Aiala Colares Couto*
Universidade do Estado do Pará (UEPA)
aialacolares@hotmail.comResumo
Nos últimos anos, o narcotráfico ganhou proporções significativas em termos de organização e expansão nas periferias da metrópole de Belém, na Amazônia Oriental (Brasil). Pode-se atribuir este processo ao crescente papel, para o crime organizado global, que o país e a região amazônica vêm desempenhando neste novo milênio, destacando-se como área de trânsito e como mercado consumidor em potencial para o “mercado da droga”. O presente artigo tem como objetivo analisar a organização territorial do narcotráfico sobre os aglomerados de exclusão em Belém, destacando as relações que envolvem os sujeitos que constroem territórios alternativos ao controle do Estado. Eleger o narcotráfico como temática parte da necessidade de explicações acerca da dinâmica desta atividade que envolve toda a metrópole, criando impactos sociais, políticos, econômicos e culturais. Nossa metodologia buscou, nos trabalhos de campo com entrevistas, registros fotográficos, observações e pesquisas bibliográficas e análise documental que possibilitaram, de maneira geral, a interpretação teórico-empírica de uma análise crítica sobre os efeitos socioespaciais do narcotráfico.
Palavras-Chave: Pichações. Inclusão precária. Aglomerados. Narcotráfico.
Abstract
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Aiala Colares Couto (2017): “Entre a inclusão precária e os aglomerados de exclusão: a geografia do narcotráfico no espaço urbano de Belém”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/03/inclusao-precaria-exclusao.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1703inclusao-precaria-exclusao
1 DAS PICHAÇÕES ÁS EQUIPES: DA DOMINAÇÃO POLÍTICO-ECONÔMICA À APROPRIAÇÃO SIMBÓLIO-CULTURAL DOS TERRITÓRIOS
Analisando as formas ou demonstrações de poder do narcotráfico em Belém, considerando principalmente as definições do território, pode-se observar o papel que as pichações exercem diante do contexto de produção simbólica do controle do espaço. Além disso, essa relação simbólica com o tráfico de drogas que se dá a partir das periferias está diante de uma outra relação que é a formação de chamadas “equipes”, ou seja, grupos de sujeitos envolvidos nas redes e que através das pichações demarcam áreas geográficas dentro dos bairros, práticas definidas por Haesbaert (2004) como; apropriação simbólico-cultural que é acompanhada por uma dominação político-econômica do território.
A dominação político econômica está no sentido de atribuir um valor ao território, e este valor, surge em função do comércio de cocaína, principalmente em zonas definidas pelos grupos em pontos estratégicos dos bairros, considera-se pontos estratégicos aqui, os locais onde ao mesmo tempo em que existe a facilidade para os fluxos de consumidores, deve haver também facilidade para que aviãozinhos possam escapar das investidas das polícias ou de ataque de grupos rivais. E, a apropriação simbólico-cultural, não está apenas no sentido dos símbolos que são desenhados nas paredes demostrando a presença dos grupos ou equipes, mais também, está presente em toda a relação cotidiana que é criada perante os sujeitos envolvidos nas redes do tráfico de drogas. Ou seja, o narcotráfico produz seus códigos com gírias identificáveis apenas por membros dos grupos o então tatuagens com símbolos que também só eles conseguem identificar seus significados.
É importante também, saber que está relação descrita acima é muito mais presente no tráfico da periferia ou nas baixadas. Este comportamento foi identificado no bairro da Terra Firme com a “Equipe Rex”, “Equipe Pernal” e a “Liga da Justiça”, no bairro do Jurunas isso ocorre com a “Galera da Laje, na Cabanagem com os “Mirienses” e a “Equipe Dote”, dentre outras. É importante apresentar estes grupos, pois foram as equipes que mais chamaram a atenção pelo nível de organização e movimentação que elas realizam nos bairros periféricos de Belém e que envolvem também conflitos armados, estas representações espaciais são resultados de relações sociais que produzem o território.
Para Haesbaert (2004), apesar de ser uma categoria central para a Geografia, território e territorialidade, por dizerem respeito à espacialidade humana, têm uma certa tradição também em outras áreas, cada um com enfoque centrado em uma determinada perspectiva e o geógrafo tende a enfatizar a materialidade do território, em múltiplas dimensões (que deve[ria] incluir a interação sociedade-natureza).
Assim,
a Ciência Política enfatiza sua construção a partir de relações de poder (na maioria das vezes, ligada à concepção de Estado); a Economia, que prefere a noção de espaço à território, percebe-o muitas vezes como um fator locacional ou como uma das bases da produção (enquanto “força produtiva”), a Antropologia destaca sua dimensão simbólica, principalmente no estudo das sociedades ditas tradicionais (mas também no tratamento do “neotribalismo” contemporâneo); a Sociologia o enfoca a partir de sua intervenção nas relações sociais, em sentido amplo, e a Psicologia, finalmente, incorpora-o no debate sobre a construção da subjetividade ou da identidade pessoal, ampliando0o até a escala do indivíduo (HAESBAERT, 2004, p. 37).
A Geografia não tem esta exclusividade nos estudos sobre o território, mas hoje é a Ciência que melhor explica estas múltiplas dimensões que produzem certas territorialidade para além da visão estadocêntrica ou puramente econômica sobre a projeção política da sociedade sobre o espaço. Mas, não deixando de considera as relações de poder que definem os territórios. É logico que estamos diante de uma atividade na qual necessita ter o controle efetivo de uma área geográfica, porém quando se trata de um aprofundamento empírico sobre a problemática do narcotráfico em Belém vamos visualizar uma mudança na estrutura organizacional que ocorre nos últimos cinco anos (2010 à 2015).
Ainda podem ser encontradas esse tipo zonal de territórios onde zonas dos bairros são de controle do tráfico de drogas, mas com grande tendência a desaparecer e prevalecer muito mais a lógica dos territórios em redes, onde bairros inteiros passarão para o controle do narcotráfico em ternos de comércio/varejo.
Haesbaert (2004 p. 40) faz uma síntese das várias noções do conceito de território, onde o autor vai agrupar estas concepções em três vertentes, quais sejam: a política, a cultural e a econômica. Com essas vertentes destacadas pelo autor, temos aí a concepção por ele definida como dominação político-econômica e apropriação simbólico-cultural. A territorialidade é da natureza humana, mas o autor chama a atenção para a dimensão “natural” do território, visto que também essa categoria vem também da ecologia para entender o mundo animal.
Voltaremos para a perspectiva teórico-empírica do artigo, buscando demostrar as geo-gráfias que o tráfico de drogas constrói na cidade, usa-se o termo geo-gráfias com o duplo sentido, onde o primeiro está associado ao sentido de produção do espaço e o segundo sore as marcas ou grafias cridas pelo tráfico no espaço. É interessante compreender esta relação do tráfico com as pichações em função principalmente de reconhecermos esta ligação, visto que, pichadores passaram a fazer parte das redes do tráfico de drogas e também se consideramos que o tráfico de drogas fez desaparecer as antigas brigas de gangues, dando lugar aos conflitos entre facções rivais do tráfico.
Em alguns bairros, as antigas gangues rivais deixaram as desavenças de lado e passaram a fazer parte de um único circuito que é o do narcotráfico, ou seja, elas foram absorvidas pelas redes, isso ocorreu nos bairro do Jurunas, Cremação, Guamá, em relação a Terra Firme, as gangues foram incorporadas a lógica do tráfico, mas mantiveram as rivalidades, no Benguí e no Barreiro, não existia uma diversidade de gangues, foi mais fácil inclusive de fazer as alianças entre os bairros. No Buraco Fundo em Icoaraci na Ocupação do Paracurí I o tráfico se territorializou, mas não usa de pichações para suas representações simbólicas de poder e nem muito menos existiam gangues na área que foram por ele incorporadas, na Cabanagem também temos o mesmo exemplo, embora hoje o bairro vida em situação de conflitos de grupos que disputam o controle do espaço.
Nesses espaços formam-se redes sociais do tráfico de drogas, constituídas por jovens que são facilmente levados para o “lado perverso” da economia do crime, e isso envolve um conjunto de relações sociais. A sociologia define rede como um conjunto de relações sociais entre um conjunto de atores e também entre os próprios atores. Segundo Colonomos (1995), designa ainda os movimentos pouco institucionalizados, reunindo ou grupos numa associação cujos limites são variáveis e sujeitos a reinterpretações. Os antropólogos irão a partir da noção de redes buscar apoiar "a análise e descrição daqueles processos sociais que envolvem conexões que transpassam os limites de grupos e categorias" (BARNES, 1987, p. 163).
O termo sugere ainda a ideia de articulação, conexão, vínculos, ações complementares, relações horizontais, interdependência de serviços para garantir a integralidade da atenção aos segmentos sociais vulnerabilizados ou em situação de risco social e pessoal, uma construção coletiva que se define à medida que é realizada (DUARTE, 2004).
Estudos recentes realizados por Tracy e Martins (2007) têm demonstrado que o ser humano tende a adoecer quando percebe que sua rede social foi reduzida ou rompida. Entretanto, se encontrar suporte solidário em outros espaços da sua rede de relações, tende a enfrentar problemas e sofrimentos com maior habilidade e segurança.
Isso explica o fato de que em áreas de vulnerabilidade social, precarização na atuação do poder público, conflitos sociais, e “segregação-exclusão” ou “inclusão precária”, os jovens da periferia que têm sua rede social reduzida e enfrentam problemas de isolamento social ou algum tipo de preconceito ou exclusão, tornam-se facilmente membros das redes do narcotráfico. Os símbolos das gangues antigas ou das novas facções, correspondem a uma mistura entre novas e velhas formas de criar territórios na periferia.
Embora ainda exista pichadores que atuam na cidade de Belém com suas chamadas “artes de rua”, vários deles, principalmente os chamados “velha guardas” tem algum tipo de relação com o tráfico de drogas, suas ações correspondem a um movimento chamado por eles de “fissura”, ou seja, uma espécie de “vício” que eles carregam consigo e que os levam a pichar pela chamada “city”. Por outro lado, os mais novos na pichação e que também tem algum tipo de relação com tráfico já trazem os símbolos que representam o comando do tráfico.
Vejamos alguns exemplos de pichações que nos trazem símbolos de grupos que tem algum tipo de relação com o tráfico de drogas a partir das chamadas “equipes”, mas pode ser também que sejam encontradas a palavra “bonde”, mas no caso do termo “bonde” é mais precisa a sua utilização para integrantes de Torcidas organizadas de Clubes de Futebol de Belém, observa-se as imagens abaixo:
A imagem 1 acima trata da união de um grupo de gangues, quais sejam; Demônios da Matinha do Bairro de Fatima, Bando Rebelde do Tapanã, Turma da Barra e os Caras de Pau do bairro da Marambaia, Turma da Rua do bairro do Tapanã, e por fim, a Zorra do bairro do Panorama XXI no bairro do Mangueirão. Além disso, é importante também perceber esta conexão de vários bairros, por isso chamamos a atenção para fato de que nos anos de 1990 os Demônios da Matinha, Bando Rebelde e Caras de Pau da Marambaia e mais a Zorra do Panaroma XXI eram rivais e agora em um outro contexto aparecem unidas, é claro que o símbolo destas gangues pichados na parede representam muito mais do que uma simples união de gangues, visto que, elas não existem mais, agora quando falamos de todos símbolos pichados, isso significa dizer que existe uma conexão entres os bairros do Benguí, Fátima, Marambaia, Mangueirão, Guanabara, Cabanagem e Tapanã, para o narcotráfico isso significa um mercado expandido, principalmente pra quem abastece o comércio de cocaína na cidade.
Por outro lado, há uma questão importante a se destacar em meio a toda essa relação, chamados “patrões do tráfico” que atuam nos bairros, são pichadores que mesmo em atividade do tráfico continuam pichar, mas eles fazem as duas “descidas” (como é chamado ato de sair par pichar na cidade) armados e de carros, as vezes em dois ou três carros com grupos de pichadores, seja pela madrugada ou seja de dia, muitas vezes usam da força e da intimidação para pichar. Mesmo incorporados ao narcotráfico, compreendem bem o significado das pichações e dos símbolos para delimitar territórios e demostrar relações de poder.
Os “patrões do tráfico”, alguns até já moraram na periferia, a organizaram do jeito que lhes era conveniente e apenas controlam de fora o território, seus soldados exercem o papel de regular e disciplinar os sujeitos quando há algum desvio de conduta na relação estabelecida em função do comercio de cocaína no bairro. Portanto, são estas as práticas sociais que dão formas a organização espacial que se constitui em territórios, grafados, identificados, controlados, interpretados pelos moradores dos bairros, pelos sujeitos do tráfico, pela polícia, por fim, reconhecidos por quem convive com a produção de uma cultura da violência associada ao tráfico de drogas.
2 A “TERRITORIALIDADE PRECÁRIA” EM “AGLOMERADOS DE EXCLUSÃO” NA METRÓPOLE
Acredita-se na importância em se fazer um esforço teórico e empírico que possa enxergar nas formas precárias de produção do espaço urbano, alguma relação direta ou indireta com a produção de micro relações de poder que se constituem e ajudam a organizar as redes do tráfico de drogas em Belém, considerando também, todas as formas precárias de inserção da população que podem ou não serem aproveitadas pela economia do crime.
Nesse sentido, a leitura do espaço passou a ser fundamental para que se pudesse perceber os desdobramentos nos quais levam a múltiplas formas de se pensar as ações da sociedade sobre ele e isso remete-nos perspectivas de se considerar o espaço geográfico como uma categoria privilegiada para se entender o território e suas relações de poder. Foucault (1976, p. 22) vai nos dizer que “passamos de grande obsessão pela História, no século XIX, para uma época que “talvez seja a época do espaço”. A emergência do espaço com tamanha força dar-se-ia porque estaríamos vivendo agora a “época da simultaneidade”, da “justaposição”, “do perto e do distante, do lado a lado, do disperso”
Considerando que vive-se hoje em uma sociedade em redes, fica fácil perceber tal relação com os espaços que passaram a compor a dinâmica das redes do narcotráfico em Belém, pois não podemos esquecer que a globalização permitiu também a expansão de variados tipos de conexões, e entre elas, as conexões perversas das redes ilegais do crime organizado.
Mas, além disso tudo, a globalização promoveu uma “fragmentação” ou “inclusão precária” do espaço e da sociedade, estaríamos assim diante daquilo que Castells (1997) definiu como “integração perversa”, ou seja, atividades relacionadas a economia do crime, e aí teríamos como exemplo: o contrabando, a biopirataria, o tráfico de pessoas, o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro, dentre outros.
Os bairros são espaços sociais construídos ao longo do tempo pelas atividades humanas com ou sem o incentivo do Estado e foi dessa forma que se deu a configuração espacial de Belém, num primeiro momento confinada, com o surgimento dos bairros do Guamá, Cremação, Jurunas, Terra Firme e Barreiro, e num segundo momento, a sua fase dispersa como o expansão dos bairros do Benguí, Cabanagem e Vila de Icoaraci. Preferimos destacar só os bairros que estamos estudando, em bora saibamos que a dispersão também se deu em direção ao município de Ananindeua no sentido rodovia BR-316 e rodovia do Coqueiro. Por outro lado, também é importante destacar que todos estes bairros representam o significado simbólico de lutas pela moradia em meio aos processos de integração/exclusão dos projetos de modernização/valorização urbana de Belém.
Acompanhando esse contexto, temos também o histórico de negligencias das políticas urbanas em relação as estes espaços considerados periféricos, negligencias por parte do Estado e seu planejamento que acabaram por precarizar os espaços criando condições adversas que tornaram viável a construção de micro relações que manifestam interesses “obscuros” diante do que seria definido pela governamentalidade do poder público como normalidades.
As espacialidades urbanas assim, operam de forma dinâmica na construção de identidades territoriais, identidades estas associadas as diversas formas de reprodução social, entre as quais, as atividades criminosas. O narcotráfico em Belém, e nestes bairros citados em especial, criou identidades territoriais urbanas que manifestam-se em forma de conflitos entre os seus sujeitos, e destes com o Estado. Tudo isso, em função de “novos” fluxos que deram outro sentido ao espaço, portanto, jamais pode-se dissociar estes bairros de uma relação mais macro em nível de dinâmicas globais enquanto escalas de poder.
Os espaços formariam assim, segundo Santos (1996) pontos de “fixação da história de sua produção. Assim, o espaço entendido como um sistema de objetos e um sistema de ações articuladas seria uma produção histórica. Ainda segundo este autor, “os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, e fluxos novos ou renovados, que recriam as condições ambientais e as condições sociais, redefinindo cada lugar” (SANTOS, 1996, p. 50).
Nestes termos, devemos também considerar que a própria expansão periférica de Belém se deu por meio de processo desterritorializadores, onde parte da população “expulsa” das áreas centrais do centro da metrópole ou população sem terras para trabalhar no campo em outras cidades do estado e da região, também encontraram nos espaços periféricos ou nas áreas de baixadas, um lugar importante para as suas formas de reprodução social e de luta pela garantia de ter um lugar onde morar, mas marcadas por um intenso processo de “exclusão social” ou “exclusão socioespacial”.
Referindo-se ao conceito de exclusão em seu sentido mais estritamente social, alguns autores como o sociólogo José de Souza Martins (1997) tem preferência em utilizar o termo inclusão precária ao invés de exclusão social. O autor propõe uma análise da leitura sociológica-política, e não economicista, como afirma Martins:
[...] rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, suas esperanças, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva. Essas reações [...] constituem o imponderável de tais sistemas, fazem parte deles ainda que os negando (MARTINS, 1997, P. 14).
Nesse sentido, de acordo com a ideia de Martins não existe exclusão social, o que existe é uma contradição causada pelos processos sociais, políticos e econômicos que terminam por gerar certa exclusão, pois esses processos estão de acordo com a lógica do sistema, ou seja, representam as elites que estão no poder, porém de certa forma, a população pobre tem uma participação nesse sistema, mesmo que seja uma participação precária não significando uma total exclusão.
O tema da exclusão é mais um tema que faz parte de um conjunto (quase que se pode dizer "sistêmico") de categorizações imprecisas hoje em dia utilizadas para definir os aspectos mais problemáticos da sociedade contemporânea no terceiro mundo. Do tema da exclusão passou-se ao substantivo excluído, pressupondo, portanto, que se trata de uma categoria social e de uma qualidade sociologicamente identificável nas pessoas e nas relações sociais. Um atributo, como o atributo de trabalhador assalariado, aquele que, ao trabalhar, produz relações sociais singulares, gera contradições socialmente fundantes e engendra um tipo de mentalidade historicamente essencial. Algo, portanto, que corresponderia a uma verta consciência social das próprias vítimas da exclusão. No entanto, não é verificável na pratica, na vivencia dos chamados "excluídos" (Martins, 2002).
De fato, um dos dilemas é que uma nova dicotomia surge: os incluídos em oposição aos excluídos. Essa construção, entretanto, nega o ponto de vista praticamente hegemônico nas Ciências Sociais que é justamente a perspectiva antidualista de inspiração marxista: é um disparate nos referirmos aos "excluídos" quando esses mesmos indivíduos não se encontram fora, mas, antes, inseridos, embora precariamente, no sistema econômico. "Qual o sentido de falar em duas ordens de realidade, dos "incluídos" e dos "excluídos", se ambas são produzidas por um mesmo processo econômico que, de um lado, produz riqueza e, de outro, miséria?" (1997, p. 53).
Inclusive, nas condições brasileiras, esse "lupemproletariado" gerado pelo capitalismo, além de funcional ao sistema enquanto exército de reserva, é utilizado pelos segmentos integrados ao mercado de consumo como mão-de-obra, realocando cada vez mais recursos para o setor dinâmico (1997 p. 53). Não podemos nos esquecer das classes médias que, no geral, não hesitam, em contratarem empregados domésticos pagando baixos salários para tomar conta de suas casas, de sua comida e de sua sujeira, ao mesmo tempo em que não suportam que estes mesmos empregados utilizem os seus banheiros e o seu elevador.
Na verdade a categoria exclusão é resultado de uma metamorfose nos conceitos que procuram explicar a ordenação social que resultou do desenvolvimento capitalista. Mais do que uma definição precisa de problemas, ela expressa uma incerteza e uma grande insegurança teórica na compreensão dos problemas sociais da sociedade contemporânea (MARTINS, 2002).
Sendo assim, devemos nos livrar de estereótipos que nos enganam e que ao invés de expressar uma prática – a exclusão – acabam por induzi-la e, mais ainda. Faz-se necessário modernizarmos a sociedade, revolucionando suas relações arcaicas, ajustando-as de acordo com as necessidades da sociedade como um todo e não de acordo com os interesses do modo de produção capitalista. Em Belém podemos visualizar várias formas de “inclusão precária” que vão desde as práticas mais emblemáticas das relações de trabalho até o tipo de organização socioespacial que é configurado como estratégia de (sobre)vivência da população pobre em aglomerados.
Haesbaert (2004), Escolhe a expressão “aglomerados de exclusão” para traduzir a dimensão geográfica ou espacial dos processos mais extremos de exclusão social porque ela parece expressar bem a condição de “desterritorialização” – ou de “territorialização precária” – a que estamos nos referindo, a começar pelos próprios significados que carrega no senso comum explicitados pelo Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, tais como; aglomeração, ajuntamento, agrupamento, amontoamento, dentre outros significados.
Segundo este autor,
O termo “aglomerado” serve tanto para definir “conjuntos, agrupamentos” em geral – de onde provém concepções como as de “aglomeração humana” ou “urbana”, quanto para significar “amontoamento”, um tipo de agrupamento em que os elementos estão “ajuntados confusamente”. Esta é, aproximadamente, a noção aqui proposta para aglomerados de exclusão, espécie de “amontoados” humanos, instáveis, inseguros e geralmente imprevisíveis na sua dinâmica de exclusão” (HAESBAERT, 1997, p. 148).
Pois sendo assim, podemos nos referir a problemática da habitação no Brasil, sobretudo, em suas metrópoles, onde o problema da habitação está no centro das nossas questões urbanas, em razão da exclusão de grande parte da população no mercado imobiliário formal, a "solução" para esse déficit habitacional tem sido a inclusão marginal na cidade, prevalecendo uma lógica perversa que é produtora da maior parte dos nossos problemas. E na Amazônia, a expansão urbana de Belém foi caracterizada pelo permanente e crescente descompasso entre o lento crescimento urbano e a rápida expansão de suas margens.
Nos anos de 1980 e também no início dos anos de 1990 Belém tornou-se conhecida como a “capital das invasões” devido os vários movimentos de ocupação da terra para a moradia que explodiram em direção a área da Augusto Montenegro no sentido Icoaraci e também no sentido do município de Ananindeua, além de ter que lhe dar com as invasões em sua zona periférica do centro. E nesse processo, surgiram as áreas da Cabanagem, Paracurí I e II, Tucunduba I e II, invasão da Malvina, Invasão do Catalina, dentre várias outras que não cabem descrever aqui.
A imagens 2 acima é um exemplo de “aglomerados de exclusão”, instável, inseguro e precários, é resultado de um processo de urbanização onde o planejamento institui uma forma biopolítica de se pensar o espaço, e portanto, contribui para a reprodução dessa população nessas áreas. Mas, há ume preocupação do estado visto que a reprodução do homem-espécie, forma populações perigosas, e portanto, “matáveis” aos olhos do Estado.
Foucault (2002[1976]), se refere à população como “um novo corpo: corpo múltiplo, corpo com inúmeras cabeças, se não infinito pelo menos necessariamente numerável” (p. 292), e nesse sentido, passará a ser objeto de biopolítica, “a população como problema político, como problema a um só tempo cientifico e político, como problemas biológicos e como problemas de poder (FOUCALT, 2002, p. 293), “que irá se sobrepor à sociedade disciplinar mais preocupada com o controle individual” (HAESBAERT, 2004, p. 325).
Esta situação de instabilidade, constante movimento e condições de sobrevivência extremamente precárias revelam se não um "aglomerado de exclusão", no sentido aqui aludido, pelo menos um processo em direção a ele. Na verdade, a população excluída dos "aglomerados" pode não ser socialmente relevante – pelo menos momentaneamente – nem na condição de trabalhadores (diante do desemprego estrutural), nem de consumidor (dado seu nível extremo de pobreza, muitas vezes sobrevivendo, apenas com os restos deixados pela "sociedade do consumo"[...]. Não se trata nunca de uma exclusão total, existindo laços que os ligam à sociedade formalmente instituída que produz. Considerada esta restrição, não é exagero afirmar, que muitas vezes eles constituem "uma massa indefinida e desintegrada", como dizia Marx, sem uma clara função social. (HAESBAERT, 1996, p. 324).
Os aglomerados que estão aqui sendo apresentados tratam-se de processos de ocupações espontâneas que caracterizam a expansão da periferia de Belém. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE (2010), a Região Metropolitana de Belém (RMB) concentra 89% da população em aglomerado subnormais no estado do Pará. Se formos partir da análise em função do número de habitantes, são 1.131.268 pessoas nessas condições, correspondendo a 52% de toda a população da RMB que é de 2.097.287. Entre todas as Regiões Metropolitanas do Brasil, Belém tem a maior proporção de residentes em favelas.
É claro que estes dados são mais a título de ilustração para podemos ter noção de que existem “aglomerados de exclusão” dispersos por toda a RMB e mesmo descordado da metodologia utilizada pelo IBGE e achando até exagerada, de certa forma, servem para nos dar um direcionamento em relação à formação destes aglomerados.
Ainda segundo o IBGE (2010), na RMB estão as 12 maiores favelas do Brasil, uma delas é a baixada da Estrada Nova, que vai do Jurunas até o bairro do Guamá e aparece como a mais populosa de Belém com uma população de 53.129 moradores.
Podemos dizer que os “aglomerados de exclusão” são espaços de funcionamento de toda e qualquer forma de sobrevivência o que facilita a inclusão precária de sua população em atividades informais inseridas na economia urbana que favorece também a uma territorialidade precária de sua população.
Assim,
Os aglomerados de exclusão, mais do que espaços à parte, claramente inidentificáveis, são frutos de uma condição social, extremamente precarizada, onde a construção de territórios "sob controle" (termo redundante) ou "autônomos" se torna muito difícil, ou completamente subordinada a interesses alheios à população que ali se reproduz. A aparente desordem que rege esta condição, num sentido negativo de desordem, é fruto da não – identificação dos grupos com seu ambiente e o não – controle do espaço pelos seus principais "usuários". De qualquer forma, é como se o "vazio de sentido" contemporâneo, reproduzido na abordagem sociológica pela controvertida noção de "massa" tivesse sua contrapartida geográfica na noção de "aglomerados de exclusão" (HAESBAERT, 1996 p.327).
Pode-se, assim dizer, que os “aglomerados de exclusão” tem uma função social para a organização do tráfico de drogas, pois o tráfico chega e se apresenta, seleciona mão de obra barata e descartável e promove um controle do espaço “de fora” para “dentro”, onde as micro relações de poder são constituídas como um característica inicial da escala de poder em seu nível mais amplo.
Foi assim que ocorreu no Buraco Fundo em Icoaraci, na Invasão do Tocantins e Uxiteua em Icoaraci, no Tucunduba na área do Guamá e da Terra Firme, na Cabanagem, na “área de invasão” do Barreiro, no Jurunas, Benguí e Sacramenta. Todos estes bairros, apresentam internamente “aglomerados de exclusão” assim como algum tipo de “inclusão precária.
Estes elementos nos levam a falar de territorialidade precária nesse caso, não associada ao tráfico, mas às formas de territorialização da população a partir da luta pelo direito à moradia que construí formas alternativas de construção e habitação, e nesse sentido, a precarização se dá também pela precariedade das políticas urbana, portanto, os “aglomerados de exclusão”, em uma escala metropolitana, podem ser também “aglomerados urbanos”, precarizados ou não se constituem enquanto territórios.
A desterritorialização associada aos processos de “exclusão social” ou “exclusão socioespacial”, leva-nos ao embate que envolve essas populações dos aglomerados por nos identificados, onde por mais que seja sinônimo de precarização a reterritorialização faz parte da natureza do homem que busca o seu território, assim se dá a “territorialidade precária”.
No espaço urbano de uma metrópole como Belém que apresenta uma periferia dispersa, reconhecemos a grande diversidade socioespacial que se manifesta, sobretudo, nos “aglomerados de exclusão” ou como preferimos chamar; “aglomerados urbanos de exclusão”, quando nos referimos aos processos de expansão urbana associada a precariedade na produção do espaço, fragmentação do tecido urbano, instabilidade social, insegurança e violência urbana.
Esses espaços são fundamentais para a expansão da marginalidade, criminalidade e precariedade das relações de trabalho. Nos bairros populares e nas favelas percebe-se a forte presença da violência urbana, todavia esta não produziu os efeitos desorganizadores como hoje se produz a violência associada ao tráfico de drogas. Ela cria um clima social e uma cultura que diminuem enormemente a eficácia normativa necessária às práticas e às relações de solidariedade, incidente especialmente nos jovens moradores dos bairros populares. Aqueles que são recrutados pelas organizações criminosas e adquirem rapidamente massivos recursos, sejam eles armas ou dinheiro.
A “integração perversa” definida pelo autor acima, perpassa pelos “aglomerados de exclusão”, “inclusão/territorialidade precária” diz respeito à economia do crime, pois é uma forma de seus sujeitos de algum modo buscarem a inclusão/integração junto a sociedade do consumo. O narcotráfico, o contrabando, o tráfico de armas, dentre outras atividades ilegais, representam atividades espacializadas na metrópole, mas nenhuma delas exerce maior controle sobre o espaço/território do que o narcotráfico em rede, sua geometria de poder em Belém, carece das mico relações de poder que pode ter nos aglomerados um importante potencial de articulação/organização.
3. OS TERRITÓRIO EM REDES E EM ZONAS DO NARCOTRÁFICO EM BELÉM
O tráfico de drogas em Belém acabou por encontrar duas formas de organização espacial, uma que parte de uma lógica reticular ou em redes, que coloca Belém como uma espécie de “nexo” ou de “nó” de uma rede muito mais ampla de organização espacial do tráfico, assim como, os bairros internamente também compõem esta estrutura e portanto, não são espaços isolados de um contexto regional-global. E um uma segunda forma, que já trata diretamente dos bairros em si e suas organizações intraurbanas, ou seja, uma lógica mais zonal de organização, entre redes e zonas temos então; o território-rede e o território-zona.
Quando se trata de Belém, temos que considerar que as redes do tráfico de drogas só se definem a partir das micro relações de poder que são estabelecidas nos bairros, onde estas micro relações que conseguem compor um conjunto de relações que irão definir a configuração de territórios sobre o controle do tráfico de drogas que ao se articular em redes ganham uma dimensão mais ampla.
Então, deve-se deixar claro, que no casso da metrópole amazônica, foram justamente estas micro relações que foram instituídas e que deram condições para que hoje toda a estrutura do tráfico fosse predominantemente em redes, não que estas formas mais tradicionais de territórios desaparecessem, mas as redes organizaram um movimento de distribuição e controle destes bairros de tal forma, que eles são fortemente influenciados por ordens “externas”.
Essa relação entre o “dentro” e o “fora” que são intermediadas pelas redes, redes ilegais que se estabeleceram sobre a região amazônica, é que ajudam a enxergar esta conexão territorializada, e portanto, Belém convive em meio os territórios-rede ou território em redes, e territórios-zona, termos que pegou-se emprestado de Haesbaert (2004). É diante desse contexto tem-se uma multiterritorialidade, onde segundo Haesbaert (2002) estará reunida em três elementos essenciais que são; os territórios-zona, os territórios-rede e os “aglomerados de exclusão”.
Nos território-zona prevalece a lógica política, nos territórios-rede prevalece a lógica econômica e nos aglomerados de exclusão ocorre uma lógica socioeconômica das pessoas, onde Haesbaert (2002) vai destacar que esses três elementos não são mutuamente excludentes, mas integrados num mesmo conjunto de relações socioespaciais, ou seja, compõe efetivamente uma territorialidade ou uma espacialidade complexa, somente apreendida através da justaposição dessas rês noções ou da construção de conceitos “híbridos”, como o território-rede.
Sendo assim, o narcotráfico atua na periferia da cidade de duas formas: uma a partir da configuração de um território-rede, organizado de “fora para dentro”, e outra por meio da construção de um território-zona, ou seja, organizado de “dentro para fora”. Os dois conceitos que serão aplicados neste artigo não se anulam, são complementares e interdependentes. Para a manutenção do território-zona é preciso uma articulação em rede que abasteça os pontos de venda de droga, e nesse sentido a zona está dentro de uma lógica reticular que dá sentido ao território-rede, sobreposto sobre o território-zona.
Pensando nas formas de distribuição da cocaína em especial, para a cidade de Belém, tem-se que imaginar as mais “inteligentes” formas de transportes da droga, assim como, também deve-se considerar a importância que a cidade adquire pelo fato de estar banhada por uma baia (baía do Guajará) que permite ter um contato com o rio a partir do desenvolvimento de um comércio regional que apresenta um intenso fluxo de pessoas e de mercadorias. Em meio a esta característica, traficantes “camuflam” a droga que vem transportada de barcos, onde ribeirinhos são aliciados por eles e muitas vezes os donos das embarcações nem sabem que carregam droga, que pode vir camuflada inclusive dentro de frutas, pescados, dentre outros, uma tarefa bastante difícil para a segurança pública.
Por isso, pontos e trapiches tornaram-se portas de entradas de cocaína em Belém, somando-se as estradas, o narcotráfico organiza a sua estrutura em redes que envolve toda a metrópole, por isso é tão difícil conter esse tipo de organização em Belém, depois dos territórios definidos nos bairros, torna-se fácil abastecer e controlar de “fora” o comércio. O mapa a seguir baseado em relatório de campo e registros de apreensão da Polícia mostram uma cartografia das redes de distribuição em Belém.
É fácil de identificar os pontos mais concentrados na Zona Sul de Belém aonde estão os bairros da Cremação, Guamá e Terra Firme, com destaque para o Igarapé do Tucunduba onde ao entorno de seu leito que foi ocupado por um forte processo de ocupação espontânea, temos empiricamente o limite entre os dois bairros, e o bairro do Jurunas que teve seu processo de ocupação também associado ao crescimento espontâneo, porém o bairros nasce na beira do rio e ainda, ambos os bairros mantem formas precárias de habitação no entorno do rio, trapiches, portos, estancias, comércios e um fluxo continuo de pessoas e mercadorias que fazem parte da interação com as ilhas de Belém.
E nesse movimento que o narcotráfico se territorializa hoje, controla os fluxos de cocaína que são distribuídas na cidade, impulsionam um comercio interno, mas ao mesmo tempo dependente de uma ação externa, de uma forma ou de outra, a rede é o elemento que define as formas de controle externo.
Se buscar a relação de Belém com as redes do tráfico de drogas, remete-se ao papel da Amazônia como área de transito da cocaína para mercados nacionais-mundiais, e claro, destacar que o consumo de cocaína nos últimos anos tem aumentado o que de certa forma destaca o país como segundo principal mercado consumidor de cocaína ficando atrás apenas dos EUA de acordo com o relatório do Escritório da Nações Unidas Sobre Crimes Globais de 2014.
Esse processo de territorialização do tráfico de drogas utiliza-se de fluxos materiais (tráfico de drogas e armas e contrabando de mercadorias) e imateriais (fluxos de capitais para lavagem de dinheiro e fluxos de informações) que acompanham a evolução dos mercados e utilizam-se também, de vantagens da revolução tecnológica para aprofundar suas transações comerciais. Com maior fluidez no espaço, as fronteiras tornam-se porosas e no caso da Amazônia, ainda temos o problema da dimensão geográfica que por muito facilita o cima de tensão constante em suas fronteiras precariamente vigiadas.
O destino final torna-se as cidades da região, principalmente as metrópoles como Belém e nesse jogo o território ganha uma dimensão importante para o controle dos fluxos que alimentam os bairros de Belém no contexto do narcotráfico. Por isso, Haesbaert (2004) vai deixar claro que não se trata simplesmente de priorizar o expressivo sobre o funcional, mas de reconhecer sua permanente imbricação. Se o território hoje, mais do que nunca, é também movimento qualquer, ou de um movimento de feições meramente funcionais: ele é também um movimento dotado de significado, de expressividade, isto é, que tem um significado para quem o constrói e/ou para quem dele usufrui.
O tráfico tem esta característica em Belém, as pichações, os bondes, os significados que são construídos representam um valor simbólico para os seus sujeitos, uma vez reconhecidos podem significar respeito e obediência, mas por outro lado, também pode representar tensões e conflitos pelo uso do território ou domínio do espaço. Constantemente, em Belém nos bairros do Guamá, Jurunas e Terra Firme, ocorrem ou se manifestam conflitos de toda ordem relacionadas com o tráfico de drogas e seus sujeitos, o que não é diferente também no Benguí, Cabanagem, Sacramenta, Barreiro e Icoaraci. Hoje a expressividade do narcotráfico na metrópole, é indissociável a relação entre redes e territórios, Belém sob esta influência dos fluxos, ao se tornar ponto da rede em escala regional-global e apresentar zonas em uma escala intraurbana metropolitana, vai cumprindo este duplo papel na economia perversa do crime. Torna-se também, palco de lavagem de dinheiro com diversas formas de incorporação do dinheiro sujo do tráfico aos mercados urbanos, sobretudo, nos próprios bairros sobre o seu controle.
Assim, os bairros são “portas de entrada” da droga pelos rios, onde atividades legais se misturam junto as atividades ilícitas, como por exemplo, os bairros mais localizados na Zona Sul como já destacado, a área da cidade em que diversas atividades econômicas ocorrem na beira dos rios e que mantem esse fluxo cotidiano onde o rio é um elemento importante para se pensar as redes, mas além disso tudo, não se pode restringir o debate apenas a esta análise em que veicula o tráfico de drogas em uma relação muito mais tradicional e do tempo lento que envolve a Amazônia. Existem formas mais modernas de conexão que destacam-se pelas redes técnicas mais modernas e estão em uma escala de poder mais ampla do que se imagina, conexões estas que de certa forma ao promoverem a territorialização do narcotráfico de um lado, por outro, promovem a desterritorialização do Estado.
Seria exagero afirmar que o Estado perdeu total controle sobre o seu território, só que aqui fala-se de uma atividade que está inserida em uma “economia subterrânea”, muitas vezes invisível aos olhos do Estado, e quando visualizada, incorporada por eles em esquema de corrupção e aí neste caso, o tráfico confunde-se com a própria instituição Estado.
A seguir, o mapa 03 a nos apresenta uma cartografia dos bairros ou setores como preferimos definir para algumas áreas, que estão sobre o controle do narcotráfico, da Zona Sul até a Zona Norte, bairros inteiros transformaram-se em territórios-zonas conectados a territórios-redes, onde a rede acaba por dar sentido nessa relação onde o exercício do poder é fundamental para que ela se efetive, é a partir deste bairros que Belém se insere na dinâmica do tráfico, por eles, se organiza toda a atividade e movimento que dão sentido ao comércio/varejo de cocaína, principalmente.
Na Zona Sul de Belém, mais precisamente nas áreas de baixadas que obedecem ao caráter inicial da formação da metrópole confinada, temos os bairros da Condor, Cremação, Guamá e Terra Firme, destacando a relação que estes bairros estabelecem com o rio, com os portos, com as rotas do tráfico de droga em uma escala intraurbana. É a parte da cidade onde os portos ou trapiches desempenham o papel de receptores, em meio a uma mistura com as diversas mercadorias que historicamente fazem parte do cotidiano destes bairros, o tráfico consegue encontrar um local privilegiado para camuflar suas mercadorias.
Na Zona Oeste de Belém, ainda dentro da formação confinada da metrópole, destacam-se os bairros do Barreiro, Pedreira e Sacramente, onde na região do barreira há um destaque maior, pois o bairro apresenta uma complexa organização espacial, na qual as áreas de difícil ou entorno do canal destacam-se pela presença de criminosos que praticam assaltos na área da avenida Pedro Alvares Cabral, nesse sentido, destacam-se; o Canal da São Joaquim que liga os bairros do Barreiro, Sacramenta e Telégrafo, a passagem São Benedito e a Passagem Santa Rosa, nos bairros da Sacramenta e Pedreira também há pontos dispersos em áreas de canais ou áreas que caracterizam ocupações espontâneas. O controle do tráfico sobre estes bairros, está só na distribuição da droga, os comados internos realizam suas atividades e prestam cintas com o fornecedor, não há evidencias de grandes traficantes ou chefões do tráfico residido nestes bairros e tomando conta dos mesmos.
Na Zona Leste, os bairros do Benguí e Cabanagem se apresentam enquanto zonas territoriais do tráfico de drogas, com um destaque muito maior para o bairro da Cabanagem e sua conexão com o bairro do Uma. O crescimento destes bairros obedece a dispersão populacional para além da Primeira égua Patrimonial da cidade, é a fase do formação da metrópole dispersa, com expansão em direção a rodovia augusto Montenegro no sentido Icoaraci e Outeiro.
E finalmente, a Zona Norte de Belém, na Vila de Icoaraci, o bairro do Paracurí, o Buraco Fundo, a Invasão do Tocantins, a passagem Fé em Deus e a Rua Uxiteua, fecham o nosso mapeamento de apresentação das áreas que estão sobre o controle do tráfico. Ressaltamos, que no caso da Zona Norte, não podemos também deixar de considerar a importância dos rios para a articulação do tráfico de drogas, bem como, o processo de ocupação espontânea também favoreceu a criação de uma organização complexa com becos e ruelas que facilitam a ação de pequenos aviãozinhos ou traficantes.
Os bairros seriam assim, do ponto de vista das relações e de sua essência, os territórios fechados do tráfico de drogas, diante de uma articulação local e global, são nexos orientados pelos fluxos que perpassam os limites do Estado territorial, superpostos e dinâmicos nas formas de apropriação/dominação do espaço, complexos em sua composição e contraditórios em sua produção. Mas, quando se trata do narcotráfico, prevalece em sua natureza o exercício do poder, aquilo que dá sentido real para o território.
“Um território, antes de ser uma fronteira, é primeiro um conjunto de lugares hierarquizados, conectados a uma rede de itinerários. A territorialização engloba, ao mesmo tempo, aquilo que é fixação [enraizamento] e aquilo que é mobilidade; em outras palavras: tanto os itinerários quanto os lugares” (BONNEMAISON, 1981, p. 253-254 apud HAESBAERTH, 2004, p. 280). O território na perspectiva do narcotráfico está estruturado, zonal e reticular, de micro relações de poder até as relações mais macros, o poder está por toda a parte, essencial e necessário para a manutenção de uma atividade que desenha a sua própria Geografia, que rivaliza ou até compactua com outras estruturas territoriais.
As estruturas territoriais nos mostram que o território não é unidade homogênea, pois existe toda uma complexidade dos elementos que promovem as diversas configurações, algumas específicas de acordo com a perspectiva estruturante do território, por isso, Para Deleuze e Guattari (1997, p.120-121), o território “tem uma zona interior de domicílio ou de abrigo, uma zona exterior de domicílio, limites ou membranas mais ou menos retráteis, zonas intermediárias ou até neutralizadas, e reservas ou anexos de energia”.
Para Haesbaert (2004, p. 282):
Nesta abordagem, fica mais fácil visualizar um território forjado numa lógica zonal ou em superfície, como uma área delimitada por fronteiras. Ela sugere também um território no sentido mais tradicional ao estabelecer uma espécie de hierarquia entre interior-exterior, “residência”, “zonas intermediárias” e “anexos”. Deleuze e Guattari certamente não estão inspirados aqui num território de feições mais rizomáticas que, provavelmente, na sua interpretação, estariam mais associados a processos desterritorializadores.
O tráfico de drogas necessita de uma área de controle para o comércio/varejo da droga, e sendo assim, alguns grupos impõem limites e regras de acordo com seus códigos às pessoas de “fora” e de “dentro”, sobretudo, os sujeitos do tráfico que estão sob o controle efetivo dessa atividade. É dessa forma que se configura um território-zona ligado ao narcotráfico. É preciso chamar a atenção para fato de que o território-zona só se definiria como tal pela predominância das dinâmicas “zonais” sobre as “reticulares”, mas não pela sua dissociação. Ou seja, território-zona não estabelece em momento algum uma relação dicotômica ou dual com sua contrapartida, o território-rede (HAESBAERT, 2004, p. 286).
Para Haesbaert (2004), tem-se então duas formas ou lógicas de territorialização: uma pela lógica zonal, de controle de áreas e limites ou fronteiras, outra pela lógica reticular, de controle de fluxos e polos de conexão ou redes. Para este autor, a diferença entre zonas e redes tem origem em duas concepções e práticas distintas do espaço, uma que privilegia a homogeneidade e a exclusividade, outra que evidencia a heterogeneidade e a multiplicidade, inclusive no sentido de admitir as sobreposições espaço-temporais.
O que ocorre de fato em relação ao narcotráfico em Belém e sua relação com os bairros apontados aqui, é a existência de “[...] conexões com o exterior, que às vezes são até mesmo privilegiadas em relação às conexões internas, representam processos concomitantes de desterritorialização, ou seja, neste caso, de perda de controle do Estado em relação às dinâmicas internas ao território nacional (HAESBART, 2004, p. 294).
Com grande impacto sobre as metrópoles o narcotráfico promove a criação de territórios urbanos desterritorializadores em relação às normas legais não reconhecidas e em relação também a própria figura do Estado e não podemos esquecer que o Estado enquanto instituição jurídico-política também tenta de todas as formas regularizar o uso do território, impõem também uma lógica de violência legitima que culmina nas políticas de combate ao narcotráfico que muitas vezes se confunde com formas biopolíticas de controle do espaço e nesse sentido é importante reconhecermos as tentativas de reterritorialização do Estado ou novas formas de territorialização.
Sobre as redes, é imprescindível uma análise que dei conta de entende-las a partir da superposição de territórios que elas causam, pois se misturam com outras formas de territorialização, competem ou em alguns casos, se aliam. O narcotráfico e o Estado atuam das duas formas, tanto territórios em redes, quanto territórios em zonas, são criações de ambos, por isso é tão importante enxergar esta multiterritorialidade presente no espaço geográfico.
Então, ao tratar do narcotráfico em Belém, estaríamos diante de uma força que se enraíza no território, ou seja, um poder, que não arriscamos chamar de “poder paralelo”, visto que, existe uma relação imaterial, invisível ou virtual com as instituições ou com o próprio Estado, como visualizada em nossa análise. Por fim, a mais importante perspectiva diante do conceito de território para entender o narcotráfico na metrópole é a sua natureza puramente política que nos faz superar a definição de seus conceitos a partir da perspectiva de um poder “único”, “legitimo” e “exclusivo” do Estado, são diferentes configurações territoriais, continuas e descontinuas, zonais e reticulares ou superpostas, que dão sentido para a noção de multiterritorialidade.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema do narcotráfico e suas implicações territoriais nas metrópoles brasileiras se apresenta enquanto um objeto de investigação científica bastante pertinente, no entanto, ainda pouco explorado pelas Ciências Sociais. Diante desse contexto, a pesquisa desenvolvida neste artigo buscou construir uma breve interpretação acerca deste objeto a partir de uma realidade vivenciada na metrópole de Belém na Amazônia Oriental (Brasil). Portanto, os territórios do narcotráfico tornam-se dependentes das redes que mantêm o controle e o domínio das configurações espaciais, políticas e econômicas que dão sentido para toda a organização e estrutura que envolvem os fluxos de produção, distribuição e consumo de drogas ilícitas.
Diante deste contexto, Belém está conectada a uma rede de relações organizacionais da economia do crime, como aponta o resultado da pesquisa, pois a cidade é um dos nós das redes do narcotráfico na Amazônia e faz parte de uma teia complexa e bem estruturada de relações globais e locais que articulam a movimentação dos fluxos que alimentam o “mercado da droga”.
Os bairros que foram constatados com este forte domínio do narcotráfico, historicamente, conviveram com a precariedade que é absorvida pelas redes, organizadas pelos micropoderes e monopolizadas em escalas mais macros das relações de poder. Assim, as redes se apropriaram de tal forma que passaram a controlar as zonas. Nesse sentido, têm-se as configurações na metrópole que levam a aquilo que Haesbaert (2004) define como “territórios-zona” e “territórios-rede”, dada a complexidade deste fenômeno, em Belém.
As estratégias de dominação político-econômica e apropriação simbólico-cultural (HAESBAERT, 2004) foram construídas na periferia e sobre a periferia, por isso, bairros inteiros transformaram-se em zonas de controle das redes do narcotráfico e os sujeitos passaram a cumprir várias funções diante dessa dinâmica territorial. Para Foucault (1995), a palavra estratégia é corretamente empregada em três sentidos: para designar a escolha dos meios empregados para se chegar a um fim, trata-se da racionalidade empregada para atingirmos um objetivo; para designar a maneira pela qual um parceiro, num jogo dado age em função daquilo que ele pensa que deve ser a ação dos outros; e, por último, daquilo que ele acredita que os outros pensarão ser a dele, em suma, a maneira pela qual se tenta ter uma vantagem sobre o outro.
Por isso, consideram-se também os “aglomerados urbanos de exclusão”, que se trata de uma problemática urbana no qual o termo “exclusão” não significa dizer que eles estão fora das redes, pelo contrário, estão sobre os efeitos delas. Por isso, foi realizada uma cartografia dos bairros que hoje estão sobre o controle do narcotráfico, suas redes e conexões em termos da chegada e distribuição da droga pelo espaço urbano de Belém. Esta explicação torna-se necessária para demonstrar os níveis de integração dos bairros com as redes, ao mesmo tempo em que destaca uma interação entre eles, que diz respeito ao comércio intraurbano do tráfico de drogas.
Por fim, o narcotráfico ganhou dimensões políticas significativas no contexto urbano das grandes cidades brasileiras. A cidade de Belém, enquanto uma metrópole, não está isenta das ações das redes ilegais. Tal problemática aparece na urbanização contemporânea como um dos grandes desafios das políticas urbanas. Analisar a sobreposição territorial ou multiterritorialidade do narcotráfico é, nestes termos, a tentativa de uma contribuição teórica e empírica que permeou toda a discussão que foi tratada nesta tese. Porém, é preciso levar em conta todos os questionamentos relevantes que tornam este tema ainda mais instigante e inovador enquanto um fenômeno urbano e social que faz parte da realidade das cidades do Brasil e da Amazônia legal.
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