Eduardo Henrique Lopes Figueiredo *
Felipe Demian Siqueira de Mello**
Universidade Estadual de Londrina, Brasil
ehlfigueiredo@yahoo.com.brRESUMO
O presente artigo almeja realizar uma análise arqueológica da democracia moderna, procurando revelar seus discursos históricos em suas especificidades prescritivas e descritivas. Em aspecto amplo, retrata a representação política, pormenorizando o tema no Estado parlamentar medieval, onde a convicção da metáfora do corpo se fazia presente e o parlamento era entendido como parte hierarquicamente superior do corpo, assumindo um valor representativo em relação a toda a sociedade organizada. Prossegue delineando a representação política através do processo de concentração de poder nas mãos do rei, explicitando uma transformação da compreensão da sociedade de organizada para desorganizada e evidenciando a luta contra o absolutismo feita em nome do povo, na qual aqueles que a realizaram foram tidos como seu representante. Finda a primeira parte, revela uma prática discursiva comum nos séculos XVII e XVIII, na qual o fundamento da representação passa a residir em conceitos abstratos como nação ou povo e o representante se torna a voz autêntica dessa coletividade, momento em que ela sai de cena, demonstrando o caráter antidemocrático da representação política. Em outro cenário, desloca-se para o contexto clássico da democracia, compreendido na idealização do autogoverno do povo, onde todos os indivíduos são iguais e livres e uma ordem política só pode ser fundada na vontade de todos. Para além da prescrição, aborda as impossibilidades práticas de uma democracia pura e como a representação política, antidemocrática em essência, tornou-se a solução para os problemas de consolidação democrática dos grandes Estados modernos, revelando um governo democrático corrigido, representativo, possível. Conclui que democracia não é sinônimo de representação, pelo contrário, que são dois ideais contraditórios, ligados em uma adaptação pragmática e encontrados em um lugar comum, se constituindo em um singular paradigma de organização política, no qual a democracia se revela na participação do povo através da escolha de representantes. Por fim, destaca que tal engenharia política correspondeu a um processo histórico que teve assentamento no século XVIII e que se mantém até agora, indicando que os tempos tecnológicos contemporâneos apontam para a possibilidade de se pensar novas formas de realização do ideal democrático.
Palavras-chave: representação, democracia, democracia representativa, participação, modernidade.
ABSTRACT
The present article aims to carry out an archaeological analysis of modern democracy, seeking to reveal its historical discourses in its prescriptive and descriptive specificities. In a broad aspect, it portrays political representation, detailing the theme in the medieval parliamentary state, where the conviction of the metaphor of the body was present and the parliament was understood as a hierarchically superior part of the body, assuming a representative value in relation to the whole organized society . It proceeds by delineating political representation through the process of concentration of power in the hands of the king, explaining a transformation of the understanding of society from organized to disorganized and evidencing the struggle against absolutism made in the name of the people, in which those who realized it were considered as your representative. After the first part, it reveals a common discursive practice in the seventeenth and eighteenth centuries, in which the basis of representation becomes to reside in abstract concepts as nation or people and the representative becomes the authentic voice of this collective, when she leaves the scene , demonstrating the antidemocratic character of political representation. In another scenario, it moves to the classical context of democracy, understood in the idealization of the self-government of the people, where all individuals are equal and free and a political order can only be founded on the will of all. Besides prescription, it addresses the practical impossibilities of a pure democracy and how political representation, essentially antidemocratic, has become the solution to the problems of democratic consolidation of the great modern states, revealing a democratic government corrected, representative, possible. It concludes that democracy is not synonymous with representation, on the contrary, that they are two contradictory ideals, linked in a pragmatic adaptation and found in a common place, being constituted in a unique paradigm of political organization. Finally, it points out that such political engineering corresponded to a historical process that had its settlement in the eighteenth century and which has remained until now, indicating that contemporary technological times point to the possibility of thinking about new ways of achieving the democratic ideal.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Eduardo Henrique Lopes Figueiredo y Felipe Demian Siqueira de Mello (2017): “A democracia pela representação: uma incursão histórica na precariedade política moderna”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (octubre-diciembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/04/democracia-representacao.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1704democracia-representacao
Desde o fim da segunda guerra mundial, os políticos e teóricos se tornaram unânimes em enfatizar o elemento democrático das instituições e das teorias que defendem, fazendo com que nenhuma doutrina se apresente mais como antidemocrática. Esse movimento dá à palavra democracia uma abrangência universal e faz com que haja uma confusão terminológica à respeito de seu significado pois, quando um termo é usado indistintamente, inúmeros conteúdos são atribuídos a ele. Além disso, um termo com essas características, impossibilita uma verificação razoável de sua efetivação no plano fático, bem como uma comparação de democracia com outros regimes políticos.
Inicialmente, o conceito original da democracia, identificado literalmente como o “governo do povo”, pode ser tomado como um traço constante da democracia desde os gregos, quando o povo foi identificado como o detentor do direito de tomar decisões coletivas, como um poder autossuficiente. Esse conceito clássico é criticado, especialmente porque uma ação coletiva do povo não se justifica quando se volta para análises empíricas. Atualmente, afirma-se que o povo é destituído de seu poder, eis que o único elemento de participação que o cidadão comum possui é o voto, visto apenas como forma de controle contra governos tirânicos. A participação fica reduzida a uma escolha entre líderes, na qual os cidadãos possuem uma única decisão para fazer valer todas as suas convicções políticas, ocasionando o enfraquecimento da soberania popular e um regime político antidemocrático.
Essa crítica deixa de perceber um ponto importante: que a ideia democrática de governo do povo foi unida, historicamente, à prática não democrática da representação, assumindo uma forma e uma conceituação nova. Entre idealizações e realizações, a democracia e a representação foram duas orientações políticas reunidas no século XVIII, quando, por um lado, a democracia como o governo do povo tornou-se o modelo de regime político a ser implantado e, a representação, foi pensada como a forma com que o povo poderia exercer a sua soberania nos novos Estados.
Neste sentido, o presente artigo pretende investigar as origens da representação política e da democracia, contextualizando as interações entre as ideias e as suas realizações, explicitando a adaptação de uma democracia concebida horizontalmente para uma democracia estruturada de forma vertical, na forma da representação.
A palavra representação do ponto de vista linguístico possui o significado de substituir ou agir no lugar de alguém ou alguma coisa. Representar é possuir certas características que espelham ou reproduzem as dos sujeitos ou as dos objetos representados. É colocar em cena uma presença que não se apresenta a não ser de forma mediada (COSTA, 2010 p. 155).
No campo político, encara-se a representação como um instrumento que estabelece uma relação entre governantes e governados ao que toca ao exercício do poder. Assim, a representação se oferece como um mecanismo de exercício do poder político por alguém que não pode exercê-lo pessoalmente (BOBBIO; GIANFRANCO; MATTEUCCI, 1998, p. 1102).
Decorre deste sentido que o discurso da representação está no centro da compreensão da legitimação da ordem política, na medida em que ela problematiza a passagem da multiplicidade anárquica dos indivíduos à unidade de um ordenamento, colocando em jogo a diferença e a igualdade, o comando e a obediência, a parte e o todo (COSTA, 2010, p. 156).
Sendo a representação ligada à constituição de uma ordem política e como um mecanismo de relação entre representante e representado, não é possível estabelecer um significado único para o termo, na medida em que o seu uso e conceituação está atrelado, substancialmente, aos diversos contextos em que fora criado, produzido e transformado. Desta forma, a opção que se faz é o de analisar o tema nas suas transformações histórico conceituais, ao longo de determinados contextos que contribuíram para o entendimento e a formação política contemporânea.
A representação como legitimação da ordem política, foi primeiro desenvolvida e pensada no Estado parlamentar. No Estado parlamentar, de acordo com Norberto Bobbio (1986, p. 43), rege uma aplicação particular do princípio da representação, no qual um órgão central é representativo, pois recebe as reivindicações coletivas e delas se serve na tomada de decisões, sendo o parlamento este órgão central.
O contexto histórico do Estado medieval indica as razões da criação do parlamento. O Estado era resultado de uma organização feudal e descentralizada, não exercendo uma política central forte e contínua, bem como marcado por uma estrutura policêntrica, onde haviam diversas situações particulares e privilegiadas. Dessa descentralização da autoridade, resultou o impulso para um elemento unificador, quando da criação pelo rei de uma assembleia denominada cúria ou consilium regis, onde passaram a se reunir diversos membros da aristocracia em geral: barões, grandes proprietários, leigos e eclesiásticos. O objetivo da cúria era servir de consulta ao rei e fornecer os meios financeiros necessários para a execução de suas políticas (BOBBIO; GIANFRANCO; MATTEUCCI, 1998, p. 878).
Modificações no quadro social e econômico da época levaram, pouco a pouco, estes órgãos consultivos a se tornarem os parlamentos medievais. Entre elas, o desenvolvimento das cidades e da economia da época, fazendo com que, um maior número de delegados da fidalguia rural e da burguesia urbana passassem a intervir e participar das reuniões da cúria, ampliando a representação dessa instituição. Gradualmente, o órgão passou a ser constituído de organismos de caráter profissional e especializado e desenvolveu uma maior autonomia em face do poder do rei (CAENEGEM, 2009, p. 112).
O aumento do poder da Cúria levou a um choque frente ao poder régio, que viu na necessidade de vincular as suas decisões aos poderes periféricos e obter os consensos para realizar as suas políticas públicas, um obstáculo e uma limitação ao exercício de seus poderes e à obtenção de seus propósitos, sobretudo, diante da dificuldade em compor os interesses. Nessa conjuntura, os poderes periféricos buscaram conservar seus privilégios e controlar o uso que o rei fazia de suas contribuições financeiras. É neste embate que a cúria vai desenvolver poderes de moderação e controle, deixando de ser apenas um órgão de assistência e conselho para se tornar um parlamento. Essa mutação é perceptível em todos os países da Europa Continental durante os séculos XII a XIV (BOBBIO; GIANFRANCO; MATTEUCCI, 1998, p. 878).
Esses parlamentos se justificavam através de uma ideia de representação política intrinsicamente ligada à constituição societária da época. Como dito, tratava-se de sociedades descentralizadas e divididas por poderes periféricos e a desigualdade estrutural era encarada como a própria ordenação da sociedade:
Para o jurista ou para o teólogo medieval, ao contrário, é a própria realidade que se apresenta como essencialmente ordenada: o ser é composto de entes ontologicamente diferenciados e hierarquicamente dispostos. Deus, os anjos, os homens, os seres animados; o imperador, o vassalo, o servo; são degraus de uma mesma pirâmide: tanto o cosmo como a sociedade humana subsistem enquanto dispostos segundo uma estrutura desigual e hierárquica, culminando em um vértice (COSTA, 2010, p. 159).
O discurso que move a época é a metáfora do corpo: a ideia de sociedade constituída de diversos membros, diferenciados e hierarquizados. Cada órgão é composto de uma multiplicidade de sujeitos, que manifestam um sentimento de pertencimento e compreendem a desigualdade como intrínseca à organização e o bem comum como inerente à unidade do corpo (COSTA, 2010, p. 159).
A representação política medieval fundamentou-se na convicção de que as partes são formações orgânicas, cada qual com suas qualidades, indispensáveis à unidade do corpo. A parte compõe o todo e pertence a ele numa relação que não pode ser desfeita. Sendo assim, a parte do corpo hierarquicamente superior, o parlamento, assume um valor representativo em relação ao todo (COSTA, 2010, p. 160-162).
A relação de forças entre o poder do rei e os parlamentos medievais tomou contornos peculiares quando o Estado feudal cedeu lugar às monarquias nacionais europeias no século XVI, sobretudo, em decorrência das profundas transformações nos meios de produção de riqueza, a partir daí marcados essencialmente pelo mercantilismo, com a centralização do poder e formação dos Estados Nacionais. Os reis adquiriram um poder ilimitado, não se submetendo a qualquer jurisdição supranacional ou às leis internas. Sua vontade tornou-se a norma vigente. Deixaram de existir os antigos privilégios de particulares, na medida em que o rei podia outorgar ou revogar direitos adquiridos de acordo com a sua vontade. Em suma, os bens e os súditos são agora propriedades do poder régio e nesta centralização do poder, as assembleias parlamentares caem em uma situação de inferioridade (BOBBIO; GIANFRANCO; MATTEUCCI, 1998, p. 878), (CAENEGEM, 2009, p. 119).
A contestação deste modelo se deu em épocas diferentes e de diversas formas na Europa. O caso da Inglaterra se revela peculiar, na medida em que o parlamento foi o “cavalo de batalha” utilizado contra o poder régio, o que gerou novas ideias no que toca à representação política desta instituição.
Carlos Stuart foi educado nas doutrinas do direito divino que defendia o poder absoluto dos reis. Assim que assumiu o trono, em 1625, tomou diversas medidas despóticas, dissolvendo duas reuniões do parlamento. Lançou mão ainda de diversos meios de extorquir dinheiro dos súditos, como empréstimos forçados e benevolências (MACLEOD, 1922, p. 170), (CAENEGEM, 2009, p. 137). Para combater a crescente oposição a estas medidas, eram efetuadas prisões arbitrárias e julgamento em tribunais de jurisdição especial, criados pelo rei. Os Stuarts entraram em colisão com duas grandes correntes de opinião na Inglaterra do século XVII. Uma de inspiração política, querendo defender o Parlamento e o common law e outra de inspiração religiosa, pois a Igreja Anglicana era o principal suporte do absolutismo monárquico 1 (CANFORA, 2007, p. 56).
Nesta situação conflituosa, para defender a sua prevalência, o parlamento precisava justificar a sua soberania e o fez através da representação política. A representação no medievo ligava-se à ideia da ordem social estruturada e organizada. No século XVII, o discurso era exatamente o contrário. A sociedade era tida como desorganizada e precisava ser ordenada e a chave para isto era a representação parlamentar. Os membros do parlamento colocavam a liberdade como o ponto central da discussão: os indivíduos como possuidores do direito à liberdade e o parlamento como o intérprete de seus interesses. O parlamento é a voz do povo e este passa a existir apenas enquanto representado pelo parlamento e, sendo assim, a instituição parlamentar é o próprio soberano (COSTA, 2012, p. 61).
A situação chegou a um impasse quando a Escócia se rebelou contra a Inglaterra em 1639 e o rei se viu forçado a recorrer ao parlamento para conseguir subsídios para a guerra. O parlamento tentou usar da dependência financeira do rei para reestabelecer o equilíbrio entre os dois poderes. Como nem o rei e nem o parlamento cederam, ocorreu a guerra civil em 1642, envolvendo não só a Inglaterra, mas também a Escócia e a Irlanda. O exército chefiado por Oliver Cromwell saiu vitorioso e o rei, Carlos I, foi condenado a morte e executado em 1649, marcando a primeira execução pública de um rei na Europa moderna (CAENEGEM, 2009, p. 143-144). Em 4 de janeiro de 1649, o parlamento promulgou um decreto tido como o princípio da representação política parlamentar:
O povo é, por vontade de Deus, a fonte de todo e qualquer justo poder. Os comuns da Inglaterra, reunidos no Parlamento, foram escolhidos pelo povo e representam-no, por isso, são o poder supremo desta nação. Qualquer coisa estabelecida ou declarada pelos Comuns, no Parlamento reunido, tem a força de lei, e todo o povo da nação é obrigado a respeitá-la, mesmo que o consenso do rei e da Câmara dos Lordes não tenha sido obtido (CANFORA, 2007, p. 55).
Estabeleceu-se o que Robert Alan Dahl (2012, p. 39) denomina de república aristocrática, na qual a ênfase da solução situa-se no governo misto, onde a monarquia representa o interesse de um, a câmara alta aristocrática o interesse de poucos e a câmara baixa comum representa os interesses dos muitos. Estas considerações inserem-se no plano descritivo da representação.
Ainda neste contexto, houve uma mudança de paradigma no que se refere às teorias prescritivas da representação política. Esta mudança ocorre através das ideias jusnaturalistas, tendo como um de seus principais expoentes Thomas Hobbes que, ao contrário de uma sociedade naturalmente organizada, defende a concepção de uma multidão em desordem.
Segundo Hobbes (1979, p. 74), os homens no estado de natureza são essencialmente iguais. As faculdades do corpo não são tão díspares a ponto de um ser humano ter algum direito natural sobre outro que este também não possa ter. As faculdades do espírito também são equivalentes nos homens, pois as aparentes diferenças de inteligência se dão em razão apenas da experiência ou do tempo que cada um se dedica a uma atividade.
No estado de natureza, os homens buscam a sua própria conservação e podem ter tudo aquilo que conseguirem ter, pois a sua força e astucia só encontra barreira nas mesmas capacidades de outra pessoa. Assim, os homens vivem em uma guerra de todos contra todos, onde o homem é inimigo de todo homem (HOBBES, 1979, p. 75). Com isso, argumenta Pietro Costa (2010, p. 150), rompe-se o discurso medieval da representação, sustentado por uma ideia de ordem existente desde sempre. O homem no estado de natureza é desvinculado de qualquer pertencimento e se move apenas pelo seu impulso de conservação.
O indivíduo no estado de natureza possui autoridade sobre as suas ações, é o autor de seus atos e ele pode renunciar a seus direitos e formar um contrato com os outros homens. A partir do momento que um homem confere o seu direito de ação a outra pessoa, ele transfere a autoridade para a agir em eu nome. Para Hobbes, representar é agir com autoridade, em nome de outra pessoa, com fundamento na concessão realizada. Quando todos os homens no estado de natureza cedem a sua autoridade a uma só pessoa é criada uma unidade que representa a todos:
A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defende-los das invasões dos estrangeiros e das injurias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à do representante, e suas decisões a sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens (HOBBES, 1979, p. 105).
O contrato social se realiza na autorização de todos os membros em criar um soberano, passando a existir somente enquanto representados por ele. Todos os súditos transferem seus direitos ao soberano que detém o poder de agir em nome de todos e, portanto, representa todos. Com isso, o soberano é fundado na representação e a cada um pertence todas as ações praticadas pelo representante (HOBBES, 1979, p. 98).
Hobbes tinha a sua preferência pelo governo monárquico, mas o autor admitia que o soberano poderia ser uma assembleia. Neste sentido, pode-se dizer que as ideias dos revolucionários ingleses do século XVII estavam em consonância com as do autor, na medida em que se defendia a soberania parlamentar como um poder autossuficiente e completo, tendo o povo como sua fonte.
Esta fundamentação foi retomada na Inglaterra por Edmund Burke no século XVIII. Burke foi membro do parlamento inglês e em 1774 foi eleito pela circunscrição de Bristol, pronunciando um discurso histórico em que problematizou o significado da representação e o vínculo que deve existir entre o representante e o representado, realizando um debate com o candidato Matthew Brickdale, que defendia a ideia de que os representantes deveriam seguir as instruções coercitivas dos eleitores.
Burke afirma para seus eleitores que se um governo fosse uma questão de vontade seriam as deles que deveriam prevalecer, mas um governo não é uma questão de vontade. Um governo é uma questão de razão e de julgamento, que é construído através de um debate livre, onde a confiança depositada no representante consiste em usar de sua consciência e maturidade para decidir aos temas que lhe são propostos. Segue-se que uma deliberação no Parlamento onde o representante já tenha constituído previamente o seu julgamento não é uma deliberação racional e, por tal razão, o representante não é um defensor de interesses particulares daqueles que o elegeram (BURKE, 2012, p. 100).
A cidade de Bristol, disse o autor, faz parte de uma nação, e esta nação possui diversos interesses que se manifestam de diferentes formas e nem sempre de forma clara. O Parlamento é uma instituição da nação e, por isso, todos os interesses nacionais devem ser considerados. A função do representante consiste em guiar-se pelo bem comum, pelo interesse da totalidade, o que elimina qualquer instrução coercitiva prévia aos seus julgamentos:
O Parlamento não é um congresso de embaixadores de interesses diferentes e hostis, cujos interesses cada um deve assegurar, como um agente e um defensor, contra outros agentes e defensores; mas o Parlamento é uma assembleia deliberativa de uma nação, com um interesse, o da totalidade; em que nenhum propósito local, nenhum preconceito local, deveria guiar, exceto o bem comum, resultante da razão geral da totalidade (BURKE, 2012, p. 101).
Para Pietro Costa (2010, p. 102), Burke promove um salto qualitativo na relação entre os representantes e os representados, eis que o fundamento da representação passa a residir na totalidade da nação e a função do representante é exprimir a voz autêntica desta coletividade, substituindo o representando. É possível perceber o caráter antidemocrático da representação, tanto em Hobbes como em Burke, na medida em que os cidadãos escolhem um representante e depois não atuam mais como sujeitos políticos.
Além da Inglaterra, a França também promoveu uma luta contra a monarquia absolutista e, com ela, questões importantes no que se refere à organização política de um Estado. As causas da revolução francesa referem-se à questões sociais e econômicas. Os membros dos dois primeiros Estados, numericamente inferiores, detinham o monopólio das decisões políticas e representavam seus interesses particulares, usufruindo das honrarias e privilégios que os cargos lhes asseguravam. Os membros do Terceiro Estado, numericamente superiores, realizavam as tarefas árduas e necessárias para a subsistência de todos e pagavam os impostos, gerando a insatisfação crescente desta classe (CAENEGEM, 2009, p. 110).
Em um momento de crise financeira, o rei tentou criar um imposto geral sobre a propriedade para angariar fundos, tendo sido este prontamente rejeitado pelas classes privilegiadas, obrigando o rei a convocar os Estados Gerais em 1789 para debater o tema. Um primeiro passo foi escolher os eleitores de cada Estado que teriam direito de voto. Escolhidos os representantes de cada Estado, surgiu a questão de como seriam realizadas as votações. A doutrina tradicional, embasada pela última reunião dos Estados Gerais em 1614, afirmava que a votação tinha de ser feita por Estados e não por número de representantes. Significava isto uma notável desvantagem para o Terceiro Estado, que era numericamente superior e perderia em votos para os outros dois, podendo a minoria se impor (CAENEGEM, 2009, p. 213-214).
Foi neste contexto que Emmanuel Joseph Sieyés, teórico da Revolução Francesa, criticou a forma de votação tradicional, sob o fundamento de que a população do Terceiro Estado é imensamente superior à dos outros dois:
O Terceiro Estado pede, pois, que os votos sejam emitidos “por cabeça e não por ordem”. Estas reclamações se resumem a isso. E parece que elas alarmaram os privilegiados: eles acreditaram que só com isso já se alcançaria a reforma dos abusos. A verdadeira intenção do Terceiro Estado é a de ter nos Estados Gerais uma influência “igual” à dos privilegiados. Repito: e ele pode pedir menos? E não está claro que, se sua influência se encontra abaixo da igualdade, não se pode esperar que saia de sua nulidade política e que consiga ser alguma coisa? (SIEYÉS, 2017, p. 08).
Mas essa petição foi rejeitada. A não aceitação dos votos por cabeça se tornou inaceitável para o Terceiro Estado, que, em 17 de junho de 1789 se proclamou como a Assembleia Nacional e, posteriormente, em 09 de julho seguinte, como a Assembleia Nacional Constituinte. O Terceiro Estado, embasados nas ideias de Sieyés, passou a considerar-se o único representante da Nação:
Quem ousaria assim dizer que o Terceiro Estado não tem em si tudo o que é preciso para formar uma nação completa? Ele é o homem forte e robusto que está ainda com um braço preso. Se se suprimisse as ordens privilegiadas, isso não diminuiria em nada à nação; pelo contrário, lhe acrescentaria. Assim, o que é o Terceiro Estado? Tudo, mas um tudo entravado e oprimido. O que seria ele sem as ordens de privilégios? Tudo, mas um tudo livre e florescente. Nada pode funcionar sem ele, as coisas iria infinitamente melhor sem os outros (SIEYÉS, 2017 p. 03).
A Assembleia Nacional possuía o poder constituinte e é nestas circunstâncias que Sieyés vai problematizar a organização da ordem política e elaborar uma teoria da representação. O modelo do soberano representativo de Hobbes tem tons marcadamente teóricos, enquanto que Sieyés ambicionava empregar a sua teoria na política constitucional francesa. Assim, para o segundo, os sujeitos não são os homens fictícios do estado de natureza, mas são os membros reais do Terceiro Estado e a vontade comum não é expressa no contrato social, mas na criação da assembleia constituinte.
A criação da assembleia para elaborar as normas constitucionais do Estado se justifica em razão das condições territoriais e populacionais da sociedade francesa, que impediam o exercício direto da soberania. Em comunidades pequenas e primitivas seria possível que todos os indivíduos se reunissem para formar a vontade comum, para exercer a democracia direta, mas não era este o caso. Com isso, os “todos” da nação só podem existir na assembleia constituinte através do mecanismo da representação:
Os associados são muitos numerosos e estão dispersos em uma superfície muito extensa para exercitar eles próprios facilmente sua vontade comum. O que fazem? Separam tudo o que para velar e prover é preciso as atenções públicas, e confiam o exercício desta porção da vontade nacional, e, consequentemente, do poder, a alguns dentre eles. Essa é a origem de um governo exercido por procuração (SIEYÉS, 2017 p. 29).
Como a nação não pode se reunir ela confere seus poderes aos representantes extraordinários, pois “se ela pudesse se reunir diante de vocês e exprimir sua vontade, vocês ousariam contestá-la, porque ela faz isso de uma forma e não de outra? Aqui a realidade é tudo e a forma nada” (SIEYÉS, 2017, p. 33). A formação da ordem política deve ser realizada, criada. E neste ponto a representação em Sieyés possui o mesmo sentido de Hobbes. A representação é constitutiva, faz parte do processo de formação da ordem, criando o soberano, um monarca para Hobbes e uma assembleia constituinte para Sieyés (COSTA, 2010, p. 168).
Apesar das críticas de Burke à revolução francesa e também a Sieyés2 , muito em razão do primeiro teorizar a representação dentro de uma constituição como produto de um processo histórico experimentado, de uma tradição constitucional e o segundo trabalhar com a questão dentro de uma ideia de constituição criada, decidida, ambos os autores estão em consonância quanto à relação que deve ser estabelecida entre representante e representado e, com ela, o caráter não democrático da representação.
Também para Sieyés (p. 47-48), o objetivo da assembleia nacional é o interesse comum. A legislação diz respeito aos interesses gerais e isso resulta na pronta exclusão dos interesses particulares. Sendo assim, quando os cidadãos escolhem um representante não nomeiam um emissário das suas vontades, mas confiam a um representante a capacidade de conhecer e interpretar o interesse geral. A nação é representada e o mandato imperativo é incompatível com este tipo de representação. Por isso, “uma das primeiras decisões dos revolucionários franceses, em julho de 1789, foi proibir a prática dos mandatos imperativos” (MANIN, 2017, p. 03).
Afirma Bernard Manin (2017, p. 03), que a opção pela forma de selecionar representantes através de uma eleição e não de um sorteio, mostra que não havia incompatibilidade entre a representação e um governo de elites, reforçando a ideia de ausência de identidade entre representante e representado.
Mais do que isso, demonstra a ideia de que a representação como foi teorizada e praticada, nunca foi uma forma indireta de soberania, corroborando o argumento de que o sistema representativo era um regime próprio de governo, diverso daquele denominado de democracia, onde os próprios governados fazem as suas normas.
Estabelecido como se deu o desenvolvimento da representação política em seus principais contextos teóricos e práticos, cabe agora abordar a teoria da democracia clássica, para seguidamente estabelecermos como essas concepções foram reunidas na formação de uma ordem política.
A democracia antiga nos remonta à Grécia, ao século VI a.C. Atenas passava por diversos conflitos internos e externos, quando Clístenes (565 a.C. – 492 a.C.), apoiado pelo povo, derrotou os aristocratas e tornou-se o líder da pólis3 . Clístenes estabeleceu uma nova constituição em Atenas e as suas medidas fizeram com que ficasse conhecido como o pai da democracia grega.
Considere-se que antes de seu governo, os atenienses eram divididos em quatro classes, de acordo com o rendimento de terra, sendo que os que possuíam pouco ou nada de terra, não poderiam participar do governo4 . Segundo Aristóteles (1999, p. 272), Clístenes dividiu os cidadãos em dez classes, com o intuito de misturá-los e ampliar a participação dos mesmos nas decisões públicas.
Estabeleceu uma nova forma de organização, ignorando as divisões baseadas nas gens5 e delimitando os cidadãos de acordo com o local de residência. Não era mais o povo que se dividia, mas o território. A Ática foi dividida em cem municípios, chamados de demos e os cidadãos eram os demotas, que não se identificam mais com o nome de família, mas com o nome do seu demo (ENGELS, p. 130, ARISTOTÉLES, 1999, p. 272). No centro do ordenamento estava a Assembleia, que se reunia ao menos quarenta vezes por ano e decidia as questões da vida pública. Nela, qualquer cidadão poderia participar nas discussões e votar, sendo as decisões tomadas pelo levantamento das mãos (COSTA, 2012, p. 13).
Os cidadãos eram os homens livres, estando excluídos da participação no governo as mulheres, os estrangeiros e os escravos que não eram considerados cidadãos. Segundo Friedrich Engels (2002, p. 132), Atenas contava com cerca de noventa mil cidadãos livres, entre homens, mulheres e crianças, trezentos e sessenta e cinco mil escravos e quarenta e cinco mil imigrantes e libertos.
Essa forma de governo era regida por duas concepções: isonomia e isegoria. A primeira expressa a ideia de igualdade dos cidadãos perante a lei e a segunda o igual direito de falar na assembleia, sem intermediários. Conforme aponta Pietro Costa (2010, p. 213), a intervenção direta no processo de decisão da Assembleia e a possibilidade de qualquer cidadão ser eleito para comandar é o que os atenienses entendiam como governo do povo, denominando-o de democracia.
Costa (2010, p. 215) afirma ainda que o conteúdo atribuído ao termo “povo” tomou diversos significados ao longo do tempo. Mas a ideia do povo como uma entidade política autossuficiente pode ser tomada como um traço constante da democracia. No mesmo sentido são as considerações de Bobbio (2000, p. 31-35), estabelecendo que o povo como o titular do poder político, o detentor do direito de tomar decisões coletivas não foi alterado, permanecendo inalterado o conceito original de democracia, identificado como o “governo do povo”.
O uso moderno do termo data dos séculos XVII e XVIII, quando da luta contra as monarquias absolutistas e da crescente ideia de que os homens são iguais e a ordem não é um dado objetivo, mas deve ser inventada, construída, sob o pilar da igualdade dos sujeitos. Neste contexto, inserem-se as teorias que vinculam a criação da ordem à vontade do povo e ao bem comum. Já nos referimos como Hobbes resolveu esse problema através do soberano representativo. No debate insere-se também Jean Jacques Rousseau.
Em sua obra, “Do Contrato Social”, Rousseau almeja estabelecer os fundamentos de uma ordem legítima, "encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece, contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes” (ROUSSEAU, 1978, p. 32).
Sua teoria é centrada na noção de liberdade. As associações descritas por Rousseau ao longo do Livro I da obra, são todas fundadas na convenção, na vontade livre das partes. A família, após os filhos alcançarem a idade racional, depende da voluntariedade dos membros de continuarem unidos. Uma organização chefiada pelo mais forte não funda uma sociedade, pois aceitar a força é uma necessidade e não uma vontade. A escravidão não é legítima, pois não existe nenhuma autoridade natural de um homem sobre outro homem (ROUSSEAU, 1978, p. 23-29).
Segundo Hans Kelsen (p. 2000, p. 32) não se trata aqui daquele significado de liberdade associado ao liberalismo, no qual a liberdade do indivíduo consiste em não se submeter ao domínio e o alcance do poder do Estado sobre si. A liberdade evocada por Rousseau é aquela de participação do indivíduo no poder do Estado, liberdade de criar a ordem que conduzirá a sua vida.
Georges Burdeau (1969, p. 13) esclarece que a liberdade liga-se à ideia de democracia pois o governo do povo só faz sentido com a exclusão do poder de uma autoridade que não advém do povo. As relações de obrigação e obediência inerentes a uma ordem política, só podem ser criadas e estruturadas se fundadas na aceitação daqueles que irão se submeter, ou seja, se compatíveis com a sua liberdade.
Através dessa liberdade e buscando a sua conservação, os homens unem forças e realizam um pacto, estabelecendo uma vontade geral como seu fundamento. Esse ato de associação produz um novo corpo, uma pessoa pública composta de cada contratante, chamado de soberano, que tomará decisões tendo o bem comum como finalidade (ROUSSEAU, 1978, p. 32-35).
Fundada a organização política de Rousseau na vontade de todos os homens, a mesma se revela essencialmente democrática, na medida em que toda a soberania e autoridade residem no povo. Não democrática no sentido numérico, pois o interesse comum não reside no interesse dos particulares, mesmo que em maioria, mas sim no interesse de todos enquanto componentes do corpo coletivo:
A soberania é indivisível pela mesma razão porque é inalienável, pois a vontade ou é geral, ou não o é; ou é a do corpo do povo, ou somente de uma parte. [...] Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende somente ao interesse comum; a outra, ao interessa privado e não passa de uma soma das vontades particulares (ROUSSEAU, 1978, p. 44-47).
A teoria democrática rousseauniana se completa na sua crítica à representação. Sendo a soberania indivisível e a vontade geral única, não pode haver representação, pois não existem intermediários entre o soberano e o governo. Admitir representantes é abrir caminho para que os interesses particulares sejam colocados em primeiro plano:
A soberania não pode ser representada pela mesma razão porque não pode ser alienada, consiste essencialmente na vontade geral e a vontade absolutamente não se representa. É ela mesmo ou é outra, não há meio termo. Os deputados do povo não são, nem podem ser seus representantes; não passam de comissários seus, nada podendo concluir definitivamente (ROUSSEAU, 1978, p. 107)
Em resumo, a liberdade como participação de criação da ordem, a igualdade como o pertencimento de todos os sujeitos ao corpo soberano e a ideia de autogoverno do povo são os ideais da democracia clássica, teorizados por Rousseau.
O argumento dos teóricos da política do século XVIII era de que uma democracia apenas poderia existir em pequenos Estados6 . Não obstante, no mesmo período e em outro continente, nascia um Estado em um grande espaço territorial que se tornaria democrático.
A insurreição norte-americana não fugiu das causas comuns das revoluções do período: governos despóticos que tomam medidas econômicas arbitrárias contra seus governados. Deve-se considerar que, anteriormente a revolução, as colônias americanas já possuíam seus direitos tradicionais. Alexander Hamilton (1840, p. 230) aponta que as colônias manifestavam um sistema representativo, onde os representantes da legislatura eram eleitos através do voto. Suas instituições coloniais criavam e aprovavam os impostos, pagos pelos colonos para cobrir as suas próprias despesas, vigorando o princípio da “nenhuma imposição fiscal sem representação”.
Com o Tratado de Paris de 1763, a titularidade do Canadá transferiu-se da França para a Grã-Bretanha, vendo-se o parlamento Britânico na necessidade de obter recursos para defender as novas terras. Para isso, decidiu que os americanos deveriam contribuir para os custos da defesa do novo território, criando, em 1765, um imposto de selo usado em publicações, registros e nos mais variados documentos. Os norte-americanos viram esse ato como uma afronta aos seus direitos, já que eles não possuíam representantes na instituição que criou o imposto, o Parlamento de Westminster. A reação foi violenta e logo se organizaram grupos em defesa da liberdade. Posteriormente, outro evento contribuiu para a insatisfação dos colonos americanos, em 1773, quando a Inglaterra permitiu à Companhia das índias Orientais enviarem grandes reservas de chá ao mercado das colônias, causando prejuízos aos negociantes americanos. Estes reagiram novamente, jogando todo o chá no mar quando o produto se encontrava no porto de Boston. Os ingleses enviaram tropas para restaurar a ordem e tentar manter a supremacia britânica sobre as colônias, ocasionando o primeiro confronto armado entre tropas britânicas e insurgentes americanos em 1775 (CAENEGEM, 2009, p. 187-188).
No campo político, os colonos também se movimentavam e procuravam se organizar, reunindo-se em Congressos na cidade de Filadélfia. Em um deles, George Washington foi nomeado comandante do exército revolucionário e, em 1776, foi publicada a Declaração da Independência redigida por Thomas Jefferson. A luta armada contra os britânicos seguia-se, agora fortalecida com a ajuda dos franceses. A soberania da Grã-Bretanha sobre as colônias norte-americanas estava perto do fim e a sua derrocada se deu em 1781, quando as últimas tropas britânicas renderam-se em Yorktown. Seguiu-se o acordo político, com o Tratado de Versalhes de 1783, reconhecendo a independência das treze colônias americanas. Cabia agora aos independentes elaborar a organização política de suas colônias (CAENEGEM, 2009, p. 188).
O povo americano era um povo diferente daqueles conhecidos na velha Europa. Nos Estados Unidos não existia aristocracia hereditária, a organização da sociedade em ordens e nem a monarquia. Tudo o que tinha sido produzido até então na Europa, o governo misto e a representação, foram pensados para aquele quadro de organização social, que não existia no novo Estado e por isso não poderia ali ser aplicado (COSTA, 2012, p. 100).
O que permaneceu do pensamento europeu foi o fundamento do poder. Alexis de Tocqueville (2005, p. 66) esclarece que quando a revolução estourou todas as classes combateram em nome da mesma causa e quando a vitória veio, a ideia de soberania popular tomou conta do governo, sendo o povo considerado, de forma unânime, o fundamento da ordem e detentor do poder político.
Diferentemente do republicanismo aristocrático do governo representativo da Inglaterra e daquele que fora tentado na França, trata-se para Robert Dahl (2012, p. 38) do republicanismo democrático, na qual os americanos estavam preocupados em afastar qualquer possibilidade de domínio de uma minoria sobre a maioria. Decorre daí a confiança em um governo repousado no povo, devendo ser criado um sistema que refletisse a sua soberania.
Os republicanos democráticos estavam firmemente comprometidos em democratizar um Estado territorialmente vasto. É neste contexto que as teorias do governo representativo irão se revelar como uma resposta para o problema, sendo transplantadas para uma democracia. Para Hamilton (1840, p. 63), as repúblicas antigas falharam por não conhecer os meios essenciais do governo republicano: a divisão dos poderes, tribunais compostos de juízes inamovíveis e a representação do povo, através do mecanismo de escolha dos deputados.
Mais especificamente, é a lógica da representação que irá permitir a existência de um governo republicano e popular, porém, de um tipo diferente da democracia pura, eis que embasado na premissa de que os cidadãos deveriam confiar o exercício do poder a outros. A representação incorporada será o elemento distintivo da democracia dos modernos para aquela dos antigos.
Os federalistas estavam convencidos de que o único governo democrático adequado a um povo de homens era a representativa. Para Madison o sistema representativo era a resposta contra as facções. A ideia de facção utilizada por Madison é aquela comum do século XVIII, no qual a palavra indica um grupo político que pratica atos perturbadores à ordem, através de comportamentos excessivos e danosos, em vista de interesses de um grupo particular: “entendo por facção huma reunião de cidadãos, quer formem a maioria ou a minoria do todo, huma vez que sejão unidos e dirigidos pelo impulso de huma paixão ou interesse contrario aos direitos dos outros cidadãos, ou ao interesse constante e geral da sociedade” (MADISON, 1840, p. 72).
Para o autor, as facções são inevitáveis pois são fundadas na natureza humana, que é movida por diferentes motivações, opiniões e paixões. Além disso, as facções se formam pela proória realidade social, na medida em que “os interesses dos proprietários tem sempre sido diferentes daqueles que não o são” (MADISON, 1840, p. 74). Para neutralizar as facções, a representação é a resposta, pois é a maioria quem escolhe os projetos a serem adotados, através da votação. Em um governo representativo “é mais possível que a vontade pública, exprimida pelos representantes do povo, esteja em harmonia com o interesse público, do que no caso de ela ser exprimida pelo povo mesmo, reunido para este fim” (MADISON, 1840, p. 78).
Além do mais, a vasta extensão territorial do Estado deixa de ser um problema para a democracia, quando esta passa a ser descrita como representativa, pois, como afirma Madison (1840, p. 80), é a própria grandeza física e populacional do país que possibilitará a existência de muitos partidos e vários interesses e, com estas características, a formação de uma facção que oprima os direitos dos cidadãos é reduzida, pois diversos grupos terão a oportunidade de concorrerem entre si para alcançar um posto político.
Com isso, pode concluir Robert Dahl (2012, p. 44), corroborado com Noberto Bobbio (200, p. 15), que a teoria da representação foi aceita pelos democratas e republicanos, transformando-se em uma teoria adequada para a solução do problema dos grandes Estados nacionais modernos, pois permite estabelecer um governo democrático corrigido, compatível com o vasto território e a grande população.
Esse entendimento é reforçado ainda por Alexis de Tocqueville que descreve a consolidação da democracia representativa nos Estados Unidos. Tocqueville (2005, p. 276) faz um balanço das forças de poder tradicionais: as religiões e a explicação divina dos direitos estão desaparecendo; os costumes estão sendo alterados e a moral se esvaindo; as crenças foram ocupadas pelo raciocínio e os sentimentos pelo cálculo. Sua conclusão é de que restou apenas o interesse pessoal para governar e, por isso, este deve ser instigado.
Segue-se para o autor, que o único meio que desperta o interesse dos homens pela pátria é a possibilidade de participarem do governo, é a concessão dos direitos políticos, através da escolha de um representante. E a democracia dos Estados Unidos é o exemplo por excelência, pois nesta é o povo quem faz a lei, quem as executa, quem constitui o júri, quem nomeia diretamente os representantes do Poder Legislativo e também escolhe o chefe do Poder Executivo (TOCQUEVILLE, 2005, p. 197).
Com isso, a democracia moderna que foi esculpida na conceituação etimológica de governo do povo, compreendida na ideia de que todo o poder pertence ao povo e cabe a ele exercê-lo como lhe aprouver, enfrentou dificuldades de operacionalização desse ideal quando se percebeu que o povo é uma abstração e que não pode exercer uma vontade. As dificuldades foram corroboradas ainda pelas complexidades quando da formação dos Estados modernos com grande extensão territorial e populacional, impossibilitando que todos os cidadãos decidissem sobre quaisquer assuntos políticos e sempre que tais decisões fossem demandadas.
Neste cenário, a representação política, que foi inventada e desenvolvida como uma instituição medieval de governo monárquico e aristocrático, foi aceita pelos democratas como a solução que eliminou os limites dos Estados e se impôs como uma teoria adequada para a superação de tais obstáculos, transformando a soberania popular no poder de participar da ordem política através da escolha de representantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram explorados neste trabalho, sem a pretensão de exaurir a complexidade temática, uma leitura histórica das revoluções dos séculos XVII e XVIII, no que tange às suas consequências para uma formulação teórica de democracia moderna, bem como a sua realização, observando-se o momento em que a democracia como um regime horizontal de participação dos governos mostrou-se inviável na prática, transformando-se num regime democrático representativo, através de uma lógica vertical de exercício do poder do povo.
Operada a mudança, percebeu-se que o ideal democrático não define uma realidade, da mesma forma que uma democracia real não é o mesmo que uma ideal. Entender a diferença do que é e o que deve ser é importante, pois possibilita estabelecer uma conexão adequada entre os dois planos. Uma análise acurada de um sistema político deve levar em consideração o paradigma da representação inserido na democracia, pois somente assim é possível fazer uma comparação da realidade com o seu adequado modelo teórico concebido como referencial inspirador.
Neste sentido, o debate da democracia passa a ser declinado na forma de participação através da representação e suas possibilidades. Para realizar a democracia representativa é preciso chamar à participação todos os indivíduos. E neste modelo é através do voto que os cidadãos exercem o seu poder, funcionando o voto como um elemento ratificador e legitimador do regime e da ordem política estabelecida.
Para além deste trabalho, se democracia e representação constituíram um processo histórico de consolidação de um paradigma de organização política, os tempos atuais revelam novas possibilidades de realização do ideal democrático, através dos avanços tecnológicos onde se aventa perspectivas de democracia direta, talvez por meio de transferência de uma decisão política do cidadão a um cérebro eletrônico, dispensado a intermediação realizada pelos representantes escolhidos no processo eleitoral.
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TOCQUEVILLE, Alexis de. (2005). “A democracia na América: leis e costumes de certas leis e certos costumes políticos que foram naturalmente sugeridos aos americanos por seu estado social democrático”. Tradução de Eduardo Brandão. Martins Fontes, São Paulo.
* Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, Paraná, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Professor do PPGD da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Estadual de Londrina. Email: ehlfigueiredo@yahoo.com.br.
** Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católicas de Minas Gerais, campus Poços de Caldas. Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Email: felipe_ayoria@hotmail.com.
1 “Os chamados puritanos, opunham-se à doutrina da Igreja da Inglaterra e pretendiam purificá-la, embasados nas ideias da revolta luterana contra Roma no século anterior, acreditando numa Igreja disciplinada, incompatível com a forma de vida luxuosa da corte, que ofendia o seu próprio estilo de vida sóbria” CANFORA, Luciano. (2007). “A Democracia. História de uma Ideologia”. Tradução de José Jacinto Correia Serra. Edições 70, Lisboa, p. 56.
2 “O Abbade Sieyes tem na sua carteira ninhos, como de pombos, cheios de Constituições para todos os paizes, já promptas, selladas, sortidas, numeradas, e accommodadas a toda estação e phantasia. Humas são distancias pela sua simplicidade, e outras pela sua complicação; varias, são de côr de sangue, e algumas de côr de lama de Pariz; humas tem Conselhos de velhos, e Conselhos de moços, e certas não tem Conselho algum; algumas, em que os eleitores escolhem os representantes, e outras, em que os representantes escolhem os eleitores; humas, em que os legisladores tem habito talares, e outras, vestidos curtos. Etc. etc. Assim nenhum especulador em Constituições deixará de achar naquela officina huma, que lhe accommode, com tanto que ame o padrão de todas ellas, adoptando rapina, opressão, prisão arbitraria, juízo revolucionário, confisco, desterro, premeditado assassinato com formas de lei. Eles tem achado a arte de extrahir nitro, para fazer pólvora, até das ruinas, que eles fizeram das propriedades e cidades, a fim de fazerem outras ruinas, e assim ao infinito” BURKE, Edmund (2012). “Discurso aos Eleitores de Bristol”. En: Revista Sociologia Política, Curitiba, vol. 20, n. 44, novembro 2012, p. 87-88.
3 A pólis é um organismo político de pequenas dimensões, concebida como uma comunidade, composta de cidadãos. COSTA, Pietro. (2012). “Poucos, muitos, todos: lições de história da democracia”. Tradução de Luiz Ernani Fritoli. UFPR, Curitiba, p. 15.
4 Anteriormente a Clístenes, “Solon dividiu os cidadãos em quatro classes, de acordo com a sua propriedade territorial e a produção desta. Os rendimentos mínimos fixados para as três primeiras classes foram de quinhentos, trezentos e cento e cinquenta medimnos de grão, respectivamente (um medimmo equivale a uns quarenta e um litros); os que não possuíam menos terra ou não a tinham de algum modo formavam a quarta classe Só podia ocupar os cargos públicos em geral os indivíduos das três primeiras classes, e os cargos mais importantes cabiam apenas aos indivíduos da primeira classe; a quarta classe não tinha senão o direito de usar da palavra e votar nas assembleias” ENGELS, Friedrich. (2002). “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”. Tradução de Leandro Konder. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, p. 128.
5 “Gens em latim e genos em grego empregam-se especialmente para designar esse grupo que se jacta de constituir uma descendência comum (do pai comum da tribo, no presente caso) e que está unido por certas instituições sociais e religiosas, formando uma comunidade particular” ENGELS, Friedrich. (2002). “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”. Tradução de Leandro Konder. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, p. 92.
6 Como vimos em Sieyés e também para Rousseau, pois, para existir realmente uma democracia era necessário “Em primeiro lugar, um Estado muito pequeno, no qual seja fácil reunir o povo e onde cada cidadão possa sem esforço conhecer todos os demais; segundo, uma grande simplicidade de costumes que evite a acumulação de questões e as discussões espinhosas; depois, bastante igualdade entre as classes e as fortunas, sem o que a igualdade não poderia subsistir por muito tempo nos direitos e na autoridade; por fim, pouco ou nada de luxo – pois o luxo ou é o efeito de riquezas ou as torna necessárias; corrompe ao mesmo tempo o rico e o pobre, um pela posse e outro pela cobiça; entrega a prática à frouxidão e à vaidade, subtrai do Estado todos os cidadãos para subjugá-los uns aos outros, e a todos à opinião” ROUSSEAU, Jean-Jacques. (1978). “Do Contrato Social”. Tradução de Lourdes Santos Machado. Abril Cultural, São Paulo, p. 85.
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