materiais e culturais que ainda moldam as relações internacionais. Para tal, as autoras destacam como temas principais para a análise das relações internacionais e do poder as seguintes questões: poder da representação; interseções de raça e gênero; capitalismo global, e classe; e resistência.
O primeiro tema, o poder da representação, pode ser facilmente deixado de lado nas análises das relações internacionais mais descuidadas, mas, segundo Chowdhry e Nair (2002, p. 15), emergem trabalhos que tratam de outros temas e estudiosos que dirigem atenção para o poder que as construções discursivas possuem de naturalizar um conjunto de pressupostos “dados” em Relações Internacionais. Ao dar ênfase às questões de cultura e de representação, esses estudiosos desafiam noções sobre soberania, segurança e outros temas recorrentes que adquiriram grande peso nas discussões tradicionais das relações internacionais, ou seja, desafia-se assim a as temáticas de caráter quase dogmático, aquelas trabalhadas pelo mainstream das Relações Internacionais.
Autores como Said e Spivak foram cruciais, e permanecem como referências, para os estudos sobre representação. Said (1995) em Cultura e Imperialismo, por exemplo, colocará em destaque como a autoridade e o domínio do Ocidente moldaram a forma como o Oriente é representado, a ponto de constituir-se uma hegemonia no sentido gramsciano, que corresponde a preponderância de uma forma cultural ou de um consenso em detrimento de outras ideias. Além de Gramsci, Said, fundamentado por Foucault, mostrará como há uma relação entre o poder e a construção de um campo de saber na questão da representação.
Pelo fato de persistir uma hegemonia ocidental, é importante o envolvimento com o problema da representação, assim como suas implicações raciais e de gênero. Assim, Chowdhry e Nair, e outros pós-colonialistas, terão como grandes preocupações entender como o poder é promulgado em locais através da representação, principalmente ocidental; como isso se manifestará em relações de dominação e subordinação que perduram após a independência desses locais; e como o processo de colonização produziu implicações nas questões de raça e gênero de uma sociedade.
Chowdhry e Nair (2002, p.17) acreditam que, para analisar o poder nas relações internacionais, são necessárias ligações entre representação, poder, raça e gênero. Essa crença conduz ao segundo tema de incidência dos estudos pós-coloniais: as interseções entre gênero e raça. Para Chowdhry e Nair (2002, p.17), os significados de raça e gênero derivam de sua localização ou história, e entender a interseção ou relação entre raça, gênero e classe é fundamental para compreender a política mundial. Importante lembrar que, assim como o tema da representação, as questões de raça e gênero foram igualmente negligenciadas pelo mainstream das Relações Internacionais, ocorrendo então que foram os pós-colonialistas os responsáveis por argumentar primeiramente que a anarquia está relacionada com pressupostos de raça e gênero, e não com uma condição universal como é frequentemente apontada.
Além disso, os estudiosos do pós-colonialismo mostram como raça e gênero foram importantes para a construção da nação e de uma identidade nacional, e como essa construção foi baseada em critérios de inferioridade de certos povos e nações. Chowdhry e Nair (2002, p. 18, tradução nossa) afirmam ainda que “uma das características fundamentais para o do domínio econômico, político e cultural contemporâneo pelo Ocidente do Terceiro Mundo é a construção da raça, que foi formalizada sob o domínio colonial”.
O terceiro tema, globalização e classe, possui centralidade para o entendimento da política mundial. Como era de se esperar, muitos autores pós-coloniais que trabalham com a questão foram influenciados pelas obras de Gramsci e Marx, entretanto uma parte deles, ao querer realizar uma análise inclusiva e abrangente, rejeita o que é chamado de “marxismo eurocêntrico”. Todavia, o marxismo, segundo Chowdhry e Nair (2002, p.23, tradução nossa), é de bastante relevância para os estudos pós-coloniais, pois “permite-nos compreender o conluio do capitalismo e do colonialismo e desfazer o efeito do imperativo desses conluio para interpretar histórias do Terceiro Mundo [somente] em termos de lógica do capital”, em outras palavras, o marxismo permite uma interpretação da lógica do capital sobre o imperialismo e os seus posteriores efeitos no mundo colonizado.
            Tamanha é a importância do marxismo na temática da globalização e classe que Spivak (2010, p.67), por exemplo, faz uso de noções ligadas ao marxismo para tratar da nova divisão internacional do trabalho contemporâneo, no qual, como já destacado aqui, “um grupo de países, geralmente do Primeiro Mundo, está na posição de investir capital; outro grupo, geralmente do Terceiro Mundo, fornece o campo para esse investimento”.
Por fim, a quarta temática corresponde à resistência. Chowdhry e Nair (2002, p. 25, tradução nossa) destacam que “do ponto de vista de muitos estudiosos pós-coloniais, descobrindo opressões, e finalmente mudando o olhar em direção às práticas de colonização da Europa e dos Estados Unidos, constitui uma forma de resistência”, ou seja, perceber as opressões e dominação que existem é uma forma de resistência, principalmente em uma disciplina majoritariamente anglo-americana presa aos pressupostos eurocêntricos, na qual as preocupações com as nações periféricas foram e são negligenciadas. Said, por exemplo, acredita que essa noção de resistência implica “a necessidade política de tomar uma posição, de essencializar estrategicamente uma posição a partir da perspectiva daqueles que foram e são vitimados e continuam a sofre” (CHOWDHRY; NAIR, 2002, p. 25, tradução nossa).
Em suma, o principal ponto levantado por Chowdhry e Nair (2002, p.26) em relação à resistência é que a abordagem pós-colonial abre possibilidade de resistência frente aos discursos de representação e poder ao formular suas próprias suas contranarrativas, devido a isto, acreditam que o pós-colonialismo responde de modo mais satisfatório muitas questões que são debatidas na política mundial e nas relações internacionais.
            Por outro lado, alguns autores apontam que a resistência seria conceituada como recuperação, uma recuperação que “implica luta política e a libertação do jugo colonial, e a busca de, e a realização da, identidade cultural, uma identidade que tem sido sistematicamente degradada e negada pelos colonizadores” (CHOWDHRY; NAIR, 2002, p. 26, tradução nossa), ou seja, essa resistência, ou recuperação, corresponde a perceber a opressão e dominação que persiste no mundo contemporâneo, identificando aqueles vitimados por questões relacionadas à raça, gênero ou classe. Após a identificação das vítimas, o processo de recuperação da identidade e da cultura dessa sociedade precisa ser realizado.
A partir dessa última noção de resistência como recuperação, a preocupação do pós-colonialismo não é apenas o de resolver a questão da representação, mas reconhecer em quais espaços os processos de resistência e recuperação podem tomar forma.

4. AS CRÍTICAS PÓS-COLONIAIS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Antes de adentrar nas críticas específicas do pós-colonialismo no âmbito das Relações Internacionais, há uma “macrocrítica” realizada pela literatura pós-colonial que merece atenção especial. Devido ao repudio dos críticos da corrente às narrativas dominantes, e como estas são produtos do Eurocentrismo, a crítica ao etnocrentrismo europeu se torna a principal tarefa dos estudiosos do pós-colonialismo.
Nessa questão, a obra de Said (1990) se apresenta como ponto de partida para entender como o etnocentrismo europeu, e o ocidente em si, foram forjados por meio de uma construção, material e discursiva, da identidade oriental, e como essa construção estabeleceria uma relação de vantagem, superioridade e dominação ocidental do Oriente, uma relação na qual o Oriente sempre é visto como o “outro”, adquirindo um caráter “clandestino”.
Segundo Sanjay Seth (2009), o pós-colonialismo, assim como a sociologia histórica, constitui uma estratégia para desafiar o Eurocentrismo. Entretanto, diferentemente da sociologia histórica, o pós-colonialismo não buscará apenas corrigir as bases da ciência social e fazer alguns “ajustes”, pois dessa maneira os “problemas da política do conhecimento permanecem, precisamente porque as categorias centrais das ciências sociais são produto da história europeia” (SETH, 2009, p. 336, tradução nossa). Assim, o movimento pós-colonial é mais receptivo à ideia de que o conhecimento é capaz de “criar” novas condições, não buscando apenas “recontar” a história.
Complementando a ideia de Seth, Grovogui (2010, p.248, tradução nossas) defende que o

pós-colonialismo aspira participar na criação de ‘verdades’, com base nos distintos modos de significação e formas do conhecimento (ou os modos de representação) que avançam a justiça, a paz e o pluralism politico. Para este fim, contesta os pontos de vista racionalista, humanista e outros universalistas e seus modos de signifcação (ou maneiras de conferir sentido ao mundo), especialmente onde eles afirmam que a Europa possuía as formas mais finas da razão, da moral e do direito.

Dessa forma, é perceptível que a crítica ao Eurocentrismo deve ser feita de modo a descortinar as pretensões universalistas dominantes assim como realizar um serviço com a “verdade” e a sabedoria (e ultimamente a justiça). Ou seja, a finalidade última do processo crítico realizado pelo pós-colonialismo consiste no avanço da justiça, paz e do pluralismo político. Do mesmo modo, como o próprio Grovogui (2010, p.250, tradução nossa) cita, a abordagem pós-colonial para o conhecimento “defende o princípio da coexistência enquanto rejeita ideias errôneas”.
Exposta a “macrocrítica” do pós-colonialismo, é possível seguir para a análise das críticas realizadas pelo pós-colonialismo às correntes tradicionais, críticas e pós-modernas das Relações Internacionais. A crítica dos pós-coloniais lançada às teorias tradicionais das Relações Internacionais perpassa pela noção de que existe uma negligência às questões relativas a desigualdades e justiça no campo das relações internacionais, o que pode ser evidenciado, por exemplo, nas temáticas predominantes discutidas pelo mainstream, como poder e segurança das grandes potências, que acabam por naturalizar hierarquias e reproduzir o status quo (CHOWDHRY; NAIR, 2002, p.1). Em outras palavras, observa-se um obscurecimento das bases raciais, de gênero e de poder, assim como um obscurecimento dos temas da desigualdade e da justiça nas obras dos autores tradicionais da disciplina.
Tal crítica nos remete a discussão realizada por Cox (1996) sobre teoria “resolução de problema” e teoria “crítica”. Segundo o autor (1996, p. 207, tradução nossa), “teoria é sempre para alguém e para algum propósito”. Para Cox, existem basicamente dois propósitos aos quais uma teoria pode se prestar, o primeiro é ajudar a resolver problemas dentro dos termos da perspectiva que lhe deu origem e o segundo é assumir uma postura reflexiva, questionando-se sobre a perspectiva que dá origem a teorização. Desses dois propósitos emergem dois tipos de teoria, do primeiro propósito nascem as teorias de “resolução de problema”; do segundo as teorias “críticas”. As teorias tradicionais das Relações Internacionais são passíveis de serem classificadas como teorias “resolução de problema”, uma vez que cada teoria “pode ser representada como servindo interesses particulares nacionais, setoriais ou de classe, que são confortáveis com a ordem dada. O objetivo atendido pela teoria de resolução de problemas é conservador” (COX, 1996, p. tradução nossa). Ou seja, como Chowdhry e Nair (2002, p.1) deixam claro, tais teorias acabam como reproduzir o status quo, o que confere o caráter conservador apontado por Cox. Nessa perspectiva, o pós-colonialismo, entre outras teorias “críticas”, se colocam “além da ordem vigente do mundo e pergunta como essa ordem surgiu” (COX, 1996, p. tradução nossa).
Quanto às críticas feitas pelo pós-colonialismo às outras teorias críticas, Chowdhry e Nair (2002, p.2, tradução nossa) evidenciam o fato de que essas outras teorias críticas não conseguem abordar de forma adequada, ou ao menos da forma como o pós-colonialismo o faz, a política cultural do passado colonial e do presente pós-colonial. Assim, os estudos pós-coloniais representam grandes contribuições às teorias críticas das Relações Internacionais, pois são capazes de “auxiliar no interrogatório de tal política e abordar as formas em que os processos históricos estão implicados na sua produção” (CHOWDHRY; NAIR, 2002, p.2, tradução nossa).
As autoras também discutem como o poder está situado nas Relações Internacionais, sobre tal são feitas três afirmações. A primeira é a de que o mainstream da disciplina tem uma noção de poder “que privilegia a hieraquia, a ‘racionalidade’ e uma visão de mundo predominantemente eurocêntrica, mistificando assim as maneiras pelas quais os Estados e o sistema internacional estão aconrados nas relações sociais” (CHOWDHRY, NAIR; 2002, p.3, tradução nossa). O realismo, por exemplo, argumentam as autoras, não problematiza a forma como o poder é constituído e produzido, e trabalham com dicotomias externas que reiteram o Estado e o sistema internacional enquanto tornam o mundo social invisível. Além disso, o realismo, assim como o neorrealismo, privilegia não a anarquia, mas uma hierarquia e um “entendimento eurocêntrico de racionalidade que é privilegiado e reproduzido em ambas as representações realistas e neorrealistas de poder em Relações Internacionais” (CHOWDHRY, NAIR; 2002, p. 4, tradução nossa). Novamente, reforça-se a ideia de que a teoria é sempre para alguém e para atender a algum propósito. Essas críticas se tornam fundamentais para o pós-colonialismo, uma vez que o movimento propõe evidenciar as vozes silenciadas pelas perspectivas que reproduzem a narrativa normativa eurocêntrica, e que o processo de criação e universalização dessa narrativa “não foi aberto a uma maior participação dos vários círculos da sociedade internacional e que o ethos e a teleologia do imaginário moral prevalecente não são vistos por essas multidões como geralmente congruentes com as suas próprias necessidades” (GROVOGUI, 2002, p. 53, tradução nossa).
A segunda afirmação concerne ao fato de que as teorias críticas, mesmo com seus questionamentos às Relações Internacionais tradicionais, são incapazes de abordar profundamente a intersetorialidade entre raça, classe e gênero na produção do poder. As teorias marxistas, por exemplo, evidenciam as assimetrias historicamente produzidas e como o imperialismo foi fundamental para o desenvolvimento capitalista, “mas elas não problematizam as representações culturais que sustentam as relações de poder desiguais entre colonizador e colonizado” (CHOWDHRY, NAIR; 2002, p. 7, tradução nossa). Os neomarxistas, por sua vez, geralmente não tratam os fundamentos culturais das relações imperialistas e neoimperialistas.
O terceiro ponto diz respeito à visão feminista de poder que, mesmo desafiando os pressupostos de gênero do mainstream e das teorias críticas, deixa de lado a relação estabelecida entre gênero e (neo)imperialismo e raça (CHOWDHRY; NAIR, 2002, p. 17). Como importante contribuição para superar essa negligência da teoria feminista, as autoras destacam como os estudos realizados por Spivak e outras feministas pós-coloniais foram importantes para elucidar “como a hierarquia racial da Europa e seus outros era muitas vezes também uma hierarquia de gênero em que os asiáticos, africanos e os indígenas americanos eram feminilizados em contraste com a masculinização da identidade europeia” (CHOWDHRY; NAIR, 2002, p.19, tradução nossa).

5. CRÍTICAS AO PÓS-COLONIALISMO
A abordagem pós-colonial enfrenta críticas de diferentes naturezas. Cabe, inicialmente, levantar as realizadas por neomarxistas, como Arif Dirlik, que acusa a abordagem de não ser mais que um “reflexo do capitalismo”. Em seu artigo A aura pós-colonial: a crítica terceiro-mundista na era do capitalismo global, Dirlik (1997) afirma que os temas reivindicados para a crítica pós-colonial ressoam interesses e orientações resultantes de um novo cenário mundial, sendo este moldado pelas transformações na economia capitalista mundial, principalmente a emergência do capitalismo global. Essas transformações tiveram como consequência a desorganização de conceitos como “colonizador/colonizado”, “Primeiro Mundo/Terceiro Mundo” e “ocidente/oriente”. Assim, a primeira crítica de Dirlik faz referência à ideologia do pós-colonialismo e sua omissão diante da relação do pós-colonialismo com seu contexto no capitalismo contemporâneo, o autor acusa os estudiosos da corrente de suprimir “a necessidade de considerar essa possível relação ao repudiar ao capitalismo um papel fundacional na história” (DIRLIK, 1997, p.9).
A segunda crítica realizada pelo autor ao pós-colonialismo faz referência ao fato dos autores estarem calados sobre o próprio status do pós-colonialismo “como um possível efeito ideológico de uma nova situação mundial após o colonialismo” (DIRLIK, 1997, p. 9). Dirlik então acusa a cumplicidade do pós-colonial na hegemonia pelo fato de desviar “da atenção do pós-colonialismo de problemas contemporâneos de dominação social, política e cultural e no obscurecimento de sua própria relação com o que é apenas uma condição de seu surgimento, isto é, com o capitalismo global, que, apesar de fragmentado na aparência, serve de princípio estruturador das relações globais.” (DIRLIK, 1997, p 9).
            Além de tais críticas, Dirlik (1997, p.20) introduz a discussão realizada por Shohat de que, apesar de insistir em historicidade e diferença, a abordagem pós-colonial termina por imitar as tendências “ahistóricas e universalizantes” do pensamento colonialista. Do mesmo modo, Shohat aponta a incapacidade do pós-colonialismo de descentralizar da história em hibridismo, o que pode ter como fim a “consagração da hegemonia”.
            Em seguida, relacionada com a primeira crítica realizada, Dirlik (1997, p. 23) afirma que “a negação do status fundacional do capitalismo [...] revela um culturalismo no argumento pós-colonialista”, tendo como consequência um enfoque do eurocentrismo apenas como “um problema cultural ou ideológico que confunde as relações de poder que o dinamizaram e o dotaram de persuasão hegemônica” incapaz de explicar o porquê esse etnocentrismo particular foi capaz de definir a história global moderna (DIRLIK, 1997, p.23). Em vista disso, o autor (1997, p.23) conclui que “ao atirar o manto da cultura sobre as relações materiais, como se um tivesse pouco a ver com o outro, tal enfoque desvia a crítica do capitalismo para a crítica da ideologia eurocêntrica, o que ajuda o pós-colonialismo a encobrir sua própria limitação ideológica e, ironicamente, fornece um álibi para a desigualdade, a exploração e a opressão em suas aparências modernas sob relações capitalistas”.
            Por fim, o autor critica o engajamento dos estudiosos pós-colonais apenas em formas passadas de hegemonia ideológica, tratando pouco sobre suas figurações contemporâneas.

De fato, ao repudiar a estrutura e ao mesmo tempo afirmar o local em problemas de opressão e liberação, mistificaram os modos pelos quais estruturas totalizantes persistem no meio de desintegração e fluidez aparentes. Eles transformaram em problemas de subjetividade e epistemologia problemas concretos e materiais do mundo cotidiano. Enquanto o capital em seus movimentos continua a estruturar o mundo, recusar seu status fundacional torna impossível o mapeamento cognitivo que deve ser o ponto de partida para qualquer prática de resistência e deixa tal mapeamento como existe no domínio daqueles que administram a economia capitalista mundial. Na verdade, na projeção do atual estado de desorganização conceptual sobre o passado colonial, os críticos pós-coloniais também destituíram o colonialismo de qualquer lógica, exceto a local, de modo que o legado histórico do colonialismo (no Iraque ou na Somália ou, nesse aspecto, em qualquer sociedade de Terceiro Mundo) parece irrelevante ao presente. Assim, o peso de problemas constantes se desloca sobre as próprias vítimas. (DIRLIK, p. 1997, p.49)

            Críticas pertinentes, e também bastante relacionadas ao capitalismo e ao Eurocentrismo, são realizadas por Santos (2004). Para o autor (2004, p.24), o “capitalismo pode desenvolver-se sem o colonialismo, enquanto relação política [...], mas não pode fazer sem o colonialismo enquanto relação social”. Tendo isso em mente, Santos afirma que não concorda com o fato da crítica pós-colonial centrar mais na modernidade ocidental do que no capitalismo.
            A segunda crítica realizada por Santos (2004, p.29) afirma que o “pós-colonialismo dominante universaliza a experiência colonial a partir do colonialismo britânico”, pois essa universalização falha em perceber as desigualdades existentes entre os países da Europa, assim como simplifica a complexidade os vários colonialismos existentes. Desse modo, a proposta do autor é que seja feita uma

reprovincialização da Europa que atente às desigualdades no interior da Europa e ao modo como elas influenciaram os diferentes colonialismos europeus. É importante mostrar as especificidades do colonialismo português ou espanhol em relação ao colonialismo britânico ou francês porque delas hão de decorrer especificidades do pós-colonialismo na área geopolítica do espanhol ou do português em relação ao pós-colonialismo na área geopolítica do inglês ou do francês. Mas ainda mais importante é tematizar as desigualdades no seio da Europa entre os diferentes países colonizadores (SANTOS, 2004, p.30)

Outras críticas são expostas por Krishna (2002). Segundo o autor, questiona-se o próprio significado do termo “pós”, alguns críticos argumentam que o termo remete a um momento de superação do colonialismo. Além disso, afirmam os críticos, as obras pós-coloniais carregam certo exagero ao tratarem de temas como racismo, genocídio e exploração.
            A segunda crítica destaca pelo autor é que “as origens nacionais e de classe da maioria dos estudiosos pós-coloniais os impede de realizar uma crítica profunda e de procurar críticas das formas contemporâneas, especialmente a americana, do imperialismo e da globalização neolieberal do ocidente” (KRISHNA, 2002, p. 112, tradução nossa). Sendo assim, os críticos destacam que os teóricos pós-coloniais nasceram ou cresceram em países do terceiro mundo, mas se mudaram em busca de melhores condições, e não por opressão, para países do primeiro mundo, por isso, possuem uma amnésia ao tratar de conceitos como diáspora e exílio de forma expansiva.
Em terceiro lugar, como já destacado em trechos das críticas de Dirlik (1997), os pós-coloniais, ao destacarem a resistência à Europa e possuírem “obsessão” pelo período colonial, terminam sendo cúmplices da hegemonia eurocêntrica. Além disso, “ao juntar-se pós-estruturalismo e pós-modernismo na crítica às grandes narrativas, a teoria pós-colonial não é senão a tradução dessas ideias problemáticas para o domínio do que costumava ser chamado de estudos do terceiro mundo” (KRISHNA, 2002, p. 115, tradução nossa).
Além das críticas expostas por Krishna, Grovogui (2002) pontuará uma crítica realizada à perspectiva pós-colonial de maneira geral. Segundo Grovogui (2002, p.33, tradução nossa), Todorov (1993) e Hopkins (1997) afirmam que “os métodos dos críticos pós-coloniais são susceptíveis de conduzir à ruptura das trocas produtivas dentro da academia porque as críticas pós-coloniais são respostas emocionais, subjetivas e irracionais”. Segundo os críticos, “tais respostas prejudicam a realizaçaõ dos valores universais ou transcendentais que só podem ser alcançados através de uma compreensão do propósito da investigação empírica e uma teoria social empírica das relações intercultural e política global” (GROVOGUI, 2002, p.33, tradução nossa).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O pós-colonialismo, em sua busca pela desconstrução da metanarrativa convencional imposta pela visão europeia colonizadora, se posicionará não apenas como uma teoria, mas como um movimento de caráter contestador e como uma ferramenta de voz para os subalternos, abrindo possibilidade de resistência frente aos discursos dominantes de representação e poder e formulando suas próprias contranarrativas.
A entrada do movimento pós-colonial nas Relações Internacionais colocou em discussão, ou ampliou em alguns casos, temas marginalizados nos estudos tradicionais, críticos e pós-modernos. Assim como foi capaz de descortinar processos até então pouco discutidos na disciplina, como “a dominação, a desumanização, a realocação, a perda de identidade, a diáspora, o preconceito racial, a tortura, a banalização da vida” (PEZZODIPANE, 2013, p. 89). Ou seja, o pós-colonialismo constitui-se como ferramenta de alargamento do escopo analítico e teórico da disciplina, assim como propulsor de novos questionamentos no âmbito de outras correntes teóricas.
Devido a sua originalidade, o pós-colonialismo foi capaz de tecer as mais diversas críticas aos estudos das relações internacionais, entretanto, observa-se ainda bastante resistência, especialmente via o não engajamento com a crítica pós-colonial, dentro da disciplina de Relações Internacionais. Para o mainstream, os estudiosos do pós-colonialismo não aderiram às normas disciplinares e institucionais do campo de estudo. Por outro lado, o não engajamento com a crítica pós-colonial pode ser respondida pela inadequação das teorias tradicionais em formular respostas aos questionamentos emergidos a partir dos estudos do pós-colonialismo, o que apenas reafirmar que toda teoria deriva de uma perspectiva, como exposto por Cox, e essa perspectiva carrega consigo um conjunto de pressupostos que habilitam a teoria a fazer determinados questionamentos enquanto obscurece outros. Assim, determinadas questões levam a respostas específicas, que por sua vez constroem o “conhecimento” dentro daquela teoria.  
            Dessa forma, o pós-colonialismo representa, além de uma perspectiva crítica, um movimento de resistência e de defesa ao pluralismo teórico e metodológico no âmbito das Relações Internacionais, ainda vastamente compostas pelo eixo anglo-americano do conhecimento, e reproduzida nas “periferias do conhecimento” nos mesmos moldes que são formulados pelo mainstream. As críticas aqui apresentadas à perspectiva pós-colonial não invalidam por completo sua contribuição ao estudo das relações internacionais, apenas evidenciam o fato de que certos questionamentos conduzem a determinadas respostas ou pontos de vista. Aceitar que as mais diversas teorias dialoguem entre si e reconheçam entre si a relevância de cada foi, é e continuará sendo um dos maiores desafios as Relações Internacionais enquanto campo de conhecimento humano.
            Buscou-se por meio deste artigo apresentar o pós-colonialismo, desde a sua entrada nas Relações Internacionais, passando pelos principais temas discutidos pelos críticos da corrente e pelas críticas realizadas por estes, até a apresentação das mais variadas críticas recebidas pelo movimento.
           
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* Graduando de Relações Internacionais, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: barnabelucasneto@gmail.com

Recibido: 26/08/2017 Aceptado: 02/10/2017 Publicado: Octubre de 2017

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