Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A PRESENÇA DA DIMENSÃO ÉTICA NA CONSTRUÇÃO POSITIVA DA IMAGEM DE SI

Autores e infomación del artículo

Célia M. Smarjassi *

Universidade Católica de São Paulo, Brasil

celsmarjassi@hotmail.com

Resumo
Este trabalho busca estabelecer uma reflexão crítica sobre a importância da ética na formação do professor, pois a ação docente pode impactar fortemente na construção da imagem de si, portanto na construção da identidade do aluno. Tomamos Paul Ricoeur como aporte teórico para fundamentar nossa escrita. Extraímos de seu pensamento a questão da identidade a partir da hermenêutica do si, pois é sobre esta base que se desenvolve sua compreensão do significado da constituição do si mesmo em suas diferentes abordagens hermenêuticas. Os resultados desse estudo indicaram que ao refletirmos sobre a hermenêutica do si que Ricoeur desenvolve sob a perspectiva ética do si são muito significativos para a formação do professor como uma importante ferramenta que nos conduza ao desenvolvimento e aplicação da sabedoria. Essa sabedoria tem uma finalidade prática: alcançar uma vida feliz com e para os outros em instituições justas. Em conclusão, podemos afirmar que, embora Ricoeur não tenha se dedicado ao tema formação de professor, seu pensamento sobre ética pode enriquecer o debate em torno da formação do professor.
Palavras-Chave: Ética. Identidade. Formação do Professor.
Abstract
The Presence of Ethical Dimension in the Positive Self Image Construction
This work seeks to establish a critical reflection on the importance of ethics in the training of the teacher, as the teaching action can heavily affect the construction of the image of oneself, therefore in the construction of the identity of the student. We take Paul Ricoeur as theoretical contribution in support of our writing. Extracted from his thoughts about the subject of identity from the hermeneutics of the self as it is on this basis that develops his understanding of the meaning of the constitution itself in their different approaches to hermeneutics. The results of this study indicated that to reflect on the hermeneutics of the self that Ricoeur develops ethical perspective of themselves are very significant for the teacher's training as an important tool that leads to the development and application of wisdom. This wisdom has a practical purpose: achieve a happy life with and for others in fair institutions. In conclusion, we can say that, although Ricoeur has not been devoted to theme formation of the teacher, his thoughts about ethics can enlighten the debate about the formation of the teacher.
Keywords: Ethics. Identity. Formation of the Teacher.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Célia M. Smarjassi (2017): “A Presença da dimensão ética na construção positiva da imagem de Si”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/04/dimensao-etica.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1704dimensao-etica


A trajetória escolar de um indivíduo pode representar um importante aspecto na construção de sua identidade, seja positiva, seja negativa. Quase todos nós lembramos da nossa primeira professora, do primeiro dia de aula, do primeiro caderno. Segundo Gusdorf (1987, p. 1) “dentre as recordações privilegiadas que todo homem conserva de sua própria vida – recordações de família, de amor, de guerra, de caça – as recordações escolares constituem uma categoria particularmente importante”. Ainda, segundo o mesmo autor, “cada um de nós preserva imagens inesquecíveis do início da vida escolar e da lenta odisseia pedagógica a que se deve o desenvolvimento do nosso pensamento e, em grande parte, a formação de nossa personalidade” (GUSDORF, 1987, p. 1). 
Muitos conteúdos não mais lembramos, ou, ao contrário, às vezes, ainda sonhamos (quase pesadelo) fazendo provas daquelas disciplinas que tínhamos mais dificuldade. “Também sobrevivem em nós, aureoladas pela gratidão de uma memória reconhecida, as feições de mestres e professores” (GUSDORF, 1987, p. 1). Porém, na memória também ficam guardadas palavras, sorrisos, elogios, injustiças, deselegância, imparcialidade que nos marcaram, muitas vezes, como “profecias do que mais tarde viria a suceder coisas de que a vida depois nos traria a confirmação ou que, pelo contrário, viria a desmentir totalmente...” (GUSDORF, 1987, p. 1).
Essas questões nos remetem a pensar no papel do professor, especialmente em sua postura, sobretudo no que se refere a ética como fatores preponderantes na construção da imagem de si dos sujeitos. Daí porque ressaltamos necessidade da ética na formação do professor.
Para refletir sobre o tema proposto buscamos em Paul Ricoeur e comentadores de sua obra o referencial teórico. O recorte que faremos do pensamento de Ricoeur  recai sobre  a questão da identidade a partir da hermenêutica do si desenvolvida pelo filósofo, pois é sobre esta base que se desenvolve sua compreensão do significado da constituição do si mesmo em suas diferentes abordagens hermenêuticas: a reflexão sobre o símbolo1 que nos encaminha para a compreensão da identidade simbolizada, a reflexão sobre o texto que nos conduz ao reconhecimento da identidade subjetiva como identidade narrativa em que se explicita a dialética da identidade enquanto idem e ipse. E, finalmente, adentrarmos no campo da ética e sua finalidade maior contemplada na promoção da “vida boa com e para os outros em instituições justas” que consideramos também como importantes objetivos e finalidades a serem contempladas na formação do professor. Assim, resgatar a hermenêutica do si torna-se relevante, pois um dos aspectos primordiais sobre formação do professor refere-se a uma construção positiva da imagem de si. 
Se a construção da imagem de si não pode prescindir da verdade e o objetivo primário da educação é a busca da verdade, encontramos aí um primeiro elemento indicador da fecundidade de nossa reflexão, pois a busca da verdade, sobretudo de compreensão do homem também impulsiona a obra de Ricoeur. A busca da verdade propicia ao homem instrumentos, conhecimentos, saberes que viabilizam seu reconhecimento de si, do outro e da sociedade em que está inserido permitindo-lhe uma melhor compreensão de si mesmo ao longo de sua vida com vistas a alcançar a felicidade.
Em Ricoeur essa caminhada tem seu ponto de partida no encontro com o símbolo e o reconhecimento de seu valor educativo para o exercício da reflexão que estimula a compreensão de si, do mundo e do outro colaborando no progressivo amadurecimento da consciência de modo a alcançar sua formação crítica. Nesse percurso, ressalta-se o valor humano com ênfase para o reconhecimento da humanidade nos outros mostrando que todos os homens, próximos ou distantes, são parte de nós.
Desse modo, os símbolos nos possibilitam descobrir, criar e recriar modelos existenciais do ser, pois o símbolo “dá que pensar e de que pensar”. Daí “nosso desejo de ser e nosso esforço para existir” (RICOEUR, 1988b, p. 23).  Nesse sentido, segundo Garrido, “esta atividade de reflexão e este esforço deve ser objetivo prioritário de toda educação que pretende ocupar um lugar concreto na existência. É, decerto, uma reflexão que nos ajuda a situar-nos numa perspectiva ética” (GARRIDO, 1994, p. 16).
Aqui podemos assinalar, dentre tantas, uma primeira razão para estimular a reflexão sobre a formação docente dado seu papel decisivo no trabalho de alcance de uma consciência ampliada de nós mesmos. Ao enfatizar a reflexão sobre o simbólico a educação nos mostra caminhos para “a apropriação de nosso esforço para existir e de nosso desejo de ser, através das obras que testemunham esse esforço e esse desejo” (RICOEUR, 1988b, p. 19). A reflexão sobre o símbolo ajuda a aflorar nossa compreensão de humanidade. Daí a convicção de Ricoeur: “Aposto que compreenderei melhor o homem e a relação do homem com todos os demais seres, seguindo as indicações do pensamento simbólico” (RICOEUR, 2011, p. 488).
Com isso é possível perceber o valor do símbolo como pressuposto educativo para concretizar a intenção de promover o progresso do homem na compreensão do mundo, sobretudo da humanidade na qual está inserido, eis que “a humanidade não é nem tu e nem eu. Ela é o ideal prático de ‘si mesmo’ tanto em ti como em mim” (RICOEUR, 2011, p. 90).
Para tanto, é preciso compreender que “nossa humanidade consiste, em princípio na acessibilidade do humano que existe fora de nós. Ela faz de cada homem semelhante nosso” (RICOEUR, 2011, p. 79). Alcançar a compreensão através do símbolo é uma exclusividade do ser humano que traz em seu bojo a dialética da natureza e da cultura que expressa a existência do homem marcado pela dialética finito-infinito.
Assim, a palavra simbólica convoca-nos a fazer mediações pelo caminho da hermenêutica para alcançarmos a compreensão de si e chegarmos à nossa identidade subjetiva. Daí a necessidade de resgatar e reconhecer o valor educativo da palavra simbólica como ponte para revermos e ou refazermos o conceito de nós mesmos. A compreensão hermenêutica do mito requer uma leitura crítica que busca a significação e a atualização da narrativa para fazer emergir seu sentido e seu movimento.
Em resumo, o valor educativo do símbolo está em possibilitar o progresso da humanidade do homem além de ajudar a desenvolver a responsabilidade de um pensamento autônomo2 . Aliado a isso, ao valer-se da palavra simbólica a educação promove o reconhecimento mútuo da humanidade em cada um de nós e do ideal de pessoa que cada um percebe em si mesmo fazendo aflorar a necessidade da presença e da estima do outro. Segundo Ricoeur, essa necessidade de estima descortina uma importante realidade.

O que eu espero do outro é que me restitua a imagem de minha humanidade, que me estime declarando minha humanidade. Este frágil reflexo de mim mesmo na opinião dos outros tem a consistência de um objeto e se introduz na objetividade de um fim existente que limita qualquer pretensão de se dispor pelos bens de si mesmo: esta objetividade na qual e pela qual posso ser reconhecido (RICOEUR, 2011, p. 140).
 
Uma possível contribuição do pensamento de Ricoeur à formação do professor repousa na tarefa de inspirar e promover o reconhecimento mútuo da humanidade em mediações que permitam a cada sujeito encontrar o caminho do ser em dependência do outro e das narrativas que relatam sua origem por meio da cultura. A reflexão sobre nossa própria identidade e tudo que nela se abriga ajuda a desvendar a consciência que formamos de nós mesmos e, ao mesmo tempo, a cultivar o respeito ao outro em sua alteridade e, daí contribuir para a construção positiva da imagem de si e do outro.
Nesse sentido a formação ética do professor mostra-se como espaço privilegiado para o desenvolvimento da construção do homem novo, capaz de narrar sua própria vida, de interpretá-la, de perceber na reconciliação dialética entre o finito-infinito uma rica oportunidade de crescer, de aperfeiçoar-se como ser humano. Convém ressaltar que nesse trabalho, a ênfase à formação ética do professor exerce o importante papel de mediadora para garantir o equilíbrio na ação do homem em sua busca de totalidade encerrada na felicidade.
Para Ricoeur, outro aspecto cultural que privilegia o alcance da compreensão de si mesmo, por conseguinte, a construção positiva da imagem de si, rumo ao encontro de nossa identidade subjetiva refere-se ao contato com o texto e o discurso. A linguagem literária é carregada de grande valor educativo. Explicando melhor, através do entrecruzamento entre o mundo do texto e o mundo do leitor o homem é levado a refazer suas ações, desenvolver sua existência, pois a leitura estimula a colocar para fora seus conflitos e sofrimentos, ajuda a reconhecer suas carências e potencialidades, desnudando seus sentimentos através do mundo aberto pelo texto.
O mundo do texto trabalhado em conjunto com o mundo do leitor proporciona possibilidades de encontrarmos e construirmos a nossa verdade mais íntima, ou seja, a compreensão autêntica de nós mesmos, o reconhecimento de nossa identidade subjetiva (da constituição do si). Essa compreensão e reconhecimento resultam da dialética entre o idem e o ipse revelada pela experiência da alteridade que nos impele ao exercício da solidariedade. Sendo solidários somos atingidos pelo prazer e ou pelo sofrimento do outro.
Com isso fica patente que em educação não podemos trabalhar apenas o aspecto da mesmidade (idem), pois ao desprezar a ipseidade perde-se a oportunidade de promover o crescimento do indivíduo, a emergência de valores individuais, o reconhecimento de que é na relação dialética com o diverso constitutivo do si é que se enriquece nossa identidade. A educação propicia considerar o valor da dialética idem/ipse numa perspectiva ética e contribui para a elaboração de uma vida boa com e para o outro em instituições justas. Essa tarefa exige compromisso, responsabilidade, respeito, estima de si e solicitude (respeito de si) para com os outros além da disposição para se deixar conduzir pela alteridade.
Em vista do que nos elucida Ricoeur a respeito do nosso desejo de ser e do nosso esforço para existir, da importância da estima e do respeito de si chama-nos a atenção para o trabalho docente no sentido de, principalmente nos vigiarmos para não impedir o aluno de alcançar com sucesso a edificação interior, pois na relação pedagógica o reconhecimento e a assunção da identidade do outro deve ser trabalhada de modo a ser estabelecida e respeitada.
O sucesso da edificação interior nos remete às palavras de Freire (2002, p. 46) que nos alerta: “às vezes mal se imagina o que pode representar na vida de um aluno um simples gesto do professor”. Ainda, frisa o educador: “o que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo” (FREIRE, 2002, p. 47). Freire está nos chamando a atenção para a importância do respeito e do reconhecimento. Desse modo, ainda na esteira de seu pensamento, a reflexão embora longa, incita-nos a olhar o tema do reconhecimento, do respeito à identidade do aluno e suas consequências na construção de uma imagem positiva de si. A dialética idem/ipse podeser explicitada mediante um fato que o autor, enquanto estudante na adolescência vivenciou: Segundo Freire “um gesto cuja significação mais profunda talvez tenha passado despercebida por ele, o professor, e que teve importante influência sobre mim” (FREIRE, 2002, p. 48). Ouçamos o que nos diz Paulo Freire:

Estava sendo, então, um adolescente inseguro, vendo-me como um corpo anguloso e feio, percebendo-me menos capaz do que os outros, fortemente incerto de minhas possibilidades. Era muito mais mal-humorado que apaziguado com a vida. Facilmente me eriçava. Qualquer consideração feita por um colega rico da classe já me parecia o chamamento à atenção de minhas fragilidades, de minha insegurança. O professor trouxera de casa os nossos trabalhos escolares e, chamando-nos um a um, devolvia-os com o seu ajuizamento. Em certo momento me chama e, olhando ou re-olhando o meu texto, sem dizer uma palavra, balança a cabeça numa demonstração de respeito e consideração. O gesto do professor valeu mais do que a própria nota dez que atribuiu a minha redação. O gesto do professor me trazia uma confiança ainda obviamente desconfiada de que era possível trabalhar e produzir. De que era possível confiar em mim mas que seria tão errado confiar além dos limites quanto errado estava sendo não confiar. [...] Este saber, o da importância desses gestos que se multiplicam diariamente nas tramas do espaço escolar, é algo sobre que teríamos de refletir seriamente (FREIRE, 2002 p. 48-49).

O testemunho acima relatado nos instiga a pensar na importância da formação ética do professor como agente motivador de ricas dialéticas idem/ipse. O quanto nossos gestos e palavras indicam como nossa postura poderá ser decisiva na vida dos alunos. Todos sentimos necessidade de respeito e de reconhecimento que são imprescindíveis para a construção da estima de si. Podemos inferir que o gesto de reconhecimento do professor além de respeitoso resultou da alteridade, por isso também demonstrou solidariedade ao confirmar o valor do outro num momento importante de sua vida, pois como o próprio autor revela sentia-se diminuído, inferior.
O relato em análise deixa patente que a dialética da identidade no seu aspecto idem, ou seja, de permanência no tempo com um profundo grau de significado desta identidade, quando se depara com o diferente, o sujeito da mudança, possibilita revelar toda sua conotação ética. Nesse sentido, Garrido (2002, p. 130) alerta para o fato de que “nossa reflexão atual exige que penetremos na dialética própria da ipseidade, na constância do si e dos diversos de si, em que se manifesta com força a eticidade da identidade, e onde a educação pode exercer um papel transcendental na formação de pessoas”.
Podemos inferir, através da situação exemplo que buscamos em Freire afirmar que

[...] ao nível ontológico, a hermenêutica do si nos oferece a alteridade e mostra que a identidade só pode ser autenticamente pessoal quando envolve a responsabilidade para assumir os conflitos que se apresentam e a busca de sua superação, seja ao nível pessoal ou das relações interpessoais [...] Esse trabalho nos leva à autointerpretação, que nos encaminha e nos torna mais conscientes da tarefa de ser pessoas (CESAR, 2002, p. 130).

Então, se para Ricoeur a: “perspectiva ética consiste em viver bem com e para os outros em instituições justas” (RICOEUR, 1995d, p. 162), podemos inferir que essa proposição expressa condensadamente a preocupação consigo a partir da perspectiva do outro.  Em outras palavras, é o outro que imprime uma feição de alteridade, uma reflexão focada na pessoa, na solicitude descerrando a reflexão do agir por si mesmo (como foi testemunhado por Freire). A alteridade entendida como parte do pressuposto de que todo homem interage com indivíduos e interdepende de outros, ou seja, eu existo a partir do outro, da visão do outro, consequentemente, permite minha compreensão do mundo a partir de um olhar diferenciado, partindo tanto do diferente quanto de mim mesmo, sensibilizado que estou pela experiência do contato.  Desse modo, eu e o outro compomos as duas faces da mesma moeda. Em conformidade com esse raciocínio o conceito de alteridade indica, simultaneamente, a ideia de abertura, ou seja, uma dinâmica de referências e de integrações dialógicas.
A originalidade da relação com o outro que evoca a relação consigo mesmo é profundamente enraizada em nossa psique, pois carregamos um alterego, expresso na dualidade na qual eu é um outro de tal modo que introduzimos e integramos o outro em nosso eu. Contudo, essa ligação originária viabilizada pela intersubjetividade expõe nossa necessidade de reconhecimento, a necessidade subjetiva de autoafirmação conforme ficou patente no relato de Freire.
Fica claro que necessitamos da atenção, de sermos notados pelo outro para existirmos como seres humanos, pois não nascemos humanos, somente nos tornamos humanos a partir da interação com o outro para nos reconhecermos como humanos, conforme a expressa o título da obra de Paul Ricoeur, O si mesmo como um outro (RICOEUR, 1991). Tudo isso favorece, na compreensão de Ricoeur uma consciência ampliada de nós mesmos. A essas considerações se acresce a necessidade de trazer à baila a importância que a responsabilidade e o respeito para consigo mesmo, em nível de indivíduo, com o outro em nível de espécie, e com a sociedade em nível de instituição.
A responsabilidade assegurada pelo respeito garante sem prejuízos a ninguém, a pluralidade de planos, vínculos, perspectivas, utopias, ideologias, etc. Entretanto, requer de cada um autonomia em detrimento de submissão ou arrogância. Daí a mediação através de conciliações e de recuos são imprescindíveis para garantir a atitude responsável mediante a liberdade de escolhas e decisões sem ferir o bem comum e a fraternidade que deve permear a relação entre os diferentes povos e culturas.               
Ao enfatizar a questão da responsabilidade e do respeito, o reconhecimento pela via da solidariedade surge como um aspecto inerente à prática docente ética. Nesse sentido, o futuro professor deverá estar ciente de sua luta pela garantia a todo sujeito (aluno) sua condição humana pelo caminho do reconhecimento mútuo. Sobre explicitar esse importante princípio ético - reconhecimento mútuo, Ricoeur dedica um capítulo da obra Percurso do Reconhecimento (RICOEUR, 2006) para esmiuçar o tema do “Reconhecimento Mútuo” que, em nosso entendimento, traduz o espírito desse trabalho com a apresentação do seguinte pensamento:

Assim que um homem foi reconhecido por outro homem como um Ser senciente, pensante e semelhante a ele, o desejo ou a necessidade de comunicar-lhe os próprios sentimentos e pensamentos fez com que este procurasse os meios de fazer isto (ROUSSEAU apud RICOEUR, 2006, p. 161).

            O reconhecimento é fundamental para Ricoeur. O filósofo defende que o outro não pode ser tratado como um objeto, como um meio. O reconhecimento aliado ao respeito nos envia novamente à reflexão de Ricoeur no tocante ao cuidado (care), até porque cuidar é uma palavra que se encaixa perfeitamente a uma das tarefas do professor. Na obra de Ricoeur o cuidado representa um denominador comum de seu pensamento ético. A primeira característica de cuidado se revela através do respeito. A segunda característica se apresenta como solicitude, por fim o terceiro sentido de cuidado se expressa mediante o reconhecimento. Eis o denominador comum a essas noções: “a afirmação do amor como atenção a si e ao outro e a valorização da justiça” (CESAR, 2008, p. 1).
Nesse sentido, a ética pressupõe a consideração, o cuidado e o respeito à pessoa do outro. Desse modo, cuidado implica em estima de si e respeito ao outro, logo implica reconhecimento e atenção ao outro. Ainda, retomando a declaração de Freire podemos afirmar que o cuidado com a pessoa do aluno (naquele momento Freire) representou o respeito à finalidade do grande homem, em uma linguagem metafórica, enquanto embrião, de viver e de se desenvolver como humano em potencial guardado em si. Esse episódio nos mostrou que o cuidado enquanto reconhecimento traduziu-se em reconhecimento de si e reconhecimento do outro “em que a superação da radical dissimetria entre o si e o outro, é percorrer o caminho que conduz da dissimetria à reciprocidade” (CESAR, 2008, p. 6). Tais características são dimensões imprescindíveis a serem desenvolvidas na formação do professor.
Até aqui pudemos observar o quanto a reflexão ricoeuriana sobre a identidade em suas diferentes nuances são importantes para desenvolvermos nossa compreensão da formação ética do professor com vistas a promover a construção positiva da imagem de si. Pudemos inferir que a hermenêutica do si como busca da formação da identidade existencial do sujeito pode se concretizar por meio da educação com valores extraídos da ficção presente na narrativa e nos símbolos e, assim, concorrer para uma aprendizagem reflexiva que estimula o pensamento alimentando nossa imaginação ética.
Ao refletirmos sobre a hermenêutica do si que Ricoeur desenvolve sob a perspectiva ética do si pudemos ver quão significativa poderá ser sua contribuição para a formação do professor como uma importante ferramenta que nos conduz ao desenvolvimento e aplicação da sabedoria. Essa sabedoria tem uma finalidade prática: alcançar uma vida feliz com e para os outros em instituições justas.
No decorrer desta reflexão buscamos salientar a importância do domínio da ética na formação do professor, destacando a relevância que o trabalho docente possui no sentido de “promover o advento da humanidade no homem” (GUSDORF, 1987, p. 52) e a construção da humanidade está atrelada à construção da identidade do sujeito.
Finalizando, acreditamos que se pudéssemos resumir todo nosso trabalho diríamos que compreender e conscientizar-se da responsabilidade e da seriedade do papel do professor no genuíno trabalho de propiciar a identidade dos seus alunos apresenta-se como uma tarefa inadiável. Para tanto, tomamos a linguagem metafórica para melhor explicitar nossa convicção sobre a importância da ética com um poema de William Butler Yeats, poeta, dramaturgo e místico irlandês escreveu para o seu amor e que foi citado por Ken Robinson (2014):

Tivesse eu os tecidos bordados dos céus,
Lavrado com o ouro e a prata da luz,
Os tecidos azuis e turvos e de breu da noite e da luz e da meia luz,
Estenderia esses tecidos aos seus pés;
Mas eu, que sou pobre, apenas tenho sonhos;
São meus sonhos que estendo a seus pés;
Seja suave ao pisá-los, pois caminha sobre meus sonhos.

 

Referências Bibliográficas

 

ABEL, O.; PORÈE, J. Vocábulário de Paul Ricoeur. Coimbra: Minerva Coimbra, 2010.
CESAR, C. M. A noção de Cuidado em Paul Ricoeur. 2008. Disponível em: <www.porto.ucp.pt/lusobrasileiro/actas/Constant%C3A7a%20Marcondes.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2010.
______. (Org.). A Hermenêutica Francesa: Paul Ricoeur. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
GUSDORF, G. Professores, Para Que? São Paulo: Martins Fontes, 1987.
GARRIDO, S. V. A hermenêutica do si e sua dimensão ética. In: CÉSAR, M. C. (Org.).  A Hermenêutica Francesa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p.129-135.
______. A questão da educação e da identidade segundo Paul Ricoeur. 1994. 225 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Campinas, Campinas, 1994.
RICOEUR, P. Finitud y Culpabilidad: El Hombre Labil y la Simbólica del Mal. Madrid: Editorial Trotta, 2011.
______. Percurso do reconhecimento. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
______. O si mesmo como um outro. Campinas: Papirus, 1991.
______. O Justo ou a Essência da Justiça. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
______. O Conflito das Interpretações: ensaios de Hermenêutica. Porto: Rés Editora, 1988.
ROBINSON, K. Façamos a revolução da aprendizagem. Disponível em: <http://www.ted.com/talks/sir_ken_robinson_bring_on_the_revolution/transcript?language=pt>. Acesso em: 20 nov. 2014.

*Possui Doutorado em Educação Escolar pela Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho (UNESP), Doutorado em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Mestrado em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Possui Especialização em Didática do Ensino Superior pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Jales, Graduação em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Jales e Educação Física pela Fundação de Educação e Cultura de Santa Fé do Sul. Atualmente é docente no Centro Universitário Adventista Campus Hortolândia (FAH/UNASP/HT).
1 Tal como o sonho, o símbolo quer dizer mais do que aquilo que diz: é um signo cujo sentido aparente implica um sentido escondido. Por isso suscita interpretações e estas provocam a sua fecundidade. Ele é o melhor testemunho da imaginação desenrolada pelo gênio da linguagem para nos ‘dar que pensar’, mais do que os nossos simples conceitos conseguem. O seu valor expressivo importa menos, no entanto, que o seu alcance exploratório. A meio caminho entre uma experiência muda e um discurso teórico exposto ao perigo da abstração e da generalidade, o símbolo desvenda os traços dessa experiência que, sem ele, permaneceriam cativos da emoção e do sentimento (ABEL; PORÉE, 2010, p. 101).
2 A autonomia também é citada como importante atributo a ser desenvolvido na formação do professor.


Recibido: 27/10/2017 Aceptado: 22/12/2017 Publicado: Diciembre de 2017

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